Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0439/07.0BEBRG
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
CAMINHO VICINAL
DIREITO DE PROPRIEDADE
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Sumário:É de admitir revista se nos autos se discute a violação do princípio da separação de poderes e o vício de usurpação de poder pelo Réu Município no licenciamento da entrada carral da contra-interessada em parcela de terreno privado, por alegadamente pertencente ao Autor.
Nº Convencional:JSTA000P28137
Nº do Documento:SA1202109090439/07
Data de Entrada:10/23/2020
Recorrente:A....... E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VILA VERDE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório

A………….. interpõe recurso nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão do TCA Norte, proferido em 28.02.2020, que julgou parcialmente procedente o recurso jurisdicional interposto pelo autor, da sentença proferida pelo TAF de Braga, na acção administrativa especial intentada contra o Município de Vila Verde por B………., na qual é contra-interessada C…………, anulando a sentença na parte em que não conheceu do vício de erro nos pressupostos de facto e de direito, conhecendo em substituição nessa parte, mantendo, no mais, a sentença e julgando a acção improcedente.
Invoca que estão preenchidos os requisitos previstos no art. 150º, nº 1 do CPTA, visando-se uma melhor aplicação do direito.

A contra-interessada pugna pela inadmissibilidade da presente revista, por força do art. 142º do CPTA e 6º, nº 4 do ETAF, tendo em conta que o valor da acção é de €15.000,00. E, igualmente por não se verificarem os requisitos do art. 150º, nº 1 do CPTA.


2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Começaremos por dizer que, como decorre do citado art. 150º, nº 1 do CPTA o recurso de revista obedece apenas aos requisitos enunciados naquele nº 1, não dependendo a sua admissibilidade do valor da causa, pelo que tal valor não obsta à admissão da revista, havendo que apreciar, em termos perfunctórios e sumários, os requisitos acima enunciados para ajuizar se o recurso deve ou não ser admitido.

Nos presentes autos foi peticionada pelos Autores B…………. (entretanto falecida) e A…………… a declaração de nulidade do despacho do Vereador do Pelouro do Planeamento, Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal de Vila Verde, datado de 25.10.2006, pelo qual se deferiu o pedido de licenciamento de uma entrada carral, formulada pela contra-interessada.
O que está em causa nos autos é o dissídio entre o agora único autor e a contra-interessada sobre se a parcela de terreno, exterior ao prédio misto desta, que faria a ligação à entrada carral de tal prédio, era um caminho vicinal existente desde tempos imemoriais como esta última defende (e, na tese desta, da qual a autora ilegitimamente se apossara) ou se se tratava de uma parcela de terreno da propriedade da autora (como esta invoca nos autos, tendo sido adquirido há mais de 60 anos).
O Réu Município a quem a contra-interessada requereu o licenciamento de obras de abertura de uma entrada carral, a levar a efeito no muro de vedação da sua propriedade, deferiu tal pedido, tendo previamente procedido a diligências com vista a determinar a existência efectiva do caminho público.

O TAF julgou a acção improcedente.

O TCA tendo em atenção que na apelação se questionou a matéria de facto provada [haviam sido considerados provados 8 factos] procedeu ao aditamento de diversos factos invocados pelo autor [de 9 a 23].
Julgou verificada a nulidade de sentença por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC) quanto a erro nos pressupostos de facto, conhecendo-se em substituição e concluindo-se que: “…o Réu Município de Vila Verde, decidiu correctamente ao concluir pela existência de um caminho público de natureza vicinal e, consequentemente, pela dominialidade pública da parcela de terreno que iria fazer a ligação à entrada carral pretendida pela contrainteressada”.
No mais, julgou não verificadas as invalidades do acto impugnado por violação do princípio da separação de poderes e por usurpação de poder.

Na sua revista o recorrente defende que o acórdão recorrido violou lei processual ao acrescentar na matéria de facto os nºs 9 a 23 (correspondentes a factos alegados na petição inicial), menosprezando a prova documental que demonstram a propriedade/posse da referida parcela de terreno do Recorrente e a inexistência de qualquer caminho vicinal, sendo aqui aplicável o nº 4 do art. 150º do CPTA.
Defende igualmente que o acórdão incorreu em erro de julgamento quanto à violação do princípio da separação de poderes e o vício de usurpação de poder pelo Réu no licenciamento da entrada carral da contra-interessada em parcela de terreno privado, por alegadamente pertencente ao Autor.

Ora, a situação assume relevo jurídico ultrapassando o interesse do caso concreto, tendo potencialidade para abranger outros casos da mesma natureza, sendo que a solução do acórdão recorrido não é isenta de dúvidas, tanto quanto à apreciação da prova e a fixação dos factos, podendo-se estar perante circunstância prevista no nº 4, 2ª parte do art. 150º do CPTA, como quanto à apreciação do princípio de separação de poderes e do vício de usurpação de poder, o que aconselha a intervenção deste STA, também para uma melhor aplicação do direito, com afastamento da regra da excepcionalidade das revistas.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, a relatora atesta que os Exmos Juízes Adjuntos - Conselheiros Carlos Carvalho e José Veloso -, têm voto de conformidade.


Lisboa, 9 de Setembro de 2021

Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa