Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01187/12
Data do Acordão:01/09/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
RGIT
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Embora o valor da causa fixado em 1.ª instância não exceda o valor da alçada, pode admitir-se o recurso de decisão proferida em 1.ª instância com fundamento em oposição do decidido com Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 5 do artigo 280.º do CPPT).
II - O meio processual próprio para sindicar a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária ou para a discussão da legalidade da dívida exequenda, quando a lei não reconheça outro, é a oposição à execução fiscal, e não a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal.
III - Tendo o órgão de execução, no acto reclamado, aplicado normas alegadamente inconstitucionais, a reclamação do acto do órgão de execução é meio processual adequado para sindicar tal aplicação, e bem assim para suscitar outros vícios formais próprios do acto reclamado.
IV - Atento a que o juízo do Tribunal Constitucional de não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada, que da decisão de não aplicação do artigo 8.º do RGIT com fundamento em inconstitucionalidade cabe recurso obrigatório do Ministério Público para aquele Tribunal e ainda em face ao disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil justifica-se que não se reitere o juízo de inconstitucionalidade do artigo 8.º n.º 1 do RGIT.
Nº Convencional:JSTA00068024
Nº do Documento:SA22013010901187
Data de Entrada:11/05/2012
Recorrente:A...... E OUTRA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - RECL JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART280 N4 N5
RGIT01 ART8
CCIV66 ART8 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0174/09 DE 2009/12/16; AC TC N561/2011 PROC506/09
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……… e B………, com os sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 3 de Setembro de 2012, que julgou improcedente a reclamação por eles deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo 2 – Ermesinde, datado de 8 de Maio de 2012, que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 35652010012007033 e aps., lhes indeferiu o pedido de suspensão da venda executiva do imóvel penhorado na execução, mantendo a venda agendada.
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. A……… e B………, melhor identificados nos autos à margem referenciados, interpõem recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do art. 276.º do CPPT, efectuaram do despacho do Chefe de Finanças de Valongo 2 – Ermesinde, que lhes indeferiu o pedido de declaração de inconstitucionalidade do acto de reversão por coimas, praticado na execução fiscal interposta contra a sociedade C………, LDA.
II. O requerimento sobre o qual recaiu o despacho desfavorável de que se reclamou, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, impetrava que a Administração Tributária declarasse que os executados por reversão não eram responsáveis pelo pagamento de coimas e despesas aplicadas à sociedade C………, LDA., e que, em consequência, se ordenasse o não prosseguimento, contra eles, das execuções atinentes a tais coimas e despesas.
III. Os ora Recorrentes alegavam, em síntese, a inconstitucionalidade do art.º 8.° do R.G.I.T., quanto à responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes ou outras pessoas que tenham exercido a administração de pessoas colectivas originariamente devedoras (questão de conhecimento oficioso e que poderia ser invocada em qualquer altura e não somente no prazo da Oposição e através desta (mesmo depois de transcorrido o prazo da Oposição).
IV. Face ao despacho desfavorável do Serviço de Finanças de Valongo 2 - Ermesinde, sobre questão de conhecimento oficioso (desde logo pela Administração Pública), que afectava direitos e interesses legítimos dos ora Recorrentes, podiam estes reclamar, como fizeram, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, nos termos do art.º 276.° do C.P.P.T.
V. Nada obsta, por exemplo, a que essa questão seja suscitada em acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no art.º 145.° do C.P.P.T., uma vez que esta acção será sempre um meio processual mais adequado para assegurar, de forma plena, eficaz e efectiva, a tutela dos direitos e interesses dos contribuintes, do que a oposição prevista no art.º 203° e segs. do C.P.P.T. (em que os direitos dos oponentes são sempre inferiores aos que lhes são assegurados em quaisquer processos de natural penal ou contra-ordenacional).
VI. Ora, se a acção do art.° 145.º poderá ser usada para o fim acima indicado, nada obsta a que a Administração Fiscal, oficiosamente reveja a sua posição em qualquer fase do processo executivo, ou por sua iniciativa ou a requerimento do(s) interessado(s).
VII. No segundo caso, se o despacho for desfavorável ao(s) interessado(s), pode(m) este(s) reclamar nos termos e no prazo dos arts 276° e segs. do C.P.P.T.
