Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01097/12
Data do Acordão:05/08/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁRIA
DECISÃO
COMISSÃO DE REVISÃO
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE
Sumário:I - Deve ser fundamentada a deliberação da comissão de revisão que indefere o procedimento de revisão do acto de determinação da sua matéria tributável suscitado pelo contribuinte ao abrigo dos arts. 84º e segs. do CPT.
II - No caso de fundamentação por remissão, em face da exigência constitucional de que a fundamentação seja expressa (artº 268º, nº 3 da Constituição da República), deverá referir-se explicitamente a concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
III - Está inquinada de vício de forma por insuficiência de fundamentação, que implica anulação, a deliberação da comissão de revisão que não efectua remissão expressa para o relatório dos serviços de fiscalização; não indicação de forma clara as razões de facto e de direito que a determinaram e não esclarece se foram ou não considerados os erros de quantificação imputados pela reclamante.
Nº Convencional:JSTA000P15718
Nº do Documento:SA22013050801097
Data de Entrada:10/19/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A………., Lda, contribuinte fiscal n.° ………… e com os demais sinais dos autos, impugnou as liquidações de IVA dos anos de 1992 a 1994.
Por sentença de 26 de Junho de 2012, o TAF de Coimbra, julgou a impugnação improcedente. Reagiu a ora recorrente, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

1ª A douta decisão recorrida não se pronunciou sobre a questão relativa à verificação dos pressupostos para a mobilização dos métodos indirectos, abstendo-se, em consequência, de sindicar a validade substancial da actuação administrativa.

2. “Mutatis mutandis”, o Tribunal também omitiu pronúncia sobre a questão da falta de fundamentação dos critérios de quantificação mobilizados pela Administração, matéria que não se confunde com a fundamentação da decisão de aplicação dos métodos indirectos quanto aos seus pressupostos.

3.ª Da inclusão do teor do relatório da inspecção em sede de matéria de facto, desacompanhada de um juízo quanto aos factos dele constantes, não resultam provados os factos invocados pela AT, não sendo possível presumir a validade do acto tributário apenas a partir do declarado pela administração.

4.ª Não tendo sido dado como provada a existência de irregularidades que tornem impossível a comprovação directa e exacta da matéria tributável, é ilegal a aplicação de métodos indirectos.

5.ª Baseando-se as liquidações impugnadas na deliberação da acta da comissão de revisão que decidiu a aplicação dos métodos indirectos e a sua quantificação, é neste instrumento que hão-de ser perscrutados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de aplicação dos métodos indiciários e os respectivos critérios de quantificação.

6.ª Não havendo aqui qualquer remissão para o teor do relatório da inspecção quanto a essas matérias, esse relatório afigura-se inidóneo para dar a conhecer as razões de facto e de direito que presidem à decisão administrativa posteriormente reflectida nas liquidações.

7.ª O Tribunal erra na parte em que apreciou a questão da falta de fundamentação ao fazê-lo com base no disposto no relatório de inspecção e ao ignorar a deliberação da comissão, lavrada na respectiva acta.

8.ª E, na verdade, da acta da comissão de revisão não consta qualquer discurso fundamentador que suporte a decisão de aplicação de métodos indirectos; ou remissão para o teor do relatório da inspecção; nem, tão pouco,

9.ª Se dão a conhecer os critérios que determinaram a quantificação administrativa, os quais, quando mencionados, o que nem sempre sucede, assentam em meras abstracções subjectivistas vazadas em fórmulas gerais, vazias ou ocas que não permitem a compreensão do valor fixado pela AT.

10.ª É o que sucede quando se indica, por exemplo, que “o preço de venda do quilo não ultrapassou os 10$00/Kg, por ser este o valor que se entendeu ajustar-se mais à realidade”, sem que se indiquem os critérios com base nos quais se assume tal conclusão.

11.ª Ficando-se igualmente sem saber quais os critérios que determinaram a fixação das percentagens referidas nas diversas alíneas dos “fundamentos” da acta da Comissão de Revisão.

12.ª A fundamentação da decisão nos termos efectuados não permite que o destinatário da mesma reconheça o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pela Comissão que justifica a decisão, sendo que a fundamentação de tal acto, com consagração constitucional (cfr. art. 268 CRP), estava sujeita ao regime estatuído no art. 82.° do CPT e devia ser expressa, através de uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão, clara, permitindo que, através dos seus termos se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide, suficiente, possibilitando um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou e congruente de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

13. Apesar do acordo na comissão quanto ao valor a fixar, tal não dispensava a AT da exigência de fundamentação como decorria também do art. 82° do CPT, pois que só assim a impugnante sabia o caminho percorrido para tal finalidade sendo que também podia impugnar a liquidação com fundamento na errónea quantificação da matéria colectável.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, julgando-se procedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

