Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0275/12
Data do Acordão:05/16/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
NULIDADE
ANULABILIDADE
LEGALIDADE CONCRETA
Sumário:I - Nos termos do disposto no nº 3 do art. 97º da LGT deverá ordenar-se “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”, estabelecendo, igualmente, o nº 4 do art. 98º do CPPT que “em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei”.
A convolação é admitida desde que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade do meio processual para o qual a petição inicial for adequada.
II - Reconduz-se à invocação de uma ilegalidade concreta da dívida exequenda a alegação de que o custo de determinadas certidões não poderia ter sido calculado nos termos do n° 4 do art. 20° do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado (DL n° 194/2003 de 23/8) porquanto tal disposição legal não vigorava para aquelas certidões, as quais estavam sujeitas aos preços fixados no Despacho n° 8617/2002 (2ª Série) do Ministro das Finanças, publicado no DR, II Série, n° 99 de 29/4/2002. Ou seja, trata-se de alegação que envolve mera anulabilidade, pelo que a respectiva impugnação teria que ser apresentada no prazo previsto no art. 102º, nº 1 do CPPT, não sendo aplicável o disposto no nº 3 deste normativo.
Nº Convencional:JSTA00067601
Nº do Documento:SA2201205160275
Data de Entrada:03/15/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N4 ART744 N1 N5
CPPTRIB99 ART2 D ART98 N4 ART102 N3 ART204 N1 ART209 N1 B
CONST76 ART19 ART62 ART2
LGT98 ART2 C
CPA91 ART124 ART133 ART135
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC1259/04 DE 2005/06/22; AC STAPLENÁRIO PROC22251 DE 2001/05/30; AC STA PROC208/04 DE 2004/05/25; AC STA PROC736/05 DE 2005/11/16; AC STA PROC67606 DE 2006/10/11; AC STA PROC1709/03 DE 2004/01/28; AC STA PROC1754/02 DE 2003/03/26
Referência a Doutrina:AROSO DE ALMEIDA E OUTRO - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VOLI PAG247.
VIEIRA DE ANDRADE - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976 PAG87.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG330-331.
ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA - CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO E COMENTADO PAG379.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada absolveu da respectiva instância a Fazenda Pública na oposição que aquele deduziu contra a execução fiscal nº 3212200501082850 contra si instaurada para cobrança de dívida à Secretaria-Geral do Ministério da Defesa, na quantia de € 1.268,00, referente a emissão de certidões, acrescendo juros de mora partir de 3/5/2005.

1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
a) A Sentença ora recorrida absolveu a Fazenda Nacional por erro na forma de processo porque o Recorrente deduziu oposição à execução com base na alínea a) do n° l do artigo 204° do CPPT em vez de ter utilizado o processo de impugnação judicial.
b) ... considerando, porém, impossível a convolação neste tipo de processo por intempestividade da respectiva petição pois esta deveria ser apresentada no prazo de 90 dias contados a partir da data limite de pagamento.
c) Todavia, o acto administrativo do Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional que mandou cobrar ao Recorrente a quantia de € 1.268,00 - e que originou a oposição à execução - é um acto juridicamente nulo e inconstitucional, porque:
- lhe falta um elemento essencial, que é a norma de direito público adequada e necessária para o efeito
- ofende o conteúdo essencial do direito fundamental do Recorrente à protecção da confiança e segurança jurídicas - ínsito no princípio do Estado Direito Democrático consignado no artigo 2° da CRP - que não permite a aplicação retroactiva de normas e/ou decisões que lhe sejam desfavoráveis e o prejudiquem nos seus direitos, interesses ou expectativas legitimamente constituídos
- ofende o conteúdo essencial do direito fundamental do Recorrente à sua propriedade privada e ao seu património pessoal (do qual não pode ser esbulhado ou ilicitamente expropriado, ainda que parcialmente) que dimana dos artigos 19° e 62° da CRP.
d) Sendo juridicamente nulo e inconstitucional o acto que fundamentou a execução fiscal intentada contra o Recorrente, a impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo nos termos do n° 3 do artigo 102° do CPPT...
e) ... Pelo que a sentença ora recorrida devia
- ter declarado a nulidade e a inconstitucionalidade do acto em causa
- ter determinado a convolação da forma de processo de oposição na forma de processo de impugnação judicial, ao abrigo do disposto no n° 4 do artigo 98° do mesmo Código
- ter decidido a impugnação referida, pronunciando-se sobre a questão de fundo.
Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento e consequente omissão de pronúncia, pelo que se requer:
- a revogação da Sentença recorrida
- a convolação do processo de oposição em processo de impugnação judicial
- a consequente decisão sobre a questão de fundo.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, nos termos seguintes, além do mais:
«1. Não se justifica a devolução do processo ao tribunal recorrido para prolação de despacho que aprecie a nulidade por omissão de pronúncia, porque esta não foi arguida de forma autónoma, sendo considerada pelo recorrente como mera consequência do erro de julgamento imputado à decisão impugnada (cf. alegações de recurso fls. 87; arts. 668° n° 4 e 744° nºs. 1 e 5 CPC redacção DL n° 329-A/95, 12 Dezembro).
O recorrente conforma-se com o entendimento expresso na decisão recorrida sobre o erro na forma de processo, consistente na utilização da forma processual oposição à execução para apreciação da legalidade concreta da dívida exequenda.
2. No domínio do direito administrativo, rege o princípio geral da anulabilidade, só sendo feridos de nulidade os actos administrativos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade (arts. 133º n° 1 e 135° CPA).
Os actos tributários praticados com violação do princípio constitucional da legalidade são anuláveis (e não nulos), em conformidade com jurisprudência consolidada do STA (acórdão STA Plenário, 30.05.2001 processo n° 22251; acórdãos STA-SCA, 26.03.2003 processo n° 1754/02; 28.01.2004 processo n° 1709/03; acórdãos STA-SCT, 25.05.2004 processo n° 208/04; 22.06.2005 (Pleno) 1259/04; 16.11.2005 processo n° 736/05; 11.10.2006, processo n° 67606).
O alegado vício imputado ao acto administrativo de onde emergiu a dívida exequenda não configura nulidade, na medida em que não viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, mas apenas o princípio da legalidade tributária (art. 133º n° 2 al. d) CPA). Em consequência o prazo para dedução de impugnação judicial é de 90 dias, contados do termo do prazo para pagamento voluntário, sendo inaplicável o regime de nulidade dos actos administrativos, cuja arguição não está dependente de prazo (art. 134º n° 2 CPA; art. 102° n° 3 CPPT).
A convolação pretendida para a forma processual impugnação judicial está precludida pelo decurso do prazo legal para a sua dedução, nos termos fácticos enunciados na fundamentação jurídica da decisão (fls. 70; art. 102° n° 1 al. a) CPPT).
CONCLUSÃO O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
1 - Em 12/09/2005 foi emitida pela Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional certidão de dívida em nome de A…… por não ter “procedido ao pagamento voluntário no prazo de dez dias a contar da notificação ocorrida a 15 de Abril de 2005, (...) deve à Secretaria-Geral do Ministério da Defesa, (...) a quantia total de 1.268,00 € (mil duzentos e sessenta e oito euros), referente à emissão de certidões de 1173 páginas por si requeridas, a acrescer juros de mora, a partir do dia 3 de Maio de 2005” (cfr. fls. 4 do processo de execução fiscal em apenso).
2 - Em 19/09/2005 foi remetida pelo Ministério da Defesa Nacional ao Chefe do Serviço de Finanças de Almada 2 a certidão referida no ponto anterior para efeitos e instauração do processo de execução fiscal (cfr. fls. 3 do apenso).
3 - Com base na certidão de dívida mencionada em 1), em 20/12/2005 foi autuado o processo de execução fiscal n° 3212200501082850 em nome de A…… (cfr. fls. 2 do apenso).
4 - O ora oponente foi citado da execução fiscal em 29/12/2005 como consta de fls. 5 e 5/verso do apenso.
