Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0188/17
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADVOGADO
HONORÁRIOS
Sumário:Não é de admitir a revista quando esteja em causa apenas a fixação de despesas e honorários e não seja manifesto que as instâncias decidiram manifestamente mal essa questão.
Nº Convencional:JSTA000P21615
Nº do Documento:SA1201703160188
Data de Entrada:02/20/2017
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……………… e B……………., na sequência do Acórdão do TAC Norte de 01/10/2010, que condenou o Estado Português a pagar a cada um deles a quantia de € 5.000,00 a título de danos morais por atrasos na administração da justiça, bem como nos honorários a liquidar em execução de sentença, apresentaram nesse incidente de liquidação, a correr termos no TAF de Penafiel, dois requerimentos.
- No primeiro pediram ao Ex.mo PGA no TCAN o “pagamento das despesas relativas à preparação, instauração e acompanhamento do processo judicial no valor global de € 1.519,66 (cf. fls. 566 a 568 dos autos);
- No segundo “deduziram o incidente de liquidação dos honorários atinentes à acção tramitada no TAF e ao incidente de liquidação, que quantificaram no total de € 10.147,50, já incluindo os juros até então vencidos (cf. fl. 590 a 597 dos autos)”.

Aquele Tribunal indeferiu o requerimento para pagamento de despesas e julgou improcedente o incidente de liquidação de honorários, absolvendo o requerido dos pedidos.
Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte manteve (Acórdão de 07/10/2016, proc. n.º 698/06.6BEPNF).

É desse acórdão que os Autores vêm recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Na sequência da condenação do Estado Português a pagar a cada um dos Recorrentes “a quantia de 5.000 euros a título de danos não patrimoniais assim como os honorários a liquidar com juros moratórios à taxa legal desde a citação até integral pagamento” por atrasos na administração da justiça na reclamação de créditos, que correu termos no Tribunal de Santo Tirso, aqueles, no incidente de liquidação, apresentaram dois requerimentos; o primeiro, a solicitar ao Sr. PGA junto do TCAN o pagamento das despesas relativas à preparação, instauração e acompanhamento do processo judicial no valor global de €1.519,66 e, o segundo, a deduzirem incidente de liquidação dos honorários atinentes à acção tramitada no TAF e a esse incidente, que quantificaram em € 10.147,50.
E, por outro lado, deduziram no TEDH, queixa contra o Estado Português a pedirem uma indemnização que os compensasse pela morosidade não só da reclamação de créditos como do processo onde foi proferida a mencionada condenação. Queixa que terminou com acordo onde o Estado se comprometeu a pagar “11.200 euros por danos morais e 1.500 euros para custas judiciais e despesas e os Recorrentes renunciaram a quaisquer outros pedidos contra Portugal sobre os factos que estiveram na origem do seu pedido.”
Acordo que o TEDH julgou válido pelo que ordenou o arquivamento da queixa.
Não satisfeitos com esse acordo os Recorrentes apresentaram requerimento pedindo que se lhes “atribua uma indemnização por danos patrimoniais, morais, despesas e honorários nos Tribunais nacionais e no Tribunal Europeu, como juros de mora, tudo a apresentar oportunamente.”

Este último pedido foi, porém, indeferido pelo TAF de Penafiel por ele ter considerado que “os queixosos decidiram por vontade própria aceitar um acordo amigável com o Estado Português, anuindo em serem indemnizados por danos morais no valor de € 11.200,00 e em € 1.500,00 a título de «custas judiciais e despesas» …, mais dizendo que renunciavam «…a qualquer outra pretensão contra Portugal…». Esta renúncia significa, portanto, que na sequência do acordo os ora Requerentes estavam a abdicar de qualquer outro pedido relativo aos processos nos tribunais nacionais, concluindo-se, assim, que por via do processo negocial, onde naturalmente ocorrem cedências de ambas as partes, os Requerentes acabaram por abandonar o pedido de honorários.

Ao não ser entendido aquele acordo como a resolução definitiva do litígio que opõe os Requerentes ao Estado Português, dar-se-ia a situação inadmissível dos ora Impetrantes poderem ser ressarcidos duas vezes pelos mesmos factos, numa clara duplicação de despesa para o Estado, quando o Estado Português com o qual os Requerentes negociaram é uma única entidade.”

Apelaram para o TCAN dessa decisão, mas este confirmou-a pela seguinte ordem de razões:
"…. A argumentação utilizada pelos Recorrentes apoia-se em larga medida no entendimento segundo o qual, sendo diferentes as jurisdições nacional e internacional, não existia uma situação de litispendência ou de caso julgado, pretendendo assim isolar em divisórias absolutamente estanques o processo instaurado no TAF de Penafiel para efectivação de responsabilidade civil extracontratual resultante do exercício da função jurisdicional e, por outro lado, o processo consubstanciando na queixa instaurada contra o Estado Português junto do TEDH, pelos mesmos factos.
Esta estratégia de ataque à sentença foca-se, assim, em pressupostos de índole processual/formal, segundo os quais a responsabilidade civil do Estado Português, sendo invocada com assento na mesma causa de pedir, se autonomiza e multiplica consoante o número de jurisdições nacionais ou internacionais em que for invocada, no caso as jurisdições que os Recorrentes denominam “nacional” e “internacional”, entre as quais não existiria nem poderia ser invocada a excepção de litispendência ou caso julgado.

