Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0210/16
Data do Acordão:10/13/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:LEI DO ORÇAMENTO
OFICIAL DE JUSTIÇA
PERÍODO PROBATÓRIO
NOMEAÇÃO DEFINITIVA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - Decorre do nº 1 do art. 20º da LOE 2012 que este manteve em vigor, o art. 24º, nºs 1 a 7 e 16 da Lei nº 55-A/2010, sendo que estes preceitos não permitiam que se procedesse à alteração da remuneração dos oficiais de justiça pela conclusão do período probatório com aproveitamento.
II - As restrições orçamentais impostas no nº 1 do artigo 24º da LOE 2011 determinavam a suspensão dos efeitos do art. 45º, nº 1 do EFJ e impediam as nomeações definitivas em causa nos autos, porque estas implicavam valorizações remuneratórias.
III – O nº 9 do art. 20º da LOE 2012 não tem a natureza interpretativa que lhe foi atribuída, no sentido de não ser aplicável a situações como a aqui em causa as restrições do art. 24º da LOE 2011, nada na letra desta norma sugerindo que esta vise estabelecer efeitos retroactivos à situação que contempla.
IV - Face às regras que presidem ao Orçamento de Estado este tem carácter anual (cfr. arts. 105º, nºs 2 e 4 e 106º, nº 1 da CRP), e uma vez que a LOE 2012 manteve as restrições constantes do anterior Orçamento de Estado aquela norma apenas pode ser aplicada no Orçamento que expressamente a contempla e não ser reportada retroactivamente ao ano anterior.
V - A passagem à situação de nomeação definitiva, com todas as consequências que lhe são próprias, designadamente de natureza salarial, não resulta automaticamente do fim temporal do período probatório, antes pressupondo a emissão de uma decisão de nomeação definitiva, que avalie os respectivos pressupostos, não se confundindo, nem se limitando a confirmar a nomeação provisória.
VI - Enquanto não foram nomeados e investidos definitivamente, os oficiais de justiça em período probatório estavam em situação jurídica diferente dos funcionários já providos definitivamente.
Nº Convencional:JSTA00069850
Nº do Documento:SA1201610130210
Data de Entrada:04/12/2016
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS E MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Recorrido 1:SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC.
Objecto:AC TCAS.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC.
Legislação Nacional:L 55-A/2010 ART24 N1 N2 N7 N16.
L 64-B/2011 ART20 N1 N9.
EFJ99 ART45.
CONST76 ART105 N2 N4 ART106 N1.
CPA91 ART127 N1 ART128 N1 N2.
Jurisprudência Nacional:AC TCPLENÁRIO PROC398/11.; AC TC PROC3/2010.; AC TC PROC260/2010.; AC TC PROC302/2013.; AC TC PROC12/2012.; AC TC PROC771/2013.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Vem o Estado Português / Ministério da Justiça / Direcção-Geral da Administração da Justiça interpor recurso de revista do acórdão do TCA Sul de 09.07.2015 que negou provimento ao recurso por si interposto da decisão que julgara procedente a acção arbitral intentada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais pedindo o reconhecimento do direito dos oficiais de justiça nomeados definitivamente pelo Despacho do Director-Geral da Administração da Justiça, de 28.03.2012, a serem remunerados pelo índice correspondente ao termo do seu período probatório (07.06.2011) e não a 01.01.2012, como fixado naquele despacho.
