Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0311/09
Data do Acordão:10/28/2009
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
TAXA
OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
Sumário: I - Existe oposição de julgados, para efeitos do recurso previsto nos arts. 30.º, n.º 1, alínea b) e b') do ETAF de 1984, e 284.º do CPPT, quando, perante situações fácticas essencialmente idênticas e no âmbito do mesmo regime jurídico, foram proferidas decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito.
II – Não existe oposição de julgados entre um acórdão em que foi relevante para a ponderação da violação do princípio da proporcionalidade por uma taxa por ocupação do subsolo municipal a existência do entendimento de um determinado município de que era necessário limitar a procura de utilização do subsolo com produtos perigosos e outro acórdão em que não se demonstrou existir um idêntico entendimento, de outro município, sobre uma política de restrição da procura da utilização do domínio público municipal.
Nº Convencional:JSTA00066045
Nº do Documento:SAP200910280311
Data de Entrada:03/19/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM DE MATOSINHOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC TCA NORTE DE 2008/11/06 - AC TCA SUL PROC741/98 DE 2005/04/26.
Decisão:FINDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:ETAF84 ART22 A A' A'' ART24 N1 B B' ART30 B B'.
CPC96 ART763 N1 N4 ART766 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC32986 DE 1995/06/27.; AC STAPLENO PROC36829 DE 1996/05/07.; AC STAPLENO PROC19426 DE 1996/06/19.; AC STJ PROC85910 DE 1994/05/07.; AC STJ PROC87156 DE 1995/04/26. ; AC STAPLENO PROC19806 DE 1996/06/19.; AC STAPLENO PROC19532 DE 1996/06/19.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, interpôs o presente recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 6-11-2008, que negou provimento ao recurso que interpusera de uma sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente uma oposição à execução fiscal, que lhe foi movida pela Câmara Municipal de Matosinhos.
O presente recurso foi interposto com fundamento em oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26-4-2005, proferido no processo n.º 741/98.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator no Tribunal Central Administrativo Norte entendeu existir a alegada oposição de julgados.
A Recorrente apresentou alegações nos termos do art. 284.º, n.º 5, do CPPT, concluindo da seguinte forma:
1. O Acórdão recorrido - Acórdão do TCA Norte n.º 58/01-Porto, datado de 07/11/2008 - tem na sua origem uma situação de facto muito semelhante à do Acórdão fundamento - Acórdão do TCA Sul n.º 741/98, datado de 26/04/2005. Com efeito, em ambos os casos estamos perante uma liquidação de uma taxa por ocupação do domínio público municipal, aprovadas em Regulamento Municipal, as quais sofreram de um ano para o outro um aumento exponencial.
2. A questão fundamental de direito sobre a qual os arestos citados chegaram a conclusões opostas é a de saber se o aumento súbito e extraordinário do montante de uma taxa, in casu pela ocupação do domínio público, torna a mesma ilegal por violação dos princípios da proporcionalidade, da boa fé e da protecção da confiança.
3. E que não se diga que não existe identidade factual entre os referidos arestos. É que, pese embora estejamos perante tributos com designações distintas, a realidade é que em ambos a realidade tributada é uma só: depósitos, tubos, passagens, condutas onde se transportam ou armazenam produtos petrolíferos, sendo certo que os tributos oneram a ocupação de domínio público (solo ou subsolo), nenhuma diferença existindo. Isso porque o que releva é a realidade objecto de tributação e não a designação do tributo, atendendo ao disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária.
4. A Recorrente tem, no município de Matosinhos, um conjunto de infra-estruturas instaladas no subsolo para o transporte de produtos petrolíferos (pipelines), os quais se revelam essenciais para a realização da sua actividade.
5. Sucede que as taxas pelo licenciamento da ocupação do subsolo do domínio público de Matosinhos com condutas subterrâneas para o transporte de produtos petrolíferos taxas sofreram um aumento súbito, sendo que o seu valor passou a ser de 50.000$00 por metro linear nas condutas até 20 cm de diâmetro acrescida de 4.000$00 por cada 5 cm a mais, quando anteriormente era de 85$00 ano por metro linear nas condutas até 20 cm de diâmetro e 160$00 para as demais condutas, ou seja, verificou-se um agravamento de nada mais nada menos do que 57.000%.
