Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01703/13
Data do Acordão:10/08/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:OPOSIÇÃO
DUPLICAÇÃO DE COLECTA
Sumário:A duplicação de colecta ocorre quando da aplicação do mesmo preceito legal por mais de uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária em concreto.
Nº Convencional:JSTA000P18035
Nº do Documento:SA22014100801703
Data de Entrada:11/04/2013
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
“A………, Lda.”, identificada nos autos, inconformada, recorre da sentença proferida pelo TAF do Porto, datada de 28/06/2013, que julgou improcedente a oposição que havia deduzido por apenso à execução fiscal que contra si moveu a Administração Tributária por divida de IVA não paga, e juros, referente ao período 0512T, no valor global de 16.711,40€.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma:

1ª Como se demonstrou em julgamento e vem dado como provado, nenhum IVA foi liquidado com base na factura 500003, de 01.12.2005,

2ª A qual foi emitida apenas porque a Capitania do Douro entendeu que a embarcação (resultante da transformação de uma baleeira) devia ser registada como nova e para tal era necessária factura da sua construção;

3ª Por isso e só para isso foi emitida uma 2ª factura, com o número 500003, em quase tudo idêntica à factura anteriormente emitida pela transformação da baleeira em embarcação de recreio, operação pela qual foi oportunamente liquidado e pago o IVA devido;

4ª Esta segunda factura não correspondia a qualquer (nova) operação comercial pela qual fosse devido IVA, antes sendo uma ficção (como se diz a fls 8 da douta sentença). Daí que nem sequer tenha sido contabilizada.

5ª Porque as duas facturas se reportam à mesma operação comercial, pode considerar-se, em sentido amplo, haver uma duplicação de colecta ao exigir-se IVA sobre a 2ª factura;

6ª É certo que a impugnação é o meio processual adequado para contestar a legalidade da liquidação de um imposto.

7ª Porém, no caso sub judice, a recorrente foi simplesmente notificada para pagar o IVA agora em causa, não a esclarecendo dos meios de defesa de que poderia lançar mão nem do respectivo prazo. Daí que só tenha procurado o advogado na iminência da execução.

8ª Embora legalmente possa sustentar-se que, não sendo o presente processo de oposição o meio de defesa adequado para evitar a cobrança do IVA exigido na execução, tem de reconhecer-se que o julgamento da sua improcedência é extremamente injusto, por se obrigar a recorrente ao pagamento de um tributo que se sabe não ser devido;

9ª Espera, aliás, a recorrente que a Fazenda Pública desista da execução, o que seria de elementar justiça e um acto inteiramente louvável.

10ª Assim não acontecendo, resta à recorrente esperar que VExªs encontrem para o caso sub judice a solução que, sendo legal, seja sobretudo justa,

11ª Reconhecendo-se que a douta sentença recorrida, ao julgar improcedente a Oposição, violou o preceituado e em especial o espírito subjacente ao disposto no n°. 1 do art. 205° do Cod. de Procedimento e de Processo Tributário.

PELO EXPOSTO E PELO MUITO QUE V.EXa.S DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO EM CONFORMIDADE COM AS CONCLUSÕES QUE ANTECEDEM E REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, ORDENANDO-SE O ARQUIVAMENTO DA EXECUÇÃO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Não foram produzidas contra-alegações.

Já neste Supremo Tribunal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e de manutenção do julgado, no essencial, com as mesmas razões adiantadas na sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte matéria de facto, que não vem posta em causa pela recorrente:

A. O processo de execução fiscal n° 3921200801038672 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Gondomar 3 para cobrança coerciva da quantia global de € 16.809.47 (dezasseis mil e oitocentos e nove euros e quarenta e sete euros referente a IV A e respectivos juros de mora;

B. O gerente da sociedade "A…….., Lda." possuía o casco de uma baleeira salva vidas em 2004, designada de B……..;

C. Em 2004 decidiu converter o casco referido em B) nos "A………, Lda.", num barco de recreio com destino à actividade turística explorada no rio Douro, pela sociedade "C………";

D. Para a aquisição do motor para a embarcação foi utilizada a locação financeira junto do FINIBANCO, em nome de quem os A........., Lda., facturaram a embarcação, figurando a sociedade B…….. como locatária devedora;

E. Pela operação referida em D), foi pago o respectivo IVA - cfr. fls. 26;

F. Por cedência da posição contratual, a B……. saiu do contrato de locação financeira e tomou a sua posição a C……..;

G. Quando a oponente pretendeu registar as alterações à embarcação B………., já com o nome de D……., foi decidido pela Capitania do Douro que a tal embarcação tinha que ser registada como nova;

