Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0150/12
Data do Acordão:04/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DA LIQUIDAÇÃO
INDEFERIMENTO TÁCITO
DUPLICAÇÃO DE COLECTA
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
SISA
REVALIDAÇÃO
Sumário:Liquidada e paga uma sisa, em 18/1/2003, com vista à compra e venda de prédio cuja escritura pública apenas veio a ser outorgada em 27/6/2008, e não tendo sido pedida a revalidação daquela (§ único do art. 47º do CSisa e nº 4 do art. 22º do CIMT), a respectiva liquidação, ficou sem efeito.
Assim, o inerente pagamento de tal sisa, passível de restituição [quer com fundamento em revisão do acto (nºs. 1 e 6 do art. 78º da LGT e art. 48º do CIMT), quer em requerimento formulado nos termos do art. 179º do CSisa (enquanto vigorou) ou do actual art. 47º do CIMT] também não pode relevar para efeitos de se considerar que, face à posterior liquidação e pagamento de IMT (em 21/4/2008) estamos perante um tributo já pago e se está a exigir um outro de igual natureza (duplicação de colecta).
Nº Convencional:JSTA00067536
Nº do Documento:SA2201204190150
Data de Entrada:02/10/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF FUNCHAL PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - SISA
DIS FISC - IMT
Legislação Nacional:LGT98 ART78
CIMSISD91 ART47 ART179
CIMT03 ART22 ART42 ART44 ART47 ART48 ART1 ART2 ART4 ART5
DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART31 N3 ART32 N3
CPPTRIB99 ART205 N1
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIII PAG527-528
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A………, S.A., com os demais sinais dos autos, do indeferimento tácito que recaiu sobre os pedidos de revisão da liquidação de IMT e devolução de contribuições pagas em excesso.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IMT em causa nos autos de impugnação n° 77/09, referente à aquisição do prédio rústico, localizado na freguesia do Porto Santo, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 5 da secção “AO”;
No entender da recorrente a douta sentença recorrida merece censura pois, com o devido respeito, padece de correcta interpretação da lei.
a) Ao determinar a anulação da liquidação de IMT por considerar existir duplicação de colecta, interpretação com a qual a recorrente não se pode conformar, porquanto foi o documento de liquidação e pagamento do IMT que titulou o cumprimento das obrigações fiscais no acto de transacção do imóvel, e não outro;
b) Não foi o documento que comprovava a liquidação e pagamento da SISA que permitiu ao ora recorrido a outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel adquirido em Junho de 2008, até porque nesta data tal documento não tinha qualquer validade jurídica, nos termos do artigo 47° do revogado Código da SISA.
c) A liquidação do IMT foi devidamente efectuada nos termos do artigo 1°, artigo 2° n° 1, artigo 4°, e artigo 5° n° 2 todos do CIMT.
d) A SISA cuja liquidação foi efectuada e paga em 2003 perdeu a sua validade com a entrada em vigor do CIMT;
e) De acordo com o n° 3 do artigo 32° do Decreto-Lei n° 287/2003, de 12 de Novembro, no dia 1 de Janeiro de 2004 entrou em vigor o Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
f) O n° 3 do artigo 31° do mesmo diploma determina que com a entrada em vigor do CIMT é revogado o CIMSISD.
g) O contribuinte poderia pedir a restituição do Imposto Municipal, com fundamento no n° 1 do artigo 78° da Lei Geral Tributária (doravante apenas designada "LGT") no prazo de reclamação previsto no CPPT, à data de 90 dias.
h) Ora, no caso vertente, o pedido de revisão de acto tributário fora apresentado em Agosto de 2008, e portanto extemporaneamente.
i) Contudo, a lei facultava ao contribuinte mais um meio legal de ser restituído do imposto de SISA (indevidamente) pago (por não se ter realizado a respectiva transacção) o pedido de restituição nos termos do artigo 179° do CIMSISD.