6. A Recorrente bem sabe, até mesmo porque foi amplamente divulgado pêlos meios de comunicação social, que tal aumento se deveu exclusivamente ao intuito da CMM de expulsar a Recorrente e demais empresas do sector do concelho. Assim sendo, as mencionadas taxas, às quais subjaz um intuito exclusivamente persecutório, deverão ser sempre consideradas ilegais por não terem um fim legalmente permitido.
7. Não obstante o exposto, o Acórdão recorrido considerou que o aumento súbito das referidas taxas pela ocupação do subsolo do domínio público de Matosinhos com pipelines não consubstancia uma violação do princípio da proporcionalidade, tão-pouco do princípio da boa fé e da protecção da confiança, embora tenha sido na ordem dos 57.000%.
8. Para tanto, o Acórdão recorrido, como de resto tem sido habitual nas instâncias superiores, baseou-se cegamente numa série de outras decisões, nomeadamente emanadas do Tribunal Constitucional, as quais têm em comum o facto de nunca se terem pronunciado sobre os valores em concreto ou analisado a verdade dos factos.
9. Para a ora Recorrente, é evidente que as normas que fundamentaram a liquidação daquelas taxas (a saber: os números 4 e 7 do artigo 36.º do Anexo l ao Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos - RTTLMM -, na redacção conferida pela deliberação da Assembleia Municipal de 28/12/1998, publicada no Aviso n.º 1610/99 do Apêndice n.º 31 ao Diário da República, II Série, n.º 61 de 16/03/1999) estão feridas de inconstitucionalidade por violação dos mencionados princípios, para além de padecerem do vício de desvio de poder.
10. A verdade é que o município não presta nem nunca prestou, em contrapartida ao tributo exigido, qualquer serviço individualizável, da mesma forma que nunca incorreu em quaisquer despesas com a fiscalização ou vistorias das condutas, uma vez que estes serviços sempre foram assegurados pela própria Recorrente.
11. Também é verdade, como aliás resulta da matéria dada como provada pelo Acórdão recorrido, que no período em que houve o aumento de 57.000% das aludidas taxas, não houve qualquer alteração na prestação efectuada pela CMM, prestação esta que se resume a proporcionar ou tolerar a utilização do subsolo para o exercício da actividade da Recorrente.
12.O Acórdão fundamento, em cuja base está um aumento de um décuplo das taxas cobradas pelo Município de Sintra pela ocupação do domínio público com uma bomba abastecedora e infra-estruturas associadas, concluiu que "(...) a medida adoptada de aumentar a taxa para o décuplo (...) resulta destituída de qualquer nexo de proporcionalidade" (sublinhado nosso).
13. O Acórdão recorrido, por seu turno, fazendo uso da simplista técnica da repetição e sem analisar em concreto os valores e factos em causa, limitou-se a transcrever um excerto do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/2003, de 14/07/2003, segundo o qual "Não é do facto de não ter existido nenhuma alteração na prestação da Câmara que, necessariamente, se pode concluir pela 18. Por outro lado, a Recorrente tem defendido que as taxas em questão são ainda contrárias ao princípio da segurança jurídica no seu vector de princípio da protecção da confiança, bem como ao princípio da boa fé.
19. Com efeito, quando a Recorrente instalou no subsolo do domínio público de circulação as suas condutas de combustíveis e de água pressupôs que o regime administrativo em vigor, a que se desejou submeter, realizando assim avultados investimentos, se mantivesse substancialmente inalterado, sem prejuízo das actualizações em função da inflação ou de outros factores legítimos. A desejada estabilidade prende-se com o facto de tais condutas serem estruturas fixas que, se retiradas do local, perdem substancialmente o seu valor.
20. Não é despiciendo lembrar que a Recorrente tinha legítimas expectativas de que esse quadro não fosse perturbado, até mesmo porque foi nessas circunstâncias que planeou e realizou um conjunto de investimentos de avultado valor que se materializaram na construção daquelas infra-estruturas em Matosinhos. Se essas expectativas, de todo legítimas, pudessem ser objecto de total perturbação ou mesmo de subversão, todo aquele plano de vida da empresa seria destruído.
