Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01538/13
Data do Acordão:05/03/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - Nos termos do n.º 1 do artigo 279.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo judicial tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
II - Se na causa prejudicial se impugnam, além do mais, correcções efectuadas aos prejuízos fiscais e na dependente se efectua o reporte dos mesmos verifica-se entre as causas o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância.
Nº Convencional:JSTA000P21788
Nº do Documento:SA22017050301538
Data de Entrada:10/07/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1- Relatório:
A Fazenda Pública, recorre para este Supremo Tribunal do despacho do Meritíssimo juiz “a quo” de fls. 1151 e 1152 dos autos, datado de 28 de Maio de 2013, que, no processo de impugnação judicial interposto pela recorrida A………….., SA, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa relativa à liquidação de IRC relativa ao exercício de 2006 e juros compensatórios, determinou oficiosamente a suspensão da instância até à prolação de decisão final transitada em julgado na impugnação judicial nº 88/13.4BEALM, relativo ao IRC de 2005, cuja decisão terá influência na dedução dos prejuízos fiscais.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões a fls. 1169 e seguintes:
I) Na Douta decisão ora recorrida, o tribunal “a quo” determinou a “suspensão da presente instância até à prolação de decisão final transitada em julgado na impugnação judicial n.º88/13.4 BEALM”
lI) Decisão com a qual, com o devido respeito, que é muito, não nos conformamos, desde logo, por entendermos, que o despacho recorrido enferma de erro quanto aos pressupostos e do vício de violação de lei, mais concretamente, do n.º 1 do art. 279.º do CPC e art. 97.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
III) As correcção à matéria colectável relativas ao exercício em discussão, nos presentes autos (2006), podem ser plenamente apreciadas sem que isso implique a julgamento em simultâneo das correcções efectuadas ao exercício de 2005;
IV) Em momento algum do relatório de inspecção (RIT), se depreende terem sido corrigidos pela administração fiscal, prejuízos fiscais reportados ou a reportar pela Impugnante, naqueles exercícios ou de exercícios anteriores;
V) A Administração fiscal apenas corrige prejuízos fiscais declarados pelos sujeitos passivos, quando os mesmos deduziram ou reportaram prejuízos superiores aos efectivamente devidos (p. ex. quando sujeito passivo reporta prejuízos de períodos superiores a 6 anos, ou então em valor superior ao que efectivamente deveria ser reportado), o que in casu, não se verificou;
VI) No caso sub judice, o que ocorreu efectivamente, com a acção de inspecção, foi uma correcção a custos dos diferentes exercícios, e correção de mais-valias, que na opinião da Impugnante enfermam de vício de violação de lei;
VII) Vícios esses que são o objecto mediato da presente impugnação e não as deduções dos prejuízos fiscais reportados, ou que deveriam ser reportados do ano anterior (2005), com é referido;
VIII) Atento o “princípio da especialização económica de exercícios ou da anualidade” consagrado no artigo 18º do Código do CIRC, as matérias controvertidas podem ambas ser apreciadas autonomamente, não se verificando entre elas uma dependência jurídica, nem a decisão a dar a uma destrói o fundamento e, ou, a razão de ser da outra;
IX) Tendo presente que o objecto mediato da presente impugnação, são as correcções efectuadas relacionados com:
i) A correção ao benefício da criação líquida de emprego, previsto no art. 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual art. 19.º), efetuado na esfera individual da A…………….., SA, no montante de 294 380,69 Euros, alegadamente deduzido em excesso, dos quais a lmpugnante apenas contesta o montante de 104 284,80 Euros;
ii) A correção relativa à mais-valia apurada com a transmissão do imóvel denominado “……….”, efetuada na esfera da B……….., no montante de 840 776,33 Euros, alegadamente desconsiderada indevidamente;
X) Daqui resulta, que a decisão de nenhuma das questões elencadas está dependente do julgamento daquele processo, pelo que não deveria ter sido decretada a suspensão de instância requerida;
Xl) Face à inexistência de dependência ou causa prejudicial entre as questões elencadas e as constantes daquele outro processo, não se encontram reunidos os pressupostos previstos no artigo 279º nº 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º al. e) do CPPT, que justifiquem aquela suspensão da instância;
XII) Por outro lado, entende-se que não poderá ser apreciada, em Impugnação à liquidação do exercício de 2006, a correção das deduções que resultaram da desconsideração dos prejuízos fiscais do exercício de 2005, pois o direito a tais deduções resultará do que ficar decidido em Impugnação a apresentar para este exercício;