j) Para tal dispunha do prazo alargado de 4 anos (vide o aludido artigo 179° do CIMSISD), não tendo, o sujeito passivo, uma vez mais reagido tempestivamente.
k) É de salientar que, ainda que não tivesse entrado em vigor o Código do IMT e portanto revogado do CIMSISAD, na data da realização da escritura no dia 27 de Junho de 2008 já não seria válido o conhecimento de Sisa n° 2852/220/2003, atento o determinado no artigo 47° do CIMSISD.
l) Determinava o referido artigo, no § único que:
Não se realizando dentro de um ano o acto ou facto translativo por que se pagou a Sisa, ficará sem efeito a liquidação, a menos que esta haja sido revalidada ou reformada (...)"
m) Ora, liquidação de Sisa ficou sem efeito pelo decurso do tempo e a impugnante, ora entidade recorrida, não pediu a sua anulação nos prazos acima referidos.
n) "Expirados esses prazos pode ainda o contribuinte requerer a restituição do imposto ao abrigo do artigo 179° (...)"
o) Ora, como vimos, também isso já não seria possível, porquanto o prazo de 4 anos foi igualmente excedido.
p) A impugnante foi prejudicada apenas pela sua própria inércia ao não usar dos mecanismos legais ao seu dispor, dentro de prazo, para obter a restituição de um imposto que havia sido indevidamente pago.
q) A impossibilidade de realização da escritura pública com a apresentação do conhecimento de sisa acima mencionado, não sucedeu por facto não imputável ao contribuinte e pela mera sucessão de leis no tempo.
r) Como se viu, ainda que não tivesse sido revogado o CIMSISD, teria que haver nova liquidação e pagamento de imposto, devido ao hiato de tempo decorrido entre o pagamento da sisa e a realização da escritura pública de compra e venda.
s) É legalmente inadmissível a anulação da liquidação de IMT porquanto foi legitimamente liquidada, com observância e em cumprimento do disposto na lei fiscal, servindo (o documento de cobrança e pagamento daquele imposto) de documento comprovativo do cumprimento da obrigação tributária de pagamento do IMT devido pela aquisição onerosa do direito de propriedade do prédio rústico acima descrito, condição essencial para a realização da escritura pública (outorgada em Agosto de 2008).
t) A liquidação do IMT foi devidamente efectuada nos termos do artigo 1°, artigo 2° n° 1, artigo 4°, e artigo 5° n° 2 todos do CIMT.
Termina pedindo o provimento do recurso e que seja revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido do não provimento do recurso, nos termos seguintes:
«Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência da impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento tácito de pedido de revisão de liquidação de IMT.
FUNDAMENTAÇÃO
1. A liquidação do IMT em 21.04.2008 após liquidação e pagamento de Sisa em 18.11.2003 configura duplicação de colecta, por verificação dos respectivos pressupostos legais: exigência de pagamento de tributo após pagamento de tributo de idêntica natureza referente ao mesmo facto tributário, consistente na transmissão onerosa de idêntico prédio rústico (probatório als. A)/B); art. 205° n° l CPPT).
Para a ocorrência de duplicação de colecta é irrelevante que o interessado não tenha requerido oportunamente a anulação da liquidação da Sisa e a restituição do imposto (arts. 47° § único e 179° CIMSISD).
2. A administração tributária pode proceder oficiosamente à revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta no prazo de 4 anos (art. 78° n° 5 LGT/art. 42° CIMT).