Em alegações formula as seguintes conclusões:
I - Sendo certo que todos os outros efeitos (que não remuneratórios) nascem na data da publicação do despacho da nomeação provisória no Diário da República, in casu, no n.º 109, 2.ª série, de 7 de junho de 2010 e na data de início de funções, nomeadamente a antiguidade na categoria para promoção, a progressão no escalão, a contagem de tempo para aposentação, para antiguidade na função pública e para gozo de férias, parece ficar claro que com a nomeação definitiva, o único efeito ex novo que os oficiais de justiça adquirem é a atualização consentânea com a nova categoria, maxime, a correspondente alteração de posicionamento remuneratório;
II - Acontece que esse aumento, configurava uma valorização remuneratória inviabilizada pelo disposto no n.º 1 do art.º 24.º da LOE 2011. Não só este mas tantos outros, como progressões, promoções, nomeações ou graduações em categoria ou postos superiores aos detidos, em suma, todos os atos que constam do art.º 24.º daquela lei;
III - Portanto, a situação destes oficiais de justiça, aqui representados, não é única, muitos mais funcionários foram "prejudicados" com a vigência do OE/2011, desconhecendo-se que tenham havido situações de "[...] oficiais de justiça da mesma categoria, ou seja, no mesmo patamar da carreira profissional, com remunerações diversas";
IV - Em bom rigor, sabemos que aqueles funcionários de justiça, apenas em 28.03.2012 adquiriram a categoria de escrivão auxiliar definitivo/técnico de justiça auxiliar definitivo. E a partir de 01.01.2012 foram remunerados como todos os outros oficiais de justiça com a mesma categoria no 1.º escalão remuneratório;
V - Não há por isso qualquer coartação do direito da igualdade, pelo que o Acórdão recorrido, ao ter aderido aos doutos Acórdãos de 25.09.2014, 18.12.2015 e de 22.02.2015, processos, respetivamente n.ºs 11020/14, 11245/14 e 11563/14, para sustentar a sua argumentação, incorreu em erro de julgamento, porque não estão aqui em causa as inconstitucionalidades ali analisadas em sede de princípio estruturante e máxima metódica da igualdade jurídica.
VI - Nada resulta do disposto no n.º 9 do art.º 20.º da LOE 2012, que permita concluir pela sua aplicação retroativa e pela possibilidade de serem praticados atos posteriores que despoletassem aumento de despesa relativamente ao ano de 2011, pelo que qualquer interpretação contrária a este entendimento está ferida de inconstitucionalidade por violação do art.°106.°da CRP;
VII - Tanto mais, quando estando em causa um período balizado por uma lei de orçamento que proibia as valorizações remuneratórias e provindo esta norma de salvaguarda de um artigo que tem como epígrafe "Contenção da despesa". Tudo isto reforça a ideia de que o legislador não estaria a pensar em aumentar a despesa relativa ao ano anterior, nem faria sentido que assim fosse, face ao contexto de criação de regimes que estabelecessem procedimentos pré-definidos com o objetivo de diminuir o défice orçamental e instituição de regras para a assunção de compromissos e pagamentos em atraso das entidades públicas, como é disso exemplo a Lei n.º 8/2012, de 8 de fevereiro - Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso;
VIII - Acresce referir que a Administração Pública, in casu a Recorrente, está obrigada a atuar em obediência à lei e ao direito - art.º 266.º, n.º 2 da CRP e art.º 3.º do CPA - pelo que o estrito cumprimento dessa obediência impediu de comungar da interpretação defendida no Acórdão aqui recorrido;
IX - Efetivamente, a não consagração expressa da retroatividade do artigo 20.°, n.º 9 da LOE 2012, veio determinar que os efeitos remuneratórios destas nomeações só produziriam efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2012, tanto para os oficiais de justiça nomeados provisoriamente, como para as demais carreiras especiais que, na sequência de concurso, tivessem igualmente funcionários nomeados em regime provisório;
X - Se dúvidas houvesse que o legislador orçamental de 2012 se norteava pela contenção de despesa, veja-se a norma ínsita na LOE 2012, onde expressamente, no art.º 20.º, n.º 2, al. d), se dispõe que são vedados "[...]os atos que levem ao pagamento de remuneração diferente da auferida na categoria de origem, nas situações de mobilidade interna, em qualquer das suas modalidades, iniciadas após a entrada em vigor da presente lei, suspendendo-se a aplicação a novas situações do regime de remuneração dos trabalhadores em mobilidade prevista nos n.ºs 1 a 4 do artigo 62.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-Al2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, bem como a dispensa do acordo do trabalhador a que se refere o n.º 2 do artigo 61.° da mesma lei nos casos em que à categoria cujas funções vai exercer correspondesse uma remuneração superior.";