….. aceita-se como óbvia a inaplicabilidade técnica das regras sobre litispendência e caso julgado, mormente as previstas nos artigos 580º e 581º do CPC, vigentes no plano interno da Justiça portuguesa, às relações com jurisdições externas, incluindo o TEDH.
Mas já são aplicáveis a esse relacionamento entre jurisdições, certamente, os princípios éticos e racionais subjacentes àquelas normas, como os da certeza e segurança do direito, enraizados no conceito de “processo equitativo” consagrado no artigo 6º do CEDH, o qual é garantido a todas as pessoas, incluindo o Estado Português e que, seguramente repudia a possibilidade de os lesados serem ressarcidos cumulativamente em processos judiciais diferentes instaurados contra a mesma pessoa, pelos mesmos danos.
E chega-se ao ponto decisivo da questão, a transacção pela qual os Recorrentes e o Estado Português puseram termo ao litígio, e que aqueles não atacam abertamente - tanto mais que já colheram os seus frutos - sem quererem no entanto suportar as correspondentes contrapartidas, mormente as consequências da cláusula segundo a qual “renunciaram a quaisquer outros pedidos contra Portugal sobre os factos que estiveram na origem do seu pedido”.
Ao contrário do que os Recorrentes sustentam não há aqui qualquer “renúncia” pura e simples, ou seja gratuita, a um direito, mas antes uma composição de direitos mediante “recíprocas concessões… que podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do controvertido”, na expressão do artigo 1248º do C. Civil.
Finalmente e por várias razões, não se verifica o receado desrespeito pelo caso julgado estabelecido no acórdão deste TCAN de 01/10/2010.”
….”

3. Ora, os Recorrentes não aceitam essa decisão e daí a presente revista que sustentam dever ser admitida pelas razões sintetizadas nas seguintes conclusões:
6. O acordo foi explicitamente e restritivamente para um só assunto e só no TEDH.
7. O Estado português, no TEDH, não foi condenado a pagar nada relativamente às custas e despesas judiciais e honorários nas instâncias internas.
8. O que foi pago, e foi-o efectivamente, foi apenas relativamente ao processo no Tribunal Europeu.
11. O Estado português e a sentença não têm razão, pois trata-se de um tribunal nacional e outro internacional, portanto, duas diferentes jurisdições, abrangidas por diferente legislação.
12. Tratando-se de duas diferentes jurisdições, nacional e internacional, nunca as causas podem ser julgadas em conjunto ou sustada uma delas. Portanto, não há litispendência, e nem caso julgado. Um dos tribunais não pode suspender ou extinguir a instância ou declarar-se incompetente.”

4. Como se acaba de ver, está em causa a questão de saber se os Recorrente têm direito à atribuição de uma indemnização que os compense dos danos e as despesas que tiveram de suportar para obter uma decisão num Tribunal administrativo nacional.
Questão que se reduz a saber se o acordo celebrado entre o Estado Português e os Recorrentes, no âmbito da queixa que estes apresentaram no TEDH, no qual aceitaram a indemnização de € 11.200,00 por danos morais e € 1.500,00 a título de custas judiciais e despesas e renunciaram «…a qualquer outra pretensão contra Portugal…» também inclui as despesas que ora reclamam.
O que evidencia que ora está em causa é uma situação muito particular relacionada, unicamente, com o alegado direito a uma indemnização pelos danos e despesas suportados na acção que correu termos nos Tribunais Administrativos para obtenção de uma indemnização pelo atraso na administração da justiça no processo de reclamação de créditos tramitado no Tribunal de Santo Tirso. Com efeito, tendo aquele processo terminado com uma condenação do Estado no pagamento da quantia de € 5.000,00 a cada um dos Recorrentes a título de danos não patrimoniais, bem como nos honorários a liquidar em execução de sentença pelo atraso na resolução daquela reclamação de créditos e tendo a queixa tramitada no TEDH terminado por acordo que abrangeu não só os danos peticionados como as despesas e honorários “nos tribunais nacionais e no Tribunal Europeu”, com expressa renúncia a qualquer outra pretensão contra o Estado, tudo se resume à questão de saber se a quantia acordada naquele Tribunal abarcava também as despesas relativas à acção tramitada nos Tribunais Administrativos.
No entanto, e como é evidente, essa questão não tem dignidade suficiente para ser considerada uma questão fundamental de direito como, por outro lado, não se evidencia que as instâncias a tenham decidido manifestamente mal uma vez que não só o seu julgamento foi convergente como foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Março de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.