O pedido de revisão apresentado em 21.08.2008 é tempestivo: o facto que consubstancia o fundamento de duplicação da colecta verificou-se em 21.04.2008, com a liquidação e pagamento do IMT (probatório al. B).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe apreciar.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) A fim de outorgar a escritura de compra e venda do prédio rústico, sito ao ………, freguesia e concelho do Porto Santo, inscrito na matriz predial sob o art. 5º da Secção "AO", descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo, procedeu à liquidação e pagamento em 18-11-2003, da SISA n° 2852/220/2003, no valor de € 5.351,10 (Termo de declaração de Sisa de fls. 6, dos autos);
B) Em 21-04-2008 foi liquidado e pago IMT 160.308.008.351.603, na importância de € 5.351,12 para realização da escritura pública do prédio rústico referido no ponto anterior (fls. 7/8, dos autos);
C) Em 27-06-2008 foi realizada a escritura pública de compra e venda, de fls. 10 a 14, dos autos que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, do prédio rústico, sito ao ………, freguesia e concelho do Porto Santo, inscrito na matriz predial sob o art. 5º da Secção "AO", descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo;
D) Em 21-08-2008 a impugnante requereu junto do Chefe do Serviço de Finanças revisão da liquidação que nunca foi decidida (facto aceite);
E) A presente acção deu entrada em 4 de Março de 2009 (carimbo aposto no rosto de fls. l, dos autos).

3.1. A sentença julgou procedente a impugnação com fundamentação que, em síntese, é a seguinte:
Estamos em presença de dois actos de liquidação tributária, consumados, respectivamente, em 18/11/2003 e 21/4/2008, respeitando ambos ao mesmo facto tributário (a escritura pública celebrada em 27/6/2008 do mesmo imóvel.
Com efeito em 1/1/2004 entrou em vigor o CIMI (art. 32° n° 3 do DL n° 297/2003, de 12/11) tendo sido revogado o CIMSISD (n° 3 do art. 31° do 297/2003, de 12/11) o que determinou o oficio circulado n° 40067/2003, de 11/11 da Direcção de serviços dos Impostos do selo e das Transmissões do Património, segundo o qual as sisas pagas até 31/12/2003 só podem ser apresentadas nas escrituras apresentadas até àquela data.
A Fazenda Pública entende que o contribuinte podia pedir a restituição do imposto no prazo previsto para a reclamação do CPPT, ou seja, 90 dias. Prazo que se contaria a partir de 1/1/2004 (art. 70° n° 4 do CPPT) e, que, in casu, já estaria excedido. E a Fazenda entende ainda que tendo a sisa sido paga em 18/11/2003, quando o pedido de revisão foi apresentado, em 21/8/2008, já o prazo de 4 anos tinha sido excedido também.
Porém, nesta parte carece de razão, pois que o prazo de 4 anos (art. 78° da LGT) só poderá contar-se a partir do momento em que ocorreu o pagamento do IMT (e não o da SISA), pois só a partir deste facto ocorreu a ilegalidade invocada.
Como se referiu o acto ferido de ilegalidade por este vício (de duplicação de colecta) é a segunda liquidação e jamais a primeira. Pelo que ocorre, assim, a ilegalidade invocada.

3.2. Discorda a recorrente Fazenda, sustentando, como se viu, que não foi o documento que comprovava a liquidação e pagamento da sisa que permitiu à recorrida a outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel adquirido em Junho de 2008, até porque nesta data tal documento não tinha qualquer validade jurídica, nos termos do art. 47° do revogado Código da Sisa, antes tendo a liquidação do IMT sido devidamente efectuada nos termos dos arts. 1°, 2°, n° 1, 4° e 5°, n° 2 todos do CIMT, pois que a sisa cuja liquidação foi efectuada e paga em 2003 perdeu a sua validade com a entrada em vigor do CIMT e a concomitante revogação do CSisa.
O contribuinte poderia pedir a restituição da sisa com fundamento no n° 1 do art. 78° da LGT no prazo de reclamação previsto no CPPT (90 dias).
Ora o pedido de revisão de acto tributário fora apresentado em Agosto de 2008, e portanto extemporaneamente.
