Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0356/11
Data do Acordão:01/21/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:SANÇÃO DISCIPLINAR
PROCESSO DISCIPLINAR
APOSENTAÇÃO COMPULSIVA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00069522
Nº do Documento:SAP201601210356
Data de Entrada:09/30/2015
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPC96 ART497 ART498 ART673 ART608 N1 D ART615 N1 B.
EMP98 ART184 N1 A.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………, inconformado com o acórdão da secção proferido em 21 de Maio de 2015 que julgou improcedente a acção que instaurou contra o Conselho Superior do Ministério Público, em que peticionava a declaração de nulidade do Plenário deste Conselho de 03/02/2009 que confirmou a deliberação da sua Secção Disciplinar de 16/12/2008 mantendo a sanção disciplinar de aposentação compulsiva que lhe foi aplicada, dele recorreu para o Pleno da secção, formulando, na respectiva alegação as seguintes conclusões:

«I. O acórdão recorrido, num esforço de "comparação" entre as nulidades invocadas na presente acção e na acção que correu termos neste Tribunal sob o n° 551/09 que "o fundamento invocado com maior desenvolvimento em ambas foi a violação do caso julgado formado na sequência do Acórdão deste Supremo que anulou a deliberação do CSMP que sancionou o autor com a pena de demissão visto nelas se sustentar que, após essa anulação, o Conselho não podia punir novamente com uma pena expulsiva fundada nos mesmos factos. E que tinha sido isso que acontecera o que determinava a nulidade da deliberação que o aposentara compulsivamente".

II. O acórdão recorrido incorre em manifesto erro de julgamento ao considerar que, pelo facto de na presente acção, bem como na acção que correu termos neste Tribunal com o n° 551/09, referir-se a existência de violação de caso julgado, a nulidade invocada na presente acção já ter sido conhecida e decidida no acórdão de 16 de Setembro de 2010.

III. O acórdão recorrido reconduz erradamente as nulidades invocadas das duas referidas acções a uma única nulidade, alegadamente igual, ou seja, a da existência de violação de caso julgado.

IV. Não obstante em ambas as acções se fazer referência à existência de nulidade por violação de caso julgado, a verdade é que os fundamentos para as referidas nulidades são diferentes e inequivocamente distintos, determinando a invocação de duas nulidades completamente autónomas.

V. Na anterior impugnação do mesmo acto administrativo (Proc. 551/09), o recorrente alegou que aquele era nulo designadamente porque o CSMP, após trânsito em julgado da decisão deste Tribunal que anulou a aplicação, ao recorrente, da sanção disciplinar de "demissão" por erro sobre os pressupostos de facto, equivalente a violação de lei, reincidiu na prática de um acto sancionatório que assume pressupostos de facto e valorações substancialmente idênticas às do acto anulado.

VI. Entendeu o recorrente naquela acção (Proc. 551/09) que a deliberação impugnada é nula por violação ostensiva do caso julgado, já que assume os mesmos pressupostos de facto que estavam subjacentes ao acto anulado no processo de aplicação da sanção disciplinar de "demissão".

VII. Na presente acção de impugnação, a nulidade invocada pelo recorrente, de violação de caso julgado, é outra.

VIII. Na presente acção, o recorrente invocou nulidades específicas, novas, nunca conhecidas anteriormente, materializadas fundamentalmente nos artigos 10° a 15° e 86° a 93° da petição inicial.

IX. Não é possível ignorar na presente acção que o Supremo Tribunal Administrativo, na anulação da sanção de demissão, deu como assente a inexistência de qualquer demonstração de violação do agora apelidado dever de "honestidade".

X. O que resulta do caso julgado é que o Conselho Superior do Ministério Público nunca logrou demonstrar (e tal era indemonstrável, porque falso) que o recorrente visasse beneficiar quem quer que fosse com a sua conduta (que, aliás, foi uma conduta legal, como reconhecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça, em matéria situada fora da jurisdição administrativa).

Xl. Impõe-se a conclusão de que, se qualquer das sanções expulsivas (demissão ou aposentação compulsiva) tem os mesmos requisitos legais (artigo 184° do Estatuto do Ministério Público), e se, com determinados factos, não se verifica um requisito para uma (demissão), não ocorre, com os mesmos factos, necessariamente, o mesmo requisito para a outra (aposentação compulsiva).

XII. Os factos que levaram à anulação da sanção de demissão são precisamente os mesmos factos que levaram à aplicação da sanção de aposentação compulsiva.

XIII. Anulada a primeira sanção expulsiva (demissão), com base nos factos de 1993, por erro nos pressupostos de facto - por ausência de violação do dever de «honestidade» nunca poderia ser aplicada, com os mesmos factos, em alegada execução de julgado, nova sanção expulsiva (aposentação compulsiva), por contradição lógica dos termos, já que qualquer daquelas sanções tem precisamente os mesmos requisitos.

XIV. Há assim uma contradição, nunca conhecida judicialmente, que consubstancia nulidade insanável, por violação do caso julgado anulatório, legalmente consagrada no artigo 161°, n° 2, alínea i) do Código do Procedimento Administrativo.

XV. Na presente acção, a nulidade de violação de caso julgado corresponde à impossibilidade de aplicação de sanção expulsiva ao recorrente por falta de verificação do requisito de violação do "dever de honestidade".

XVI. Decide o acórdão recorrido que, no acórdão proferido na acção 551/09, já estaria afirmado que a alegação da nulidade da deliberação era improcedente "uma vez que a Administração, na sequência da anulação judicial de um acto administrativo, tinha o dever de reconstituir a situação que existia se o mesmo não tivesse sido praticado e que tal podia consistir na prática de um novo acto de conteúdo decisório idêntico ao do acto anulado, desde que esse conteúdo não conflituasse com o sentido da decisão anulatória.

XVII. Continua afirmando que "Por essa razão - confinou - o Conselho estava apenas impedido de praticar um novo acto punitivo que partisse do pressuposto de que o Autor, ao proferir o despacho que deu origem à punição, teve o propósito de proporcionar vantagens a terceira pessoa e isto porque o Acórdão que anulara a pena de "demissão" tinha declarado que tal intenção não tinha sido provada. Ora, conclui, a deliberação que aposentara compulsivamente o Autor não teve em conta esse propósito pelo que improcedia a alegação de que havia violação do caso julgado."

XVIII. É evidente que tal decisão no âmbito do processo 551/09 não se pronuncia sobre a nulidade invocada na presente acção de impugnação do mesmo acto sancionatório: violação do caso julgado por emissão de acto sancionatório que considerou existir violação do "dever de honestidade", quando a ausência de violação deste dever ficou provada na anulação da primeira sanção expulsiva (demissão).

XIX. É a essencialidade da inexistência da violação deste dever, confirmada na decisão que anulou a primeira sanção expulsiva (demissão), que determina a nulidade do acto sancionatório ora impugnado por violação do caso julgado.

XX. Esta nulidade, em parte alguma da petição inicial da acção 551/09 vem referida.

XXI. Trata-se da invocação de uma nulidade de violação de caso julgado, é certo, mas nunca invocada antes perante este Tribunal, designadamente quanto ao fundamento que, inexistindo violação do dever de honestidade, se qualquer das sanções expulsivas (demissão ou aposentação compulsiva) tem os mesmos requisitos legais (artigo 184° do Estatuto do Ministério Público), e se, com determinados factos, não se verifica um requisito para uma (demissão), não ocorre, com os mesmos factos, necessariamente, o mesmo requisito para a outra (aposentação compulsiva).

XXII. Entende ainda o acórdão recorrido que o recorrente, na presente acção "limita-se a repetir o que já havia alegado no processo 551/09 sem invocar factos ou razões jurídicas substancialmente novas onde fundamentasse a nulidade do acto aqui impugnado".

XXIII. Sempre dirá, apenas, que o acórdão recorrido não terá dado a devida atenção a toda a matéria de invocação de nulidades do recorrente na presente acção, confirmada na resposta apresentada à excepção invocada pela entidade demandada e que consta também das alegações de recurso que remeteu ao Pleno deste Tribunal, em sede de recurso da decisão da secção que considerou verificada a excepção dilatória de caso julgado.

XXIV. Uma leitura atenta dos documentos supra mencionados permitirá, com razoável facilidade, ao Pleno deste Tribunal, confirmar que não existe qualquer "repetição" do que tinha sido alegado na acção 551/09, antes tratando-se de uma acção nova, que invoca nulidades ainda não conhecidas e não apreciadas, como seja, designadamente, a invocação de nulidade por violação do caso julgado por emissão de acto sancionatório que considerou existir violação do "dever de honestidade", quando a ausência de violação deste dever ficou provada na anulação da primeira sanção expulsiva (demissão).

XXV. Conclui, quanto a este ponto, o acórdão recorrido, referindo que "este aresto (551/09) foi claro ao afirmar que a única limitação que o Conselho tinha ao praticar o novo acto era a de não partir do referido pressuposto, limite que ele respeitara, há que concluir que a excepção do caso julgado foi já conhecida e decidida no Acórdão de 16/09/2010. Razão pela qual essa questão não poderá ser aqui reapreciada uma vez que, se tal acontecesse, isso importaria a reapreciação de um vício já conhecido e a consequente violação do caso julgado (sublinhado nosso).

XXVI. O acórdão recorrido confunde, mais uma vez, a tipificação de uma nulidade (nulidade por violação de caso julgado), com o fundamento invocado para essa mesma nulidade.