21. Isso não significa que a Recorrente defenda a tese de que as taxas são imutáveis. O que não se pode ignorar é que um aumento escandaloso das taxas como aquele que se descreveu, não em 100% mas em 57.000%, constitui uma lesão grave da confiança que a Recorrente depositara na acção do município de Matosinhos e, como tal, deve ser considerado juridicamente inválido.
22. O Acórdão fundamento, perante um aumento muito menos significativo (de um décuplo) das taxas e verificando que não houve qualquer aumento das contrapartidas proporcionadas pelo Município de Sintra, nem dos encargos decorrentes da ocupação do subsolo, nem qualquer outro interesse digno de tutela jurídica e até constitucional - tal como no presente caso -, concluiu pela violação dos princípios da proporcionalidade e da confiança.
23. Se foi possível ao TCA Sul chegar, sem grandes dificuldades, a uma conclusão dessas, é no mínimo chocante que as demais instâncias, perante um aumento súbito de 57.000% que roça o obsceno, não perfilhem idêntico entendimento.
24. Por todo o exposto, pretende a ora Recorrente que os factos aqui descritos sejam por fim objecto de análise por parte de V. Exas., o que até ao momento não sucedeu, devendo em consequência a jurisprudência ser uniformizada no sentido consagrado pelo douto Acórdão fundamento.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve decidir-se que existe oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, sendo o entendimento subjacente a este último aquele que deve prevalecer na uniformização de jurisprudência, assim se fazendo JUSTIÇA!
A Recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso por oposição de Acórdãos foi interposto pela A…. (doravante somente Recorrente ou A…), na sequência do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (Acórdão Recorrido), em 6 de Novembro de 2008, o qual negou provimento ao recurso interposto pela A…, confirmando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação de uma taxa de ocupação de subsolo por condutas de combustível.
2. Segundo a A…, o Acórdão Recorrido perfilha uma solução jurídica oposta à de um outro Acórdão, proferido 1a Juízo Liquidatário do Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 00741/98 (Acórdão Fundamento), em 26 de Abril de 2005, de acordo com o qual o aumento de uma taxa devida pela ocupação da via pública — com a instalação de bombas abastecedoras de carburantes líquidos, ar e água — consubstancia uma violação do principio constitucional da proporcionalidade, tornando-a, portanto, ilegal.
3. Ora, tal como esse mesmo Venerando Tribunal já decidiu no âmbito do recurso n.º 828 (proferido a 28 de Fevereiro de 2007 e transitado em julgado em 11 de Outubro de 2007), não há qualquer oposição de Acórdãos, isto porque os Acórdãos em "alegada" oposição não versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas, sendo também claramente diferentes os argumentos jurídicos que presidem ao aumento das taxas em questão, com diferentes reflexos nas resoluções das questões de direito controvertidas.
4. Com efeito, os tributos que se discutem em ambos os Acórdãos são substancialmente diferentes, uma vez que, no Acórdão Fundamento, estamos perante uma simples taxa e no Acórdão Recorrido estamos perante uma taxa de carácter misto, sendo que com ela "se assumiu claramente uma contraprestação pela utilização do domínio público como uma limitação da procura";
5. Por outro lado, os motivos que levam ao aumento das taxas em cada um dos Acórdãos são visível e factualmente distintos: ora, se no Acórdão Fundamento é o próprio interesse público que proíbe o aumento da taxa, tornando o mesmo desproporcional, no Acórdão Recorrido é o próprio interesse público que justifica a alteração da taxa, pela crescente necessidade de "privilegiar a utilização do subsolo que prossiga fim de interesse geral ou público (...) em detrimento das situações em que existe um mero interesse particular";
6. Acresce que, no Acórdão Fundamento estamos perante o aumento de uma taxa em sentido técnico, que, como tal, sempre foi considerada; já no Acórdão Recorrido estamos perante a criação de uma verdadeira taxa, que anteriormente não mais era do que uma simples "taxa moderadora", sem qualquer carácter sinalagmático.