XI - Neste normativo a lei, claramente e intencionalmente, desiguala a remuneração - a título de exemplo - do assistente técnico de carreira, daquele assistente operacional que na modalidade de mobilidade interna exerce as funções de assistente técnico;
XII - Manifestamente, o legislador de 2012, na eventual dicotomia entre os princípios da igualdade e da prossecução do interesse público, tendeu a fortalecer mais este, justificando-se com a premente necessidade de contenção de despesa pública;
XIII - Veja-se o exemplo do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/2012, publicado no Diário da República, 1.a série, n.º 140 de 20 de julho, que apesar de ter declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º da LOE 2012, socorreu-se do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da CRP, para determinar que os efeitos daquela decisão não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012;
XIV - De facto, não houve qualquer discriminação sobre aqueles funcionários. As normas ínsitas na LOE 2011 que proibiam atos que consubstanciassem valorizações remuneratórias foram aplicadas indiscriminadamente sobre todos os funcionários, e fundamentadas nas medidas excecionais de estabilidade orçamental que vinham sendo tomadas nesse âmbito;
XV - Da LOE 2012, incontestavelmente resulta que o legislador orçamental, no que diz respeito à contenção de despesa, manteve em vigor o art.° 24.º da LOE 2011, mas, tal como consta do n.º 9 do seu art.° 20.º, salvaguarda a aplicação daquele regime às situações para efeitos de conclusão, com aproveitamento, de estágio legalmente exigível para o ingresso nas carreiras não revistas a que se refere o artigo 35.º da mesma lei;
XVI - Mas, esta situação não foi caso isolado. A título de exemplo, também as restrições que constavam dos n.ºs 8, 9 e 10 do art.° 24.º da LOE 2011, deixaram de ter vigência por força do disposto no art.° 20.°, n.º 1 da LOE 2012;
XVII - Indubitavelmente, com o devido respeito por opinião contrária, o legislador não quis eternizar as situações funcionais que tinham ficado "suspensas" durante a vigência da LOE 2011;
XVIII - Todavia, em nada transparece [e tal não faria sentido], que viesse em 2012, tomar medidas que implicassem um aumento de despesas no orçamento de 2011! Não nos podemos olvidar que um artigo e outro têm como epígrafe, respetivamente, "Proibição de valorizações remuneratórias" e "Contenção de despesa";
XIX - Por outro lado, não podemos esquecer que o ato de nomear definitivamente um funcionário, é um ato vinculado, e nessa conformidade o Diretor-Geral, face à inexistência de norma expressa que autorizasse a retroatividade, atuou até onde a lei lhe permitiu, ou seja, até ao início de vigência [1.01.2012] da norma habilitante [LOE/2012];
XX - O douto Acórdão recorrido, não apresenta qual o fundamento em que se estriba para justificar que os efeitos remuneratórios devem ser reportados a 07.06.2011.
XXI - E o Recorrente também não consegue descortinar. Tendo o douto Acórdão recorrido aderido à sentença arbitral na qual se concluiu que o art.° 24.º da OE/2011 se destinava "[...] à prática de atos administrativos inovadores e não a, como é o caso, atos confirmativos.", perguntamo-nos? Se o ato em causa [nomeação definitiva], tem consequências [novas] na posição remuneratória do funcionário, como pode o Tribunal considerar esse ato confirmativo e não inovador;
XXII - Coloca-se a questão de saber qual seria o concreto desígnio do legislador ao vir inserir, aquele preceito na LOE 2012. No nosso entender e na lógica das características temporárias da lei de orçamento, e com o devido respeito por opinião contrária, o legislador orçamental apenas terá procurado solucionar a situação, por ser funcional, em que se encontravam aqueles funcionários;
XXIII - No caso dos oficiais de justiça, sabemos que as tarefas do escrivão auxiliar/técnico de justiça auxiliar provisório não diferem do escrivão auxiliar/técnico de justiça auxiliar definitivo, porém, decerto noutras carreiras a provisoriedade será obstáculo para o exercício de determinadas funções;
XXIV - Tal reforça a legalidade da atuação administrativa e legitima a não intromissão nos limites impostos pela LOE 2011. Naturalmente que alguns sacrifícios tiveram que ser feitos, e este aqui em análise foi mais um deles que o legislador orçamental em 2012, não sentiu já a necessidade de se socorrer dele;
XXV - Assim, não obstante a manutenção da vigência do art.° 24.º da LOE 2011 para o ano de 2012, pelo n.º 1 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro - LOE 2012, a situação em apreço encontrava-se abrangida pela norma de salvaguarda constante do n.º 9 do art.° 20.º da LOE 2012, dada a equivalência do período probatório à realização de estágio, pelo que não se aplicaria para efeitos de conclusão, com aproveitamento, de estágio legalmente exigível para o ingresso das carreiras não revistas.