XXVII. Tratam-se antes, em ambas as acções, da invocação de nulidades não conhecidas e que não se confundem com as constantes da acção 551/09, ou seja, na presente acção invoca-se peremptoriamente a nulidade por violação do caso julgado ao considerar-se como assente a inexistência da violação do dever de honestidade e a impossibilidade consequente de aplicação de uma sanção expulsiva.

XXVIII. Quanto a esta matéria, o acórdão recorrido é nulo por erro de julgamento ao considerar que a excepção de caso julgado já terá sido alegadamente conhecida e decidida no acórdão de 16 de Setembro de 2010.

XXIX. Acresce que o acórdão recorrido não está só ferido de erro de julgamento. Está ferido também do vício de omissão de pronúncia, na medida em que abstém-se de se pronunciar sobre a nulidade invocada pelo recorrente.

XXX. O acórdão recorrido, ao determinar que a questão da nulidade por violação de caso julgado não seria "reapreciada", renunciou a qualquer pronúncia sobre o mérito da causa.

XXXI. O Tribunal não apreciou, assim, nem conheceu questões suscitadas pelo recorrente e que estava vinculado a conhecer, confirmando-se, tal como acima já demonstrado, a inexistência de caso julgado nesta matéria: na verdade, o Tribunal absteve-se de apreciar as questões relativas ao mérito da acção, relacionadas com designadamente a nulidade invocada, designadamente os artigos 12° a 15° e 86° a 93° da petição inicial.

XXXII. Nos termos da alínea d) no nº 1 do artigo 615° do Código do Processo Civil, o acórdão é nulo quando ''deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar".

XXXIII. Não obstante o que fica dito sobre a omissão de pronúncia, sempre se dirá que a apreciação sobre o mérito da acção determina a evidente procedência da presente acção.

XXXIV. Por deliberação do plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 31 de Janeiro de 2001, em confirmação da deliberação da secção disciplinar, de 14 de Dezembro de 2000, foi aplicada ao recorrente a sanção disciplinar de "demissão".

XXXV. Tal deliberação foi contenciosamente anulada pelo acórdão do Pleno (5ª Secção) do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Novembro de 2008, confirmativo do acórdão da Segunda Subsecção, de 13 de Fevereiro de 2007, que concedeu provimento ao recurso contencioso de anulação e anulou a aplicação da sanção disciplinar de «demissão» por erro sobre os pressupostos de facto, equivalente a violação de lei.

XXXVI. Os fundamentos da anulação, constam, essencialmente, do segmento do acórdão supra transcrito no ponto 4 destas alegações, da Segunda Secção, de 13 de Fevereiro de 2007.

XXXVII. Imediatamente após esta decisão judicial, em 16 de Dezembro de 2008, o Conselho Superior do Ministério Público, alegando executar o julgado, sem ouvir, pois, o recorrente, e baseando-se nos mesmos factos da sua anterior deliberação de 31 de Janeiro de 2001, reapreciou-os e aplicou ao recorrente a sanção de "aposentação compulsiva".

XXXVIII. Esta reapreciação, para aplicação de tal sanção, tinha por objectivo apenas frustrar o caso julgado anulatório da sanção de "demissão", melhor, frustrar o caso julgado anulatório de uma sanção expulsiva ("demissão") aplicando outra, também expulsiva ("aposentação compulsiva"), sendo certo que têm ambas precisamente os mesmos requisitos, por força do artigo 184° do Estatuto do Ministério Público (anterior artigo 159° da Lei Orgânica do Ministério Público).

XXXIX. Na apreciação da decisão de aplicação da sanção de "demissão", o Conselho Superior do Ministério Público apenas imputava ao recorrente a infracção à alínea b) do n° 1 do artigo 159° da Lei Orgânica do Ministério Público [correspondente, hoje, à alínea b) do n° 1 do artigo 184° do Estatuto do Ministério Público], isto é, a violação do "dever de honestidade" - cfr. fls. 22 do Acórdão do Pleno no Processo n° 47555.

XL. Na aplicação da sanção de "aposentação compulsiva" já invocou as alíneas a) e b), do n° 1 do mesmo artigo 159° da Lei Orgânica do Ministério Público, isto é, para além da violação do "dever de honestidade", também a "definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função" (cfr. fls. 15, ponto 7.8 do Acórdão do Pleno no Processo n° 551/09).

XLI. Recorde-se que a matéria de facto era a mesma, reportada a 1993.

XLII. Esta conduta do Conselho Superior do Ministério Público foi a maneira hábil de contornar o caso julgado material quanto à violação de "dever de honestidade", porquanto o Acórdão proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, em 27 de Novembro de 2008, que confirmou a anulação da pena de "demissão" (Processo n° 47555) afirmou expressamente, a fls. 28 que: "Como vimos, o acórdão impugnado [da Subsecção] limitou-se a afirmar que os factos considerados provados na decisão punitiva não consentem a conclusão extraída pelo CSMP sobre o propósito de favorecimento atribuído ao recorrente contencioso [o ora autor], e que foi decisivo para afirmar a existência de violação do dever de honestidade e, consequentemente, a aplicação da pena de demissão". (negritos nossos).

XLIII. Com os mesmos factos não podia agora o Conselho Superior do Ministério Público, na "execução do julgado anulatório", afirmar a violação do "dever de honestidade", sem violação do mesmo julgado, uma vez que apenas o alegado propósito de "favorecimento" foi decisivo para a alegação de violação de tal dever e que, muito pelo contrário, a razão invocada na decisão em execução daquele julgado, fora anteriormente considerada aceite pelo mesmo Conselho Superior do Ministério Público e, portanto, justificada e sem relevo.

XLIV. Na deliberação da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, de 14 de Dezembro de 2000, que foi recebida em bloco pela deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 31 de Janeiro de 2001, foi afirmado, expressamente, o seguinte (transcrito a fls. 19 do Acórdão do Pleno no Processo n° 47555, que manteve a anulação da pena de "demissão" decretada pela Subsecção): "4.3 A conduta do arguido, no que respeita aos factos conexos com a apresentação da participação subscrita pelo mandatário judicial da sobrinha do B………… é, porém, de grande gravidade. [parágrafo] Aceita-se que o B…………, dadas as relações de amizade que tinha com o arguido, pudesse ter ido ao seu gabinete, acompanhado de advogado, para fazer a entrega em mão da participação, na mira de, desse modo, poder ser dada maior celeridade ao inquérito. O que é altamente censurável ao arguido é o facto de ter agido determinado a proporcionar vantagens ao B…………".

XLV. Constata-se, assim, que o que foi aceite e considerado, portanto, sem relevância, passou a ser o fundamento da punição com sanção expulsiva ("aposentação compulsiva"), depois de o Supremo Tribunal Administrativo ter afirmado, na sentença anulatória da pena de "demissão", que o que foi considerado altamente censurável não tinha suporte nos factos dados como provados.

XLVI. Com efeito, afirma-se, no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, que julgou improcedente a anterior impugnação da sanção de "aposentação compulsiva" (Processo n° 551/09), a fls. 27, que "(…) não esteve em causa a bondade formal do despacho de emissão de mandados de detenção para interrogatório judicial. O acórdão [da Secção] não acolheu qualquer ideia de ilegalidade dos mandados de detenção em si mesmos. O que considerou é que «o Autor deu um tratamento de favor, em termos de celeridade, à queixa apresentada por I………… sem qualquer razão atinente ao interesse público, que o Autor deveria prosseguir no exercício das suas funções".

XLVII. De toda a matéria de facto constante do processo disciplinar objecto dos presentes autos, a entidade demandada apenas considerou com gravidade, ou seja, passível de integrar a violação do dever de honestidade, o alegado favorecimento ao B…………, decorrente da alegada "ilegalidade" do despacho do recorrente que ordenou os mandados de detenção.

XLVIII. Tal como acima já referido, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 13 de Fevereiro de 2007, veio considerar que "o acórdão da Secção Disciplinar, ao considerar que o recorrente, ao emitir o referido despacho, agiu com vista a proporcionar vantagens negociais ao referido B…………, conclusão em que assentou a decisão punitiva, padece de erro nos pressupostos de facto, o que constitui vício gerador de mera anulabilidade (...).". (sublinhado nosso).

XLIX. Toda a restante matéria de facto, designadamente a "irregularidade" da entrada e registo da participação, foi considerada, implícita e logicamente, como não grave e, portanto, não se demonstrava susceptível de violar o "dever de honestidade".

L. Com base na inexistência de quaisquer factos que sustentassem a alegada violação do "dever de honestidade", o Supremo Tribunal Administrativo anulou a decisão de aplicação da sanção expulsiva ("demissão") ao ora recorrente.

LI. A matéria de facto supra referida foi fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo, quando anulou a pena de demissão, com trânsito em julgado material.

LII. A entidade demandada não pode, assim, como pretende fazer, no acto impugnado, considerar que a "irregularidade" da entrada e registo da participação sobre que recaiu o despacho do recorrente seria grave, integrando alegadamente a violação do dever de "honestidade", por forma a aplicar-lhe a pena de aposentação compulsiva, violando frontalmente a matéria de facto fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo ao anular a pena de demissão.

LIII. Termos em que a decisão deverá ser revogada por erro de julgamento e por omissão de pronúncia, nos termos supra referidos.

LIV. O recorrente invoca na presente acção a violação do caso julgado formado na sequência da prolação do Acórdão deste Supremo de 26 de Março de 2009.