XIII) “Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício (...) são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores”, nos termos do n.º 1 do art. 52.º (anterior art. 47.º) do Código do Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC). Segundo o n.º 4 da mesma disposição “Quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se em conformidade, as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite”;
XIV) E caso obtenha a Impugnante vencimento de causa, quanto ao exercício de 2005, serão as deduções repostas nos anos seguintes, tal decorrendo da lei;
XV) Neste sentido, ainda que com opinião diferente quanto à prejudicialidade, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04.10.2011, Proc. 03321/09:
“(...) Efectivamente, no caso de procedência total ou parcial de alguma das pendentes impugnações, a AT fica, incontornavelmente, obrigada “à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio”, nos termos e com a amplitude prevista no art. 100.º LGT.”;
XVI) Pelo que, deve o Tribunal “a quo” apreciar dos vícios invocados pela Impugnante quanto à liquidação do exercício de 2006, abstendo-se de conhecer de eventual direito à dedução de prejuízo, o qual, resultando de correções realizadas ao lucro tributável do exercício de 2005, apenas em Impugnação da liquidação daquele exercício poderá vir a ser reposta (por eventual reposição de prejuízo fiscal), não existindo relação de prejudicialidade.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Exªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta decisão recorrida, anulada, por violação dos artigos 276º n 1, alínea c), e 279º nº 1, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2 aliena e) do CPPT, e do principio da celeridade da justiça tributária, previsto no artigo 97º da LGT, tudo com as devidas e legais consequências.»

Foram apresentadas as seguintes contra alegações, pela entidade recorrida, A………….., SA a fls. 1223 e segts dos autos:
i) O presente recurso foi interposto pela FAZENDA PÚBLICA do Despacho Intercalar proferido no âmbito do processo de Impugnação n.º 909/11.6BEALM, do Tribunal Tributário de Lisboa, em que a RECORRIDA impugnou a (i)legalidade do acto de liquidação adicional de IRC e de Juros Compensatórios, praticado com referência ao exercício de 2006, e, bem assim, o Despacho do Senhor Subdirector-Geral, na qualidade de substituto legal do Senhor Director-Geral dos Impostos, datado de 15 de Julho de 2011, nos termos do qual foi indeferido o Recurso Hierárquico apresentado contra os referidos actos tributários e contra a decisão de deferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada contra os mesmos;
ii. Do Relatório de Inspecção Tributária do Grupo A………./B……….., elaborado por referência ao exercício de 2005, resultaram diversas correcções, a favor do Estado, ao resultado tributável do Grupo, no valor de € 74.478.108,10, as quais vieram a determinar a anulação dos prejuízos fiscais do exercício, no montante de € 30.381.814,93 e o apuramento de uma matéria colectável no valor de € 44.096.293,17;
iii. As correcções em causa foram materializadas no acto de liquidação n.° 2009 8310011390, de 9 de Março de 2009, praticado por referência ao exercício de 2005, cuja legalidade se encontra a ser discutida judicialmente, no âmbito do processo de Impugnação n.º 88/13.4BEALM, que corre termos junto da 1ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa;
iv. Do Relatório de Inspecção Tributária do Grupo A………./B……….., elaborado por referência ao exercício de 2006, resultaram diversas correcções, a favor do Estado, ao resultado tributável do Grupo, de entre as quais se destaca a correcção decorrente da anulação de prejuízos fiscais apurados no exercício de 2005 e repercutidos no exercício de 2006, no montante de €30.381.814,93;
v. As correcções em causa foram materializadas no acto de liquidação n.º 2009 8310030542, de 3 de Dezembro de 2009, praticado por referência ao exercício de 2006, cuja legalidade se encontra a ser discutida judicialmente, no âmbito dos presentes autos (processo de Impugnação n.º 909/11.6BEALM, que corre termos junto da 4.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa;
vi. A anulação das correcções efectuadas ao resultado tributável apurado pelo Grupo A………../B………, relativamente ao exercício de 2005, no valor de € 74.478.108,10, determinará, sem mais, a reposição dos prejuízos fiscais apurados naquele exercício e a aceitação do respectivo reporte e utilização no exercício de 2006;
vii. A utilização dos referidos prejuízos reportáveis no exercício de 2006, determinará, por sua vez, a anulação da quase totalidade do acto de liquidação adicional de IRC e de Juros Compensatórios, praticado com referência ao exercício de 2006;