7. Os critérios constantes do Regulamento no Acórdão Recorrido respeitam integralmente os princípios do Direito Tributário em matéria de taxas, nomeadamente o princípio da proporcionalidade;
8. As quantias exigidas pelo Município de Matosinhos ao abrigo das citadas normas do Regulamento são verdadeiras taxas;
9. Não se pretende, de forma alguma, a deslocação da Recorrente nem existe qualquer violação dos princípios constitucionais e legais invocados pela Recorrente;
10. Por fim, a questão em análise foi já objecto de decisão por parte do STA, no âmbito do recurso por oposição de acórdãos n.º 828, em que a questão decidendi era exactamente a mesma:
11. Com efeito, analisando o Acórdão Fundamento invocado pela Recorrente no âmbito do presente processo e o Acórdão Fundamento proferido no processo n.º 1121/03, invocado pela Recorrente no âmbito do processo n.º 5617/01 (recurso n.º 828), verifica-se que ambos os acórdãos foram proferidos dentro do mesmíssimo e exacto quadro factual e jurídico, onde se discute a mesma e exacta taxa, liquidada pelo Município de Sintra, e onde se chega à mesma e exacta conclusão jurídica.
12. E o STA, nesse dito acórdão, concluiu pela inexistência da alegada oposição, não podendo, consequentemente, proceder o presente recurso.
TERMOS EM QUE - ATENDENDO JÁ AO DECIDIDO PELO DOUTO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, NO ÂMBITO DO PROCESSO N." 5617/01 (RECURSO N.º 828) E, BEM ASSIM, À MANIFESTA INEXISTÊNCIA DE OPOSIÇÃO ENTRE OS ACÓRDÃOS ORA EM CRISE -, NÃO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
O presente recurso jurisdicional tem por base a oposição de acórdãos do TCA do Norte (acórdão recorrido de 7/11/2008, processo 58/01) e do TCA do Sul (acórdão fundamento de 26/04/2005, processo 741/98).
A questão submetida a apreciação já foi objecto do douto acórdão de 28/02/2007, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, proferido no recurso 828/06. Na esteira desse douto aresto entendemos não haver oposição de acórdãos, por inexistir identidade de situação de facto entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. Na verdade os pressupostos do recurso para o Pleno - mesmo fundamento de direito, sem que tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e se tenha perfilhado solução oposta nos dois acórdãos - subentende a identidade de situações de facto, ou seja, para que exista oposição necessária é a identidade jurídica e factual.
No caso sub judicio, tal como no recurso 828/06, "ambas as decisões apreciaram a constitucionalidade das respectivas liquidações à luz dos mesmos princípios constitucionais, maxime, o princípio da proporcionalidade...". Só que, enquanto no acórdão fundamento, se julgou a legalidade de liquidação de uma taxa respeitante à ocupação da via pública por bombas de carburantes líquidos, no acórdão recorrido julgou-se a legalidade da liquidação de uma taxa devida pela construção e instalação de condutas no subsolo.
Os interesses em causa são absolutamente distintos, pois no caso da instalação de posto de abastecimento de combustíveis está em causa um interesse público - satisfação de necessidades da população e comodidade de acesso ao abastecimento -, ao contrário da instalação de condutas de combustíveis no subsolo, que servem primacialmente o interesse próprio da empresa que as utiliza no exercício e desenvolvimento da sua actividade industrial e comercial.
Com efeito o acórdão recorrido e o acórdão fundamento têm o mesmo entendimento do princípio da proporcionalidade, apenas sendo diferente a sua a aplicação ao caso concreto, por falta de identidade fáctica.
CONCLUSÃO
Inexiste por isso a invocada oposição, pelo que entendemos dever ser dado por findo o recurso.
Notificado às partes deste douto parecer, vieram dizer, em suma, a Recorrente que existe identidade de situações fácticas e a Recorrida que não assiste razão à Recorrente porque «as realidades tributadas e, bem assim, os interesses em causa nos acórdãos em referência, são completamente diferentes».
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Ao presente processo, iniciado antes de 1-1-2004, aplica-se o regime anterior ao ETAF de 2002 e CPTA.