LV. O acórdão recorrido vem afirmar que não assiste razão ao recorrente, porquanto "caso julgado é definido pela decisão e nos precisos termos em que ela julga e a punição que o agora Autor impugna não foi fundada nos factos apreciados na acção onde aquele Acórdão foi proferido".

LVI. Acrescenta, ainda que "sendo a factualidade e os fundamentos jurídicos da sanção aqui em causa em tudo diferentes da factualidade que determinou a sanção de inactividade apreciada no processo 894/07, é de todo improcedente a invocada violação do caso julgado."

LVII. O acórdão recorrido incorre em erro de julgamento na apreciação da nulidade invocada de violação de caso julgado.

LVIII. O referido acórdão não cuida de apreciar, em concreto, se houve, ou não violação de caso julgado na emissão do acto sancionatório de aplicação da sanção de aposentação compulsiva, por força da consideração, no acto sancionatório, de factos constantes de decisão transitada em julgado no âmbito do processo n° 894/07.

LIX. Ao contrário do que afirma o acórdão recorrido (e o recorrente já teve oportunidade de referir na petição inicial), o Conselho Superior do Ministério Público, por razões estranhas, mas muito estranhas, à factualidade de 1993 (e é essa que está em causa), decidiu, a partir do início 1998, expulsar o recorrente da magistratura do Ministério Público, usando de todo e qualquer artifício possível para tal fim, mesmo que violando o caso julgado anulatório da anterior sanção expulsiva ("demissão") ou realçando, sem constarem do processo e sem o dizer, factos posteriores, cuja punição veio a ser anulada, com trânsito em julgado.

LX. Os factos dados como provados e que estão em causa para a punição ora impugnada ocorreram em 1993, quando o autor ainda era Delegado do Procurador da República, sendo certo que foi inspeccionado em 1990, tendo sido classificado com "Bom com Distinção" — nota esta atribuída pelo Conselho Superior do Ministério Público, em Julho de 1991 - tendo sido promovido, por antiguidade e mérito, a Procurador da República, em 6 de Janeiro de 1994.

LXI. Na qualidade de Procurador da República, exerceu funções no ………, em ……… e em ………, só tendo sido afastado do exercício de funções em 2003, na sequência do indeferimento do pedido de suspensão de eficácia da sanção de "demissão", sanção esta que veio a ser anulada, como indicado, em 2007, pela Subsecção da 1ª Secção, confirmada pelo Pleno em 27 de Novembro de 2008 e transitada em julgado em 16 de Dezembro deste último ano (Processo n° 47555).

LXII. Depois dos factos dados como provados para aplicação da sanção que se impugna, o recorrente esteve a exercer funções de Procurador da República, durante mais de 9 (nove) anos e sem qualquer sanção disciplinar definitiva, ou melhor, foi punido, em 2006, por factos de 1998, com a pena de "inactividade" por um ano - por alegada desobediência hierárquica - que foi anulada por acórdão proferido pela Subsecção da 1ª Secção em 26 de Março de 2009, por não haver praticado qualquer falta disciplinar (Processo n° 894/07), e transitado em julgado no mesmo ano (cfr. Doc. n° 1 junto com a petição inicial).

LXIII. Não restam dúvidas que o recorrente foi punido, na verdade e na intenção do Conselho Superior do Ministério Público, com a sanção de "aposentação compulsiva" pelos factos do processo nº 894/07 - donde a referência também à alínea a) do n° 1 artigo 159° da Lei Orgânica do Ministério Público [hoje artigo 184°, n° 1, alínea a) do Estatuto do Ministério Público], embora não constantes dos factos a que se reporta a presente acção, nem expressamente afirmados, mas presentes na reserva mental do Conselho Superior do Ministério Público, pelo que se verifica nova violação do caso julgado.

LXIV. Não restam, assim, dúvidas, que também neste ponto o acórdão recorrido andou mal, por erro de julgamento quanto à apreciação do caso julgado formado pelo Acórdão de 26 de Março de 2009.

LXV. O acórdão recorrido vem ainda considerar que "O Autor sustenta, ainda, que o despacho que ordenou a emissão do mandado de detenção não feriu o princípio da igualdade nem violou o interesse público, que a deliberação impugnada errara ao concluir que essa emissão revelava que ele tinha uma "incapacidade definitiva de adaptação às exigências da carreira" e que o Conselho fundara o acto impugnado no facto do Autor ter emitido com inusitada celeridade aquele mandado e desta se destinar a beneficiar um amigo."

LXVI. Entende o acórdão recorrido que "O Acórdão do Pleno de 16/09/2010 abordou todas essas questões (...)", decidindo que "sob pena de violação do caso julgado, tais questões já não poderão ser reapreciadas". (sublinhado nosso).

LXVII. A propósito da "emissão dos mandados de detenção com inusitada celeridade e desta se destinar a beneficiar um amigo", tal afirmação viola o caso julgado anulatório da pena de demissão, em quatro vertentes: 1ª - O despacho a ordenar a passagem de mandados de detenção foi considerado legal por acórdão transitado em julgado no âmbito do processo disciplinar que pretendeu aplicar ao recorrente a pena de demissão; 2ª - Não houve, na conduta do Recorrente, qualquer benefício a um amigo; 3ª - O Recorrente nem sequer sabia que a queixosa I………… era sobrinha do B…………; 4ª - O Recorrente desconhecia os negócios do B………….

LXVIII. O acórdão recorrido erra na aplicação do direito quando refere que a nulidade suscitada pelo recorrente não pode ser "reapreciada".

LXIX. A nulidade invocada pelo recorrente quanto à alegada incapacidade definitiva de adaptação às exigências da função, consubstanciada na violação do caso julgado relativo ao Acórdão de 16 de Setembro de 2010 é uma nulidade específica totalmente nova, que pode ser invocada a todo o tempo perante o Tribunal, nos termos do artigo 162°, n° 2 do Código do Procedimento Administrativo.

LXX. A invocação, agora, de nulidades específicas do acto administrativo, nunca invocadas, não pode ser confundida com invocação de uma qualquer outra nulidade já invocada anteriormente, como bem prevê o artigo 581°, n° 4 do Código do Processo Civil, para a verificação dos requisitos do caso julgado.

LXXI. O acórdão recorrido erra também manifestamente no julgamento que faz sobre a existência de caso julgado consubstanciado no Acórdão de 16 de Setembro de 2010.

LXXII. É que este aresto não faz qualquer referência à alegação do recorrente quanto à existência de alegada "incapacidade definitiva de adaptação às exigências da função".

LXXIII. O referido Acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão ou facto que dissesse respeito à verificação da alegada incapacidade do recorrente de adaptação às exigências da função.

LXXIV. O acórdão recorrido não só erra no julgamento que faz da existência de caso julgado sobre uma matéria que não foi, sequer, invocada na acção 551/09, como omite a pronúncia sobre a mesma matéria, sendo consequentemente nulo por força do disposto no Art.° 615°, n° 1 d) do Código de Processo Civil.

LXXV. Quanto à questão de mérito que deverá ser apreciada por este Tribunal sempre se reitera o que fica dito supra sobre o facto de o CSMP, por razões estranhas, mas muito estranhas, à factualidade de 1993 (e é essa que está em causa nos autos do presente processo disciplinar), decidir, a partir do início 1998, expulsar o recorrente da magistratura do Ministério Público, usando de todo e qualquer artifício possível para tal fim, mesmo que violando o caso julgado anulatório da anterior sanção expulsiva ("demissão") ou realçando, sem constarem do processo e sem o dizer, factos posteriores, cuja punição veio a ser anulada, com trânsito em julgado.

LXXVI. Ora, alegando "executar o julgado anulatório", o CSMP reportou-se ao Relatório Final do Senhor inspector instrutor do procedimento disciplinar e nesse mesmo relatório não há um único facto integrador de uma qualquer (muito menos "definitiva") "incapacidade de adaptação às exigências da função", nem qualquer referência à alínea a) do n° 1 artigo 159° da Lei Orgânica do Ministério Público [correspondente, agora, à alínea a) do n° 1 do artigo 184° do Estatuto do Ministério Público].

LXXVII. A única referência anterior à alegada "execução do julgado anulatório" é à alínea b) do n° 1 do artigo 184° do Estatuto do Ministério Público (violação do "dever de honestidade").

LXXVIII. O quadro factual e jurídico em que se baseou o CSMP para aplicar a sanção de "aposentação compulsiva" permite concluir, sem margem para qualquer dúvida, que a referência à alínea a) dos preceitos referidos não passa de pura ficção, mas intencional.

LXXIX. Sem factos, qualquer "subsunção jurídica" constitui um mero exercício académico, sem qualquer relevância, tornando a referência como inexistente.

LXXX. O CSMP baseou-se em factos posteriores a 1993, a partir do início de 1998, para aplicar as disposições normativas referenciadas, sem que sobre tais factos o recorrente tenha sido ouvido, nem tais factos tenham sido objecto de acusação formal contra o recorrente, para efeitos da decisão ora impugnada, com o objectivo de exercer o seu direito de defesa.

LXXXI. O recorrente foi punido, na verdade e na intenção do CSMP, com a sanção de "aposentação compulsiva" pelos factos do último caso supra mencionado - donde a referência também à alínea a) do n° 1 artigo 159° da Lei Orgânica do Ministério Público [hoje artigo 184°, n° 1, alínea a) do Estatuto do Ministério Público] -, embora não constantes dos factos a que se reporta a presente acção, nem expressamente afirmados, mas presentes na reserva mental do CSMP, pelo que se verifica nova violação do caso julgado.