Recurso interposto por A……….., Lda.:
Suscita a recorrente Resultam várias questões, todas relacionadas com a violação do direito a fundamentação acto tributário, o qual foi praticado após reclamação para a comissão de revisão da matéria colectável.
Em recente acórdão do S.T.A. proferido a 23/5/12 no proc. 0870/11 decidiu-se que “deve ser fundamentada a deliberação da comissão de revisão que indefere o procedimento de revisão do acto de determinação da sua matéria tributável suscitado pelo contribuinte ao abrigo dos arts. 84º e segs. do CPT.” e que “no caso de fundamentação por remissão, em face da exigência constitucional de que a fundamentação seja expressa (artº 268º, nº 3 da Constituição da República), deverá referir-se explicitamente a concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas”.
Assim, decidiu-se ainda nesse sentido num quadro ligeiramente diferente do que ocorre nos presentes autos, reconhecendo a existência de vício de forma por insuficiência de fundamentação, que implica a anulação da deliberação da comissão de revisão.
Contudo, quer parecer que no presente tal é também de dar por verificado.
Com efeito, ainda que no presente caso se tenha decidido no sentido de alterar os valores considerados na fiscalização, também não se remete expressamente quanto aos pressupostos de que aquela fixação depende para o relatório elaborado pelos serviços de fiscalização.
Por outro lado, decidiu-se proceder-se àquela alteração, mas sem que resulte esclarecidos com que base foram os indicados critérios utilizados.
Finalmente, também tal não resulta quanto aos erros de quantificação que tinham sido invocados pela ora recorrente) oferecendo prova em contrário.
Ora, a ser de entender tal necessário como parece, crê-se que não se poderá deixar de concordar com o que se mostra alegado quanto à falta de fundamentação do acto tributário ocorrer no presente caso.
Na procedência da violação do disposto no dito art. 82.º do C.P.T., parece ser possível concluir no sentido de se julgar o recurso procedente, com a referida consequência de anular a deliberação tomada pela dita comissão de revisão da matéria colectável.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:

A) A impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária, respeitante aos exercícios de 1992 a 1994 no âmbito da qual, em 31/10/1996, foi elaborado o relatório de fls. 77 a 130, que se dá por integralmente reproduzido do qual, entre o mais, consta o seguinte:
«(...)
2.2. Localização e instalações
Apesar da sede estatutária da empresa ser na Rua ……… n° ……. ……… em Coimbra, a sede de facto e actividade, encontra-se localizada no ……….. - ………, em instalações arrendadas ao sócio Eng. B………., em conjunto com a empresa participante C……….., SA.
A empresa possui delegações em Lisboa e Porto.
(…)
2.5. Processo Produtivo
O processo produtivo da empresa pode ser traçado da seguinte forma:
1. A redacção do jornal tem uma agenda de trabalhos diários resultante dos fax’s, correio, telefonemas e várias solicitações recebidas;
2. Os trabalhos de agenda são distribuídos aos jornalistas, que vão ao terreno assistir aos actos ou factos ocorridos;