O art. 30.º do ETAF de 1984, ao prever a competência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, estabelece os requisitos dos recursos com fundamento em oposição de julgados, nos seguintes termos:
Compete ao pleno da Secção de Contencioso Tributário conhecer:
b) Dos recursos de acórdãos da Secção que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção ou do respectivo pleno;
b’) Dos recursos de acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo proferidos em último grau de jurisdição que, na hipótese prevista na alínea anterior, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção ou da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ou do respectivo pleno;
Os recursos com fundamento em oposição de julgados apenas são admitidos quando no acórdão recorrido e no acórdão invocado como fundamento, foram perfilhadas soluções opostas, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica.
Apesar de por despacho do Excelentíssimo Senhor Relator no Tribunal Central Administrativo Norte se ter entendido existir a invocada oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, a questão da existência ou não de oposição deve ser reapreciada por este pleno, em consonância com o disposto no art. 766.º, n.º 3, do CPC, na redacção anterior à reforma operada pelos Decretos-Lei n.ºs 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro. (O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que os arts. 763.º a 765.º do CPC na redacção anterior à reforma operada pelos Decretos-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Setembro, e 180/96, de 12 de Dezembro, continuam em vigor no contencioso tributário. )
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido uniforme no sentido de ser exigível também que o acórdão invocado como fundamento tenha transitado em julgado, exigência que consta do n.º 4 do art. 763.º do CPC e se justifica por os recursos com fundamento em oposição de julgados no contencioso administrativo, visarem, primacialmente, assegurar o tratamento igualitário e só relativamente a uma decisão transitada em sentido oposto à que foi proferida no processo se poder colocar a questão de desigualdade de tratamento, uma vez que uma decisão não transitada em sentido contrário à proferida no processo pode vir a ser alterada no sentido desta.
No entanto, em sintonia com o preceituado no n.º 4 do art. 763.º do CPC, deve entender-se que se deve partir do pressuposto que o trânsito em julgado ocorreu, se o recorrido não alegar que o acórdão não transitou.
É também exigível que os acórdãos recorrido e fundamento tenham sido proferidos em processos diferentes ou incidentes diferentes do mesmo processo, como se prevê no n.º 3 do art. 763.º do CPC e é corolário do preceituado no art. 675.º do mesmo Código.
Por outro lado, apenas é relevante para fundamentar o recurso por oposição de julgados a oposição entre soluções expressas, como vem sendo uniformemente exigido pelo Supremo Tribunal Administrativo (Neste sentido, entre outros, podem ver-se os acórdãos deste Pleno da Secção do Conten­cioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 27-6-1995, proferido no recurso n.º 32986, de 7-5-1996, proferido no recurso n.º 36829; e de 25-6-1996, proferido no recurso n.º 35577.
Ainda no mesmo sentido, os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 13-7-1988, proferido no recurso n.º 3988, publicado no Apêndice ao Diário da Repú­blica de 10-10-1989, página 29; e de 19-6-1996, proferido no recuso n.º 19426. ), exigência esta que é formulada com base na referência a «solução oposta», inserta nos arts. 22.º, alíneas a), a’) e a’’), 24.º, n.º 1, alíneas b) e b’), e 30.º, alí­neas b) e b’), do ETAF de 1984. (Neste sentido, a propósito da expressão idêntica contida no art. 763.º, n.º 1, do CPC, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7-5-1994, proferido no recurso n.º 85910, de 11-10-1994, proferido no recurso n.º 86043, e de 26-4-1995, proferido no recurso n.º 87156. )
Para se poder considerar que há oposição de soluções jurídicas terá de exi­gir que ambos os acórdãos versem sobre situações fácticas substancialmente idênti­cas, como vem sendo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. ( Podem ver-se, neste sentido, os acórdãos do Pleno da Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
– de 17-6-1992, proferido no recurso n.º 13191, publicado no Apêndice ao Diário da República, de 30-9-1994, página 136;
– de 9-6-1993, proferido no recurso n.º 12064;
– de 22-11-1995, proferido no recurso n.º 15284; e
– de 19-6-1996, pro­ferido no recurso n.º 19806. )
Para além disso, é necessário ainda que ambos os acórdãos tenham sido proferidos num quadro legislativo substancialmente idêntico.