LXXXII. O recorrente, com a sua conduta, mesmo a restrita à entrada e registo da participação, com os factos dados como provados, nunca violou qualquer princípio da "igualdade" ou “interesse público" tendo, antes pelo contrário, actuado em sua obediência, o que a entidade demandada não aceita (a partir de 1998 e agora) por todas as razões expostas.

LXXXIII. O CSMP teve que "inventar" um pretexto "legal" (ainda que contraditório com a sua anterior posição, como visto) para expulsar o recorrente, qual seja, o de que a sua conduta "anterior" - na factualidade em causa, de 1993 (de que nunca foi acusado formalmente, nem se pôde, portanto, defender) - ao seu próprio despacho não visava o "interesse público" e que ofendeu o princípio da "igualdade".

LXXXIV. O recorrente nunca defendeu qualquer interesse particular do B………… ou da I…………, mas tão só o interesse público, os interesses da massa falida e a reputação do Tribunal de ……… e de quem ali trabalhava ou havia trabalhado, designadamente ele próprio, o que entrou em colisão com as más práticas do Ministério Público ali, com o acordo da hierarquia, após a saída do recorrente daquela comarca, por ter sido promovido, repete-se, por antiguidade e mérito, a Procurador da República, colisão essa que a entidade demandada procura resolver ilegalmente e abusivamente, a seu favor e contra o recorrente.

LXXXV. A verdadeira decisão de aplicar sanção expulsiva ao recorrente é tomada a partir do início de 1998, quando o recorrente tem atritos funcionais com o seu superior hierárquico (Dr. J…………) - que antes desses atritos afirmara sempre que a Comarca de ……… era exemplar e à frente da qual, no Ministério Público, se encontrava o recorrente, na sua coordenação, como Procurador da República.

LXXXVI. É o Dr. J………… que participa de si e origina o processo disciplinar supra referido, em que o recorrente vem a ser condenado em sanção de "inactividade" por um ano, anulada por decisão judicial do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Março de 2009, transitada nesse mesmo ano.

LXXXVII. O inquérito pré-disciplinar que foi instaurado em 1995, pelos factos que vieram a ser dados como provados no processo disciplinar, ganha "fôlego" em 1998, quando o recorrente é ouvido pela primeira vez, culminando na aplicação da sanção de "demissão", no ano de 2000, quando esteve praticamente "parado" de Março de 1996 a Fevereiro de 1998.

LXXXVIII. O Conselho Superior do Ministério Público nunca admitiu como possível que o Supremo Tribunal Administrativo viesse a anular a tal sanção de "demissão".

LXXXIX. O CSMP viu-se "obrigado", na alegada "execução do julgado anulatório", a inventar uma nova (e contraditória com a sua anterior, como se viu supra) fundamentação para a expulsão do recorrente da magistratura do Ministério Público, com base nos factos dados como provados relativos a 1993.

XC. Assim se justifica a sua actuação nos presentes autos, designadamente no que se refere à real motivação para a aplicação da sanção de "aposentação compulsiva", com a trajectória, apreciações e fundamentos referidos.

XCI. Tal actuação ofende o caso julgado, sendo nula a decisão de aplicação da sanção de "aposentação compulsiva".

XCII. Também quanto à pretensa incapacidade definitiva do recorrente para as exigências da função, o CSMP tem mantido uma atitude persecutória posterior a 1998.

XCIII. Isto porque o recorrente foi inspeccionado em ………, também em 1998, tendo o respectivo inspector proposto a classificação de "Bom"; na sequência de reclamação, pugnando pelo "Muito Bom", foi mantido o "Bom".

XCIV. O superior hierárquico do recorrente, na altura, era o Dr. J…………, que prestou informações sobre o recorrente no âmbito dessa inspecção e que afirmava, até aos atritos referidos, que a Comarca de ……… era exemplar, como já mencionado.

XCV. Chegado o processo de inspecção ao Conselho Superior do Ministério Público (e deste era membro o mesmo Dr. J…………), deliberou, contra a proposta do inspector, aplicar ao recorrente a classificação de "Medíocre", com abertura de inquérito para apreciação da sua aptidão profissional, o que aconteceu.

XCVI. O recorrente interpôs recurso de tal classificação e o próprio Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo defendeu que a classificação era injusta e que o recurso devia ser considerado procedente, por invalidade material da decisão administrativa.

XCVII. O Supremo Tribunal Administrativo apenas anulou a classificação pelo vício formal de falta de fundamentação (Processo n° 45705-12).

XCVIII. Baixaram os autos, de novo, ao CSMP (Secção de Classificações), tendo o primeiro relator proposto ainda a classificação de "Bom", do que a maioria dos membros discordou, sendo substituído tal relator e sendo aplicada, de novo, a classificação de "Medíocre".

XCIX. O recorrente reclamou para o Plenário, mas a reclamação foi indeferida, com seis membros do CSMP a votarem contra esta deliberação de indeferimento, defendendo a classificação de "Bom".

C. O recorrente, então, interpôs acção especial de impugnação contenciosa desta nova deliberação, mas, por errada interpretação do novo artigo 59°, n° 4 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos - com a reforma do contencioso administrativo de 2004 -, quanto ao prazo durante o qual os meios de impugnação administrativa suspendem o prazo de impugnação contenciosa, a acção foi considerada extemporânea (Processo n° 848/06).

CI. O acórdão recorrido entende ainda que um dos vícios que não foram conhecidos nem alegados na anterior acção 551/09 foi o vício referente à alegação de que a entidade demandada actuou com denegação de justiça e prevaricação.

CII. Há outros vícios que não foram alegados nem conhecidos na anterior acção 551/09, razão pela qual o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento e é nulo por omissão de pronúncia.

CIII. No que toca à actuação da entidade demandada, veio o acórdão recorrido entender que o crime previsto no art° 369° do Código Penal "só pode ser cometido por pessoa singular" pelo que, "os autos não retratam uma situação dessa natureza uma vez que a alegada prática do crime é imputada ao Conselho como órgão e não a nenhum dos seus membros individualmente considerados".

CIV. O entendimento do acórdão recorrido é manifestamente improcedente porque o crime de denegação de justiça e prevaricação, não obstante referir-se, no seu elemento literal, a uma pessoa singular, deve ser entendido como praticado em co-autoria no caso da referida decisão ter sido tomada por órgão colegial.

CV. No caso concreto da entidade demandada, é evidente que os seus autores são todos os Senhores Conselheiros que subscreveram integralmente o acórdão ora recorrido.

CVI. Autores do referido crime são, pois, em co-autoria, os membros da entidade demandada que emitiram a decisão ora impugnada.

CVII. Não restam, assim, dúvidas que o crime previsto e punido no Art.° 369.° do Código Penal pode ser cometido, em co-autoria, por todos os membros da entidade demandada, enquanto órgão colegial.

CVIII. Razão pela qual o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, ao considerar improcedente a alegação do vício relativo à conduta dos membros da entidade demandada quanto à alegada denegação de justiça e prevaricação.

CIX. Entende, por último, o acórdão recorrido que o recorrente "erra quando sustenta que a deliberação impugnada era nula por ofensas aos direitos fundamentais".

CX. E acrescenta "uma vez que cabe ao CSMP o poder disciplinar sobre os seus Magistrados e não se pode ver no exercício desse poder e na punição das condutas desviantes um ataque aos direitos fundamentais das pessoas sancionadas ou uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem."

CXI. Perante a invocação expressa da violação de direitos fundamentais concretamente indicados na petição inicial da presente acção, designadamente nos artigos 123° e seguintes daquela (integridade física e moral do autor, direito ao bom nome e reputação e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação, direito a um processo equitativo, entre outros), o acórdão recorrido limita-se a afirmar que a entidade demandada exerce o poder disciplinar e, desse modo, o exercício desse poder não pode ser entendido como uma violação de direitos fundamentais.

CXII. O acórdão recorrido limita-se, assim, a emitir uma espécie de "frase/chavão", sem qualquer aplicação ao caso concreto, para alegadamente justificar a alegada improcedência da violação dos direitos fundamentais invocada pelo recorrente!

CXIII. O acórdão recorrido não chega, sequer, a fundamentar a decisão que dele consta, nem tão pouco proceder à aplicação do direito aos factos invocados pelo Autor, como lhe competia.

CXIV. É manifesta a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação, tal como decorre no art° 615° n° 1 b) do Código de Processo Civil.

CXV. No caso concreto do acórdão recorrido, não existe, sequer fundamentação que possa considerar-se insuficiente ou medíocre.

CXVI. O acórdão recorrido limita-se a referir que o poder disciplinar da entidade demandada não consente o entendimento que a aplicação de sanções consubstancia um "ataque" aos direitos fundamentais.

CXVII. Não existe no acórdão recorrido sequer qualquer fundamentação passível de ser adjectivada como insuficiente ou medíocre.

CXVIII. Há, sim, uma total ausência de fundamentação, de aplicação do direito aos factos trazidos pelo recorrente na petição inicial da presente acção que determina a nulidade do acórdão recorrido, nos termos e com os efeitos previstos na alínea b), do n° 1 do art° 615° do Código de Processo Civil».


*

O recorrido, Conselho Superior do Ministério Público contra alegou, formulando as seguintes conclusões:

A. «O douto acórdão recorrido não enferma das nulidades por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, nem de nenhum dos erros de julgamento que o recorrente lhe atribui.