Ainda assim, a lei facultava à recorrida mais um meio legal de ser restituída da sisa indevidamente paga (por não se ter realizado a respectiva transacção): o pedido de restituição nos termos do art. 179° do CIMSISD, a ser efectuado no prazo de 4 anos, não tendo, o sujeito passivo, uma vez mais reagido tempestivamente.
Ora, ainda que não tivesse entrado em vigor o CIMT e, portanto, sido revogado o CIMSISD, na data da realização da escritura (27/6/2008) já não seria válido o conhecimento de Sisa n° 2852/220/2003, atento o determinado no art 47° do CIMSISD.
Ainda que não tivesse sido revogado o CIMSISD, teria que haver nova liquidação e pagamento de imposto, devido ao hiato de tempo decorrido entre o pagamento da sisa e a realização da escritura pública de compra e venda.
A liquidação de IMT foi devidamente efectuada nos termos dos arts. 1°, 2° n° 1, 4° e 5° n° 2, todos do CIMT.

3.3. A questão que cumpre apreciar é, portanto, a de saber se a sentença sofre de erro de julgamento ao decidir que o prazo de 4 anos (art. 78° da LGT) para pedir a restituição aqui em causa se conta a partir do momento em que ocorreu o pagamento do IMT (e não o da Sisa), por só a partir deste facto ter ocorrido a ilegalidade invocada e por o acto ferido de ilegalidade por vício de duplicação de colecta ser a segunda liquidação e não a primeira.
Vejamos.

4.1. A presente impugnação é deduzida «do indeferimento tácito do pedido de revisão das liquidações e devolução de contribuições pagas em excesso», pedindo-se que seja «anulada a liquidação de imposto que constitui duplicação de colecta de imposto devida pela transmissão onerosa do imóvel acima identificado, com a consequente devolução da quantia arrecadada em excesso».
O art. 47º do CSisa dispunha o seguinte:
«A liquidação da sisa precederá o acto ou facto translativo dos bens (…), salvo quando dever ser paga posteriormente, nos termos do artigo 115°».
§ único. Não se realizando dentro de 1 ano o acto ou facto translativo por que se pagou a sisa, ficará sem efeito a liquidação, a menos que esta haja sido revalidada ou reformada, tomando em conta o valor que os bens então tiverem e cobrando-se ou anulando-se a diferença.
A revalidação ou a reforma valerá por 1 ano e nenhuma liquidação poderá ser revalidada ou reformada mais de 4 vezes».
E o art. 179º do mesmo Código dispunha:
«Independentemente da anulação da liquidação, o Ministro das Finanças poderá ordenar o reembolso da sisa ou do imposto sobre as sucessões e doações, pagos nos últimos cinco anos, quando os considere indevidamente cobrados, observando-se, na parte aplicável, o disposto no corpo e no § 1° do artigo 155°
Por sua vez, o art. 78º da LGT dispõe, no que aqui interessa:
«1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
(…)
6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.»

4.2. Em 1/1/2004 foi revogado o CSisa e entrou em vigor o CIMT (cfr. arts. 31º, nº 3 e 32º, nº 3, ambos do DL 287/2003, de 12/11).
Porém, de acordo com o disposto no nº 5 do mesmo art. 31º deste DL 287/2003, «Os Códigos revogados continuam a aplicar-se aos factos tributários ocorridos até à data da entrada em vigor dos Códigos e alterações referidos no artigo 32º do presente diploma, incluindo os factos que tenham beneficiado de isenção ou de redução de taxa condicionadas e que venham a ficar sem efeito na vigência dos novos Códigos
Não obstante, em sentido idêntico ao que anteriormente se dispunha o art. 47º do CSisa, o art. 22º do CIMT dispõe:
«1 - A liquidação do IMT precede o acto ou facto translativo dos bens (…) salvo quando o imposto deva ser pago posteriormente, nos termos do artigo 36º.
(…)
4 - Não se realizando dentro de dois anos o acto ou facto translativo por que se pagou o IMT, fica sem efeito a liquidação
E nos arts. 42º, 44º e 47º do mesmo CIMT dispõe-se:
Artigo 42º: «À revisão oficiosa da liquidação aplica-se o disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributária.»