XXVI - Resultou deste entendimento que, em 01.01.2012, início da vigência da LOE 2012, nada havia a obstar à nomeação definitiva dos oficiais de justiça, que tinham findado com sucesso o período probatório, bem como a alteração à remuneração que lhe está associada.
XXVII - Logo, dado que a LOE 2012 não atribuiu eficácia retroativa ao disposto no n.º 9 do seu artigo 20.º, não poderia o despacho do Senhor Diretor Geral ou qualquer outro ato administrativo, em aplicação da referida lei, determinar em sentido diverso.
XXVIII - E não se venha dizer, que aquela norma tem características de regra interpretativa significando por isso que produz efeitos à data do início da vigência da norma interpretada. Não conseguimos descortinar e o douto Acórdão aqui recorrido não consubstancia com fundamentos jurídicos aceitáveis que o art.° 24.º da LOE 2011, se destinasse apenas à prática de atos administrativos inovadores e não a atos confirmativos. É uma conjetura que foi acolhida pelo Tribunal a quo, salvo o devido respeito, erradamente, uma vez que a própria letra da lei refere que a sua aplicação é a quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias.
XXIX - Sobre esta questão apraz-nos recorrer à lição do Professor INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, obra citada, pág. 239., que acerca do modo como devemos fazer uma interpretação legislativa, caso se trate de um texto legislativo, nos ensina que, se por hipótese deparar com preceitos dúbios ou contraditórios, o intérprete tem que optar por uma das soluções - naturalmente "[...] a que melhor reflita o espírito geral do sistema.", que como parece evidente no caso sub judice terá que ser a que reflita o pensamento legislativo expresso no texto orçamental em vigor para 2011, consubstanciado no cumprimento escrupuloso das metas orçamentais.
XXX - Como o devido respeito que é muito pelo Acórdão recorrido, o Recorrente insiste na impossibilidade de retroagir os efeitos remuneratórios da nomeação definitiva a 07.06.2011, porquanto a medida discriminante teve por fundamento a defesa do interesse público a cuja prossecução a Recorrente está obrigada (neste sentido, DIOGO FREITAS DO AMARAL, citando MARIA JOÃO ESTORNINHO; in Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 2006, pág. 37.).
XXXI - Aliás o Recorrente assim teve que atuar, uma vez que o principio da legalidade, consagrado no nosso texto constitucional (Art.° 266.°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP) e plasmado no Art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo - CPA, estipula que os "os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins." XXXII - Sendo indiscutível a subordinação da Administração Pública a todo o bloco legal, resulta que em qualquer tipo de atividade administrativa, sejam atos ou contratos, estes só podem ser praticados com reserva e preferência de lei.
XXXIII - Uma interpretação do n.º 9 do art.° 20.º da LOE 2012 como a sufragada no douto Acórdão recorrido, mormente da extensão dos efeitos remuneratórios a 07.06.2011, determinaria que o Diretor-Geral praticasse um ato fora do seu poder decisório, visto que aquela amplitude faz parte da LOE 2011.
XXXIV - Nesse sentido o despacho do Senhor Director-Geral de 28.03.2012, atribuindo os efeitos remuneratórios da nomeação definitiva ao início da vigência do n.º 9 do art.° 20.º da LOE 2012, in casu, 01.01.2012, constitui um ato válido de mera aplicação do disposto naquela lei pelo que, salvo o devido respeito, assim deve ser também considerado pelo Tribunal ad quem revogando o douto Acórdão proferido no Tribunal a quo e substituí-lo por outro em conformidade.
XXXV - Como temos vindo a afirmar, o Orçamento está vinculado às "obrigações decorrentes de lei ou de contrato" (CRP, art.° 108.°, n.º 2, 2.a parte). Até pela expressão cautelosa "ter em conta" julgamos que o decisor orçamental (formalmente legislador, substancialmente planeador - pois o Orçamento é o plano financeiro do Estado) deve respeitar que a sua renovação fica sempre dependente da LOE para cada ano subsequente;
XXXVI - Deste modo, parece-nos evidente que esta questão reveste-se de relevância jurídica de importância fundamental, perfeitamente justificativa da excecionalidade deste tipo de recurso, porquanto, no Acórdão recorrido e da aplicação retroativa que ali se faz do art.° 20.º da LOE 2012, são violadas regras jurídicas (art.° 105, n.º 2 e 4 e art.° 106.° ambos da CRP) que colidem com o princípio constitucional da anualidade do Orçamento.