B. Com efeito, desde logo a questão da violação de caso julgado invocada na presente ação, por pretensamente os factos não preencherem os requisitos legais para aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva, reconduz-se à mesma questão do pretenso erro nos pressupostos de facto que foi suscitada e decidida na anterior ação (nº 551/09), onde já foi conhecida (acórdão de 16 de setembro de 2010), pelo que não pode ser novamente objeto de decisão na presente ação.

C. Na verdade, o recorrente na presente ação limita-se a repetir o que já havia alegado no processo nº 551/09, ainda que por diferentes palavras, sem invocar factos ou razões jurídicas substancialmente novas onde fundamentasse a nulidade do ato (outra vez) impugnado.

D. E porque assim se julgou no douto acórdão recorrido, não ocorreu o pretenso erro de julgamento invocado pelo recorrente, sendo manifesta a improcedência de tudo quanto alega nesse sentido.

E. Também não assiste a mínima razão que seja ao recorrente na sua alegação de que o ato impugnado ofendeu o caso julgado formado pelo acórdão de 26 de março de 2009 (pena de inatividade).

F. É completamente fantasiosa a construção que o recorrente faz no sentido de que foi punido com a pena disciplinar de aposentação compulsiva pelos factos do processo nº 894/07, embora não constantes dos factos a que se reporta a presente ação, nem expressamente afirmados, mas “presentes na reserva mental do Conselho Superior do Ministério Público”.

G. Por isso, foi com todo o acerto que no douto acórdão recorrido se decidiu que o recorrente não tem razão, porque o caso julgado é definido pela decisão e nos precisos termos em que ela julga e a punição que agora o autor impugna não foi fundada nos factos apreciados na ação onde aquele Acórdão foi proferido.

H. E que, sendo a factualidade e os fundamentos jurídicos da sanção aqui em causa em tudo diferentes da factualidade que determinou a sanção da inatividade apreciada no processo 894/07, é de todo improcedente a invocada violação do caso julgado.

I. Mais uma vez não assiste a razão ao recorrente quando alega que o douto acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento na apreciação da alegada inexistência de caso julgado e omissão de pronúncia quanto ao mérito das questões suscitadas a propósito da alegada “incapacidade definitiva de adaptação às exigências da função”.

J. Desde logo quanto à omissão de pronúncia o simples facto de se ter considerado que as questões suscitadas pelo recorrente já tinham objeto de apreciação em anterior acórdão transitado em julgado e que por isso não poderia ser agora reapreciada em nova ação, constitui uma efetiva pronúncia sobre tais questões.

K. Coisa diferente é o recorrente entender que o douto acórdão recorrido errou ao considerar que as questões já tinham sido objeto de apreciação e que estavam a coberto do caso julgado, mas também neste aspeto a sua alegação é de todo improcedente.

L. Com efeito, as questões suscitadas pelo Recorrente na presente ação já foram efetivamente objeto de apreciação, e não colhe o facto de o recorrente na presente ação as ter configurado com algumas alterações de pormenor, como é o caso da alegação de que no ato impugnado ocorreu a violação do caso julgado anterior.

M. Tal como igualmente não colhe a insistência do recorrente na sua fantasiosa construção de que foi punido por factos não constantes da decisão, “mas presentes na reserva mental do órgão que o puniu”, quando a decisão punitiva, fundamentada nos factos que foram apurados no processo disciplinar e nela descritos, já viu reconhecida a sua legalidade e validade por decisão judicial transitada em julgado.

N. É de todo destituída de fundamento a alegação do recorrente de que o CSMP “atuou com denegação de justiça e prevaricação, isto é, com a prática de crime p. e p. pelo artº 369º do CP, pelo que a decisão que aplicou a sanção de aposentação compulsiva é nula, por força da al.ª c) do nº 2 do art.º 133º do CPA”.

O. Nos termos do artigo 369º do Código Penal o crime de denegação de justiça e prevaricação só pode ser cometido por pessoa singular, sendo inoperante a alteração que o recorrente vem agora fazer dos fatos que alegou na petição inicial, de que afinal o crime foi cometido em co-autoria por cada um dos membros do CSMP.

P. Por isso, a decisão tomada no douto acórdão recorrido, que incidiu sobre a alegação de que o CSMP (e não os seus membros) tinha cometido o crime de denegação de justiça e prevaricação, tem-se por absolutamente correta.

Q. De qualquer modo, sempre se dirá que a alegação do recorrente a este propósito sempre estaria votada ao fracasso, pois o crime de denegação de justiça e prevaricação tem por elementos constitutivos a ocorrência de comportamento contra o direito e no caso dos autos resulta claríssima a inexistência de quaisquer indícios de que os membros do CSMP hajam decidido conscientemente contra o direito, e muito menos com intenção de prejudicar o recorrente.

R. Por isso, manifesto é também que nenhuma razão assiste ao recorrente na parte em que alega que o ato punitivo impugnado, que lhe aplicou a sanção de aposentação compulsiva, é nulo nos termos do artigo 133º nº 2 alínea c) do CPA.

S. Finalmente, também não assiste a razão ao recorrente na crítica que faz ao douto acórdão recorrido por não ter reconhecido mérito à sua alegação na parte em que sustenta que a deliberação impugnada era nula por ofensas aos direitos fundamentais.

T. Tal como se diz no douto acórdão recorrido, cabe ao CSMP o poder disciplinar sobre os seus Magistrados e não se pode ver no exercício desse poder e na punição das condutas desviantes um ataque aos direitos fundamentais das pessoas sancionadas ou uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

U. Também nesta parte o douto acórdão recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento e, quanto à fundamentação, sendo muito sucinta, não deixa de ser suficiente, na medida em que resulta que num olhar pelo ato impugnado o Tribunal não viu nele nenhum ataque aos direitos fundamentais do recorrente.

V. Por isso, o douto acórdão não tem os defeitos de erro de julgamento e falta de fundamentação que o recorrente lhe atribui, não existindo qualquer razão para que seja declarado nulo, nos termos e com os efeitos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, tudo contrariamente ao que pretende o recorrente.

W. No douto acórdão recorrido não foram violadas as disposições legais indicadas pelo recorrente, nem quaisquer outras, tendo sido feita correta interpretação e aplicação do direito».


*

Colhidos os vistos, o processo foi submetido a julgamento.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

«a) O Autor era Magistrado do Ministério Público;

b) Por deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 31-1-2001, foi confirmada a deliberação da sua Secção Disciplinar que aplicou ao Autor a pena de demissão;

c) Em 6-4-2001, o Autor interpôs neste STA recurso contencioso da deliberação referida no antecedente ponto 2, dando origem ao processo nº 47555 [alínea dd) da matéria de facto fixada no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 13-2-2007, confirmado pelo acórdão do Pleno de 27-11-2008, cuja cópia consta do processo disciplinar apenso];

d) Por acórdão da 2ª Subsecção do Contencioso Administrativo deste STA de 13-2-2007, proferido naquele processo nº 47555, foi anulada a referida deliberação do CSMP de 31-1-2001.

e) Sendo interposto recurso desse acórdão de 13-2-2007 para o Pleno deste Supremo, veio o mesmo a ser confirmado pelo acórdão de 27-11-2008, cujo teor se dá como reproduzido, onde, além do mais, se refere o seguinte, com referência àquele acórdão de 13-2-2007:

«O acórdão impugnado anulou a decisão punitiva do CSMP (que aplicara ao recorrente contencioso a pena disciplinar de demissão) por entender que tal decisão incorrera em erro nos pressupostos de facto ao considerar que o recorrente contencioso, quando emitiu o despacho a ordenar a passagem de mandados de detenção do arguido C…, agiu com vista a proporcionar vantagens negociais ao B…………, conclusão que foi decisiva para a aplicação da pena disciplinar por pretensa violação do dever de honestidade [art. 184º, nº 1, al. b) do EMP].

«não foram dados como provados quaisquer factos concretos no elenco dos factos provados levados ao nº 3 do acórdão punitivo, que permitam a conclusão a que se chega no mesmo, de que o recorrente ordenou a passagem de mandados de detenção (e não mandados de captura, como se refere na fundamentação desse acórdão) para interrogatório judicial do denunciado, para proporcionar vantagens negociais ao referido B…………»; e que,

«a conclusão a que chegou o acórdão da Secção Disciplinar, de que o recorrente ordenou a emissão de mandados de detenção para proporcionar vantagens patrimoniais ao B…………, não tem qualquer sustentação nos factos que o mesmo acórdão deu como provados, e até contradiz aquela outra conclusão a que se chegou no acórdão, supra transcrito»

f) Por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 16-12-2008, proferido para dar execução ao julgado anulatório acima referido, foi aplicada ao Autor a pena de aposentação compulsiva (fls. 250/281, cujo teor se dá como reproduzido);

g) O Autor reclamou dessa deliberação para o Plenário do CSMP e este, por acórdão de 3-2-2009 (fls. 282/324, cujo teor se dá como reproduzido), manteve aquela deliberação, constando do texto desse Acórdão o seguinte:

“Consideram-se provados, portanto, os seguintes factos:

4.3.1. O Lic. A………… exerceu funções como Delegado do Procurador da República, na comarca de ………, entre 6/10/1987 e 8/01/1994, cabendo-lhe representar o Ministério Público, inicialmente na 1ª secção de processos, mais tarde convertida em 1° Juízo, dividindo todo o demais serviço com o outro magistrado, cumprindo-lhe o despacho dos processos de inquérito e processos administrativos de numeração ímpar.