viii. Revela-se, assim, evidente, a relação de prejudicialidade existente entre o julgamento do processo de Impugnação n.º 909/11.6BEALM, da 4ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do qual se discute a legalidade das correcções que estão na origem da desconsideração dos prejuízos fiscais deduzidos no exercício de 2005, e o julgamento do processo de Impugnação n.º 88/13.4BEALM, que corre termos junto da 1ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do qual se farão repercutir os efeitos da decisão judicial tomada naqueles autos;
ix. É este, aliás, o entendimento que decorre do Despacho Intercalar objecto do presente recurso: No caso vertente, verifica-se que a eventual procedência do pedido de procedência do pedido de reposição dos prejuízos apurados no exercício de 2005 se repercutirá inevitavelmente nos presentes autos, implicando a anulação da quase totalidade das correcções aos valores da matéria colectável do exercício de 2006;
x. Atenta a dependência (parcial) de uma causa relativamente à outra, por numa se discutir questão essencial para a decisão da outra, deverá, nos termos dos artigos 279º, n.º 1, e 284º n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ser definitivamente decretada a suspensão da presente instância (causa principal) até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida no âmbito do processo de Impugnação n.º 88/13.4BEALM, que corre termos junto da 1º Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa (causa prejudicial);
xi. Trata-se, inclusivamente, do entendimento veiculado por este mesmo Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de uma questão, em tudo, idêntica à discutida no presente recurso: I. Nos termos do n°1 do artigo 279.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo judicial tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. II. Se na causa prejudicial se impugnam correcções efectuadas aos prejuízos fiscais e na dependente se efectua o reporte dos mesmos verifica-se entre as causas o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0238/11, de 11 de Maio de 2011);
xii. Em face do exposto, impõe-se, conforme reconhecido no Despacho Intercalar recorrido, a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida no âmbito do processo de Impugnação n.º 88/13.4BEALM, que corre termos junto da 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa;
xiii. A decisão de não suspensão da presente instância lesaria, aliás, de modo irreversível, a RECORRIDA no seu direito inalienável, legal e constitucionalmente protegido, de acesso à Justiça e de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos (cf. artigos 20°, n.º 1, e 268, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 9.° da Lei Geral Tributária);
xiv. Com efeito, a decisão de não suspensão da presente instância vedará, na prática, a possibilidade de a RECORRIDA contestar a legalidade de um acto administrativo que a lesa - o acto de liquidação ora impugnado;
xv. Nesta medida, não será possível à RECORRIDA, por outro lado, impedir legalmente a prossecução dos termos do processo executivo instaurado para cobrança coerciva da dívida que aquele acto tributário materializa, por falta de um dos pressupostos legais para o efeito — contestação da legalidade do acto de liquidação cujo não pagamento voluntário originou a dívida exequenda -, sendo, assim, forçada ao pagamento de uma quantia liquidada indevidamente, em violação do disposto nos artigos 20°, n.º 1, e 268, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 9.º da Lei Geral Tributária;
xvi. Ora, também por esta via fica comprovada, no entender da RECORRIDA, a relação de prejudicialidade e de dependência (parcial) existente entre a questão subjacente à presente instância e aquela que decorre do processo de Impugnação n.º 88/13.4BEALM, e, também assim, a necessidade da suspensão da presente instância, até à decisão definitiva deste processo judicial.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de vossas excelências, deverá ser considerado improcedente o recurso apresentado pela recorrente e, assim, confirmado o douto despacho intercalar de fls. 1151/1153 dos autos, que determinou a suspensão da presente instancia até ao transito em julgado da sentença que vier a ser proferida no âmbito do processo de impugnação judicial nº 88/13.4 BEALM, que corre termos junto da 1ª unidade orgânica do tribunal tributário de lisboa.»

O Ministério Público neste STA emitiu parecer a fls. 1240 e seguintes com o seguinte teor:
«1. Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública da decisão de fls. 1151 e segs., que determinou a suspensão da instância e que os autos aguardassem a prolação de decisão no processo nº 88/13.4BEALM, a correr termos no mesmo tribunal, por se verificar questão prejudicial, invocando-se erro de julgamento por erro sobre os pressupostos de facto.