XXXVII - Salvo o devido respeito, e no que diz respeito à transcrita fundamentação o douto Acórdão recorrido enferma de manifesto erro de julgamento, porquanto ofende a regra da anualidade do Orçamento, pugnando-se pois pela sua revista.
XXXVIII - Por fim, não pode o Recorrente deixar de referir e sensibilizar o Tribunal ad quem que haveria todo o interesse e incomensurável proveito para a comunidade jurídica em geral ver discutida pelos Venerandos Conselheiros a matéria de fundo em causa que comporta o litígio recorrido (retroatividade da lei orçamental), proporcionando-nos um aresto que nos alumie o caminho a seguir nesta disciplina tão complexa como é o direito financeiro e das finanças públicas quando perante as contingências orçamentais decorrentes das opções políticas, há colisão com os princípios estruturantes do Estado de Direito pondo em risco o equilíbrio orçamental e a boa administração da justiça.

Em contra-alegações conclui-se o seguinte:
1. O regime de recurso consagrado no art. 150° CPTA não contempla, em regra, recurso dos acórdãos proferidos em 2° grau de jurisdição, salvo se estiverem verificados os requisitos da revista excepcional.
2. O Recorrente não apresenta justificação suficiente para que o recurso seja admitido, não obstante o ónus que sobre ele recaia, pois nem o Tribunal a quo aplicou o Direito incorrectamente nem foi ofendida qualquer norma constitucional como aliás resulta da decisão sumária do Tribunal Constitucional proferida neste processo.
3. A nomeação definitiva tem que se reportar à data que corresponde ao termo do período probatório (a partir dessa data o oficial de justiça não pode ser exonerado sem a instauração de processo disciplinar nos termos do art. 45° do EFJ).
4. Não há justificação racional, nem era minimamente aceitável, à luz dos art.s 2°, 13° e 18° da CRP que os Oficiais de Justiça que terminaram o período probatório em 2011 tenham uma remuneração inferior aos seus colegas oficiais de justiça que terminaram o período probatório por exemplo em 2010.
5. Pelo que, as regras do art. 24° da LOE2011 não podiam ser aplicáveis às nomeações já efectuadas e apenas sujeitas ao cumprimento de um pressuposto para se tornarem definitivas: no caso o cumprimento, com sucesso, do regime probatório já que a proibição prevista no art. 24° da LOE2011 apenas se destinava à prática de actos administrativos inovadores e não, como foi o caso, a actos administrativos confirmativos.
6. Por outro lado, o Recorrente entende que o art. 20° da LOE2012, não tem aplicação no ano de 2011, porque estava abrangido pela LOE2011 e que o acórdão recorrido viola o Principio constitucional do orçamento.
7. Contudo, o n.º 9 do art. 20° da LOE 2012 ao dispor que, mantendo-se em vigor o disposto no art. 24° da LOE2011 "este regime não se aplica para efeitos de conclusão com aproveitamento de estágio (período probatório) legalmente exigível para o ingresso nas carreiras não revistas a que se refere o art. 35° da mesma lei" veio interpretar o art. 24° da LOE2011.
8. O referido n.º 9 do art 20° da LOE2012 tem de ser entendido como esclarecendo o âmbito de aplicação do artigo 24.º da LOE2011, porque é uma norma com características de interpretação, o que significa que produz efeitos à data do início da vigência da norma interpretada.
9. Pelo que, o acórdão recorrido não enferma de erro de julgamento por ofender a regra da anualidade orçamental conforme refere o Recorrente.


2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1) Por Despacho de 28 de Março de 2012, publicado no DR - II Série (pág. 12708), extracto, com o n.º 4908/2012, no dia 10.4.2012, o Senhor Director-geral da Direcçao-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) converteu em definitivas as nomeações provisórias dos Oficiais de justiça identificados pelo autor no requerimento inicial, com efeitos remuneratórios a partir de 1 de janeiro de 2012 “(...) atento o parecer da Direcção-Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) em anexo (...)”;
2) A pedido da DGAJ foi emitido o parecer a que se alude no parágrafo anterior.