4.3.2. Nos processos de execução e de falência da 1ª secção e mais tarde do 1° Juízo do Tribunal da comarca de ……… intervinha como encarregado das vendas B…………, sócio de D…………, Ldª.

4.3.3. O referido B………… que era conhecido como pessoa que tinha muito dinheiro, costumava organizar, a expensas suas, jantares de fim de ano judicial para os quais convidava os magistrados e funcionários, tendo também por costume obsequiar, por altura do Natal, as senhoras com bombons ou perfumes e os homens com garrafas de vinho, de whisky ou de licor.

4.3.4. O arguido veio a conhecer o B………… na comarca de ……… e por causa das suas funções, tendo vindo, mais tarde, a ter com ele relações de amizade, cujo início o arguido situa em fins de 1990.

4.3.5. Assim, aquando do seu casamento, o arguido convidou o B………… para a festa, que foi restrita, tendo recebido como prenda de casamento o custo da viagem de ida e volta, com estadia de uma semana em Palma de Maiorca.

4.3.6. O arguido e sua mulher e o B………… e respectivo cônjuge passaram a fazer férias em conjunto, o que aconteceu no Verão de 1992, numa viagem que levaram a efeito a Londres, onde permaneceram uma semana, providenciando o B………… pelas marcações e reservas e saldado as despesas nas agências de viagens, adiantando o pagamento das passagens e estadias nos hotéis, que incluía dormida, pequeno almoço e jantar e tendo o arguido, após o regresso, devolvido, em dinheiro, a sua parte nas despesas, que foi de 199.500$00.

4.3.7. No ano seguinte, os dois casais passaram férias de Verão em Cancum, no México, providenciando, do mesmo modo, o B………… pelas marcações e efectuado o pagamento das viagens e da estadia, que igualmente incluía dormida, pequeno almoço e jantar, tendo o arguido pago 400.000$00, para acerto de contas, sendo certo que esta quantia não cobria a parte das despesas que o arguido deveria suportar, conforme resulta do doc. de fls. 270.

4.3.8. Uma primeira das intervenções do arguido como síndico de falências teve lugar no processo nº 77/88, para liquidação do activo de E………… Ldª, em que era encarregado da venda o B…………, cuja indicação fora feita pelo Administrador da falência, o advogado F………….

4.3.9. O património da falida era de 14.271.000$00 de móveis e de 44.271.300$00 de imóveis.

4.3.10. O arguido ordenou a venda por negociação particular pelo preço mínimo da avaliação, o que veio a acontecer quanto aos móveis, tendo o encarregado da venda, sessenta dias mais tarde, informado que, quanto aos imóveis, a maior proposta era de 22.000.000$00, solicitando autorização para a venda, o que mereceu parecer concordante do administrador, vindo o arguido, como síndico, por despacho de 23 de Fevereiro de 1989, a permitir a venda por esse preço.

4.3.11. Em 3 de Março seguinte, o administrador da falência veio juntar aos autos o requerimento dum interessado na compra dos imóveis pelo preço de 23.200.000$00.

4.3.12. Nessa mesma data, o arguido despachou no sentido de o encarregado da venda procurar obter preços mínimos iguais ou superiores ao que agora era oferecido, o que deu motivo a que, a 13 do mesmo mês, o administrador da falência viesse aos autos juntar um requerimento do encarregado da venda em que este informava que efectuara já a venda dos imóveis pelo preço de 23.500.000$00, juntando um cheque de 11.000.000$00, que recebera do comprador como princípio do pagamento.

4.3.13. Naquela mesma data, o administrador fez juntar aos autos um outro requerimento em que dava conhecimento que um credor privilegiado solicitava informação sobre as ofertas superiores a 23.200.000$00, a fim de, eventualmente, lhe poder ser adjudicado o prédio.

4.3.14. Tendo os autos sido feitos conclusos a 15 de Março, o arguido limitou-se a apor um «visto».

4.3.15. E, em 28 de Março, foi junto ao processo um requerimento doutro interessado no qual propõe a compra do prédio por 24.000.000$00, em face do que o arguido determinou que, acerca da proposta, fosse ouvido o administrador, que veio aos autos dizer que o prédio fora já vendido por 23.500.000$00, o que levou o arguido a ordenar que fosse dado conhecimento de tal facto ao interessado.

4.3.16. Também em 3 de Março, fora dirigida ao juiz do processo e junta ao processo principal uma exposição dum dos sócios da falida, alertando o tribunal para o facto de o património estar a ser delapidado, através de venda de bens por negociação particular a preço muito inferior ao real valor, bens que eram logo revendidos por preços altamente lucrativos;

4.3.17. Nesse requerimento, solicitava-se também que o M. P. levasse a efeito a investigação criminal adequada, mas, aberta vista nos autos, por determinação do magistrado judicial, o arguido promoveu o arquivamento com fundamento em que o requerente não alega factos que permitam pôr em causa as vendas efectuadas, o que mereceu concordância da magistrada judicial.

4.3.18. O sócio da falida apresentou uma queixa-crime na Procuradoria Geral da República, a qual foi remetida à Procuradoria da República em Vila Franca de Xira, dando origem ao inquérito nº 1230/89, que ficou a cargo do respectivo Procurador da República.

4.3.19. Este magistrado deslocou-se a ………, onde contactou o arguido que, por sugestão do superior hierárquico, determinou que o processo de liquidação do activo fosse feito concluso por sua ordem verbal, em 13 de Julho de 1989.

4.3.20. Exarou, então, um despacho, no qual, considerando não haver nenhum despacho a autorizar a venda, se opôs à mesma, determinando a restituição, pelo encarregado da venda, ou pelo administrador da falência, da quantia recebida, para que os imóveis fossem vendidos em hasta pública.

4.3.21. Face à inflexão da posição processual do síndico, houve reclamação para o juiz do processo, que decidiu que a venda dos bens se encontrava já efectivada, despacho que veio a ser confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

4.3.22. O arguido, como síndico de falências, teve também intervenção no apenso de liquidação do património da falência de G………… (proc. nº 101/91, da 1ª secção), cujo património era constituído por imóveis, avaliados pelo B…………, a pedido do respectivo administrador de falências, em 70.000.000$00 ou 80.000.000$00, conforme se considerasse, ou não, a situação de arrendamento.

4.3.23. Os bens do falido, com excepção da casa de habitação e de um armazém com 300 m2 encontravam-se arrendados a C…………

4.3.24. Na quantidade de síndico de falências, o arguido exarou despacho, onde, por sua iniciativa, tomou posição acerca do reconhecimento do direito de preferência sobre a totalidade dos bens a favor do arrendatário, tendo concordado com a proposta do administrador no sentido de a venda particular ser feita por leilão, de que seria encarregada a agência D…………, representada pelo B…………, que incitou e estimulou o arrendatário à aquisição dos bens.

4.3.25. Na véspera da data designada para a venda, que fora marcada para 12 de Fevereiro de 1993, o arguido, depois de ter ordenado que os autos lhe fossem conclusos, e com vista a aclarar o seu despacho inicial, considerou que, para evitar dificuldades de concretização da venda com licitações verba a verba, os imóveis seriam vendidos como um todo, sendo o valor global rateado proporcionalmente pelas diversas verbas, conforme avaliação que havia sido feita para tal finalidade.

4.3.26. O arguido esteve presente no acto de venda particular através de leilão, no qual a oferta maior foi de 82.500.000$00, tendo, após o encerramento das licitações, surgido o arrendatário que, invocando o seu direito de preferência, requereu que os bens lhe fossem adjudicados.

4.3.27. Em ofício, datado de 15 de Fevereiro, subscrito pelo encarregado da venda e dirigido ao administrador da falência, é referido que o síndico confirmou o direito de preferência do rendeiro, confirmando-se a venda a C………… pelo valor de 82.500.000$00, mais se noticiando que foi lavrado protesto por H…………, no sentido de pretender impugnar o arrendamento e o direito de preferência, tendo o síndico informado que o deveria fazer por escrito no processo.

4.3.28. Os licitantes afectados apresentaram um requerimento dirigido ao síndico, solicitando que o direito de preferência fosse reconhecido relativamente aos imóveis arrendados, mas não aos restantes, que lhes deveriam ser adjudicados, ao mesmo tempo que requeriam a passagem de certidão da arrematação.

4.3.29. O arguido indeferiu ambos os pedidos, tendo sido interposto recurso de agravo para o Tribunal da Relação, acerca do qual o arguido se pronunciou no sentido da não admissão porque do despacho do síndico de falências apenas pode haver reclamação para o juiz do processo.

4.3.30. A escritura de compra e venda foi realizada em 1/04/1993, tendo o encarregado da venda remetido a importância da venda ao administrador em 16 do mesmo mês, não tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 888° nº 2 do CPC, na redacção então vigente, facto que o síndico olvidou.

4.3.31. Na data da escritura de compra e venda, e incidindo sobre os mesmos bens, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre o comprador dos bens da falida e I…………, sobrinha do encarregado da venda B………… tendo sido passada por aquele, a favor do B…………, uma procuração irrevogável, em que lhe concedia poderes para alienar os bens que acabara de adquirir.