Para o efeito alega a Fazenda Pública que não se verifica qualquer causa prejudicial que fundamente a suspensão dos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 279º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo tributário, nos termos do artigo 2º alínea e), do CPPT, uma vez que, ao contrário do invocado na decisão recorrida, não foi efectuada qualquer correcção aos prejuízos do exercício de 2005 que se possa repercutir no apuramento da matéria tributável do exercício de 2006.
2. Como resulta da petição oferecida pela Recorrida/impugnante, esta peticionou a anulação dos actos de liquidação adicionais de IRC e juros compensatórios relativos ao ano de 2006, a indemnização por prestação indevida de garantia e juros indemnizatórios.
Para o efeito invoca como fundamento a preterição de formalidade legal, por falta de fundamentação dos actos, e vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
A acção tem por objecto as correcções efectuadas pela administração tributária, na sequência de procedimento inspectivo, que abrangem mais-valias com a transmissão de um prédio denominado “…………” e prejuízos fiscais reportados do exercício de 2005, assim como se questiona a liquidação dos juros compensatórios.
Como a própria Fazenda Pública admite na sua peça processual do recurso (artigo 15), a Recorrida/impugnante foi objecto de procedimento inspectivo que abrangeu os exercícios de 2005 e 2006, do qual resultaram “correcções a deduções realizadas, bem como o apuramento de mais-valias, com influência no quantitativo do lucro tributável apurada em cada um dos exercícios”.
Admite igualmente a Fazenda Pública que das correcções relativas ao exercício de 2005 a situação tributária da Recorrida/impugnante passou de um resultado negativo (apuramento de prejuízos fiscais no valor de € 31.911.244,26 euros), para lucro tributável, pelo que foi considerada indevida a dedução, na declaração relativa ao exercício de 2006, do montante de €30.381.814,93 euros (prejuízo apurado no âmbito da aplicação do RETGS).
Entende, contudo, a Fazenda Pública que não existe “qualquer dependência jurídica entre as duas causas materiais objecto de impugnação em cada um dos autos” e que “as matérias controvertidas podem ambas ser apreciadas autonomamente, não se verificando entre elas uma dependência jurídica”.
Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão.
Na verdade, o facto de a matéria relativa ao direito à dedução dos prejuízos eventualmente apurados no exercício de 2005 estar dependente da impugnação das correcções efectuadas a este exercício é que constitui a causa prejudicial da impugnação do IRC do exercício de 2006. Claro está que se não houvesse outros fundamentos ou vícios apontados ao acto tributário relativo a 2006, o sucesso da presente acção dependia em exclusivo do sucesso daquela outra, situação em que e poderia questionar se não era motivo para a sua apensação. Mas tal facto não impede de se concluir pela verificação da sindicada prejudicialidade quanto ao direito de dedução do montante dos prejuízos apurados na declaração de 2005, uma vez que nesta acção também se questiona as correcções em sede de dedução dos prejuízos. É que doutro modo, caso a Recorrida/impugnante não tivesse impugnado o acto tributário relativo ao ano de 2006, sempre se podia concluir pela verificação de caso resolvido ou decidido. E é exactamente por a questão sobre a dedução dos prejuízos reportados não poder ser decidida nesta acção que se verifica a causa de prejudicialidade invocada na decisão recorrida (neste sentido o acórdão deste STA de 11/05/2011, proferido no processo nº 0238/11).
Outrossim poderia ser considerado pelo Mmo. Juiz “a quo” se na apreciação dos diversos fundamentos da acção constatasse pela manifesta verificação de algum dos vícios formais invocados pela Recorrida/impugnante e que conduzisse à anulação do acto tributário, indo, assim, de encontro à sua pretensão, e que no caso concreto satisfizesse de forma mais célere os seus interesses. Mas não é esse o caso.
Afigura-se-nos, assim, que a decisão recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente.»

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
2-FUNDAMENTAÇÃO:
Teor do despacho recorrido proferido pelo Mmº juiz do TT de Lisboa a fls. 1151/1152:
«Com os presentes autos, veio a “A……………, S.A.” impugnar a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa dos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios referentes ao exercício de 2006, disputando, designadamente, a desconsideração de prejuízos fiscais reportáveis do exercício de 2005 e utilizados pelo Grupo A………../B………. no exercício de 2006.