VIII. Do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.12.2009, Processo 01074/09, podemos subtrair o seguinte: “Ora, no presente caso, as reclamações têm claramente por objecto os despachos de indeferimento proferidos pelo órgão da execução fiscal, visando, logicamente, a sua anulação, pelo que é por essa pretensão que se tem de aferir do acerto ou erro do meio processual utilizado para atingir tal desiderato. E não existindo qualquer desarmonia ou discrepância entre esse meio processual utilizado – a reclamação deduzida ao abrigo do art.º 276.º do CPPT – e a pretensão implicitamente formulada de invalidação dos actos reclamados, não pode falar-se em erro na forma de processo. Não constituindo o despacho de reversão objecto dessas reclamações, não pode manter-se a decisão recorrida na parte em que julgou o contrário, isto é, na parte em que julgou que esse despacho constituía objecto da reclamação e que o meio adequado para reagir contra ele era a oposição à execução fiscal.
IX. No caso dos autos, ao contrário do entendimento sustentado pela decisão recorrida, não existe erro na forma do processo.
X. Apenas se pode concluir e, dado que que os Recorrentes não se conformam com o julgado, advogando que foi cometido erro no julgamento das questões colocadas.
XI. Nos termos do art. 8.º n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento.
XII. Estabelece o n.º 1 do art. 23.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão no processo de execução fiscal.
XIII. A questão da inconstitucionalidade da norma do art.º 8° do R.G.I.T. é de conhecimento oficioso, podendo ser apreciada pela Administração Tributária, por sua iniciativa ou a requerimento do(s) interessado(s), e podendo estes, em caso de despacho desfavorável sobre a sua impetração nesse sentido, reclamar para o Tribunal Fiscal da 1ª Instância.
XIV. A presunção legal de que a falta de pagamento consubstanciadora da infracção fiscal é imputável aos gerentes é inconstitucional por inconciliável com a presunção de inocência vigente em matéria sancionatória (art.º 32°, n.º 2, da C.P.).
XV. O n.º 10 do art.º 32.° da C.P. assegura ao arguido, em processos sancionatórios (incluindo contra-ordenações) os direitos de audiência e de defesa, que não são assegurados ao revertido.
XVI. Conclui-se que, no domínio do Ilícito contra-ordenacional, se deve aplicar os princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de inocência, pelo que estas não podem ser exigidas ao revertido, nos termos do art.° 8° do R.G.I.T.
XVII. O que o art. 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta de facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido não causadora do pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.
XVIII. E o regime processual correspondente a essa figura reforça a nota de que estamos perante uma efectivação da responsabilidade indissociavelmente ligada ao dever de pagar a coima. Não se exige a formação de novo título executivo, com base no vínculo que estrutura uma outra relação, autónoma em face da relação tributária de que emergiu aquele dever.
XIX. Acresce que, a admitir-se que a mudança dos sujeitos responsáveis vem acompanhada por uma mudança da natureza da responsabilidade, então também é forçoso admitir que não são atingidos os fins que justificam a imposição da coima.
XX. Em suma: não pode haver responsabilidade civil onde não estejam presentes, todos os pressupostos que lhe dão nascença, designadamente o dano, cuja reparação constitui a razão de ser a a finalidade primária da figura. Não satisfaz esse requisito, em nosso juízo, e não obstante a qualificação legal, o regime aqui presente.
XXI. Isto é, a responsabilidade, ainda que qualificada como civil, não nasce autonomamente, à partida, pela verificação simultânea dos seus pressupostos conjuntamente com os da responsabilidade contra-ordenacional. Está umbilicalmente ligado a esta, só surgindo sequencialmente, a título subsidiário, em razão da impossibilidade de satisfação, pelo património do devedor originário, da coima em que a responsabilidade contra-ordenacional se traduz.
XXII. O não atendimento mínimo de limites sancionatórios decorrentes do princípio da culpa, abre a porta a que os princípios da igualdade e da proporcionalidade resultem também insatisfeitos, e de forma agravada, dado o desajustamento da própria moldura aplicável, prevista para infracções cometidas por pessoas colectivas. Uma negligência ligeira na condução da gestão pode ser sancionada com coimas de elevado montante, desproporcionado em relação à gravidade do ilícito e da culpa e gerador de situações de tratamento infundadamente inigualitário.
XXIII. A norma que é objecto do presente recurso sujeita os gerentes ou administradores a uma coima fixa, obstando a que a determinação da medida da sanção seja feita em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa e da situação económica do agente, o que significa que permite a sujeição a uma coima desproporcionada.
XXIV. É, pois neste contexto, que urge tomar, de novo, posição sobre a constitucionalidade do citado normativo legal, tendo em consideração que embora o acórdão do tribunal Constitucional tenha um peso próprio, que cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação, ele não tem força obrigatória geral, impondo-se somente no processo em que foi proferido, e que o Supremo Tribunal administrativo não está, por isso, vinculado à sua aplicação nestes autos, sendo livre de seguir a jurisprudência que julgue mais adequada.
XXV. Existem várias correntes jurisprudenciais, e a jurisprudência não se encontra consolidada.
XXVI. Tomemos como exemplo, e acompanhemos as razões expendidas pelo Exmo.º Juiz Conselheiro J. Cunha Barbosa na sua declaração de voto, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 437/2011 de 03 de Outubro de 2011, “Por tudo, concluiria pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, quanto à parte em que se refere à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas às pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal, efectivada através do mecanismo da reversão da execução fiscal.”
XXVII. Também se expressam no mesmo acórdão, as razões expendidas pelo Exmo.º Juiz Conselheiro Catarina Sarmento e Castro, “Dissenti da posição maioritária, não subscrevendo o presente acórdão, por considerar que, no caso, se justificariam plenamente as considerações que foram efectuadas no Acórdão n.º 24/2010, no Acórdão n.º 26/2011 e no Acórdão n.º 85/2011, que julgaram a transmissão de responsabilidade pelo pagamento da coima inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade. Reforço, ainda, que entendo que está em apreciação, nesta situação, uma especial interpretação normativa do artigo 8.º do RGIT (quando interpretada no sentido que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora), distinta da apreciada no Acórdão n.º 129/2009.”
XXVIII. E do Exmo.º Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, “Por considerar que a efectivação da responsabilidade subsidiária do gerente por via do mecanismo da reversão no processo de execução fiscal viola o princípio do processo equitativo, atendendo a que se trata de uma responsabilidade civil por facto próprio, relativamente à qual o processo de execução fiscal não oferece as necessárias garantias de defesa e contraditório, corroborando, nesse ponto, a declaração de voto do Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos no acórdão n.º 35/2011)”
XXIX. Deve ser revogada douta sentença recorrida, sendo substituída por outra que acolha a posição defendida pelos Recorrentes, julgando adequado o meio processual por estes utilizado (reclamação de despacho da Administração Fiscal) e declarando a inconstitucionalidade das normas das alíneas a) e b) do n° 1 do art.º 8.° do R.G.I.T.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, E com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e, consequentemente, se dê como provado erro no julgamento das questões colocadas e reforma da decisão. Porém, como sempre, V. Exas. farão a sempre costumada JUSTIÇA.

2 – Contra-alegou a Fazenda Pública, concluindo nos termos seguintes:
A. A Reclamante/Recorrente insurge-se contra a decisão exarada nos autos, por entender, ao contrário do (alegadamente) decidido, que a reclamação do art. 276.º do CPPT é meio processual adequado para sindicar a inconstitucionalidade do art. 8.º do RGIT, e que a sentença deve ser anulada e substituída por outra que conheça do fundamento alegado.
B. A sentença recorrida, na parte em que refere “Questões Prévias” (fls. 203 dos autos) salienta, o vertido na contestação pela FP, relativamente ao valor da acção, decorrendo da factualidade dada como provada no ponto 3.º (III – Dos Factos) que o valor a considerar para efeitos da dívida é de € 1.062,80, por constituir o valor pelo qual prosseguiu a execução contra os revertidos, desde 24.05.2011, data em que foi anulada parte da dívida.
C. Para efeitos das custas, deverá ser aplicado o disposto no art. 97.º-A, n.º 2 do CPPT, às reclamações do art. 276.º, conforme o Ilustre Conselheiro, Jorge Lopes de Sousa, nota 8 ao mesmo artigo, no Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, Lisboa, pág. 74, já que parta “outros efeitos previstos na lei”, designadamente recorribilidade da sentença, se mostram aplicáveis, “os critérios gerais subsidiários de determinação do valor do processo”, como refere o mesmo autor, na nota 12 ao mesmo preceito (v. os 2º e o último parágrafo desta nota 12).
D. Assim, tendo em conta “os critérios gerais subsidiários de determinação do valor do processo”, atendíveis para efeitos de recorribilidade, o valor da causa nestes autos considerado, atento o conteúdo da sentença, foi de € 1.062,80, por constituir o valor pelo qual prosseguiu a execução contra os revertidos vigente à data da interposição desta acção.
E. Não cabia recurso desta decisão, na medida em que o valor da causa a considerar não ultrapassa um quarto da alçada dos Tribunais Judiciais de 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 280.º n.º 4 do CPPT, não sendo alegadas circunstâncias susceptíveis de enquadrar o presente recurso no n.º 5 do mesmo artigo.