4.3.32. Todavia, o comprador dos bens veio a conseguir transaccioná-los, assim frustrando os efeitos do contrato-promessa e da procuração irrevogável passada a favor do B…………

4.3.33. No dia 20 de Dezembro de 1993, o referido B…………, acompanhado do advogado Dr. F…………, dirigiu-se ao gabinete do arguido no tribunal de ……… para lhe fazer entrega duma participação subscrita pelo advogado Dr. F…………, como mandatário de I…………, na qual se imputava a C………… o facto de, tendo celebrado, em 1 de Abril de 1993, um contrato-promessa de compra e venda dos prédios que adquirira no processo de falência de G…………, logo tendo recebido integralmente o preço acordado de 82.500.000$00, ter posteriormente vendido a L………… parte dos prédios e prometido vender os restantes.

4.3.34. Entregue a participação, o arguido, logo de seguida, abriu a porta para o gabinete contíguo, onde funcionava a sala de instrução, tendo perguntado pela funcionária M………… que se encarregava do registo de inquéritos, a quem, momentos depois, veio a entregar a participação e documentação anexa, ordenando-lhe que a registasse de imediato, de forma a que lhe fosse atribuída numeração ímpar e que lhe trouxessem o correspondente inquérito, também de imediato.

4.3.35. As ordens do arguido foram cumpridas, tendo sido atribuído ao inquérito o nº 1247/93 (NUIPC 381/93.OTA.....), sem ter sido seguido o procedimento habitual de atribuição aleatória do número, para que os processos fossem distribuídos ao acaso pelos dois magistrados, consoante a numeração fosse par ou ímpar.

4.3.36. Conforme a ordem recebida, o inquérito foi, de imediato, apresentado ao arguido pela funcionária, que, segundo as regras internas, dele ficava encarregada, a qual anotou até a expressão «por ordem verbal», a seguir à abertura da conclusão.

4.3.37. O arguido, em acto seguido, exarou o seguinte despacho: «indiciando os autos a prática pelo arguido C…………, de um crime de burla p. e p. pelos arts. 313° e 314° c), ambos do C. Penal, a que corresponde pena de prisão de 1 a 10 anos e porque há o justo receio de que o arguido continue a sua actividade criminosa ao que acresce que o valor é consideravelmente levado (82.500 contos) passe, nos termos do art. 258° do C P Penal, mandados de detenção contra o mesmo arguido, tudo ao abrigo das disposições legais citadas e vindas nos art.º 202°, 2) e 257°, ambos do C P Penal, com a advertência de que o arguido deverá ser apresentado junto deste tribunal (Ministério Publico) no prazo máximo de 48 horas, após a detenção», logo entregando o processo, no mesmo dia, a funcionária, para cumprimento do despacho, que se ordenava muito urgente.

4.3.38. No dia seguinte, conforme o determinado pelo arguido, foram passados os mandados de detenção que foram remetidos à GNR de Arruda dos Vinhos, os quais não chegaram a ser cumpridos.

4.3.39. Tendo o arguido deixado de exercer funções na comarca de ……… em 6 de Janeiro de 1994, a magistrada que o substituiu veio mais tarde a alterar a posição processual, remetendo deprecada a fim de o denunciado ser ouvido, referindo que o arguido aguardaria os ulteriores termos do inquérito, prestando termo de identidade e residência.

4.3.40. O arguido, quando ordenou a funcionária que desse numeração impar ao processo e que lhe trouxesse de imediato com conclusão aberta e ao determinar a imediata passagem de mandados de detenção do denunciado tinha perfeito conhecimento de não ser esse o seu procedimento habitual na comarca de ………, pois, por exemplo, não recorrera a tal procedimento em processos por furtos em ……… que causaram grande intranquilidade nas populações, só num processo por homicídio tentado, tendo ordenado, e justificadamente, a emissão de mandados de detenção.

4.3.41. Por outro lado, não sendo prática comum do arguido ordenar verbalmente a abertura de conclusões, em nenhum processo actuou com semelhante diligência e celeridade, pois eram frequentes os atrasos processuais, inclusivamente nos primeiros despachos de cada processo de inquérito, que, nalguns casos, ultrapassaram um ano.

4.3.42. O arguido agiu dominado por razões extra-processuais, olvidando, consciente e intencionalmente, os critérios de legalidade e objectividade a que estão subordinados os Magistrados do Ministério Público, bem como os deveres de isenção, de lealdade e de imparcialidade.

(...)

6 - E não pode deixar de se ter por adequada a cominação ao ora Reclamante da sanção disciplinar de aposentação compulsiva pela sua conduta acima descrita e que é passível de punição disciplinar, não havendo portanto, no novo acto punitivo, qualquer erro nos pressupostos de facto.

Como se disse, os factos aos quais se atende (ponto 4.3 da presente deliberação) não foram postos em causa no Acórdão anulatório nem sequer nas decisões penais do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça mencionadas no processo.

Este último que afirma, a propósito da conduta do ora Reclamante que está em causa, que, “no mínimo, nota-se também uma displicência acentuada quando do seu despacho a ordenar a passagem de mandado de detenção de C…………, embora formalmente [sublinhado agora] o pudesse ter feito, o contexto em que agiu revela-se inusitado: perante uma participação criminal por burla, entregue em mão, solicitou a imediata distribuição e conclusão, ordenando a pronta emissão de mandados de detenção”.

Tramitação esta que o Tribunal da Relação qualificou como “circuito sinuoso”.

Em face da materialidade à qual se atende não poderá deixar de se concluir que se mostram verificados os requisitos para a aplicação ao ora Reclamante de uma pena expulsiva, por impossibilidade de manutenção da sua relação funcional, que, não se pode esquecer, é a de magistrado.

Com efeito o Reclamante agiu com ostensiva afronta das regras da distribuição normal dos inquéritos, convocando a funcionária encarregada da distribuição e ordenando-lhe em voz alta, que a queixa apresentada por I………… fosse registada com número ímpar, por forma a que o inquérito lhe coubesse a ele próprio, e ainda que lho trouxessem de imediato, com conclusão aberta.

Em vez até de ter pedido escusa de intervir no processo - arts. 43.º e 54.º do Código de Processo Penal – como se lhe exigia.

Assim se expondo ele próprio e sobretudo expondo a Magistratura que representava aos comentários públicos de suspeição que um tal comportamento necessariamente acarreta.

Mesmo que, de acordo com o registo normal, a participação que lhe foi entregue viesse a ter um registo como inquérito com número ímpar, isso não obstava à censura que merece o provado comportamento do Reclamante.

Não sabendo previamente que isso iria suceder e receando que outro Colega não viesse a dar ao inquérito a sequência que para ele pretendia (a emissão de uma ordem de detenção do participado, com celeridade e sem a realização de qualquer diligência prévia), emitiu a ordem que consta no antecedente ponto 4.3.34.

E logo que o inquérito lhe foi concluso "por ordem verbal”, exarou nele o despacho determinativo da emissão de um mandado de detenção do denunciado C…………, pessoa que sabia ser o arrendatário e comprador dos bens imóveis da falida “G…………”.

Tudo o que constitui um tratamento de excepção e privilégio que não pode deixar de merecer elevadíssima censura.

Tratamento de excepção e privilégio também decorrente do inusitado de tal procedimento do Reclamante, desconforme àquilo que era a sua prática habitual na comarca, mesmo em casos que causaram grande intranquilidade nas populações – sendo que só num processo, por homicídio tentado, tinha ordenado, aí justificadamente, a emissão de mandado de detenção.

Qual o magistrado que em face de uma queixa por burla agravada, sem a possibilidade de considerar quaisquer indícios para além do que seja alegado na participação e dos que resultem de documentação apresentada, determina imediatamente a emissão de mandados de detenção para interrogatório judicial? Não será ousado responder nenhum.

7 - Como se diz no Acórdão da Secção Disciplinar que vem reclamado, ponderações às quais se adere:

7.1. Daqui se conclui e atentos os factos dados como provados, que o Reclamante só actuou como actuou, independentemente de saber dos negócios do B…………, porque tinha especiais relações de amizade com este, e, por tal facto, tinha que despachar celeremente o inquérito, e da forma mais eficaz, para o interesse da queixosa, já que, não o fazendo, dificilmente os autos seriam despachados a não ser pós-férias de Natal, e por outro magistrado, e de certo com outros critérios.

7.2. Ou seja, actuou como actuou porque estava em causa a queixa apresentada em mão por pessoa da sua particular amizade, e agiu como agiu, na emissão dos mandados de detenção, porque entendeu que, com os mesmos, poderia exercer pressão junto do denunciado, para que os interesses da denunciante.

7.3. Houve assim, claramente, um tratamento que violou o princípio constitucional da igualdade.

7.4. O Reclamante demonstrou um enorme desprezo pela liberdade alheia, ao emitir mandados de detenção nas condições em que o fez.

7.5. Existiu, como atrás já se explicitou, uma situação objectiva de desigualdade e de tratamento diferente em relação aos restantes utentes dos serviços de justiça, a quem não era dispensada, por parte do Reclamante, a atenção e celeridade que àquele B… foi dispensada.

7.6. Em resumo, existiu uma situação objectiva de discriminação, o que não deixa de ser igualmente de extrema gravidade.

7.7. Com a sua conduta, o Reclamante não violou apenas os princípios da legalidade, da objectividade e da isenção, mas ainda, e sobretudo, o dever de honestidade – “dos magistrados se espera e se exige, desde logo, e sempre, uma conduta séria e transparente no exercício das suas funções que nunca levante quaisquer dúvidas relativamente à sua grandeza ética. O Ministério Público desenvolve múltiplas funções que lhe emprestou o Estado Constitucional e, entre elas, com certeza a mais relevante é a do exercício da acção penal. Que, em caso algum, lhe é lícito desempenhar sem independência, sem isenção e sem honra. Magistrado que trai esses deveres para com o Estado de Direito e a Comunidade, quebra em termos definitivos, o elo de confiança que lhe foi conferido quando jurou cumprir com lealdade as funções que lhe confiaram”.