No âmbito do processo de impugnação judicial n.º 88/13.4BEALM, estão em causa os atos de liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 2005, considerando a impugnante que a apreciação nesses autos da legalidade da correção aos prejuízos fiscais deduzidos nesse exercício constitui questão prejudicial relativamente a estes autos, que devem aguardar a decisão ali a proferir.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da suspensão da instância, até ser proferida decisão transitada em julgado na referenciada impugnação judicial.
Nos termos do disposto no artigo 279°, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2°, al. e), do CPPT, “[o] tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”
A prejudicialidade pressupõe, pois, uma dependência parcial ou total do julgamento duma causa relativamente a outra, simultaneamente pendentes, por se discutir na segunda acção uma questão que é essencial para a decisão da primeira.
No caso vertente, verifica-se que a eventual procedência do pedido de reposição dos prejuízos apurados no exercício de 2005 se repercutirá inevitavelmente nos presentes autos, implicando a anulação da quase totalidade das correções aos valores da matéria coletável do exercício de 2006.
As questões em debate na citada impugnação judicial configuram-se como lógica e cronologicamente prévias às aqui debatidas.
Assim, não se vê razão para ignorar a relação de dependência parcial entre este e aqueles dois processos, justificativa da suspensão da instância.
Acresce que, impondo a lei ao julgador o objectivo de obtenção de uma interpretação e aplicação uniformes do direito, cf. artigo 8°, n.º 3, do Código Civil, justifica-se que a decisão a proferir nos presentes autos aguarde o julgamento da decisão a proferir no processo supra indicado.
Pelo exposto, determino a suspensão da presente instância até à prolação de decisão final transitada em julgado na impugnação judicial n.º 88/13.4BEALM, cf. artigo 279°, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2°, aI. e), do CPPT.»

3- DO DIREITO:
Questão a decidir
É a de saber se, incorre em erro de julgamento o despacho recorrido que entendeu dever suspender a instância da presente impugnação do IRC de 2006, ao abrigo do disposto no artigo 279.º do Código de Processo Civil (CPC), até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na impugnação judicial n.º 88/13.4BEALM que tem por objecto o IRC do ano anterior (2005) atenta a relação de dependência e prejudicialidade entre os presentes autos e aquele processo de impugnação judicial.
Apreciando.
Dispunha o artigo 279.º do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e cuja redacção se encontrava em vigor à data dos factos (28/05/2013) antes portanto da entrada em vigor da Lei 4/2013 de 26/07 (Novo CPC) que no seu artº 272º veio regular esta matéria, aliás, de forma idêntica no que respeita aos seus primeiros três números que são os que agora nos interessa considerar:
Artigo 279.º - Suspensão por determinação do juiz

1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2. Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
3. Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixar-se-á no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4. As partes podem acordar na suspensão da instância por prazo não superior a seis meses.

Como se disse no acórdão deste STA de 19/02/2014 tirado no recurso nº 01457/12 (num caso parcelarmente idêntico ao dos presentes autos e no qual o ora relator interveio como Juiz Adjunto) “(…) Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada, ou seja aquela em que se discute, em sede principal, uma questão que é essencial para a decisão de outra.
Segundo o n.º 2 do art.º284.º do CPC, uma causa é prejudicial de outra quando a decisão daquela pode fazer desaparecer o fundamento ou razão de ser desta.
São também requisitos para poder ser ordenada a suspensão da instância que não haja fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada para obter a suspensão e que a causa dependente não esteja tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens (nº 2 do mesmo normativo) (…)”.

E, como se destacou no acórdão deste STA de 11/05/2011, proferido no processo nº 0238/11, referenciado no parecer do Ministério Público: “(…) Perante norma correspondente, ensinava ALBERTO DOS REIS que o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância define-se assim: estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão duma poder afectar o julgamento a proferir na outra (cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª ed (1949), reimpr., p. 384 – anotação ao artigo 284.º).
Considerando esta doutrina o STA tem afirmado que a questão da legalidade das correcções relativas ao apuramento dos prejuízos fiscais em determinado exercício ou a alteração da dedução de prejuízos fiscais num determinado exercício na sequência de correcções à matéria colectável relativas a esse mesmo exercício, configuram questões prejudiciais face à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de impostos relativos a exercícios subsequentes àqueles, quando nestes últimos esteja em causa a possibilidade legal de dedução de prejuízos declarados anteriormente (vide os acórdãos do STA já citados e ainda, o Acórdão de 11.09.2013, recurso 773/13).

