Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0282/11
Data do Acordão:05/04/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE PROCESSUAL
ANULAÇÃO
VENDA
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Sumário:I - A anulação da venda nos termos deste art. 201° do CPC depende, quer da ocorrência, relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, quer da circunstância de a irregularidade verificada poder ter influência na venda (nºs. 1 e 2 do artigo referido).
II - Arguindo-se nulidade processual substanciada em alegada omissão de acto que a lei impõe e que, a verificar-se, pode acarretar a consequente anulação da venda efectuada, tal nulidade processual (art. 201º do CPC, ex vi do disposto na al. c) do nº 1 do art. 257º do CPPT e na al. c) do nº 1 do art. 909º do CPC) é invocável perante o órgão da execução fiscal, cabendo da respectiva decisão deste, reclamação nos termos do disposto nos arts. 276º e sgts. do CPPT e no prazo aí também previsto.
Nº Convencional:JSTA00066944
Nº do Documento:SA2201105040282
Data de Entrada:03/24/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF AVEIRO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART98 N4.
ART151 N1 ART257 N1 C ART276 ART279 N1 B.
CPC96 ART201 ART288 N1 B ART909 N1 C.
LGT98 ART97 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC431/09 DE 2009/07/08.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 5ED VII PAG588.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, SA, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo TAF de Aveiro nos autos de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, absolveu da instância a Fazenda Pública, com fundamento em que ocorre a excepção de erro na forma de processo.
1.2. O recorrente remata as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
A) O A… reclamou o seu crédito de 160.384,61 €, garantido por hipoteca do imóvel penhorado.
B) Em 17/09/2007, simultaneamente com a citação para reclamar o seu crédito, o A… foi notificado do despacho que designou a venda do imóvel, por propostas em carta fechada, em 13/11/2007.
C) O crédito reclamado pelo A… foi verificado e graduado, por sentença do TAF de Viseu, de 21/10/2008, já transitada, em 2º lugar, logo a seguir ao crédito reclamado pela F. N. relativo ao IMI.
D) Como o crédito exequendo respeitava ao IRS e não gozava, por isso, de preferência sobre o crédito hipotecário reclamado, o A… requereu, em 12/11/2007, que, dada a inutilidade da realização da venda do imóvel para a cobrança do referido tributo, uma vez que o produto da venda reverteria integralmente para o A…, a mesma fosse dada sem efeito e a execução prosseguisse com a penhora de outros bens dos executados.
E) A venda por propostas em carta fechada, designada para 13/11/2007, foi diligenciada, mas não tendo sido apresentada nenhuma proposta para a compra do imóvel, a execução prosseguiu para a penhora de outros bens, conforme, de resto, o A… havia requerido.
F) Na sequência da prolação da sentença de verificação e graduação dos créditos, em 21-10-2008, e da subsequente baixa do respectivo apenso ao órgão da execução fiscal, o A… ficou a aguardar a notificação do despacho que aquele viesse a proferir sobre o prosseguimento e ulteriores termos da execução.
G) Perante a demora da aludida notificação, o A… contactou o órgão da execução fiscal em 15/12/2009, para conhecer o que impedia o prosseguimento da execução e a realização da venda da imóvel penhorado, tendo sido informado, com grande surpresa sua, que o imóvel já tinha sido vendido, por negociação particular, em 26/06/2009.
H) Em 23/12/2009, dentro do prazo legal dos 10 dias, o A… arguiu, perante o órgão da execução fiscal, a nulidade da falta da sua notificação do despacho determinativo da venda por negociação particular e requereu a consequente anulação do processado posterior à omissão da referida, e legalmente exigida, notificação.
I) Por carta registada de 10/08/2010 (RM 6524 3340 5 PT) o A… foi notificado do despacho do órgão da execução fiscal que indeferiu a arguição da nulidade e a anulação do processado posterior à comissão de tal nulidade, sendo deste modo tempestiva e oportuna a presente impugnação/reclamação daquele despacho para este Tribunal.
J) Como credor reclamante, já graduado, o A…não pode aceitar nem conformar-se a violação do seu estatuto e direitos processuais, designadamente, o de ser notificado do despacho determinativo da venda por negociação particular, do preço e demais condições fixadas, para poder acompanhar e conhecer as propostas recebidas, a pessoa do interessado ou interessados, e, sobretudo e previamente, a decisão da aceitação do comprador e do preço oferecido.
K) Enquanto credor privilegiado sobre o imóvel, o A… tem interesse óbvio e legítimo de acompanhar e intervir na venda, em defesa da satisfação integral do seu crédito garantido pelo imóvel.
