Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0551/09
Data do Acordão:01/20/2011
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:NULIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Embora proferida sentença, e imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa, conforme o artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ainda é possível “rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la nos termos dos artigos seguintes” (do n.º 2 do mesmo artigo 666.º);
II - Fora desses termos, esgotado o seu poder jurisdicional, não é mais possível ao juiz conhecer da matéria da causa;
III - Conforme o artigo 134.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, a nulidade de acto administrativo é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal;
IV - Isso significa que à invocação não se pode opor um problema específico de extemporaneidade; mas não significa que a nulidade possa ser invocada e declarada em qualquer circunstância, assim, por exemplo, perante ou por órgão incompetente para a matéria em causa ou fora do quadro processual próprio.
Nº Convencional:JSTA00066775
Nº do Documento:SAP201101200551
Data de Entrada:05/12/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:CSMP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ARGUIÇÃO DE NULIDADE.
Objecto:AC STAPLENO PROC551/09 DE 2010/11/18.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPA91 ART134 N2.
CPC96 ART666.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.
1.1. O recorrente A… vem apresentar o seguinte requerimento:
“A…, recorrente nos autos supra referenciados, notificado do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 18 de Novembro de 2010, que negou o pedido de reforma do Acórdão de 16 de Setembro de 2010, vem requerer a supressão e declaração de nulidade da sanção disciplinar de aposentação compulsiva, invocada no pedido de reforma, supra referido, nos termos dos artigos 666º, nº 2, do Código do Processo Civil, e 133º, nºs 1 e 2, alínea h) e 134º, nº 2, estes últimos do Código de Procedimento Administrativo, com os seguintes fundamentos:
1º. Para além do pedido de reforma do Acórdão de 16 de Setembro de 2010, o agora Requerente suscitou a violação do caso julgado pela decisão disciplinar que lhe aplicou a sanção de aposentação compulsiva, ao referir, expressamente: «22º. Ainda e também se diga, citando o que foi dito, a fls. 28, do Acórdão deste Tribunal, de 27 de Novembro de 2008, em Pleno (Proc. 47555), e que manteve a anulação da pena de demissão:
"Como vimos, o acórdão impugnado [da Secção do STA que anulou a pena de demissão] limitou-se a afirmar que os factos considerados provados na decisão punitiva não consentem a conclusão extraída pelo CSMP sobre o propósito de favorecimento atribuído ao recorrente contencioso, e que foi decisivo para afirmar a existência de violação do dever de honestidade e, consequentemente, a aplicação da pena de demissão."»;
23º. Assim, ninguém mais pode violar o caso julgado assim firmado, ninguém mais podendo afirmar que o requerente violou, com os factos dados como provados no acórdão presentemente recorrido, o dever de honestidade. E sem violação deste dever não pode haver pena expulsiva [cfr. artigo 184º, designadamente, nº 1, b) do Estatuto do Ministério Público].»
24º. Tudo se reconduz, pois, quando muito, ao disposto no artigo 167º do mesmo Estatuto do Ministério Público.».
2º. Como decorre do nº 2 do artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo, e é pacífico na comunidade jurídica, a nulidade é invocável e declarável a todo o tempo, devendo entender-se que se trata mesmo de uma questão de conhecimento oficioso, para os efeitos da parte final do nº 1 do artigo 95º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
3º. Dos trechos transcritos no artigo 1º do presente requerimento, decorre claramente que a decisão sancionatória, ao afirmar a violação, pelo Requerente, do dever de honestidade, violou o caso julgado firmado com a decisão judicial que anulou a sanção de demissão.
4º. Pois, como ali se constata, o que foi decisivo para a afirmação da violação de tal dever foi o pretenso «favorecimento» do Requerente, enquanto arguido, «favorecimento» esse sem sustentação nos factos dados como provados na decisão disciplinar com a sanção de demissão.
5º. Como os factos dados como provados na decisão disciplinar com a sanção de aposentação compulsiva já existiam na materialidade que levou à sanção de demissão, há inequivocamente violação de caso julgado quanto à violação do dever de honestidade.
6º. E sem violação do dever de honestidade não pode haver sanção expulsiva, na materialidade dos factos em questão, por força do artigo 184º, nº 1, alínea b) do Estatuto do Ministério Público.
7º. Deste modo, a decisão disciplinar com a sanção de aposentação compulsiva carece de um elemento essencial - a violação do dever de honestidade -, sendo, portanto, nula, nos termos do nº 1 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo.
8.º Embora o poder jurisdicional fique esgotado com a prolação da sentença ou despacho, é sempre lícito ao Tribunal suprir nulidades (artigo 666º do Código de Processo Civil) e a nulidade de actos administrativos pode ser conhecida a todo o tempo pelo Tribunal.
Nestes termos e dos demais de direito aplicáveis, requer seja declarada, por este Tribunal, a nulidade da sanção de aposentação compulsiva que foi aplicada ao Requerente”.