Artigo 44º:
«1 - A anulação da liquidação de imposto pago por acto ou facto translativo que não chegou a concretizar-se pode ser pedida a todo o tempo, com o limite de um ano após o termo do prazo de validade previsto no nº 4 do artigo 22º, em processo de reclamação ou de impugnação judicial
Artigo 47º:
«1 - Independentemente da anulação da liquidação, o Ministro das Finanças pode ordenar o reembolso do imposto pago nos últimos quatro anos, quando o considere indevidamente cobrado, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo anterior.
2 - O disposto no número anterior só é aplicável se não tiverem sido utilizados, em tempo oportuno, os meios próprios previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.»

4.3. A recorrente Fazenda Pública sustenta que a sentença enferma de erro de julgamento, dado que esta liquidação de IMT foi devidamente efectuada nos termos dos arts. 1°, 2° n° 1, 4° e 5° n° 2, todos do CIMT, não tendo, pois, sido o documento que comprovava a liquidação e pagamento da sisa que permitiu à recorrida a outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel adquirido em Junho de 2008, até porque nesta data tal documento não tinha qualquer validade jurídica, nos termos do art. 47° do revogado Código da Sisa.
E, na verdade, crê-se que é esse o regime decorrente da lei.
A recorrida procedeu à liquidação e pagamento, em 18/1/2003, da SISA n° 2852/220/2003, no valor de € 5.351,10, a fim de outorgar a escritura de compra e venda do prédio rústico identificado nos autos.
Mas, tendo outorgado a dita escritura de compra e venda apenas em 27/6/2008 e liquidado e pago o respectivo IMT (€ 5.351,12) em 21/4/2008, veio em 21/8/2008 requerer junto do Chefe do Serviço de Finanças a revisão da liquidação, com fundamento em duplicação de colecta (a duplicação terá ocorrido com esta segunda liquidação), a qual nunca foi decidida, tendo a presente impugnação dado entrada em 4/3/2009.
Ora, a duplicação de colecta ocorre (cfr. o nº 1 do art. 205° do CPPT) quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
Admitindo-se casos (para além das situações em que configura fundamento de oposição à execução fiscal ― al. g) do nº 1 do art. 204º do CPPT) em que esta ilegalidade (duplicação de colecta) pode ser objecto de impugnação judicial, trata-se de ilegalidade que, sendo geradora de mera anulabilidade, deve ser invocada no prazo geral.
Todavia, no caso, mesmo considerando que estamos perante o mesmo facto tributário (transmissão onerosa do mesmo prédio rústico) e que se verifica o requisito da identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige (pese embora sob diferente designação – sisa e IMT) e considerando, ainda, que, por estarmos perante um imposto de obrigação única, não há que falar em coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, Anotação 5 ao art. 205º, p. 528), crê-se que não ocorre a alegada duplicação de colecta.
É que, tendo a recorrida liquidado e pago a sisa em 18/1/2003 a fim de outorgar a escritura de compra e venda do prédio rústico identificado nos autos, mas não tendo procedido à celebração desta até 31/12/2003, tal sisa, rectius, a respectiva liquidação, ficou sem efeito (§ único do art. 47º do CSisa e nº 4 do art. 22º do CIMT) por não ter sido revalidada (a lei facultava, então, a revalidação da liquidação anteriormente efectuada, pelo período de 1 ano, e por quatro vezes e que o CIMT passou a prever o prazo de 2 anos para o acto ou facto translativo se realizar).
E tendo tal liquidação ficado sem efeito, também o inerente pagamento da sisa ali liquidada não pode relevar para efeitos de se considerar que estamos perante um tributo já pago e que, aquando do pagamento (em 21/4/2008) do questionado IMT se está a exigir um outro de igual natureza (duplicação de colecta).