L) A omissão da sua notificação da venda obstou ilegitimamente que o A… exercesse aquele seu direito processual de defender o seu crédito graduado, causando-lhe prejuízo grave.
M) Desde logo, por que sendo o seu crédito de 160.384,61 €, o A… não teve possibilidade, por não ter sido notificado da venda, de apresentar uma proposta de compra ou de requerer a adjudicação do imóvel, que, sem o seu conhecimento, o órgão da execução fiscal vendeu pelo preço de 73.000,00 €.
N) A omissão da notificação do credor privilegiado e já graduado, para os termos da venda por negociação particular, consubstancia uma nulidade processual, que o A… arguiu tempestivamente perante o órgão da execução fiscal, para todos os efeitos e com as devidas consequências legais.
O) Não colhe o argumento do órgão da execução fiscal de que publicitou a na internet.
P) Para além de credor privilegiado já graduado, com direitos e prerrogativas processuais idênticos aos do executado, que exigiam a reclamada e omitida notificação do despacho determinativo da venda, não era exigível, nem mesmo possível, que o A…, tendo acompanhado a abertura das propostas em carta fechada em 13/11/2007, "adivinhasse" que o órgão da execução fiscal tinha determinado a venda do imóvel por negociação particular, efectuada em 26/06/2009.
Q) Da nulidade arguida decorre, ope legis, a anulação do processado posterior à omissão da notificação do A… do despacho determinativo da venda por negociação particular e das condições da mesma, e, consequentemente, a anulação da venda realizada.
R) A manutenção da venda, irregular e ilegalmente efectuada, acarreta prejuízo grave não apenas para o A…, mas também para os outros credores reclamantes e para o próprio executado, que vê excutido ao desbarato o imóvel penhorado, sem conseguir satisfazer sequer, com a venda do imóvel, os créditos por ele garantidos.
S) Com vista à reposição da legalidade na tramitação da presente execução, deve ser verificada e julgada procedente a nulidade arguida, e, consequentemente, anulado todo o processado posterior à omissão da notificação do A… do despacho determinativo da venda do imóvel por negociação particular, incluindo a venda efectuada.
T) A isso obriga inexoravelmente a aplicação e a observância das disposições legais supra citadas.
Termina pedindo que se revogue o despacho impugnado/reclamado do órgão da execução fiscal, se dê por verificada e julgada procedente a arguida nulidade da omissão da notificação ao recorrente do despacho que ordenou a venda do imóvel por negociação particular, e, consequentemente, seja anulado todo o processado posterior à nulidade cometida, incluindo a venda efectuada.
1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
1.4. Por acórdão de 25/2/2011, o TCA Norte veio a declarar a respectiva incompetência, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por este apenas versar matéria de direito, declarando competente para dele conhecer o STA.
1.5. Remetidos os autos ao STA, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto remete para o anterior Parecer do MP emitido no TCA Norte, no sentido da procedência do recurso.
1.6. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Embora na decisão recorrida não tenha sido especificada, em termos de Probatório formalmente autonomizado, factualidade provada, o acórdão do TCA Norte considerou, para efeitos da apreciação da questão da competência do Tribunal, em razão da hierarquia, como assentes os seguintes factos:
a) A presente RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DE ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL, tem por objecto o indeferimento da arguição de nulidade da falta de notificação do despacho determinativo da venda por negociação particular e respectivas condições bem como da subsequente anulação de todo o processado, designadamente da venda efectuada;
b) A Reclamante é credora hipotecária com relação ao imóvel penhorado e vendido na execução, em referência nos autos;
c) A Reclamante tomou conhecimento da realização da venda do imóvel, em referência nos autos, por negociação particular em 15.DEZ.09, altura em que também tomou conhecimento da falta de notificação da mesma;
d) Em 23.DEZ.09, a Reclamante arguiu, através de requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, a nulidade da falta da sua notificação da decisão da venda do imóvel por negociação particular bem como a anulação do processado subsequente;
e) Em 10.AGO.10, a Reclamante foi notificada do despacho do órgão de execução fiscal que indeferiu a nulidade arguida através daquele requerimento de 23.DEZ.09; e
f) A presente RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DE ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL foi instaurada em 28.AGO.10.