No CPC exigia-se que os acórdãos tivessem sido proferidos no «domínio da mesma legislação» (art. 763.º, n.º 1), estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo artigo que «os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido in­troduzida qualquer modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida».
Nas referidas normas do ETAF fala-se em «ausência de alteração subs­tancial da regulamentação jurídica», o que tem significado prático idêntico ao visado por aquelas normas do CPC.
Essencialmente, poderá dizer-se que há alteração da regulamentação jurí­dica relevante para afastar a existência de oposição de julgados sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica. (Fundamentalmente neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19-6-1996, proferido no recurso n.º 19532 )
3 – O acórdão recorrido e o acórdão fundamento têm em comum pronúncia sobre os princípios da proporcionalidade, da protecção da confiança e da boa-fé, sendo a oposição entre o decidido sobre eles os fundamentos do recurso invocados pela Recorrente no requerimento de interposição de recurso.
Não é questionado que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento escolhido pelos Recorrentes foram proferidos em processos diferentes e o acórdão recorrido tenha transitado em julgado.
Por outro lado, é idêntico o enquadramento jurídico respeitante aos princípios constitucionais referidos.
É questionada, porém, a existência de identidade das questões apreciadas.
4 – Sobre o princípio da proporcionalidade entendeu-se no acórdão recorrido que o valor das taxas por ocupação do subsolo do domínio público municipal por condutas utilizadas para o transporte de produtos petrolíferos não violou o princípio da proporcionalidade, ponderando-se, designadamente que
– na motivação do regulamento que fixou esta taxa teve-se presente que a utilização do subsolo para aposição de infra-estruturas é hoje cada vez mais condicionada, atentas as evoluções tecnológicas que determinam que a procura do subsolo para esse fim tenha aumentado substancialmente (...),
– nessa motivação do regulamento levou-se em linha de conta a necessidade de desmotivar a utilização do subsolo para fins contrários aos acautelados pela autarquia e, pelo contrário, privilegiar a utilização do subsolo que prossiga fins de interesse geral ou público, nomeadamente os casos em que se trata da distribuição de bens de utilização generalizada, distinguindo-os das situações em que se pretende apenas corresponder a um interesse particular ou servir determinada indústria ou instalação;
– ou seja, numa primeira linha, teve-se consciência da nova realidade, criada por força da evolução tecnológica (utilização do subsolo para instalação de condutas ou cabos de fibras ópticas, televisão por cabo, telecomunicações, metropolitano, parques de estacionamento, etc.), para além das "clássicas" utilizações para redes de electricidade, água e telefones;
– por força de tal evolução ocorreu um aumento significativo da procura do subsolo e, em coerência com as leis do mercado, é legítimo e previsível um aumento do preço de tal bem;
– o aumento significativo do valor económico de um bem tem, por inerência, como contrapartida, um aumento significativo (ainda que não na mesma medida) da utilidade ou valor que ele representa para quem pode adquirir esse bem ou dele beneficia - utilidade proporcionada ao utilizador do serviço;
– por outro lado, e não obstante o aumento significativo do valor económico do bem subsolo, compatibilizou-se essa nova realidade com outros valores, designadamente o de privilegiar a utilização do subsolo que prossiga fins de interesse geral ou público (distribuição de bens de utilização generalizada), em detrimento das situações em que existe um mero interesse particular;
– esta vertente da limitação da procura oferece-se-nos constituir uma finalidade também legítima dados os perigos decorrentes da utilização de produtos perigosos;
– por fim, a evidência de que «(...) a aposição de infra-estruturas provoca sempre desgaste e deficiências (,..)», para além de implicar «(...) um duplo ónus às autarquias: um ónus quanto às futuras intervenções ou localização de infra-estruturas, uma vez que um determinado espaço fica ocupado impondo limites às soluções a haver e impondo processos construtivos mais complexos que tenham em conta as infra-estruturas já instaladas; um outro ónus que é o de "suportar" as intervenções de beneficiação e manutenção das infra-estruturas instaladas.
