Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0827/14
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I – A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, apenas se verifica quando o juiz conheça de questões, ou de matéria de facto, que as partes não carrearam para os autos, nem se tratem de questões de conhecimento oficioso.
II – Tendo o juiz emitido pronuncia expressa quanto à exiguidade da matéria de facto alegada, e tendo concluído que ainda assim a mesma era suficiente para conhecer das questões identificadas na sentença recorrida, apenas se poderá assacar a tal decisão erro de julgamento e não já nulidade por excesso de pronúncia.
Nº Convencional:JSTA000P18596
Nº do Documento:SA2201502120827
Data de Entrada:07/03/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...... E FAZENDA PÚBLICA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


O Ministério Público, inconformado, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 30 de Abril de 2014, que julgou procedente a oposição à execução fiscal nº 2070200101000357, por dívidas de IVA, IRC e coimas dos anos 2000, 2002 e 2004 a 2007, relativa à sociedade A….., Unipessoal, Lda, cuja quantia exequenda ascende a € 64.080,06, quanto ao oponente A…….

Alegou, tendo concluído com se segue:
1° A Mmª Juíza “a quo” pronunciou-se sobre matéria não alegada pelas partes, e que não pode ser conhecida oficiosamente;
2° Violou, pois, as disposições conjugadas dos arts. 125° do CPPT, e 608° e 615° n° 1 al. d) do C.P. Civil;
3° Deve, pois, ser declarada a nulidade da sentença em causa, com as legais consequências.

JUSTIÇA

Não foram produzidas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

A)Em 8-10-1999, foi constituída a sociedade por quotas “A……, UNIPESSOAL, LDA”, com o objecto social de “Fabrico de placas de encaixe e moldes de betão, comércio de materiais para construção civil e obras públicas e agricultura.” (cf. cópia da certidão da Conservatória do Registo Comercial Civil/Predial/Comercial de Salvaterra de Magos, a fls. 25 dos autos);
B)Foi designado como gerente o ora Oponente A…… (cf. cópia da certidão da Conservatória do Registo Comercial Civil/Predial/Comercial de Salvaterra de Magos, a fls. 25 dos autos);
C)A sociedade identificada em A), obriga-se com a assinatura do gerente (cf. cópia da certidão da Conservatória do Registo Comercial Civil/Predial/Comercial de Salvaterra de Magos, a fls. 25 dos autos);
D)Em 24-11-2008 foi efectuada a seguinte Informação pelo Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos “A dívida constante dos presentes autos a correr os seus termos contra A……. Unipessoal Lda, nipc ............, é referente a IRC, IVA e respectivas coimas e, dos anos de 2000 a 2008.
A executada não possui bens penhoráveis, conforme o constante no auto de diligências de fls. 19;
(...)
Em face dos elementos constantes do sistema informático, e após diversas diligências, verifica-se que a empresa em causa, não possui quaisquer bens penhoráveis que possam dar cumprimento ao presente processo, estando assim reunidos os fundamentos para a reversão, previstos no art. 160.° do CPPT.
Como os actos praticados pelos gerentes em representação da sociedade, produzem os seus efeitos na esfera jurídica desta e não na sua própria, o legislador fiscal atribui-lhes, através do art 24.º da LGT, uma responsabilidade ex lege, de objecto tributário, baseada numa interpretação pessoal dos actos sociais e numa presunção funcional, sendo responsável(eis) à data da origem da dívida, e de acordo com o documento supra referido, a fls. 28 e 29, salvo se, se provar a sua inculpabilidade nessa insuficiência patrimonial em fase de audição, por cumprimento do determinado no n.º 4.do art 23º da LGT, o(s) sócio(s) gerente(s)à data dos factos constitutivos dos impostos:
A……. (…)” Cf. fls. 27 dos autos
E)Através do Oficio datado de 11-12-2008, emitido pelo Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos, sob registo, foi o Oponente notificado para se pronunciar sobre o projecto de reversão (cf. fls. 31/32 dos autos);
F)Em 26-01-2009 foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe de Finanças de Salvaterra de Magos: “Face às diligências de folhas 16, e estando concretizada a audição do(s) responsável (veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A……. (...)” cf .fls. 33 dos autos.
G)No despacho identificado na alínea que antecede consta como “Fundamentos da Reversão”, a “inexistência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor originário, pelo que se procede à presente reversão contra os responsáveis subsidiários, nos termos e para os efeitos do estipulado no art 159.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)” cf. fls. 33 dos autos.
H)Em 26-01-2009, foi emitido um Ofício pelo Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos, sob registo e aviso de recepção, dirigido ao ora Oponente, com vista à citação da reversão referida na alínea antecedente, onde consta como fundamento da reversão “(...) Inexistência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor originário - junta-se cópia do despacho” Cf. fls. 36/36 verso dos autos.
I)Em 30-01-2009 foi assinado o aviso de recepção mencionado na alínea anterior (cf. fls. 36 verso dos autos).
J)Em 28-01-2009 foi emitido pelo Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos, sob registo e aviso de recepção um Oficio dirigido ao ora Oponente, com o seguinte conteúdo:
“(...) Assunto: Notificação das Liquidações para efeitos do previsto no art 22.º da Lei Geral Tributária
Exmo. Senhor,
Em complemento ao aviso de recepção constante do n/oficio n.º 305, da mesma data, fica V. Exa notificado (a), para efeitos do previsto no n.° 4 do art. 22.º da Lei Geral Tributária (LGT), das liquidações a seguir indicadas, referentes à empresa A……. Unipessoal, Lda” (…)” cf. fls. 37 dos autos.
K)Em 30-01-2009 foi assinado o aviso de recepção mencionado na alínea anterior (cf. fls. 38 dos autos).
L)A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos a 3-3-2009 (cf. fls. 6 dos autos).
Nada mais se deu como provado.


Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Tal como resulta do corpo das alegações de recurso e respectivas conclusões, o Ministério Público insurge-se contra a sentença recorrida, arguindo a sua nulidade, pelo facto de a Sra. Juiz a quo ter conhecido de duas questões cuja apreciação dependia da alegação de determinados factos por parte do oponente, sendo certo que este os não alegou e, nessa medida, a sentença pronunciou-se sobre matéria não alegada.
Na verdade, alega o Ministério Público, que na sentença se declarou a procedência da oposição, por se ter entendido que (i) a AF não provou a gerência de facto do oponente e que (ii) era obrigatório que a AF tivesse feito prova de que tinha sido a actuação culposa do oponente a provocar a insuficiência económica da devedora originária inibidora do pagamento das quantias devidas. No tocante ao primeiro ponto o oponente não alega tal matéria de facto -não alegou que não exerceu a gerência de facto da devedora originária- e quanto ao segundo ponto, conclui, sem mais, que não foi por acto seu que o património da devedora originária se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas em questão – não alegou que a AF não provou a existência de culpa da sua parte.
Sobre a matéria de facto alegada pelo oponente na respectiva petição inicial, e porque já havia uma anterior chamada de atenção quanto à sua insuficiência por parte do Ministério Público, deixou-se escrito na sentença recorrida:

Feito este périplo pelas normas do quadro legal aplicável e regressando ao caso dos autos, o Oponente começa por alegar que “a presente reversão carece em absoluto de fundamentação” e que “não foi por acto do contribuinte que o património societário se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas fiscais”.
Acontece que, no douto parecer do DMMP vem alegado que o Oponente deveria ter indicado “os elementos legais constitutivos daquela figura jurídica que dele não constam”. Ora de acordo com o entendimento de Rodrigues Bastos in Notas ao Código de Processo Civil, vol. 1, 2 edição, Lisboa, 1970, página 390, “[a] petição inicial tem de reproduzir um raciocínio lógico, em que o pedido há-de conter-se nas razões de direito e nos fundamentos de facto expostos como causa de pedir. Se do facto jurídico invocado como causa de pedir (...) deriva (admitindo que se provam os factos articulados) um efeito diferente daquele que o autor lhe atribui, a conclusão contraria as premissas e a petição é inepta.”. Assim, a petição será inepta por ininteligibilidade quando não seja possível saber-se qual é o pedido ou a causa de pedir, o que manifestamente não é o nosso caso.
De acordo com a tese da substanciação, que o actual Código de Processo Civil acolhe, a causa de pedir é formada por factos sem qualificação jurídica, ainda que com relevância jurídica - vide, “Sobre a teoria do Processo Declarativo “de Miguel Teixeira de Sousa, 1980, págs. 158. No que respeita ao direito e, por conseguinte, à qualificação jurídica, o juiz tem plena liberdade, no sentido de que não está sujeito a quanto a esse respeito aleguem as partes, conforme decorre do artigo 5.º, n.° 3 do Código de Processo Civil.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-5-2010, proferido no proc. 5623/09.OTBVNG.P1., é por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haverá de indagar-se da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir, e a concreta pretensão jurídica formulada. E a este respeito, como refere A. Varela in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 121°, n°3769, págs. 121, é no sentido da incompatibilidade lógica entre o facto real, concreto, individual, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o efeito jurídico, por ele requerido (pedido) através da acção judicial, que a doutrina e a jurisprudência justificadamente interpretam, aplicam o constante no n.º 2 do artigo 186.° do Código de Processo Civil.
Ora, no caso em apreço resulta do teor da petição inicial, os factos, ainda que parcos, que dão suporte jurídico ao pedido, pelo que, só a sua total omissão deve ser sancionada como falta absoluta de causa de pedir, o que não ocorre in casu.”.

Ora, perante esta apreciação que aqui se fez não se pode concluir que tenha havido a emissão de pronúncia relativamente a matéria de facto que não foi convenientemente alegada, antes se entendeu que apesar de tal matéria ter sido deficientemente alegada, ainda assim se deveria entender que se tratava de alegação suficiente que impunha o conhecimento das questões.
Ou seja, o tribunal não conheceu de matéria facto não alegada, incorrendo, assim, em excesso de pronúncia, antes poderá ter ocorrido em erro de julgamento ao ter considerado expressamente que tal matéria, ainda que de forma deficiente, havia sido alegada. Na verdade, aquele juízo prévio que o tribunal faz sobre a matéria de facto alegada, impede que cheguemos à conclusão de que conheceu de matéria não alegada, uma vez que formulou um juízo sobre essa questão e concluiu que tal matéria havia sido alegada.
Assim, e nesta medida, teremos que concluir que não ocorre qualquer nulidade da sentença recorrida, decorrente do excesso de pronúncia, cfr. artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC e 125º, n.º 1 do CPPT.
E como não vem impugnada a sentença recorrida pelo erro de julgamento ocorrido quanto a essa questão, teremos necessariamente que concluir pelo não provimento do recurso.

Pelo que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Sem custas.
D.N.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. - Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.