3.1. Fazendo a distinção entre a «reclamação contra decisão do órgão de execução fiscal» (meio processual regulado nos arts. 276º e sgts. do CPPT, que é o modo de reacção contra actuações lesivas, que sob o ponto de vista material, afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiros, praticadas por um órgão da Administração, no âmbito do processo de execução fiscal) e a «anulação de venda» (meio processual próprio para o pedido de anulação da venda, dentro dos prazos e com os fundamentos expressos no art. 257° do CPPT), a decisão recorrida considera que, confrontando a causa de pedir com o pedido formulado («…revogando-se o despacho impugnado/reclamado do órgão da execução fiscal, deve ser verificada e julgada procedente a arguida nulidade da omissão da notificação do A… do despacho que ordenou a venda do imóvel por negociação particular, e, consequentemente, anulado todo o processado posterior à nulidade cometida, incluindo a venda efectuada»), é de concluir que o que o reclamante pretende é a anulação da venda, por violação de uma formalidade legal substanciada na falta de notificação do despacho determinativo da venda por negociação particular, pretensão esta que se enquadraria na anulação de venda prevista na al. c) do nº 1 do art. 909° do CPC, que estabelece que a venda fica sem efeito «se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201°».
Mas porque, atendendo ao disposto neste art. 201º, a anulação dependerá, no caso, não só de ter ocorrido, relativamente ao acto da venda ou aos actos anteriores que lhe dizem respeito, a omissão de um acto ou de uma formalidade legal, como, ainda, de que essa omissão possa ter influído na venda, é de concluir que, no caso, a RAOEF não é o meio adequado para a defesa dos interesses que o reclamante pretende acautelar, porquanto a esse direito corresponde um meio processual adequando, ou seja, a acção de anulação de venda, como incidente da execução fiscal.
Verificando-se, por isso, erro na forma de processo, dado que a RAOEF não é o meio processual adequado para apreciar as questões suscitadas pelo reclamante.
E não pode operar-se a convolação desta reclamação em incidente de anulação de venda, por ser manifesta extemporaneidade desta, dado que se mostraria largamente ultrapassado o prazo de 15 dias a que alude a al. c) do nº 1 do art. 257° do CPPT (pois que, alegando o reclamante ter tido conhecimento da venda e da falta de notificação em 15/12/2009, mas tendo a presente acção sido apresentada em 20/8/2010, mostra-se largamente ultrapassado o referido prazo de 15 dias, após o conhecimento do facto que serve de fundamento à anulação).
Daí que se imponha a anulação de todo o processado, com a consequente absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do art. 288° do CPC.
3.2. Das Conclusões do recurso, nomeadamente das Conclusões H, I e Q a T resulta que o recorrente entende que a decisão sofre de erro de julgamento ao considerar que o meio de reacção contra os actos praticados na execução não é a Reclamação dos Actos do Órgão de Execução Fiscal de que ele deitou mão, mas antes a Acção de Anulação da Venda, para cuja forma processual não é possível, na tese da decisão recorrida, operar convolação. Ou seja, a questão a apreciar é a de saber se ocorre, ou não, a nulidade processual do erro na forma de processo afirmada pela sentença recorrida, e que ali determinou a absolvição da instância.
Vejamos.
4.1. Sob a epígrafe «Prazos de anulação da venda», o art. 257° do CPPT dispõe o seguinte:
«1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n° l do artigo 203°;
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n° 3.
(…)».
4.2. No mesmo sentido, também o art. 909° do CPC (sob a epígrafe «Casos em que a venda fica sem efeito») dispõe:
«1. Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
a) …
b) …
c) Se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201°.
(…)».
4.3. E este referido art. 201º do CPC estatui:
«1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2. Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. A nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dele sejam independentes.
3. (…)
5.1. Diga-se, em primeiro lugar, que, contrariamente ao que parece resultar do teor das Conclusões H e I, na sentença recorrida não se afirma que a presente reclamação deduzida contra o acto do órgão da execução fiscal (arts. 276º e sgts. do CPPT), haja sido apresentada para além do prazo legal.
O que a sentença afirma é que, confrontando a causa de pedir com o pedido formulado, é de concluir que o que o reclamante pretende é a anulação da venda, por violação de uma formalidade legal substanciada na falta de notificação do despacho determinativo da venda por negociação particular, mas esta pretensão não se adequa à forma processual da dita reclamação, antes se adequando à forma processual do incidente de anulação de venda, previsto na al. c) do nº 1 do art. 257º do CPPT e na al. c) do nº 1 do art. 909° do CPC, que estabelece que a venda fica sem efeito «se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201° deste mesmo código.