3. O Direito
Vem interposta a presente revista do acórdão de 09.07.2015 do TCAS que manteve a decisão que julgara procedente a acção arbitral, na qual o Sindicato dos Funcionários Judiciais pediu o reconhecimento do direito dos oficiais de justiça, nomeados definitivamente por despacho do Director-Geral, de 28.03.2012, a serem remunerados pelo índice retributivo que auferem os oficiais de justiça de nomeação definitiva, desde a data do termo do seu período probatório.
O acórdão recorrido interpretou o nº 9 do art. 20º da LOE 2012, considerando que este preceito deveria ser aplicado retroactivamente, estendendo os efeitos remuneratórios da nomeação definitiva dos oficiais de justiça a 07.06.2011, o que, conforme defende o Recorrente, viola as regras jurídicas (art. 105º, nº 2 e 4 e art. 106º ambos da CRP) que colidem com o princípio constitucional da anualidade do Orçamento.

Está pois em causa no presente recurso a determinação do momento do início da vigência dos efeitos remuneratórios face ao despacho de nomeação definitiva dos oficiais de justiça identificados nos autos, tendo em atenção o disposto no art. 45º, nº 1 do EFJ (DL nº 343/99, de 26 de Agosto, na versão aplicável), ao disposto no art. 24º, nºs 1, 2, 7 e 16 da Lei 55-A/2010, de 31/12 (LOE 2011) e no art. 20º, nºs 1 e 9 da Lei 64-B/2011, de 30/12 (LOE 2012).
O art. 45º do EFJ prescreve o seguinte:
1 – O período probatório em lugares de ingresso das carreiras de oficiais de justiça tem a duração de um ano, prorrogável por seis meses; findo o período inicial ou a sua prorrogação, os funcionários são nomeados definitivamente se tiverem revelado aptidão para o lugar.
2 – Os funcionários que durante o período probatório não revelem aptidões para o desempenho de funções podem ser exonerados a todo o tempo.
(…)”.
E, resulta do quadro II anexo, que o índice salarial dos oficiais de justiça nomeados definitivamente é superior ao índice dos oficiais provisórios.
A Lei nº 55-A/2010, previu no seu art. 24º, o seguinte:
1 - É vedada a prática de quaisquer actos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.º 9 do Artigo 19.º
2 – O disposto no número anterior abrange as valorizações e outros acréscimos remuneratórios, designadamente os resultantes dos seguintes actos:
a) Alterações de posicionamento remuneratório, progressões, promoções, nomeações ou graduações em categoria ou posto superiores aos detidos;
(…)
7 – Quando a prática dos actos e ou a aquisição das habilitações ou da formação referidas no número anterior implicar, nos termos das disposições legais aplicáveis, alteração da remuneração devida ao trabalhador, esta alteração fica suspensa durante a vigência do presente artigo.
(…)
16 – O regime fixado no presente Artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais, especiais ou excepcionais, em contrário, não podendo ser afastado ou modificado pelas mesmas”.
A Lei nº 64-B/2011 veio a prever no seu art. 20º, sob a epígrafe Contenção de despesa, o seguinte:
1 – Durante o ano de 2012 mantêm-se em vigor os artigos 19.º e 23.º, os n.ºs 1 a 7 e 11 a 16 do artigo 24.º, …, todos da Lei n.º 55-A/2011, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)
9 – O disposto no artigo 24.º da Lei n.º 55-A/2011, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, não se aplica para efeitos de conclusão, com aproveitamento, de estágio exigível para o ingresso nas carreiras não revistas a que se refere o artigo 35.º da mesma lei.
(…)”.

Ao acto em causa nos autos, praticado em 28.03.2012, foi atribuída eficácia retroactiva, desde 01.01.2012, mas o acórdão recorrido, confirmando a decisão arbitral, considerou que tal acto devia ter a sua eficácia estendida ao momento em que os interessados concluíram o período probatório. Ou seja, 07.06.2011, data em que os funcionários concluíram o período probatório.
Afigura-se-nos, no entanto, que o acórdão recorrido não terá optado pela solução mais correcta.
Com efeito, tal como decorre do nº 1 do art. 20º da LOE 2012 este manteve em vigor, no que aqui interessa, o art. 24º, nºs 1 a 7 e 16 da Lei nº 55-A/2010.
Ora, estes números do referido preceito não permitiam que se procedesse à alteração da remuneração dos oficiais de justiça pela conclusão do período probatório com aproveitamento.