5 - Em 03/01/2006 foi apresentada a petição de oposição à execução de fls. 3/5 e posteriormente aperfeiçoada a fls. 46/48.

3.1. A sentença decidiu pela absolvição da instância da Fazenda Pública, com a fundamentação seguinte:
- Apesar de o oponente invocar como fundamento da oposição o previsto na al. a) do nº 1 do art. 204º do CPC, os factos alegados que o substanciam [ou seja, que o custo das certidões requeridas não poderia ter sido efectuado nos termos do n° 4 do art. 20° do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado (DL n° 194/2003 de 23/8) porquanto tal disposição legal não vigorava para as certidões que requereu, as quais estavam sujeitas aos preços fixados no Despacho n° 8617/2002 (2ª Série) do Ministro das Finanças, publicado no DR, II Série, n° 99 de 29/4/2002] reconduzem-se, afinal, à invocação de uma ilegalidade concreta da dívida exequenda;
- A ilegalidade em concreto pode constituir fundamento de oposição nos termos e condições previstos na al. h) do mesmo normativo, mas no caso em apreço tal fundamento também não é admissível dado que se encontra legalmente assegurado ao oponente quer o direito à impugnação judicial, quer à reclamação graciosa contra o acto de liquidação, nos termos, respectivamente, dos arts. 99° e ss. e 68° e ss. do CPPT.
- O fundamento invocado também não pode ser apreciado à luz do disposto na al. i) do nº 1 do art. 204° do CPPT, pois aí só cabem os fundamentos de oposição que não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
- Verifica-se, portanto, erro na forma de processo, que nos termos do n° 4 do art. 98° do CPPT leva à possibilidade de o processo ser convolado na forma adequada.
- Todavia, dado que a data limite de pagamento voluntário da dívida exequenda terminou em 25/4/2005 e atendendo que a presente petição foi apresentada em 3/1/2006, não poderá ordenar-se a convolação em processo de impugnação judicial, por intempestividade da petição, na medida em que nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 102° do CPPT, a petição de impugnação deverá ser apresentada no prazo de 90 dias contados a partir da data limite de pagamento, prazo esse que se encontra ultrapassado.

3.2. O recorrente, embora se conforme com o entendimento expresso na sentença, no sentido da ocorrência de erro na forma de processo por ter sido utilizada a forma processual da oposição à execução para apreciação da legalidade concreta da dívida exequenda, discorda, contudo, da decisão, na parte em que decidiu não poder ordenar o prosseguimento do processo sob a forma de impugnação judicial, por estar ultrapassado o prazo da dedução da impugnação, à data em que a presente petição inicial foi apresentada.
Esta é, portanto, a questão a decidir.

4.1. Diga-se desde já que concordamos com o MP quando refere que não se justifica a devolução do processo ao tribunal recorrido para prolação de despacho que aprecie a nulidade por omissão de pronúncia, porque esta não foi arguida de forma autónoma, sendo considerada pelo recorrente como mera consequência do erro de julgamento imputado à decisão impugnada (cf. o art. 5º das alegações de recurso e os arts. 668° n° 4 e 744° nºs. 1 e 5 do CPC, na redacção do DL n° 329-A/95, de 12/12).
Ou seja, o recorrente não imputa nulidade à sentença (nomeadamente por omissão de pronúncia), antes se limitando a invocar que ocorre erro de julgamento por a sentença não ter ordenado a convolação para a forma de processo adequada (impugnação) e, nesse âmbito, apreciar a questão de fundo.

4.2. Como se refere na decisão recorrida, a oposição à execução fiscal só é admissível quando se invoca um dos fundamentos taxativamente previstos nas várias alíneas do nº 1 do art. 204º do CPPT, devendo, aliás, ser liminarmente indeferida quando nenhum deles seja invocado (al. b) do nº 1 do art. 209° do CPPT).
No caso dos autos, não tendo a oposição sido liminarmente indeferida, impunha-se, como foi o caso, que a Fazenda Pública fosse absolvida da respectiva instância.
O recorrente não contesta a decisão neste âmbito.