Porém, nas restantes Conclusões o recorrente questiona a decisão na medida em que afirma, quer a ocorrência de erro quanto à forma de processo (por a RAOEF não ser o meio processual adequado para apreciar as questões suscitadas pelo reclamante), quer a impossibilidade legal de operar a convolação desta reclamação em incidente de anulação de venda, por ser manifesta extemporaneidade desta, dado que se mostraria largamente ultrapassado o prazo de 15 dias a que alude a al. c) do nº 1 do art. 257° do CPPT.
Vejamos.
5.2. A anulação da venda nos termos deste art. 201° do CPC depende, quer da ocorrência, relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, quer da circunstância de a irregularidade verificada poder ter influência na venda (nºs. 1 e 2 do artigo referido).
E como refere o Cons. Jorge de Sousa, (CPPT anotado, II vol. 5ª ed., anotação 9 ao art. 257º, pag. 588) estão «nestas condições, por exemplo, as irregularidades relativas à publicidade da venda, designadamente as que respeitam ao tempo e locais de afixação de editais, à publicação de anúncios e seu conteúdo e as relativas às notificações das pessoas que devem ser notificadas para a venda», sendo que «mesmo nestes casos, a anulação da venda só deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar a venda.»
No caso presente, conforme decorre dos autos, a venda por negociação particular do imóvel ocorreu em 26/6/2009 e o recorrente alega que só tomou conhecimento desse facto e da referida omissão de notificação do despacho que ordenou a venda, em 15/12/2009.
E dos autos também decorre que o recorrente logo arguiu, em 29/12/2009 (e não 23/12/2009, como alega), perante o sr. Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo (cfr. 158 a 161) a nulidade decorrente «da falta da notificação do … despacho determinativo da venda por negociação particular do imóvel penhorado, do preço base fixado e dos demais termos e condições da mesma» e requereu «a consequente anulação de todo o processado posterior à omissão cometida, designadamente da própria venda efectuada, nos termos dos arts. 98°, 165° e 257° do CPPT e 201° do CPC».
Foi, aliás, no seguimento desta arguição, que o órgão da execução fiscal veio a proferir, em 10/8/2010, o despacho de fls. 165/166, que indeferiu a arguição de tal nulidade com fundamento em que a mesma não se verifica. E deste despacho, do qual alega ter sido notificado em 12/8/2010, o recorrente deduziu reclamação nos termos dos arts. 276º e sgts. do CPPT, apresentada em 20/8/2010.
5.3. Na sentença recorrida considerou-se, porém, como acima se disse, que a RAOEF deduzida em 20/8/2010, não é o meio adequado para a defesa dos interesses que o reclamante pretende acautelar, porquanto a esse direito corresponde um meio processual adequado, a acção de anulação de venda, como incidente da execução fiscal.
E mais se considerou que os autos não podem ser aproveitados para prosseguirem como anulação de venda, pois, na hipótese de se ordenar o prosseguimento dos autos sob essa forma processual, impor-se-ia desde logo a sua rejeição liminar, por manifesta extemporaneidade, dado que se mostraria largamente ultrapassado o prazo de 15 dias a que alude a al. c) do nº 1 do art. 257° do CPPT, dado que o reclamante alega ter tido conhecimento da venda a 15/12/2009, altura em que teve conhecimento da falta de notificação e a presente acção (reclamação prevista nos arts. 276º e sgts. do CPPT) só foi apresentada em 20/8/2010.
5.4. Diga-se desde já que, se se aceitasse (e não se aceita, como adiante se verá), o entendimento constante da sentença recorrida, no sentido de que o recorrente pretendeu deduzir o incidente de anulação de venda, então, resultando da conjugação do disposto nos arts. 151º, nº 1 e 279º, nº 1, al. b), ambos do CPPT, que a apreciação do incidente de anulação da venda compete ao Tribunal Tributário de 1ª instância, sempre se imporia que o órgão da execução fiscal, confrontado com o requerimento apresentado em 29/12/2009, remetesse, desde logo, o processo ao Tribunal competente para apreciação de tal incidente; e, assim sendo, também seria por reporte a esse requerimento e à data da respectiva apresentação, que deveria ser aferida a possibilidade legal de mandar seguir a forma adequada (incidente de anulação de venda), irrelevando, nesse caso, por consequência, para este efeito, o processado posterior que se operou no seguimento do indeferimento constante do despacho, de 20/8/2010, do sr. Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, ou seja, a reclamação deduzida nos termos dos arts. 279º e sgts. do CPPT no seguimento da notificação daquele despacho de indeferimento, sendo que, alegando o recorrente que só em 15/12/2009 teve conhecimento da venda e da alegada omissão de notificação do despacho que a ordenou, o prazo de 15 dias referido na al. c) do nº 1 do art. 257º do CPPT não estaria ainda decorrido quando, em 29/12/2009, foi apresentado aquele requerimento (equivalente à petição inicial do incidente de anulação da venda); e não ocorreria, então, em termos de tempestividade, impossibilidade legal para que fosse ordenada, nos termos do art. 98º, nº 4 do CPPT e 97º, nº 3 da LGT, a convolação do requerimento de arguição de nulidade nos termos do art. 201º do CPC, em incidente de anulação de venda.