1.2. O Conselho Superior do Ministério Público pronunciou-se sobre o requerimento, dizendo:
“1.º Na sequência do indeferimento do pedido de reforma do Acórdão do Pleno, de 16 de Setembro de 2010, vem o Lic. A… ''requerer a suspensão e declaração de nulidade da sanção disciplinar de aposentação compulsiva/ invocada no pedido de reforma ... / nos termos dos artigos 666.º, n.º 2/ do Código de Processo Civil e 133.º nºs 1 e 2, alínea h), e 134.º, n.º 2, estes últimos do Código do Procedimento Administrativo.” - sic.
2.º Invoca a NULIDADE do acto que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, nulidade essa invocável a todo o tempo, por não ter sido violado o dever de honestidade.
3.º Reconhece que o poder jurisdicional fica esgotado com a prolação da sentença, mas defende que é SEMPRE lícito ao Tribunal suprir nulidades e que a nulidade dos actos administrativos pode ser conhecida a TODO O TEMPO.
Vejamos:
4.º As nulidades que inquinam os actos administrativos podem ser invocadas a todo o tempo: artigo 134.°, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.
5.º A declaração de nulidade do acto punitivo que a presente Acção tomou por objecto podia ter sido declarada - a pedido do Autor ou oficiosamente - ATÉ TER-SE ESGOTADO O PODER JURISDICIONAL DO TRIBUNAL.
6.º Além disso, a norma à luz da qual o Requerente introduz a questão - artigo 666.° do Código de Processo Civil - só permite a supressão de nulidades da própria sentença, nos termos do artigo 668.° do mesmo código.
7.º O Autor já lançou mão deste mecanismo, SEM SUCESSO.
8.º A insistência na obtenção de uma NOVA DECISÃO, que a lei não permite, bem como o recurso a meios e a expedientes cuja impertinência o Autor não pode ignorar, podem configurar a situação prevista no artigo 447.º-B, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, sancionada nos termos do artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro
NESTES TERMOS, DEVE SER REJEITADO, POR MANIFESTA INADMISSIBILIDADE E IMPROCEDÊNCIA, O PEDIDO APRESENTADO PELO AUTOR E SER APLICADA A SANÇÃO ADEQUADA”.
Cumpre apreciar e decidir.
2.1. Como se vê, o pedido do requerente vem formulado na sequência do acórdão de 18 de Novembro de 2010, pelo qual se indeferiu pedido de reforma do acórdão de 16 de Setembro de 2010.
Naquele acórdão de 18 de Novembro, além de se julgar que não se verificava a então alegada omissão de pronúncia, expressamente se julgou, no segmento final:
“2.5. Tudo o mais que vem aduzido no requerimento deixa de ser pertinente.
Assente que não há falha do acórdão na afirmação produzida, não pode agora este Pleno debruçar-se sobre novas questões, pois que se encontra esgotado o seu poder jurisdicional – artigos 666.º, 668.º, n.º 4, e 669.º do Código de Processo Civil”.
Apesar do ali decidido, o requerente intenta que se conheça, ainda, de uma alegada nulidade do acto administrativo objecto da impugnação contenciosa.
E esse conhecimento seria possível porque “8.º Embora o poder jurisdicional fique esgotado com a prolação da sentença ou despacho, é sempre lícito ao Tribunal suprir nulidades (artigo 666º do Código de Processo Civil) e a nulidade de actos administrativos pode ser conhecida a todo o tempo pelo Tribunal”.
2.2. Conforme o artigo 134.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, a nulidade de acto administrativo é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
Isso significa que não se pode suscitar quanto a ela um problema específico de extemporaneidade. Mas não significa, ao contrário do que parece pensar o recorrente, que possa ser invocada e declarada em qualquer circunstância, assim, por exemplo, perante ou por órgão incompetente para a matéria em causa ou fora do quadro processual próprio.
Ora, sem dúvida que é lícito ao Tribunal suprir nulidades, nos termos dos artigos 666.º e seguintes do CPC. Mas trata-se, como bem nota o Conselho Superior do Ministério Público, de nulidades da sentença. É só nesse quadro que, embora proferida sentença e imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa, conforme o artigo 666.º, n.º 1, ainda é possível “rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la nos termos dos artigos seguintes” (do n.º 2 do mesmo artigo 666.º).
Exactamente nesse âmbito, aliás, é que foi proferido o acórdão de 18 de Novembro, que indeferiu alegada nulidade do acórdão de 16 de Setembro de 2010.
A pretensão de pronúncia directa por este Tribunal sobre a alegada nulidade do acto administrativo ─ independentemente da questão de saber, até, se essa alegada nulidade não foi já objecto de julgamento no presente processo ─ não tem, assim, cabimento, pois se encontra esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria da causa, como já se sublinhou no acórdão de 18 de Novembro de 2010.
3. Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Custas pelo requerente.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2011. – Alberto Augusto Andrade de Oliveira (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Rosendo Dias José – Américo Joaquim Pires Esteves – Luís Pais Borges – Jorge Manuel Lopes de Sousa – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Adérito da Conceição Salvador dos Santos – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho – António Bernardino Peixoto Madureira – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – António Políbio Ferreira Henriques – Fernanda Martins Xavier e Nunes.