Por esta fundamentação do acórdão recorrido, estando-se perante um caso em que na ocupação do subsolo se inclui implantação de tubos de transporte de combustível numa extensão de 2840 metros [ponto d) ii) da matéria de facto fixada] constata-se que foi relevante para a ponderação da violação do princípio da proporcionalidade não só a existência do entendimento municipal de que era necessário limitar a procura de utilização do subsolo com produtos perigosos, mas as próprias características da ocupação do subsolo, que impunham «processos construtivos mais complexos» e o ónus de suportar as intervenções de beneficiação e manutenção das infra-estruturas instaladas.
No caso apreciado no acórdão fundamento, trata-se de município diferente, em que não se demonstrou existir um idêntico entendimento municipal sobre uma política de restrição da procura da utilização do domínio público municipal, nem que a extensão da ocupação tenha uma extensão das dimensões da que se provou existir na área do Município do Matosinhos, nem que haja operações de beneficiação e manutenção cuja realização impliquem qualquer inconveniente para os bens do domínio público.
Os inconvenientes que advêm para o interesse público de uma determinada ocupação de bens do domínio público podem ter influência considerável no juízo de proporcionalidade de uma taxa que é exigida pela utilização privativa desses bens, pois, depende da adequação entre o montante exigido e os inconvenientes que derivam de tal utilização para o interesse geral.
Por outro lado, quando com a cobrança de taxas se pretende atingir determinados objectivos, designadamente uma restrição da utilização privativa de bens do domínio público, pode considerar-se compatível com o princípio proporcionalidade a cobrança de uma taxa de montante superior à que como tal se poderia considerar se não houvesse qualquer interesse público em concretizar tal restrição.
Sendo assim, a identidade entre a situação fáctica subjacente ao acórdão recorrido e aquela em que assentou o acórdão fundamento apenas poderia ser reconhecida se também no caso apreciado neste último estivessem em causa interesses e inconvenientes semelhantes, designadamente um idêntico interesse público em restringir a utilização privativa dos bens do domínio público e a utilização em causa tivesse como contrapartida de idênticos inconvenientes.
Ora, para além de não se ter demonstrado que no Município de Sintra, que é sujeito activo da taxa cuja legalidade foi apreciada no acórdão fundamento, haja um interesse público em restringir a ocupação do subsolo do domínio público municipal idêntico ao que o Município de Matosinhos afirma existir, os inconvenientes que podem advir da instalação de um posto de venda de combustíveis não são necessariamente idênticos aos que podem resultar da ocupação do subsolo numa extensão de 2.830 metros.
Assim, os juízos sobre o princípio da proporcionalidade que foram formulados no acórdão recorrido e no acórdão fundamento assentaram em situações fácticas suficientemente diferentes para concluir que os sentidos opostos em que se pronunciaram não envolvem contradição de julgados.
5 – A outra questão sobre a qual a Recorrente defende existir oposição de julgados é a da violação do princípio da protecção da confiança e da boa fé.
Foi também ponderando as situações concretas que resultavam da matéria de facto fixada em cada um dos arestos que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento formularam os juízos sobre a violação deste princípio.
No acórdão fundamento baseou-se o juízo sobre a violação deste princípio, além do mais, nos factos de que as «taxas vinham sendo até então actualizadas» e não se terem provado «também outros interesses socialmente relevantes para o bem comum que tenham estado subjacentes a esse aumento, igualmente dignos de tutela jurídica ou mesmo até constitucional».
Ora, no caso apreciado no acórdão recorrido, a situação fáctica é diferente, pois não se provou que as taxas tivessem vindo a ser aumentadas e for considerado provado que existia um interesse público em restringir a procura da utilização privativa do subsolo do domínio público municipal.
Assim, também quanto a esta questão não se pode entender que as decisões em sentidos diferentes envolvam oposição de julgados.
Termos em a acordam em julgar findo o recurso.
Custas pelos Recorrentes com procuradoria de 1/6
Lisboa, 28 de Outubro de 2009. – Jorge Manuel Lopes de Sousa (relator) – Domingos Brandão de Pinho – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa – João António Valente Torrão – António José Martins Miranda de Pacheco – Dulce Manuel da Conceição Neto – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale – António Francisco de Almeida Calhau – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Lúcio Alberto de Assunção Barbosa.