F. Com efeito, sendo o objecto e termos do recurso limitado pelas conclusões formuladas, a recorrente insurge-se contra a sentença por esta ter declarado a verificação de erro na forma de processo, quanto à invocada inconstitucionalidade, verificando-se, porém, que a decisão recorrida apenas declarou a procedência da excepção de erro na forma de processo no que respeita à discussão da legalidade do apuramento da dívida em execução.
G. Em relação à alegada inconstitucionalidade, a sentença, conheceu do alegado, conforme primeiros dois parágrafos de fls. 206 dos autos, seguindo a posição do Tribunal Constitucional no acórdão 561/2011 disponível em www.tribunalconstitucional.pt, confirmada no acórdão 249/2012, de 22.05.2012, tirado no processo 789/11, publicado no DR, 2.ª série, n.º 121, de 25.06.2012 e determinando na parte decisória a improcedência da Reclamação, conforme fls. 208 dos autos.
H. Deve entender-se que a decisão não era recorrível, nos termos em que o recurso vem intentado, atendendo ao valor da acção e, ainda que assim não se entenda, deve negar-se provimento ao recurso interposto, porquanto este parte da errada premissa de que a sentença declarou a Reclamação do art. 276.º como meio processual não adequado para conhecer da inconstitucionalidade do art. 8.º e da inadequação do processo de execução fiscal para a cobrança de dívidas provenientes da responsabilidade civil pelo pagamento de coimas, por reversão contra os gerentes societários, quando tal não decorre do sentido decisório exarado.
Termos em que, deve manter-se a douta sentença recorrida.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 268, frente e verso, dos autos, onde conclui que “parece ser de conhecer do recurso interposto, anulando-se a decisão recorrida que, com fundamento em erro na forma do processo, indeferiu a reclamação e, sendo de deferir esta, julgar-se o recurso procedente.

4 – Por despacho da relatora de fls. 272 dos autos ordenou-se a junção ao processo da procuração forense outorgada ao advogado subscritor da petição de recurso, o que veio a ser efectuado atempadamente (cfr. fls. 274 e 275).

Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Importa, a título prévio, decidir da admissibilidade do recurso, pois que, como bem salienta a Fazenda Pública, o valor da causa se situa aquém da alçada deste Supremo Tribunal.
Admitindo o recurso, haverá que conhecer do seu mérito.

5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1.º - Contra a sociedade C………, Lda, foi instaurado pelo serviço de Finanças de Valongo 2 – Ermesinde, o processo de execução fiscal n.º 35652010012007033 e aps., para pagamento de dívidas de coimas.
2.º - Os ora Reclamantes foram citados na qualidade de revertidos em 15.11.2010, para pagamento da quantia de 46.113,80 euros.
3.º - Em 24.05.2011, procedeu o OEF, à anulação de parte da dívida (nos termos supra referidos), passando a dívida a ser no valor de 1.062,80.
4.º No âmbito do processo de execução fiscal em causa, foi penhorado o prédio correspondente ao artigo urbano 3021, sito em ………, Paredes.
5.º - A sua penhora foi registada pelas apresentações 3183 e 2490 de 31.01.2011 e 11.08.2011.
6.º - Em 22.03.2012 foi ordenada a venda do imóvel por leilão electrónico para o dia 15.05.2012.
7.º - Por requerimento apresentado em 30.04.2012, os ora Reclamantes requereram a suspensão da venda – cfr. doc. de fls. 86 a 94 dos autos.
8.º - Em 08.05.2012 foi elaborada a informação e exarado o despacho reclamado nos presentes autos, com o seguinte teor:
«Face ao informado e atento todo o peticionado no requerimento que antecede mantenho a venda agendada nos presentes autos para o dia 15 do mês corrente uma vez que:
- O meio próprio para questionar a constitucionalidade das normas que prevêem a responsabilidade subsidiária dos gerentes em relação ao pagamento das coimas aplicadas à sociedade, é a oposição à execução fiscal.
- Tendo os revertidos sido validamente citados em 15-11-2010, o prazo para a interposição de oposição nos termos do artigo 203.º do CPPT, encontra-se esgotado;» - cfr. doc. de fls. 99 a 100 dos autos.

6 – Apreciando.
6.1 Da admissibilidade do recurso
Conclusos os autos neste Supremo Tribunal à Relatora, proferimos despacho do seguinte teor (fls. 269 dos autos):
«Atento o valor da causa fixado na sentença recorrida – 1062,80€ (cfr. sentença recorrida a fls. 203 dos autos) – esta não admite recurso ordinário, porque inferior ao valor da alçada (fixada em 1250€ - cfr. os arts. 280.º n.º 4 do CPPT; 6.º n.º 2 do ETAF; 31.º n.º 1 da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto) atento a que o processo de iniciou em 2012.