Efectivamente, as restrições orçamentais impostas no nº 1 do artigo 24º da LOE 2011 determinavam a suspensão dos efeitos do art. 45º, nº 1 do EFJ e impediam as nomeações definitivas em causa, porque estas implicavam valorizações remuneratórias.
E, também, não cremos que o nº 9 do art. 20º da LOE 2012 tenha a natureza interpretativa que lhe foi atribuída, no sentido de não ser aplicável a situações como a aqui em causa as restrições do art. 24º da LOE 2011.
Com efeito, face às regras que presidem ao Orçamento de Estado este tem carácter anual (cfr. arts. 105º, nºs 2 e 4 e 106º, nº 1 da CRP), e uma vez que a LOE 2012 manteve as restrições constantes do anterior Orçamento de Estado aquela norma apenas pode ser aplicada no Orçamento que expressamente a contempla e não ser reportada retroactivamente ao ano anterior.
Pelo contrário, como já se referiu, aquele art. 20º é claro no sentido de manter, com as alterações introduzidas, a lei anterior para o ano de 2012, nada referindo que possa ser entendido como pretendendo estender os seus efeitos ao ano de 2011.
Aliás, nada na letra da norma em causa (o nº 9 daquele art. 20º) sugere que esta vise estabelecer efeitos retroactivos à situação que contempla.
Ora, nos termos do disposto no art. 127º, nº 1 do CPA (então em vigor), o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio acto lhe atribuam eficácia retroactiva ou diferida.
Por outro lado, não se verifica nenhuma das situações que determinam, ope legis, a retroactividade do acto, nos termos do nº 1 do art. 128º do CPA.
E, embora o nº 2 do art. 128º do CPA sugira que a decisão de retroactividade, nas hipóteses que contempla, resultará do exercício duma faculdade discricionária do autor do acto, este não poderá ignorar os direitos envolvidos que exijam a atribuição de eficácia retroactiva, como bem refere o EMMP.
Assim, apenas a investidura na nova situação, na sequência da nomeação definitiva (depois de verificar todos os requisitos pertinentes, incluindo o cabimento da despesa correspondente) é que determina o início dos efeitos desta.
A passagem à situação de nomeação definitiva, com todas as consequências que lhe são próprias, designadamente de natureza salarial, não resulta automaticamente do fim temporal do período probatório, antes pressupondo a emissão de uma decisão de nomeação definitiva, que avalie os respectivos pressupostos, não se confundindo, nem se limitando a confirmar a nomeação provisória, como entenderam as instâncias e sustenta o recorrido.
Assim sendo, também por isso, não seria invocável um direito dos interessados a que o acto em causa estendesse os seus efeitos ao momento em que teria terminado o período probatório.
Também não se vislumbra, contrariamente ao entendido nas instâncias, qualquer violação do princípio da igualdade.
Desde logo porque, tal como bem refere o EMMP, enquanto não foram nomeados e investidos definitivamente, os interessados estavam em situação jurídica diferente dos funcionários já providos definitivamente, sendo certo que não é questionada a constitucionalidade da diferença salarial entre funcionários provisórios e funcionários com nomeação definitiva, ainda que exercendo funções idênticas.
Aliás, o Tribunal Constitucional tem firmado o entendimento quanto ao princípio da igualdade de que, “a criação de situações de desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de Direito alterar as leis em vigor, no cumprimento do seu mandato democrático” (cf. acórdão 398/11, do Plenário; e também, entre outros, 3/2010, 260/2010 e 302/2013).
Aliás, não faltam situações em que, por efeito de alterações legislativas suspensivas de progressão salarial nas carreiras, inúmeros funcionários continuam em posições remuneratórias inferiores a outros colegas, apesar de reunirem o tempo de serviço necessário para a progressão, só porque estes progrediram em momento anterior à vigência da lei nova, o que não importa necessariamente a arbitrariedade da lei e a violação do princípio da igualdade (cfr. acórdãos do TC 12/2012 e 771/2013).
Procede, consequentemente, o recurso, sendo de revogar o acórdão recorrido.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção.
Sem custas por isenção (art. 4º, nº 1, alínea f) do RCP, sem prejuízo do disposto no nº 6 do mesmo preceito).

Lisboa, 13 de Outubro de 2016. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da PazMaria do Céu Dias Rosa das Neves.