3. Recolhida a informação, compila-se a peça e uma vez concluída e apresentada ao coordenador, que a distribui pelas páginas do jornal, páginas essas que já tem previamente definido os espaços publicitários;
4. Seguidamente passa ao Sector de paginação sendo depois devolvido ao coordenador para apreciação dos trabalhos finais.
5. Seguidamente as páginas da edição seguem para a gráfica (C...........), empresa subcontratada, onde os planos do jornal são montados e imprimidos.
6. Finalmente o produto acabado (jornal) é expedido através dos correios, e outros transportes subcontratados.
2.6. Enquadramento Fiscal
2.6.1. IRC
A empresa encontra-se colectada em IRC desde 1 de Janeiro de 1989 pela 2 Repartição de Finanças de Coimbra, integrando-se no regime geral de tributação;
2.6.2. IVA
Para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, encontra-se registada no regime normal de periodicidade mensal desde 1 de Janeiro de 1986.
(...)
3. ORGANIZAÇÃO CONTABILÍSTICA
3.1. Regularidade da escrita
Uma análise aos livros de escrituração, Diário-Razão-Balancete, permitiu-nos constatar que foi dado cumprimento oportuno às formalidades extrínsecas a que os mesmos estão sujeitos, conforme estipulam os artigos 128° e 130º do regulamento do Imposto de Selo, 114° da tabela Geral do Imposto de Selo e artigo 32º do Código Comercial.
Relativamente às formalidades intrínsecas a que os mesmos estão sujeitos, e impostos pelos artigos 33°, 37º e 39° do Código comercial, não constatámos nada digno de reparo
Quanto à periodicidade da sua escrituração, verificámos encontrarem-se os mesmos escriturados até 31 de Julho de 1996, dentro do prazo legalmente consentido (90 dias, conforme disposto no n° 4 do artigo 98° do CIRC).
A empresa dispõe de contabilidade regularmente organizada, sendo a mesma processada por meios informáticos.
Os livros selados obedecem aos requisitos legais.
3.2. Suporte documental
(...)
3.3. CONTROLO INTERNO
Não nos foi dado a conhecer quaisquer medidas de controlo interno implementadas na empresa. No sentido de confirmarmos ou infirmarmos a veracidade dos registos contabilísticos, efectuamos alguns testes tendo constatado que nem todas as operações realizadas pela empresa foram registadas na contabilidade.
4. ACTIVIDADE
4.1. Objecto social
Pelo pacto social de constituição da sociedade em 1941, o objecto social consistia no exercício e exploração da indústria tipográfica e edições do Jornal Diário de Coimbra e actividades congéneres.
4.2. Actividade efectiva
A actividade efectiva da empresa consiste na edição e publicação do jornal “Diário de Coimbra”, explorando toda uma actividade de publicidade publicada no jornal, que garante à empresa cerca de 75% das receitas totais.
5. ANALISE CONTABILISTICO-FISCAL
Com a introdução a este capítulo. Iremos apresentar quadros com as demonstrações de resultados comparadas, respeitantes aos exercícios de 1992, 1993 e 1994.
(...)
5.1. Análise às contas
Atendendo a que o presente exame abrange três exercícios (1992, 1993 e 1994), a análise a que se procedeu às contas foi realizada em conjunto relativamente aos mesmos.
Embora tivéssemos efectuado uma análise geral das contas, apenas iremos relatar os factos com possíveis implicações nos resultados apresentados ou relevância na situação patrimonial da empresa.
5.1.1.Custos
Da análise às várias contas de custos da empresa A……….., Lda.,, foram detectadas várias irregularidades e inexactidões que mereceram estudo aprofundado, tendo sido propostas as devidas correcções técnicas.
5.1.1.1 Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas
5.1.1.1.1. Irregularidades detectadas no consumo de papel
Como já fizemos referência no ponto 4, o s. p. tem vindo ao longo dos exercícios a ceder papel à C………… com alguma regularidade. Da análise à conta 61.6 C.E.V.C. - Matérias Primas de Consumo, constatou-se que o seu conteúdo respeita essencialmente a custos do consumo interno de papel necessário a produção do jornal e ao custo do papel cedido à C………….
O quadro seguinte indica-nos, para o exercício de 1992, os números dos documentos internos emitidos, referentes aos consumos e data de emissão, quantidades consumidas, preço de aquisição e importâncias totais:
(...)
5.1.2. Controle à Produção / Proveitos
5.1.2.1. Produção
Dado tratar-se de uma actividade com alguma particularidade e a produção propriamente dita, entendendo-se esta na parte restrita à impressão do jornal, ser subcontratada, solicitámos ao s. p. elementos concretos sobre essa produção, uma vez que na facturação existente apenas no segundo semestre de 1994 se faz referência às quantidades produzidas.
Pelo s. p. foram fornecidos dois quadros referentes aos anos de 1992, 1993 e 1994, referentes ao Diário de Coimbra e Domingo Magazine, que designou por “Mapas de Produção” os quais se encontram em anexos n. 21 e n. 22. com a seguinte produção anual de exemplares:
6.1.2. Correcções com recurso a métodos indiciários
Os pressupostos para a determinação do lucro tributável dos exercícios de 1992, 1993 e 1994 estão implícitos nos pontos 5.1.1.1.1. - Irregularidades detectadas no consumo de papel e 5.1.2. Controle à produção / proveitos, do presente relatório, onde se verifica que o sujeito passivo omitiu a contabilidade os proveitos da cedência de papel, venda de jornais, desperdícios e sobras, referentes à sua actividade.
Assim, nos termos da alínea d) do art.52 do C.I.R.C., verificamos existirem erros e inexactidões na contabilização das operações de que a contabilidade conforme demonstrámos ao longo deste relatório, não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
6.1.2.1 — 5.1.1.1.1.Irregularidades detectadas no consumo de papel

