Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01217/02
Data do Acordão:11/20/2002
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
VENDA JUDICIAL.
ADJUDICAÇÃO.
ENTREGA DE BEM ARREMATADO.
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DE REPARTIÇÃO DE FINANÇAS.
Sumário:I - A Administração, em execução fiscal, apenas cumpre a adjudicação dos bens que não a respectiva entrega ao adquirente que a poderá obter requerendo o prosseguimento da execução contra o seu detentor, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa - artº 900º e 901º do C.P.Civil.
II - Pelo que carece de suporte legal o despacho do Chefe da Rep. Finanças que ordena tal entrega com substituição das fechaduras e requisição da GNR.
Nº Convencional:JSTA00058430
Nº do Documento:SA22002112001217
Data de Entrada:07/05/2002
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST PORTO DE 2002/04/03.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART840 ART900 N2 ART901 ART930 N1.
CCIV66 ART879.
Referência a Doutrina:TEIXEIRA DE SOUSA ESTUDOS SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PAG102.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
Vem o presente recurso jurisdicional, interposto pela Fazenda Pública, da decisão do TT de 1ª Instância do Porto, proferida em 03/04/02, que julgou procedente a reclamação deduzida por A..., assim revogando despacho, de 09/Ago/01, do Chefe do 2º Serviço de Finanças de Matosinhos.
Fundamentou-se a decisão recorrida, no que ora interessa, em que, produzindo a venda executiva os mesmos efeitos da venda realizada através de negócio jurídico, nomeadamente a transmissão da propriedade da coisa, se esta se encontrar na posse de um detentor que não a entregue voluntáriamente, o adquirente pode, nos termos do artº 901º do CPCivil, requerer o prosseguimento da execução contra aquele possuidor, seguindo-se os termos da execução para entrega de coisa certa, servindo de titulo executivo o respectivo despacho de adjudicação, pelo que, "a administração tributária não se pode substituir ao actual titular do direito a quem incumbe exclusivamente a defesa do mesmo", não tendo aplicação, in casu, o disposto no artº 840º do mesmo diploma, por limitado à fase da penhora, "não assintindo, por isso; à administração tributária, a possibilidade de determinar a substituição da fechadura e chaves do estabelecimento".
O recorrente formulou as seguintes conclusões:
"1. A Administração Tributária através do Chefe do 2º Serviço de Finanças de Matosinhos, emitiu despacho a fls. 49 dos autos, em que ordenava à executada "B..." a entrega das chaves em determinado prazo, e no caso de incumprimento, a substituição das fechaduras.
2. Tentando impedir a execução material deste despacho, a empresa "A...," detentora do estabelecimento, alicercada no contrato de cessão de exploração de fls 63 a 67 dos autos, reclama alegando que o referido Chefe não tem poderes legais para se substituir ao adjucatário no exercício do seu direito de propriedade sobre estabelecimento industrial, já que o direito ao trespasse e arrendamento do mesmo foi vendido por proposta em carta fechada e adjudicado à empresa "C... ".
3. A venda executiva produz os mesmos efeitos do negócio jurídico, implicando essencialmente, nos termos do artº 879º do Código Civil, a transmissão da propriedade ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.
4. Para cumprimento da obrigação de entregar o bem, por força da venda em processo de execução fiscal, terá plena aplicação o disposto no artº 930º do Código do Processo Civil, que regula a entrega judicial da coisa, dispondo este normativo que "são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à penhora".
5. Destas disposições consta o artº 840º do Código do Processo Civil relativo à entrega efectiva, que permite que "quando as portas estejam fechadas ou seja oposta alguma resistência, o funcionário requisitará o auxílio de força pública, arrombando-se aquelas, se necessário, e lavrando-se auto de ocorrência".
6. Por aplicação subsidiária ao procedimento e processo judicial tributário dos normativos acima referidos, nos termos da alínea e) do artº 2º do Código do Procedimento e de Processo Tributário, a administração tributária através do Chefe do 2º Serviço de Finanças de Matosinhos, terá os poderes legais para ordenar e promover a prática de actos necessários à entrega do bem ao adquirente do mesmo em venda judicial, tais como os que constam do despacho reclamado.
7. Demonstrando-se a sua validade e justeza e ser conforme à lei, é de manter o despacho reclamado.
8. A douta sentença recorrida violou as disposições legais supra citadas.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida."
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
"1º - Foi instaurada execução fiscal contra "B...", pessoa colectiva nº 500760268, com sede na rua da ..., ..., Custóias, Matosinhos, por dívidas de Iva e juros compensatórios, no montante global de 11.755.420$00.
2º - No âmbito da execução fiscal referida em 1º foi penhorado, entre outros bens, o direito ao trespasse e arrendamento das instalações da executada, compostas por um armazém destinado a indústria, sito na Rua da ..., ..., Custóias, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 1594, e pelas quais paga a renda mensal de 305.550$00 ao senhorio, a herança de D..., portador do nº de identificação fiscal 146486005, já falecido em 1 de Outubro de 1994.
3º - Ordenada a venda judicial do direito referido em 2º por meio de propostas em carta fechada foram apresentadas duas propostas, sendo uma pela sociedade "E...", que ofereceu o valor de 2.900.000$00, e outra pela sociedade "C...", que ofereceu o valor de 3.500.000$00.