É certo que, como aponta o MP, para a ocorrência de duplicação de colecta será, em princípio, irrelevante que o interessado não tenha requerido oportunamente a anulação da liquidação da Sisa e a restituição do imposto (citados arts. 47° § único e 179° do CIMSISD). Todavia, no caso de a liquidação ter ficado sem efeito e ter, por isso, deixado de ter a virtualidade de permitir a realização do acto formal substanciador do facto tributário (a outorga da escritura de compra e venda) não se vê que a posterior exigência do IMT implique a dita duplicação de colecta, desde logo porque, não sendo devida a sisa anteriormente liquidada e paga e devendo o respectivo valor ser restituído, não pode afirmar-se que tenha havido pagamento anterior. Como salienta o Cons. Lopes de Sousa, «por um lado, a não exigência de segundo pagamento, a que a invocação da duplicação de colecta se reconduz, apenas se pode justificar se o primeiro era devido, pois, se não o foi, o que foi pago poderá ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário e, numa situação desse tipo, não se justifica que se prescinda do segundo pagamento, que é efectivamente devido» (Ibidem Anotação 3 ao art. 205º, p. 527).

4.4. E nem se diga que o contribuinte fica, nesse caso, sem meio de defesa ou de ressarcimento das quantias porventura pagas indevidamente.
Com efeito, sempre o mesmo pode pedir a restituição da quantia anteriormente liquidada e paga.
E, no caso, apesar da revogação do CSisa e da entrada em vigor do CIMT e visto que o facto tributário não ocorreu durante a vigência do CSisa, sempre a recorrida podia ter requerido a revisão do acto, no prazo da reclamação administrativa (nº 1 do art. 78º da LGT) ou, em caso de duplicação de colecta, no prazo de quatro anos (nº 6 do mesmo art. 78º), conforme veio, aliás, a ser também consagrado no art. 48º do CIMT. E além disso quer à luz do art. 179º do CSisa (enquanto vigorou), quer posteriormente, à luz do art. 47º do CIMT, também poderia ter requerido ao Ministro das Finanças o reembolso da mesma [prazos que, todavia (e ao invés do que se entendeu na sentença recorrida, porque pressupõe que estamos perante ilegalidade decorrente de duplicação de colecta) se reportarão, não à data em que foi pago o IMT mas, antes, à data de pagamento da sisa cujo pedido de restituição estaria, então, em causa].
Além de que, caso tenha deixado transcorrer os prazos legais para deduzir aqueles apontados meios procedimentais, sempre lhe restará, ainda, a via do pedido de ressarcimento nos termos gerais.

5. Em suma:
Tendo a recorrida procedido, em 21/4/2008, à liquidação e pagamento do IMT 160.308.008.351.603, na importância de € 5.351,12, veio requerer, em 21/8/2008, ao Chefe do Serviço de Finanças, a revisão desta liquidação, com fundamento em duplicação de colecta por ter anteriormente liquidado e pago (em 18/1/2003) sisa que não foi, entretanto, revalidada e em relação à qual também não pediu a restituição (a duplicação terá ocorrido com esta segunda liquidação).
E não tendo tal requerimento obtido decisão expressa, a recorrida apresentou a presente impugnação em 4/3/2009, a qual veio a ser julgada procedente pela sentença ora recorrida, com fundamento na ocorrência da invocada duplicação de colecta.
Contudo, porque, como se concluiu, não se verifica essa invocada ilegalidade, não devendo, por isso, revogar-se o acto de indeferimento (tácito) do pedido de revisão da liquidação de IMT e devolução de contribuições pagas em excesso, a sentença enferma do erro de julgamento que a recorrente Fazenda Pública lhe imputa.
Neste contexto, procedem, portanto, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.
Custas pela recorrida, mas apenas na instância, visto que não contra-alegou no recurso.
Lisboa, 19 de Abril de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.