6.1.2.2 — 5.1.2.2.1.1 Assinaturas
(…)
Expurgado o IVA à taxa de 5% contido nos valores calculados vem:
Ano de 1992……………………. 68.586.534$00
Ano de 1993……………………. 90.971.200$00
Ano de 1994……………………103.510.838$00
6.1.2.3 — 5.1.2.1.1. Desperdícios
(...)
6.1.2.4 -5.1.2.2.1.2 Agências
Expurgado o valor de 1.476.871$00 referente a I.V.A. à taxa de 5%, o valor líquido das vendas omitidas nas agências será de 29.537.427$00.
Devolvidos:
6.1.3 — Apuramento do Lucro Tributável
6.2. Para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado
Foi realizada a verificação do I.V.A. liquidado e deduzido, através da conferência dos extractos de conta corrente e os documentos de suporte à contabilidade. Da análise dos valores registados na escrita e nas declarações periódicas constatou-se que esta empresa procede à dedução do imposto à taxa normal e à liquidação à taxa reduzida, pois os produtos objecto de venda são jornais, destinados às assinaturas e agências (taxa de 5%), resultando daí situações de crédito de imposto.
Conforme aludimos anteriormente, foram efectuadas correcções técnico contabilísticas e por métodos indiciários, tendo resultado os seguintes valores de correcção em sede de I V.A.:
(...)
6.2.2 — Correcções por métodos indiciários:
De acordo com as correcções propostas para efeitos de I.R.C. no ponto 6.1.2, foi quantificado o correspondente I.V.A., tendo resultado de acordo com os vários items, o seguinte:
Ano de 1992
6.2.2.1-5.1.1.1.1 — Irregularidades detectadas no consumo de papel
8.947. 070$00 x 5% = 447.354$00
6.2.2.2-5.1.2.1.1 — Desperdícios
319.200$00 x 16% = 51.072$00
6.2.2.3-5.1.2.2.1.2 — Devolvidos
227.000$00 x 16% = 36.320$00
6.2.2.4-5.1.2.2.1.1.1 — Ofertas de Assinaturas
9.370.900$00 x 5% = 468.545$00 (isentas até 24 de Março)
O I.V.A. de 1992 terá a seguinte distribuição:
(…)
Ano de 1993
6.2.2.5-5.1.2.2.1.1 — Assinaturas
11.237.457$00 x 5% = 561.872$00
6.2.2.6-5.1.2.1.1 — Desperdícios
356.350$00 x 16% = 57.046$00
6.2.2.7-5.1.2.2.1.2 — Devolvidos
221.525$00 x 16% = 35.444$00
6.2.2.8-5.1.2.2.1.1.1 — Ofertas de assinaturas
14.258.333$00 x 5% = 712.917$00
O I.V.A. de 1993 terá a seguinte distribuição:
(...)
Ano de 1994
6.2.2.9-5.1.2.2.1.1 — Assinaturas
19.800.575$00 x 5% = 990.028$00
6.2.2.10-5.1.2.1.1 — Desperdícios
800.425$00 x 16% = 128.068$00
6.2.2.11-5.1.2.2.1.2 — Devolvidos
272.050$00 x 16% = 43.528$00
6.2.2.12-5.1.2.2.1.2 - Agências
13.991.400$00 x 5% = 699.570%00 (Janeiro a Junho)
15.546.020$00 X 5% = 777.301$00 (Julho a Dezembro)
6.2.2.12-5.1.2.2.1.1.1 — Ofertas de Assinaturas
17.878.405$00 x 5% = 893.921$00
O I.V.A. de 1994 terá a seguinte distribuição:
(…)
7 — Conclusões Finais
Conforme ficou descrito ao longo do presente relatório, foram detectadas na escrita da A……….., Lda., várias irregularidades e outras situações de facto, que nos remeteram para correcções técnico-contabilisticas e igualmente para a aplicação de métodos indiciários.
Neste contexto, os valores de correcção propostos para efeitos de I.R.C. e I.V.A. foram os seguintes:
(…)»
B) Contras as correções efetuadas pela AT, foi deduzida reclamação para a Comissão de Revisão da Matéria Coletável, nos termos do Art. 84.° do CPT, conforme requerimento de fls. 11 a 26, que se dá por integralmente reproduzido.
C) Constituída a Comissão de Revisão da Matéria Coletável e reunidos os peritos, no dia 16/06/1997, foi elaborada a Acta n.° 157, de fls. 35 a 38, que também se dá por integralmente reproduzida e da qual se destaca o seguinte:
«(…) o Presidente da Comissão procurou estabelecer acordo entre os vogais, os quais acordaram nos montantes de 853-117$, 890.662$00 e 2093.005$00, que serão liquidados adicionalmente ao imposto declarado dos exercícios de 1992, 1993 e 1994, com base nos seguintes fundamentos:
1 — Considerar para os desperdícios (jornais estragados), bem como para os jornais devolvidos, convertidos em papel que o preço de venda do quilo não ultrapassou os 10$00/Kg, por ser este, o valor que se entendeu ajustar-se mais à realidade, para aqueles anos, de 1992, 1993 e 1994.
2— Relativamente às ofertas de assinaturas ter em linha de conta o valor limite sobre o qual não é liquidado IVA, ao abrigo do disposto no artigo 16º do CIVA, complementado pela informação da circular 19/89, de 19/12/89. Assim, subtraiu-se à base tributável fixada, o montante correspondente a 5 por mil do volume de negócios para cada ano,
3. No que respeita às diferentes modalidades existentes, nas assinaturas de 7 dias, quadrimestrais, semestrais e anuais, estabelecer entre si, o mesmo peso, aplicado nas de 5 dias (...), uma vez que não existem motivos para as diferenças consideradas pela fiscalização.
4. No que se refere às correcções resultantes do nº de jornais vendidos através das agências, atender em parte ao argumento do contribuinte, quando este alega que a diferença encontrada de jornais em falta subsiste, porque o nº de jornais saídos por assinaturas, é maior, visto que a maioria das assinaturas quadrimestrais e semestrais são renovadas, dado que estas modalidades existem, para escalonar o pagamento e não tanto, porque se pretende assinar o jornal só por um quadrimestre ou um semestre. Assim, considerou-se que 80% dos assinantes renovam de facto as suas assinaturas.
5. Considerar um consumo interno diário, para o pessoal e administração de 100 jornais durante 359 dias e ainda uma margem de erro para 1994, de 1% da produção líquida, à semelhança do que foi admitido em 1993.
(…)»
D) Foram emitidas as liquidações de IVA e juros compensatórios dos anos de 1992, 1993 e 1994, de fls.39 a 59, que se dão por reproduzidas.
Factos não provados:
Com interesse para a decisão não se provou que:
a) O papel de sobras ou jornais devolvidos, só passou a ser vendido em 1995, devido à crise do papel.
b) Com a introdução de 4 cores no jornal, a partir de meados de 1993, as inutilizações subiram drasticamente.
c) O consumo diário interno é de 350 jornais.
d) O número de assinantes em 1994 foi de 2.459.252.
e) Relativamente a 1992 e 1993 o Diário de Coimbra publicou-se menos do que em 1994, face à concorrência existente.