Entende, porém, que a sentença deveria ter mandado que o processo seguisse a forma de impugnação judicial (nº 4 do art. 98º do CPPT), dado que, sendo juridicamente nulo e inconstitucional o acto que fundamentou a execução fiscal, tal impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo (n° 3 do art. 102° do CPPT), pelo que ocorre erro de julgamento quando a sentença considera que não pode operar-se a dita «convolação» para a forma adequada devido ao facto de a data limite de pagamento voluntário da dívida exequenda ter terminado em 25/4/2005 e atendendo que a presente petição foi apresentada em 3/1/2006.
E em sede da impugnação judicial «convolada» a sentença devia, então, no entendimento do recorrente, ter-se pronunciado sobre a questão de fundo, declarando a nulidade e a inconstitucionalidade do acto administrativo do Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional que mandou cobrar a quantia de € 1.268,00, uma vez que se trata de um acto juridicamente nulo e inconstitucional, porque lhe falta um elemento essencial (que é a norma de direito público adequada e necessária para o efeito), porque ofende o conteúdo essencial do direito fundamental do recorrente à protecção da confiança e segurança jurídicas (do qual decorre a não permissão de aplicação retroactiva de normas ou decisões desfavoráveis que prejudiquem direitos, interesses ou expectativas legitimamente constituídos – art. 2º da CRP) e porque ofende o conteúdo essencial do direito fundamental do recorrente à sua propriedade privada e ao seu património pessoal (do qual não pode ser esbulhado ou ilicitamente expropriado, ainda que parcialmente) que dimana dos artigos 19° e 62° da CRP.
O recorrente carece, todavia, de razão legal.

4.3. Nos termos previstos no art. 102º do CPPT, a impugnação judicial é apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos indicados nas várias alíneas do seu nº 1, bem como nos prazos indicados nos seus nºs. 2 e 4, embora possa ser deduzida a todo o tempo, se o fundamento for a nulidade (nº 3 do mesmo artigo).
Ora, não dando a LGT ou o CPPT qualquer noção do que sejam actos tributários nulos, teremos de recorrer ao que dispõe nesta matéria (actos administrativos nulos) o CPA, subsidiariamente aplicável por força do disposto nos arts. 2°, al. d) do CPPT e 2°, al. c) da LGT.
E nos termos do art. 133º do CPA «são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade».
Os vícios do acto impugnado (Passamos a seguir o texto do ac. de 22/3/2011, rec. nº 749/10, que relatámos.) são, portanto, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (cfr. arts. 133°, nº 1, e 135° do CPA), sendo, ainda, admissível o vício da inexistência jurídica, a que se alude nos arts. 124º, 137° e 139°, todos do mesmo CPA.
Optou-se, ali, por um regime misto na previsão dos vícios que conduzem à nulidade do acto administrativo: admitiu-se o critério da nulidade por natureza (princípio da cláusula geral), mas, por outro lado, combinou-se este critério com o da enumeração exemplificativa - a chamada nulidade por determinação da lei.
Como ensinam Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha ( Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pag. 247.) «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime-regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135° do CPA, segundo o qual são anuláveis os “actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.”
(...) A anulabilidade constitui uma forma de invalidade do acto administrativo que se reconduz à violação de uma regra ou de um princípio jurídico de natureza formal (de competência, de forma ou de trâmite) ou substantiva. No primeiro grupo, incluem-se: (a) a violação de regras relativas à competência do autor do acto, quando não envolvam as situações extremas de falta de atribuições, geradoras de nulidade (incompetência relativa); (b) vícios de forma, que poderão consistir na preterição de formalidades no âmbito do procedimento administrativo (arts. 54° e segs. do CPA), na omissão ou deficiência respeitante à forma do acto (art. 120º do CPA), desde que não se reconduza à carência absoluta da forma legal, ou na omissão ou deficiência atinente à Enunciação do objecto e dos elementos do acto (art. 123º do CPA)».
Em suma, serão, pois, nulos os actos tributários a que falte algum dos seus elementos essenciais (elementos essenciais dos actos tributários serão aqueles que sejam necessários para assegurar a sua exequibilidade) e os actos indicados no nº 2 do art. 133º do CPA, entre os quais constam os que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental e os que ofendam os casos julgados.