5.5. Porém, o que é verdade é que, conforme também se disse, no requerimento apresentado em 29/12/2009, o recorrente pede ao sr. chefe do Serviço de Finanças que seja «verificada e julgada procedente a arguida nulidade da omissão da notificação do requerente do despacho que ordenou a venda do imóvel por negociação particular, e, consequentemente, anulado todo o processado posterior à referida nulidade, incluindo a própria venda efectuada», alegando que, tendo a venda por negociação particular do imóvel ocorrido em 26/6/2009, não foi notificado do despacho determinativo dessa venda por negociação particular, nem do preço base fixado e dos demais termos e condições da mesma e apenas em 15/12/2009 tomou conhecimento desse facto e da referida omissão de notificação do despacho que ordenou tal modalidade da venda.
E tendo sido notificado, por carta registada de 10/08/2010, do despacho do órgão da execução fiscal que veio a indeferir a arguição da dita nulidade, o recorrente deduziu, em 28/8/2010, a presente reclamação, nos termos dos arts. 276º e sgts. do CPPT, nela pedindo a revogação do «despacho impugnado/reclamado do órgão da execução fiscal» e que seja «verificada e julgada procedente a arguida nulidade da omissão da notificação do A… do despacho que ordenou a venda do imóvel por negociação particular, e, consequentemente, anulado todo o processado posterior à nulidade cometida, incluindo a venda efectuada» alegando os fundamentos que também já invocara naquele requerimento apresentado perante o Serviço de Finanças.
Ora, não se vê que do confronto de tal pedido com a respectiva causa de pedir se deva concluir, como faz a sentença recorrida, que ao direito que o recorrente pretende fazer valer corresponde o meio processual da acção de anulação de venda, como incidente da execução fiscal.
Com efeito, o recorrente argui, tão só, a nulidade processual substanciada na omissão de um acto que, em seu entender, a lei impõe: a sua notificação do despacho que ordenou que a venda se fizesse por negociação particular, bem como do preço base para tanto fixado e dos demais termos e condições dessa venda, nulidade essa que, também em seu entender, acarreta consequente e necessariamente a própria anulação da venda efectuada.
E, se assim é, tal nulidade processual (art. 201º do CPC, ex vi do disposto na al. c) do nº 1 do art. 257º do CPPT e na al. c) do nº 1 do art. 909º do CPC) devia, como foi, ser invocada perante o órgão da execução fiscal, cabendo, da decisão deste, reclamação nos termos do disposto nos arts. 276º e sgts. do CPPT e no prazo aí também previsto.
Independentemente, pois, da questão de saber se a não notificação (ao credor com garantia real sobre o bem vendido) da venda por negociação particular, constitui, ou não (por se traduzir em omissão de acto - notificação - que podia ter influência na decisão de venda), uma nulidade processual (art. 201º do CPC) determinante da anulação de todos os actos processuais subsequentes ao despacho que ordenou a venda por negociação particular, incluindo a venda executiva (art. 909º nº 1, al. c) do CPC, aplicável por força da al. c) do nº 1 do art. 257º do CPPT) - questão sobre a qual não tem sido unânime a jurisprudência do STA (cfr. por todos, o ac. de 8/7/2009, rec. nº 0431/09 bem como a jurisprudência nele referenciada)], no caso dos autos, tendo o recorrente sido notificado, por carta registada de 10/08/2010, do despacho do órgão da execução fiscal que indeferiu arguição de tal nulidade, é em relação a esta decisão que o deve aferir-se a adequação e a tempestividade do meio processual contencioso utilizado (reclamação do art. 276º do CPPT).
Meio processual que, como vimos, é o legalmente adequado.
Procedem, portanto, nestes termos, as Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, devendo os autos seguir os seus legais termos, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Maio de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) - António Calhau - Isabel Marques da Silva.