A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes.

Relativamente aos factos não provados não foi produzida qualquer prova. Os factos aqui descritos não se encontram demonstrados documentalmente e os depoimentos das testemunhas inquiridas nestes autos incidiram sobre factos apenas considerados pela AT para efeitos de correções técnicas, sendo, aqui, de todo irrelevantes.

3 – DO DIREITO

O meritíssimo juiz do TAF de Coimbra, julgou a impugnação improcedente por entender que: (destacam-se apenas pos trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso).

I. RELATÓRIO

A……….., Lda, contribuinte fiscal n.° ………… e com os demais sinais dos autos, impugna as liquidações de IVA dos anos de 1992 a 1994, com fundamento em inexistência dos factos tributários subjacentes às liquidações, erro na determinação da matéria coletável e na quantificação e qualificação de tal matéria bem como do imposto e juros correspondentes, indevidamente considerados em falta, preterição de formalidades legais, vício de forma, violação de lei, desvio de poder e outras ilegalidade referidas no art.° 120.° do CPT, conforme petição de fls. 2 a 9 e documentos de fls. 11 a 59, que se dão por integralmente reproduzidos.
(…)

II. FUNDAMENTAÇÃO
(…)

ii) DE DIREITO

A Fazenda Pública entende ilícita a presente impugnação na medida em que o contribuinte alcançou acordo no âmbito da Comissão de revisão.
Porém, não é assim, conforme vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência a que é de aderir, firmada, nomeadamente, nos Acórdão de 2/06/99, rec. 022355, e de 06/06/2007, rec. 0615/04. No primeiro daqueles arestos refere-se que:«I - Não havendo qualquer norma expressa que excepcionasse do direito geral do contribuinte a impugnação contenciosa de actos lesivos os casos em que o vogal por aquele nomeado desse o seu acordo à deliberação da comissão de revisão, deve entender-se que ele tinha esse direito.
II - No domínio de vigência do Código de Processo Tributário, na redacção posterior ao Decreto-Lei n. 47/95, de 10 de Março, os vogais nomeados pelos contribuintes para integrarem as comissões de revisão da matéria colectável, não eram representantes dos contribuintes, devendo antes agir com imparcialidade e independência técnica (art. 86, n. 3, do CPT naquela redacção, n. 5 na redacção do Decreto-Lei n. 23/97, de 23 de Janeiro).
III - Nessas condições, a actuação do vogal nomeado pelo contribuinte não produzia efeitos na esfera jurídica deste, pelo que a impugnabilidade contenciosa da deliberação da comissão, apesar da concordância que lhe aquele desse, não encontra qualquer obstáculo no princípio pacta sunt servanda. ».
Assim, e em consonância com a citada jurisprudência, inexiste qualquer obstáculo à apreciação desta impugnação.

A presente impugnação vem deduzida contra as liquidações de IVA dos anos de 1992 a 1994, em que a matéria colectável foi determinada com recurso a métodos indiciários, com fundamento em inexistência dos factos tributários subjacentes às liquidações, erro na determinação da matéria coletável e na quantificação e qualificação de tal matéria bem como do imposto e juros correspondentes, indevidamente considerados em falta, preterição de formalidades legais, vício de forma, violação de lei, desvio de poder e outras ilegalidade referidas no art.° 120.° do CPT.