Atento, porém, o parecer do MP neste STA e a conclusão VIII das alegações de recurso, pondera-se admitir o presente recurso ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 280.º do CPPT, limitado embora à questão do erro na forma do processo.
Oiçam-se, pois, as partes, no prazo de 5 dias (cinco), dado o carácter urgente do processo. Notifique também o parecer do MP».
Notificadas as partes do despacho e parecer supra referidos (fls. 270 e 271 dos autos), nada vieram dizer.
Cumpre decidir.
Dispõe o n.º 4 do artigo 280.º do CPPT que: “Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância», dispondo, porém, o n.º 5 do mesmo preceito legal que: “A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior”.
No caso dos autos, a sentença recorrida não admitia, atento o valor da causa fixado e o da alçada, recurso ordinário ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 280.º do CPPT. Não obstante, invocando os recorrentes (cfr. conclusão VIII das suas alegações de recurso) contradição entre o decidido na sentença recorrida quanto à existência de erro na forma de processo e o Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Dezembro de 2009, proferido no recurso n.º 0174/09, decide-se admitir o recurso ao abrigo do n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, como propugnado pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal no seu parecer junto aos autos, pois que nenhuma das partes manifestaram oposição a esse conhecimento nestes termos.

6.2 Do mérito do recurso
A sentença recorrida, a fls. 201 a 208 dos autos, julgou improcedente a reclamação deduzida pelos ora recorrentes contra a decisão proferida pelo órgão de execução a que se refere o n.º 8 do probatório fixado, em razão:
- da procedência da excepção invocada de erro na forma do processo no que respeita aos pressupostos da responsabilidade subsidiária e bem assim quanto à legalidade do apuramento da dívida em execução (cfr. sentença recorrida, a fls. 205);
- da julgada não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT e inadequação do processo de execução fiscal para a cobrança das dívidas provenientes da responsabilidade civil pelo pagamento de coimas por reversão contra os gerentes societários, onde remeteu para a apreciação da questão feita pelo Tribunal Constitucional em acórdão tirado em pleno (cfr. sentença recorrida, a fls. 206);
- da inverificação dos vícios alegados de falta de fundamentação e omissão de pronúncia do despacho reclamado (cfr. sentença, a fls. 206 a 208 dos autos).
Resulta, pois, do teor da sentença recorrida que a excepção de erro na forma do processo não obstou a que o Tribunal, ao contrário do órgão de execução fiscal, tivesse conhecido da alegada inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT e, embora com fundamentação muito sumária e meramente remissiva, concluísse no sentido na sua não inconstitucionalidade, assim perfilhando a posição mais recentemente assumida, e em formação alargada, pelo Tribunal Constitucional.
O decidido quanto à inadequação da reclamação da decisão do órgão de execução fiscal para apreciação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária ou para a discussão da legalidade da coima nenhuma censura merece, pois que o meio próprio os sindicar é a oposição à execução fiscal (admitindo, no caso da ilegalidade da coima, que ao responsável subsidiário não é reconhecida legitimidade para interpor recurso de contra-ordenação da decisão administrativa de aplicação da coima). Censurável seria sim não admitir o conhecimento da questão da inconstitucionalidade do artigo 8.º por via da reclamação, mas o tribunal “a quo” conheceu-a nesse meio processual, e bem assim os vícios formais próprios atribuídos à decisão reclamada.
Já no que ao juízo de não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT respeita, é conhecido, aliás também dos recorrentes, que a posição maioritária deste Supremo Tribunal sempre foi em sentido divergente do entendimento agora sufragado pelo Tribunal Constitucional, salvo nos casos de reforma de decisão determinada em razão de recurso para aquele Tribunal (como sucedeu, aliás, no processo cujo Acórdão foi invocado pelos recorrentes em abono das sua pretensão, que veio a ser reformulado, em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo Juiz último em matérias constitucionais, por Acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Janeiro de 2012).
Não obstante, atento a que o juízo do Tribunal Constitucional de não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada e a decisão de não aplicação do artigo 8.º do RGIT com fundamento em inconstitucionalidade obriga a recurso obrigatório do Ministério Público para aquele Tribunal, decide-se, atento ao disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil, em conformidade com essa jurisprudência constitucional e pelos fundamentos constantes do seu acórdão plenário n.º 561/2011 (proferido no rec. n.º 506/09 e publicado em DR, 2.ª série, n.º 243, 21 de Dezembro de 2011, pp. 49547 e ss), julgar não inconstitucional a norma do artigo 8.º n.º 1 do RGIT, assim confirmando a sentença recorrida que também neste sentido julgou.

O recurso não merece, pois, provimento.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.