Ora, se por um lado, é jurisprudência aceite a de que os actos tributários praticados com violação do princípio constitucional da legalidade são anuláveis (e não nulos) - cfr. o ac. do Plenário do STA, de 30/5/2001, rec. nº 22251 e do Pleno desta Secção do STA, de 22/6/2005, rec. nº 1259/04; bem como os acs. da Secção do Contencioso Administrativo do STA, de 26/3/2003, rec. nº 1754/02; de 28/1/2004, rec. nº 1709/03; e os acs. desta Secção do STA, de 25/5/2004, rec. nº 208/04; de 16/11/2005, rec. nº 736/05; e de 11/10/2006, rec. nº 67606, também é certo que podem definir-se os direitos fundamentais como sendo os que «conferem posições jurídicas subjectivas individuais e permanentes, com a finalidade principal de proteger a liberdade e a dignidade das pessoas», (Cfr. Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pág. 87, citado no ac. deste STA, de 8/1/2006, rec. 0901/05.) também, por outro lado, como aponta o cons. Jorge de Sousa, (Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2001, Áreas editora, vol. III, anotação 4 ao art. 204º, pp. 330/331.) embora a liquidação ilegal de qualquer imposto acarrete uma ofensa do direito de propriedade, que é um dos direitos fundamentais, já que estes serão todos os englobados na Parte I da CRP, que tem a epígrafe «Direitos e deveres fundamentais», pelo que tal qualificação é de estender aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, incluídos no Título III dessa Parte I, em que se engloba o direito de propriedade privada (art. 62°), «nem todas as liquidações ilegais se podem considerar feridas de nulidade, já que a lei expressamente prevê para elas a sanção da anulabilidade, como se depreende do facto de prever um prazo para a sua impugnação (art. 102° deste Código).
Não é qualquer ofensa de um direito fundamental que a alínea d) do nº 2 do art. 133° do Código do Procedimento Administrativo, mas apenas as ofensas do seu conteúdo essencial.
Uma ofensa deste tipo só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afectado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários.
Por outro lado, entre as violações possíveis de direitos por normas tributárias, a sanção mais grave da nulidade, por razões de proporcionalidade, terá de ser reservada para os actos que representam mais graves violações dos direitos tributários
Assim, no caso, o alegado vício imputado ao acto administrativo de onde emergiu a dívida exequenda não configura nulidade, na medida em que não viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, mas apenas o princípio da legalidade tributária (art. 133º, n° 2, al. d), do CPA), sendo que, como também refere António Francisco de Sousa (CPA anotado e comentado, anotação 27 ao art. 133º, pag. 379.) por um lado o conteúdo essencial nem sequer se confunde «com a ideia de ofensa chocante e grave», pois não «se trata de maior ou menor intensidade e gravidade da ofensa jurídica» e, por outro lado, até mesmo o direito instrumental só assume a natureza de direito fundamental se o direito dominante for dessa natureza: «Um direito instrumental, por exemplo o direito de audiência prévia, assume a natureza de direito fundamental quando o direito dominante seja um direito fundamental».
Em suma, porque o invocado vício subjacente à presente liquidação se reconduziria, em sede de impugnação desta, à invocação de ilegalidade, o que envolve mera anulabilidade, tal impugnação teria que ser apresentada no prazo previsto no art. 102º, nº 1 do CPPT, não sendo aplicável o disposto no nº 3 deste normativo.
E, assim sendo, uma vez que a data limite de pagamento voluntário da dívida exequenda terminou em 25/4/2005 e que a presente petição foi apresentada em 3/1/2006 (cfr. nºs. 1 e 5 da matéria provada) face a esta intempestividade, a sentença recorrida também não podia ordenar que a oposição seguisse na forma de impugnação. Pelo que, nesta matéria, decidiu de acordo com a lei aplicável, não ocorrendo a violação do disposto nos invocados normativos. Improcedem, consequentemente, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 16 de Maio de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.