A matéria coletável é, em regra, determinada na declaração do contribuinte, porém, de conformidade com o Art. 82.º do CIVA «o chefe da repartição de finanças competente procederá à rectificação das declarações», podendo as inexatidões ou omissões, de conformidade com os n.° 2 e 3 deste artigo, ser constatadas em visita de fiscalização efetuada nas instalações do sujeito passivo, através do exame dos seus elementos de escrita e de elemento relativos ao IRC.
Dispunha o Art. 51.° do CIRC que:
«1 — A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Inexistência de contabilidade ou livros de registo exigidos pelos artigos 111.° e 112.°, bem como a falta, atraso ou irregularidade na sua execução, escrituração ou organização;
b) Recusa de exibição da contabilidade, dos livros de registo e demais documentos de suporte legalmente exigidos e, bem assim, a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com propósito de dissimular a realidade perante a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos;
d) Erros ou inexactidões no registo das operações ou indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido.
2 — A aplicação dos métodos indiciários em consequência de anomalias e incorreções da contabilidade ou dos livros de registo só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável»
Deste modo, para lá da verificação de, pelo menos, uma das situações tipificadas no número 1 e de conformidade com o disposto no n.° 2 do mencionado artigo 51.° do CIRC e do Art. 81.º do CPT (temporalmente aplicável à situação dos autos, pois que se manteve vigente até 31/12/1999 e tanto o relatório inspetivo como a liquidação objecto destes autos têm data anterior) «a decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos nas leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação».
Por outro lado e tal como vem sendo uniformemente entendido pelos nossos tribunais superiores, cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação ou seja, cabe-lhe fazer a prova da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido. Tratam-se de factos constitutivos do direito a agir, cuja existência é demandada pelo princípio da legalidade administrativa, em qualquer das suas aceções (de precedência e de reserva de lei), segundo a sua atual compreensão, mesmo à luz da nossa lei fundamental (Art. 266.° n.° 2 da CRP), de acordo com o qual, brevitatis causa, a administração só pode agir se isso estiver previsto na lei e nada poderá fazer contra a lei. Face ao atual entendimento do princípio da legalidade, este deixou de surgir como um mero limite à atividade da administração para passar a ser o fundamento de toda a sua atuação. A ser assim, à administração caberá o ónus de demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a prática do ato em causa ou da sua atuação enquanto persona potentior, pois só perante a existência deste está autorizada a atuar. Esta solução acaba, deste modo, por corresponder à que é afirmada como regra geral pelo Art. 342.° do C. Civil segundo a qual quem invoca um direito tem o ónus de prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
Neste caso, caberá à administração a prova de que se verificam os factos que integrem um dos fundamentos previstos na lei para a decisão de tributação por métodos indiciários bem como a impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria coletável, ou seja, dos factos a cuja existência está normativamente indexada a competência administrativa.
Diferente é a questão de saber a quem cabe fazer a prova da legalidade substantiva dos atos praticados pela administração a coberto das normas concedentes de atribuições e de competência ou seja, do ato concretamente praticado dentro do tipo de atuação legalmente empreendida pela administração. Relativamente a esta temática há que notar que a titularização do ónus da prova corresponde sempre ao resultado de uma valoração que o legislador efetua quanto à distribuição das responsabilidades probatórias relativamente à administração e aos particulares. Sabidas as contingências quanto à existência das provas e ao juízo da sua apreciação, como um facto intrinsecamente ligado à própria natureza humana, não poderá o legislador demitir-se de tomar uma posição quanto à repartição dos resultados dessa contingência. A eleição feita evidencia, consequentemente, a ponderação feita pelo legislador dentro dos quadros de normalidade normativamente representados. Os Art. 342.º a 348.° do C. Civil, 78.° e 121.° do CPT e 74.° da LGT representam, deste modo, o resultado de uma tal valoração feita pelo legislador relativamente a tal matéria.
Mas se é assim, como diz José Carlos Vieira de Andrade, e reportando-nos ao direito administrativo, “o ónus da prova, entendido neste sentido objectivo, vai depender da situação processual das partes, mas — porque depende de valorações normativas e não de imperativos de pura lógica — terá de determinar-se, na ausência de norma expressa, de acordo com um quadro de normalidade concreto ou típico, construído com base nas regras específicas do domínio da vida em causa e nos princípios próprios do direito administrativo” (Cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 2ª edição, Coimbra, 1999, págs, 268 e segs.). Entre eles avultará, evidentemente, pela sua estrutura de princípio fundamento, o da legalidade administrativa e o da juridicidade administrativa. Sendo assim, o ónus de prova variará consoante o tipo de ato administrativo, ou seja, variará consoante a eleição que o legislador faça quanto aos pressupostos constitutivos do ato. Quando a legalidade do agir da administração esteja dependente, também, da verificação dos pressupostos que foram normativamente elegidos para o tipo de ato, maxime quando este se insere na categoria de atos desfavoráveis para o administrado, não pode deixar de entender-se que caberá à administração também a prova da existência desses fundamentos legais. É uma solução que decorre do princípio da legalidade administrativa, tal como foi acima entendido. Será naturalmente diferente quando a legalidade substantiva do ato se apresente não só como independente da legalidade da actuação da administração como ainda esse ato se traduza num não reconhecimento de um direito que seja alegado contra ela pelo administrado. Temos, portanto, de concluir que a repartição do ónus de prova é uma questão que há-de ser resolvida de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objeto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de ato anulando, tal qual a lei o carateriza ou define os seus elementos constitutivos
É na senda do que vem de dizer-se, ou seja, o de que caberá à administração o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas desfavoráveis aos administrados, que se posiciona o estatuído no Art. 78.° do CPT, segundo o qual “quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se, se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte”, bem como o prescrito no Art. 121.0 n.° 1 do CPT, segundo o qual “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
Acresce que não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objetivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados.
No caso vertente, como se pode constatar pela leitura do relatório parcialmente transcrito, a AT descreveu algumas irregularidades contabilísticas bem como os factos que, na sua perspetiva, consubstanciavam indícios fundados de que aquela contabilidade não refletia a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido. Temos, portanto, que a AT não só observou o ónus da prova que sobre si impendia, como fundamentou, adequadamente e nos termos legalmente prescritos, a decisão de tributação por métodos indiciários.
Perante isto, incumbia à impugnante a demonstração de factos tendentes a infirmar a ocorrência das irregularidades apontadas pela AT e, bem assim, a conclusão de que a contabilidade revela omissões e inexatidões que justificam da determinação da matéria coletável com recurso a métodos indiciários. Em face dos vícios apontados às liquidações impugnadas, mais se lhe impunha provar o alegado excesso na quantificação da matéria coletável. Porém, como decorre da fundamentação de facto, a impugnante não logrou efetuar tal prova, devendo a causa ser decidida contra ela.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, julgo a presente impugnação improcedente, por não provada e, em consequência, mantenho as liquidações impugnadas.”