H. Em resultado da inscrição como nova, era necessário a facturação da sua construção e, só por essa razão, a oponente emitiu uma segunda factura em nome da "C……..” (a n° 50003 de 1.12.2005), sem que a mesma correspondesse a uma nova transacção comercial;

I. A 26 de Julho de 2007 foi emitida a factura nº 600016, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido - cfr. fls, 13;

J. Pelo ofício 339, a Capitania do Porto do Douro informou a "C…….., Lda.” que "1 - De acordo com o solicitado no fax em referência informo V Exa. que no âmbito do processo de registo da embarcação em epígrafe foi comunicado ao I. P. T. M que esta embarcação já possuía registo na Delegação Marítima de Esposende sob o nº …….. e a denominação de "B……", em nome de E……, correspondendo assim a um processo de modificação. 2. Face ao que antecede informa-se V Exa. que esta Autoridade Marítima só poderá proceder ao registo da embarcação após autorização por parte do I.P.T.M.” – cfr. fls. 14.

Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.

Tal como se decidiu na sentença recorrida e a recorrente aceita expressamente, na presente oposição não se pode conhecer da legalidade da liquidação por força da limitação imposta pelo art. 204º do CPPT.

Portanto, apenas há que conhecer se se verifica, ou não, a duplicação da colecta, cfr. arts. 204º, n.º 1, al. g) e 205º, ambos do CPPT, tal como pretende a recorrente.

Dispõe ao art. 205º, sob a epígrafe “Duplicação de colecta”:

1 - Haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.

2 - A duplicação de colecta só poderá ser alegada uma vez, salvo baseando-se em documento superveniente demonstrativo do pagamento ou de nova liquidação.

3 - Alegada a duplicação, obter-se-á informação sobre se este fundamento já foi apreciado noutro processo e sobre as razões que originaram a nova liquidação.

4 - Para efeitos dos números anteriores, a alegação da duplicação de colecta será de imediato anotada pelos serviços competentes da administração tributária nos respectivos elementos de liquidação.

Tem entendido a jurisprudência e a doutrina, de modo uniforme, que a duplicação de colecta só se verifica quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) que esteja pago um tributo;

b) que se exija da mesma ou de diferente pessoa um outro tributo de igual natureza;

c) que tal tributo se refira ao mesmo período de tempo, cfr. entre outros, o acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 18/12/2013, recurso n.º 01181/12.

Segundo Jorge Lopes de Sousa, “a duplicação da colecta resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta. No entanto, torna-se necessário que a realidade fáctica que está subjacente à pluralidade de liquidações seja a mesma, o que não acontecerá, por exemplo, no caso de liquidações adicionais em que se pretende cobrar um tributo que, indevidamente, não foi liquidado inicialmente.”, cfr. CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, vol. III, pág. 526.

Mais à frente esclarece o mesmo autor que, para que se possa concluir pela duplicação da colecta é essencial que o tributo esteja pago por inteiro, “a referência ao pagamento do tributo por inteiro tem ínsita a exigência de que o tributo devido esteja totalmente pago, o que afasta a possibilidade de invocação da duplicação de colecta quando o tributo apenas está parcialmente pago, na sequência da primeira liquidação, seja por que foi feito o pagamento apenas de parte das prestações, seja por que a primeira liquidação, apesar de estar paga na sua totalidade, não atinge o montante a cobrar em face da segunda liquidação”, cfr. pág. 527.

Como bem se surpreende da matéria de facto que se julgou provada, o montante de imposto agora exigido à oponente, referente ao período 0512T, no valor de 15.750,00€, não coincide com o montante do imposto pago no período 0509T, que foi de 923,27€.

É certo que a recorrente alega que o valor do imposto devido procede da mesma situação tributária concreta, no entanto não é isso que transparece dos autos, nomeadamente da matéria de facto que se levou ao probatório. Enquanto que a operação pela qual foi efectuado o primeiro pagamento do imposto do IVA foi facturada ao Finibanco, já a segunda operação que originou o montante de IVA agora em execução foi facturada à “C……”, não podendo, por isso, para efeitos deste instituto da duplicação de colecta, concluir-se estar-se perante a mesma situação tributária concreta, mesmo que se considere que a C…… assumiu a posição contratual da oponente junto do Finibanco.

Assim sendo, faltando dois daqueles requisitos cumulativos anteriormente enunciados, (i) mesma situação tributária concreta e (ii) pagamento do mesmo tributo por inteiro, referente ao mesmo período, teremos necessariamente que concluir que não estamos perante a figura da duplicação de colecta.

Terá, assim, o recurso que improceder.

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

D.N.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.