4º - O Chefe de Finanças de 2ª Repartição de Finanças de Matosinhos adjudicou à sociedade "C..." o direito descrito em 2º, tendo esta sociedade procedido ao pagamento integral do preço bem como do valor total do respectivo IVA.
5º - Em 9 de Agosto de 2001 o Chefe de Finanças proferiu o seguinte despacho:
"Notifique a executada B... que o direito ao trespasse e arrendamento do armazém destinado a indústria sito na ...., ..., freguesia de Custóias, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia de Custóias sob o artº 1972, em que é senhorio "a herança de D..." foi vendido por proposta em carta fechada e adjudicado em trinta de Julho do corrente ano, pelo que deverá entregar as chaves do referido armazém neste Serviço de Finanças até ao próximo dia dezassete do mês em curso devoluto.
Findo este prazo se não for cumprido determino que seja substituída a fechadura das referidas instalações no dia vinte e dois deste mês, pelas dez horas devendo ser contactado um serralheiro e solicitada a presença de dois elementos da autoridade ao Exmº Senhor Comandante do Posto da Guarda Nacional Republicana de Leça do Balio.
Notifique o senhorio da referida venda dando conhecimento da identidade do adquirente e novo inquilino.
Notifique o fiel depositário que fica desonerado e liberto das suas funções".
6º - Por requerimento que deu entrada no 2º Serviço de Finanças de Matosinhos em 16 de Agosto de 2001 a sociedade "A..." e que se mostra junto de fls. 54 a 56 dos autos, requeria ao Chefe de Finanças que revogasse o despacho a que se alude em 5º e que desse sem efeito as diligências aí determinadas.
7º - A sociedade "A..." celebrou com a executada "B..." em 10 de Dezembro de 1999 o contrato que se mostra documentado de fls. 58 a 62 e em 19 de Julho de 2000 o contrato documentado de fls. 63 a 67.
8º - Datada de 16 de Agosto de 2001 a sociedade "A..." enviou à sociedade "C...", a missiva cuja cópia se mostra junta a fls. 68.
9º - Sobre o requerimento a que se alude em 6º recaiu o despacho de fls. 96 proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças, indeferindo o pedido e determinando que deveriam prosseguir as diligências em curso".
Vejamos, pois:
Está em causa, no presente recurso, o despacho do Chefe do 2º Serviço de Finanças de Matosinhos que, no seguimento da adjudicação do direito ao trespasse e arrendamento das instalações da executada, lhe ordenou a entrega das chaves e, a não se concretizar esta, a substituição da fechadura das instalações respectivas, contactando-se um serralheiro e com a presença de GNR.
Despacho considerado ilegal e, em consequência, revogado pela sentença recorrida.
Ora, nos termos do artº 900º nº 2 do C.P.Civil, epigrafado "adjudicação dos bens" "proferido despacho de adjudicação dos bens, é passado ao adquirente título de transmissão ...".
Dispondo o artº 901, epigrafado "entrega dos bens", que "o adquirente pode, com base no despacho a que se refere o artigo anterior, requerer o prosseguimento da execução contra o detentor dos bens, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa".
Assim, uma vez adjudicados os bens, é ao adquirente que cumpre diligenciar no sentido da respectiva entrega, nos preditos termos.
O que bem se compreende se se atentar em que a venda executiva produz os mesmos efeitos que a realizada através de negócio jurídico translativo - artº 879º do Cód. Civil -, nomeadamente a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito.
Pelo que não pode a Administração Tributária substituir-se-lhe na defesa dos respectivos direitos.
Adjudicados os bens cumpre, assim, ao adquirente, nos termos do referido artº 901º, providenciar pela respectiva entrega requerendo, com base no despacho de adjudicação, o prosseguimento da execução.
Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 102.
Objecta, todavia, a Fazenda recorrente, no sentido da aplicação, nos autos, dos artºs 930º nº 1 e 840º do Cód. Proc. Civil.
Dispõe, na verdade, aquele primeiro normativo, que "à efectivação da entrega judicial da coisa, são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora ... se o executado não fizer voluntariamente a entrega", o que levaria à aplicação daquele artº 840º, respeitante à entrega da coisa penhorada.
Mas a asserção não é correcta.
É que o artº 930º insere-se justamente nas disposições respeitantes à "execução para entrega de coisa certa", que é a referida naquele artº 901º.
Isto é, uma vez requerido pelo adquirente o prosseguimento da execução, nos termos deste normativo, é que pode ter lugar a aplicação do artº 930º e, em consequência, à do art 840º, ambos referidos.
Assim, requerido pelo adquirente dos bens, o prosseguimento da execução, que segue os termos de execução para entrega de coisa certa, proceder-se-á respectiva entrega judicial efectiva, se necessário com o auxílio da força pública, arrombando-se as portas e lavrando-se auto da ocorrência.
Mas isto, como se disse, por iniciativa processual do adquirente dos bens, que não, de motu próprio, pela administração tributária.
Efectuada, pois, por esta, a adjudicação dos bens, ao adquirente cabe processualmente providenciar no sentido da respectiva entrega - artº 900º e 901º do Cód. Proc, Civil.
Como vem decidido.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Novembro de 2002
Brandão de Pinho – Relator – Almeida Lopes – António Pimpão