DECIDINDO NESTE STA
Em primeiro lugar suscita-se a questão da omissão de pronúncia da decisão recorrida quer quanto à verificação ou não dos pressupostos para a mobilização dos métodos indirectos quer quanto à falta de fundamentação dos critérios de quantificação utilizados pela Administração Tributária.
Afigura-se-nos que nesta parte não assiste razão à recorrente. A sentença embora de forma sucinta é clara ao enunciar as deficiências contabilísticas que determinaram o recurso a métodos indiciários e também aceita os critérios quantificadores pronunciando-se sobre o ónus de a contribuinte provar os excessos de quantificação. Assim sendo não pode falar-se de omissão de pronúncia mas quando muito de insuficiência de fundamentação que pode conduzir a revogação da sentença mas nunca à sua anulação. Improcede pois a arguição de omissão de pronúncia.
Quanto ao mérito, a questão objecto do presente recurso é a de saber se a sentença fez um correcto julgamento ao considerar como fundamentada a decisão da Comissão de Revisão, que fixou a matéria colectável com base nos valores acordados entre os vogais dessa mesma comissão.
A decisão recorrida considerou que a decisão da comissão estava fundamentada.

Mas não concordamos.
É sabido que o artº 268º, nº 3 da Constituição da República dispõe que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
A consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
A jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua pratica. (Ver neste sentido, desde logo o acórdão deste STA de 23/05/2012 tirado no recurso 0870/11, no qual o ora relator interveio como adjunto ( a que nos arrimamos) e ainda os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs.)
É também pacificamente aceite que não preenche a exigência legal de fundamentação o recurso a meras fórmulas tabelares que não esclareçam devidamente a motivação de facto e de direito que presidiu ao acto da administração.
No que concerne à fundamentação por remissão resulta expresso na lei que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (cf. artº 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2002, processo 1434/02, in www.dgsi.pt.) vem entendendo pacificamente que nestes casos de remissão o acto administrativo integra, nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Importa ainda referir que, nos casos de fundamentação por remissão, em face da exigência constitucional de que a fundamentação seja expressa, deverá referir-se explicitamente a concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Daí que, em face desta exigência constitucional de fundamentação expressa, não seja aceitável a interpretação que defende bastar uma fundamentação que o tribunal considere inequívoca, por esta fornecer aos administrados uma garantia de menor grau do que aquela, e não haver razões atinentes a quaisquer outros direitos que possam justificar esta menor exigência (Neste sentido Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 3ª edição, pag. 383).
Em suma, a fundamentação do acto administrativo, embora possa ser feita por remissão, tem de ser expressa. E, embora deva ser sucinta, não pode ser implícita.
Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».