E, dando atenção ao caso concreto dos autos, fora a particularidade de também estar em causa a tributação de mais valias geradas pela venda de um imóvel, cremos que no mais, ocorre manifesta relação de dependência material entre a impugnação judicial do IRC de 2006 que está na origem dos presentes autos e a impugnação de IRC relativa ao exercício precedente (IRC de 2005) e, por conseguinte, justifica-se a requerida suspensão da instância ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 279.º do CPC, não havendo motivos legais (artigo 279.º n.º 2 do CPC) para revogar o despacho judicial que assim o entendeu.
É que como muito bem observa desde logo a recorrida nas suas contra-alegações:
“Do Relatório de Inspecção Tributária do Grupo A………./B…………, elaborado por referência ao exercício de 2005, resultaram diversas correcções, a favor do Estado, ao resultado tributável do Grupo, no valor de € 74.478.108,10, as quais vieram a determinar a anulação dos prejuízos fiscais do exercício, no montante de € 30.381.814,93 e o apuramento de uma matéria colectável no valor de € 44.096.293,17;
iii. As correcções em causa foram materializadas no acto de liquidação n.° 2009 8310011390, de 9 de Março de 2009, praticado por referência ao exercício de 2005, cuja legalidade se encontra a ser discutida judicialmente, no âmbito do processo de Impugnação n.º 88/13.4BEALM, que corre termos junto da 1ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa;
Do Relatório de Inspecção Tributária do Grupo A………./B……….., elaborado por referência ao exercício de 2006, resultaram diversas correcções, a favor do Estado, ao resultado tributável do Grupo, de entre as quais se destaca a correcção decorrente da anulação de prejuízos fiscais apurados no exercício de 2005 e repercutidos no exercício de 2006, no montante de €30.381.814,93;
As correcções em causa foram materializadas no acto de liquidação n.º 2009 8310030542, de 3 de Dezembro de 2009, praticado por referência ao exercício de 2006, cuja legalidade se encontra a ser discutida judicialmente, no âmbito dos presentes autos (processo de Impugnação n.º 909/11.6BEALM, que corre termos junto da 4.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa;
A anulação das correcções efectuadas ao resultado tributável apurado pelo Grupo A…………./B………., relativamente ao exercício de 2005, no valor de € 74.478.108,10, determinará, sem mais, a reposição dos prejuízos fiscais apurados naquele exercício e a aceitação do respectivo reporte e utilização no exercício de 2006;
A utilização dos referidos prejuízos reportáveis no exercício de 2006, determinará, por sua vez, a anulação da quase totalidade do acto de liquidação adicional de IRC e de Juros Compensatórios, praticado com referência ao exercício de 2006;
Revela-se, assim, evidente, a relação de prejudicialidade existente entre o julgamento do processo de Impugnação n.º 909/11.6BEALM, da 4ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do qual se discute a legalidade das correcções que estão na origem da desconsideração dos prejuízos fiscais deduzidos no exercício de 2005, e o julgamento do processo de Impugnação n.º 88/13.4BEALM, que corre termos junto da 1ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do qual se farão repercutir os efeitos da decisão judicial tomada naqueles autos (…)”;

De facto, se a correcção à matéria colectável em 2006 decorre significativamente do ajustamento dos prejuízos fiscais dedutíveis em 2005, por força das rectificações ao resultado tributável operada no ano de 2005 (e impugnadas, em processo pendente) não se vê razão para ignorar a relação de dependência entre os dois processos, justificativa da suspensão da instância, pois que a decisão final a proferir na impugnação de IRC relativa a 2005 não pode deixar de afectar o julgamento a proferir na impugnação do IRC de 2006 no que respeita aos prejuízos reportados nos termos do artigo 52.º e seguintes do Código do IRC, como aliás bem expressa também o Senhor Procurador Geral Adjunto neste STA no parecer supra destacado, para o qual se remete, sendo inquestionável a conclusão ali expressa de que “o facto de a matéria relativa ao direito à dedução dos prejuízos eventualmente apurados no exercício de 2005 estar dependente da impugnação das correcções efectuadas a este exercício é que constitui a causa prejudicial da impugnação do IRC do exercício de 2006”.
Aqui chegados, cremos ter ficado evidenciada a falta de razão da recorrente, o que determina a improcedência do seu recurso.

4– Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso e, em confirmar o despacho recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 3 de Maio de 2017. – Ascensão Lopes (relator) – Ana Paula Lobo – Pedro Delgado.