No caso subjudice está em causa o acto da comissão de revisão que decidiu em sentido desfavorável à recorrente a reclamação por ela deduzida contra a determinação do seu lucro tributável
Mais concretamente o que se questiona no recurso é a decisão constante da acta da comissão de revisão relativa aos valores respeitantes à actividade de uma tipografia que tinha a seu cargo como actividade fundamental a edição de um jornal regional.
E, no que respeita a este sector, a decisão da Comissão de Revisão, constante da respectiva acta (fls. 35 a 38 do I volume) não faz qualquer remissão para o relatório da inspecção tributária, que se debruçou sobre os exercícios de 1992, 1993 e 1994 de que resultaram liquidações de IVA e juros compensatórios. A sua fundamentação é tão somente a que consta da al. c) do probatório e que aqui lembramos:
«(…) o Presidente da Comissão procurou estabelecer acordo entre os vogais, os quais acordaram nos montantes de 853.117$, 890.662$00 e 2093.005$00, que serão liquidados adicionalmente ao imposto declarado dos exercícios de 1992, 1993 e 1994, com base nos seguintes fundamentos:
1 — Considerar para os desperdícios (jornais estragados), bem como para os jornais devolvidos, convertidos em papel que o preço de venda do quilo não ultrapassou os 10$00/Kg, por ser este, o valor que se entendeu ajustar-se mais à realidade, para aqueles anos, de 1992, 1993 e 1994.
2— Relativamente às ofertas de assinaturas ter em linha de conta o valor limite sobre o qual não é liquidado IVA, ao abrigo do disposto no artigo 16º do CIVA, complementado pela informação da circular 19/89, de 19/12/89. Assim, subtraiu-se à base tributável fixada, o montante correspondente a 5 por mil do volume de negócios para cada ano,
3. No que respeita às diferentes modalidades existentes, nas assinaturas de 7 dias, quadrimestrais, semestrais e anuais, estabelecer entre si, o mesmo peso, aplicado nas de 5 dias (...), uma vez que não existem motivos para as diferenças consideradas pela fiscalização.
4. No que se refere às correcções resultantes do nº de jornais vendidos através das agências, atender em parte ao argumento do contribuinte, quando este alega que a diferença encontrada de jornais em falta subsiste, porque o nº de jornais saídos por assinaturas, é maior, visto que a maioria das assinaturas quadrimestrais e semestrais são renovadas, dado que estas modalidades existem, para escalonar o pagamento e não tanto, porque se pretende assinar o jornal só por um quadrimestre ou um semestre. Assim, considerou-se que 80% dos assinantes renovam de facto as suas assinaturas.
5. Considerar um consumo interno diário, para o pessoal e administração de 100 jornais durante 359 dias e ainda uma margem de erro para 1994, de 1% da produção líquida, à semelhança do que foi admitido em 1993.
(…)»
A recorrente alega a falta de verdadeira fundamentação e de percepção do iter cognoscitivo que conduziu aos resultados fixados.
No que tem razão.
A fundamentação do acto administrativo, embora possa ser feita por remissão, tem de ser expressa. E, embora deva ser sucinta, não pode ser implícita.
Em todo o caso, a fundamentação deverá responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Ora a decisão da comissão de revisão não só não permite perceber o fundamento das alterações como não remete sequer expressamente para o relatório de inspecção o que importa agora sindicar.
Temos também de considerar que há data da reunião da comissão (16/06/1997) ainda não estava em vigor a LGT nem tinham sido introduzidas as alterações ao CPT operadas ao seu artº 89° e a introdução de novos artigos (85°-A e 85°- B) pelo D.L. nº 24/98, de 24.2, pelo que os acordos obtidos na Comissão de Revisão não configuravam qualquer transacção, sendo viável a sua impugnação com a invocação de qualquer ilegalidade praticada na determinação da matéria tributável ou de errónea quantificação desta, já que não havia intervenção de perito independente.
Assim o acto da comissão constitui um acto tributário de fixação da matéria colectável, sendo que mesmo que tal acto se limite a manter os valores apurados pelos serviços de fiscalização não pode o mesmo eximir-se à obrigação legal de fundamentação.
E dúvidas não há de que a deliberação tomada sem remissão expressa para o relatório dos serviços de fiscalização e sem indicação, em termos claros, das razões de facto e de direito que a determinaram, não obedece ao conteúdo e requisitos da fundamentação do acto tributário exigidos pelo artº 77º da Lei Geral Tributária.
Daí que se entenda que, no caso, está inquinada de vício de forma, por insuficiência de fundamentação, a deliberação da comissão de revisão.
Assim, padecendo a decisão de fixação da matéria tributável de falta de fundamentação, ocorre vício que inquina a legalidade desse acto e de todos os actos consequentes, incluindo o de liquidação.
A sentença recorrida, que assim não entendeu, não pode, pois, ser confirmada, pelo que procede o recurso.

4- Decisão:
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se a impugnação judicial procedente.

Sem custas.

Lisboa, 08 de Maio de 2013. - Ascensão Lopes (relator) - Lino Ribeiro - Valente Torrão.