7.8. A conduta do Reclamante é, em termos definitivos, incompatível com a de um elemento do órgão de justiça que é o Ministério Público, órgão constitucional que claramente colocou em crise, assim se preenchendo os requisitos das alíneas a) e b) do artigo 159° da LOMP.

7.9. Agiu, assim, objectivamente num enquadramento de favor, fugindo aos critérios de imparcialidade, isenção, objectividade e honestidade que devem reger qualquer magistrado.

7.10. Tendo assim violado, por forma grave, o dever geral de criar no público confiança na Administração Pública, em especial no que à imparcialidade dos funcionários diz respeito - art. 3.º, 3 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16/01 - os deveres de isenção, lealdade e honestidade previstos nas alíneas a) e d), do n.º 4, do mesmo artigo 3°, mostrando-se verificados os requisitos, previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1, do artigo 159° da Lei Orgânica do Ministério Público, na redacção da Lei n.º 47/86, de 15/10, com as alterações das Leis 2/90, de 20/01 e 23/92, de 20/8, para aplicação de uma pena expulsiva.

8 - Por outro lado uma tal decisão não padece de qualquer ilegalidade por violação do disposto no art. 4° da Lei 58/2008, de 9/09, que aprovou o novo ED da Função Pública, “maxime” nos seus nºs 1 e 7.

Desde logo porque este último normativo também prevê expressamente a possibilidade de a pena de aposentação compulsiva ser mantida a qualquer trabalhador que exerça funções públicas.

Mas ainda porque essas regras não têm aplicação na situação em presença, em que o Reclamante é magistrado do Ministério Público - estes, por terem um Estatuto especial, não se incluem no âmbito subjectivo do novo ED, como resulta do seu art. 1º, nº 3.

9 - Por fim o que será de dizer é que a não junção, pelo Magistrado Instrutor, aos presentes autos de certidão ou cópia dos mandados de detenção não integra, no caso em presença, qualquer tipo legal de crime - cuja prática, para produzir a nulidade que o Reclamante invoca sempre teria de ser previamente afirmada por decisão penal transitada em julgado.

E não constitui sequer qualquer irregularidade processual, pois essa não junção é, no caso, irrelevante para o acto punitivo praticado - o anulado e o ora reclamado - uma vez que o seu conteúdo reproduz o despacho que determinou a respectiva emissão, no qual constam as normas legais à luz das quais foi proferido.

10 - Atendendo aos deveres gerais especiais que foram violados, tal como consta antecedentemente, à gravidade dos factos, à culpa, à personalidade do arguido e às circunstâncias concretas do caso, tudo o que inviabiliza em termos absolutos a manutenção da relação funcional, acorda o Conselho Superior do Ministério Público em manter ao Reclamante Lic. A………… a pena de Aposentação Compulsiva que lhe foi aplicada na decisão reclamada.

Termos em que se indefere a reclamação.”

h) O Autor foi notificado do acórdão do CSMP, de 3-2-2009, por carta registada com aviso de recepção, que o mesmo recebeu em 11-2-2009;

i) Por acórdão de 23-3-2009, o Conselho Superior do Ministério Público determinou que fosse dado imediato cumprimento à pena de aposentação compulsiva que foi aplicada ao Autor.

j) O Autor impugnou essa decisão através da acção administrativa especial, a que coube o nº 551/09, cuja petição inicial se encontra nestes autos a fls. 746 e seg.s, a qual se dá por integralmente reproduzida.

k) Acção essa que foi julgada improcedente por Acórdão da Secção Administrativa deste Supremo Tribunal de 27/01/2010, o qual veio ser confirmado por Acórdão do Pleno de 16/09/2010.

l) A presente acção administrativa especial foi proposta em 8-04-2011.


*

2.2. O DIREITO

Resulta consignado no acórdão recorrido, em jeito de intróito:

«A leitura do antecedente relato evidencia que o Autor impugnou a deliberação do Plenário do CSMP de 31/01/2001 que lhe aplicou a pena de demissão e que este Supremo julgou essa impugnação procedente (Ac. do Pleno de 27/11/2008, rec. n.º 47555), anulando esse acto. E que, em execução do julgado anulatório, o Conselho praticou novo acto desta vez sancionando o Autor com a pena de aposentação compulsiva (deliberação do Plenário de 3/02/2009).

O Autor impugnou a aplicação dessa sanção, através da acção a que foi dado o n.º 551/09, pedindo a declaração da sua nulidade ou a sua anulação. Sem êxito já que a Secção julgou essa acção improcedente e o Pleno confirmou essa decisão por Acórdão de 16/09/2010, já transitado.

Essas decisões não convenceram o Autor o que o levou a instaurar a presente acção onde - argumentando alegar vícios não invocados nem conhecidos nas anteriores pronúncias judiciais – pediu a declaração da nulidade da referida deliberação do CSMP.

O Conselho opôs-se a que a legalidade daquele acto pudesse ser reapreciada sustentando que o Supremo já conhecera todos os vícios de que a mesma alegadamente padecia e que, sendo assim, sob pena de violação do caso julgado e dos princípios da confiança e da segurança jurídicas, não podia haver nova pronúncia judicial sobre a sua conformidade com a lei.

A Secção julgou procedente essa questão prévia pelo que absolveu o CSMP da instância, mas o Pleno revogou essa decisão por entender inexistir impedimento legal a que se impugnasse aquele acto através de uma nova acção desde que os vícios invocados conduzissem à declaração da sua nulidade e não tivessem sido apreciados anteriormente. Daí que tivesse ordenado a baixa dos autos para que se analisasse se os vícios determinantes da nulidade do acto invocados nesta acção já tinham sido invocados e conhecidos na acção n.º 551/09 e, não o tendo sido, se apreciassem esses vícios.

Cumpre, pois, proceder como o Pleno decidiu.

É seguro que o nosso labor terá de se circunscrever unicamente à análise vícios que determinem a nulidade da pena aplicada não alegados nem conhecidos na anterior acção, visto o prazo de 3 meses para a sua impugnação com fundamento em vícios determinantes da sua anulabilidade estar, há muito, esgotado aquando da instauração desta acção (artºs 58º/1 e 2 e 59º/1 do CPTA). Como, de resto, o Autor bem sabia já que teve o cuidado de, logo no art.º 1º da p.i. desta acção, ter informado que a mesma vinha fundamentada “apenas no que concerne a nulidades específicas não conhecidas na anterior impugnação”.

Comparemos, pois, os vícios invocados nas petições iniciais de ambos os processos para ver se são os mesmos e, apurando-se que essa coincidência não ocorre, conheçamos dos novos vícios»

E as ilegalidades que alegadamente não foram conhecidas na acção anterior e que na presente acção o autor pretende sejam conhecidos são os seguintes:

a) O acto impugnado é nulo porque violou o julgado anterior – acórdão de 27-11-2008, proferido no processo de recurso contencioso nº 47555 – de anulação da sanção expulsiva de demissão aplicada ao Autor por deliberação de 31 de Janeiro de 2001, pois com essa anulação ficou precludida a possibilidade de praticar novo acto punitivo;

b) O acto impugnado também violou o caso julgado formado na sequência da prolação do Acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de março de 2009 (Rec. 894/07), que anulou a deliberação do CSMP que o punira com a pena inactividade por um ano;

c) No acto impugnado o CSMP “actuou com denegação de justiça e prevaricação, isto é, com a prática de crime p. e p. pelo art.º 369º do C.P., pelo que a decisão que aplicou a sanção de aposentação compulsiva é nula, por força da al. c) do nº 2 do art.º 133º do CPA.”;

d) E com a sua conduta violou também a integridade física e moral do Autor, bem como o seu direito ao bom nome, reputação e protecção legal, consagrados nos artigos 25º e 26º da CRP, ou seja, violou os seus direitos fundamentais pelo que, de novo, incorreu no crime de prevaricação, o que também determina a nulidade da sanção impugnada;

e) Finalmente, a sua punição foi fundada em factos para os quais nunca foi ouvido e que não constavam da acusação.

O acórdão recorrido procedeu à comparação entre os factos alegados na petição da presente acção e os alegados na petição inicial do processo nº 551/09 tendo concluído que as ilegalidades apontadas, apesar da nova roupagem, já haviam sido decididas no acórdão do Pleno de 16/09/2010, pelo que não podem ser novamente apreciadas nestes autos e que quanto às ilegalidades verdadeiramente novas [denegação de justiça e prevaricação e ofensa aos direitos fundamentais], as mesmas improcediam, por manifestamente improcedentes, assim julgando improcedente a acção interposta pelo A./recorrente.

Insurge-se o recorrente contra o assim decidido, importando, pois, analisar de per si cada uma das discordâncias:

(i) DO ERRO DE JULGAMENTO NA APRECIAÇÃO DAS NULIDADES INVOCADAS QUANTO À VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO, POR CONTRAPOSIÇÃO ÀS NULIDADES INVOCADAS NA ACÇÃO Nº 551/09

Neste segmento recursivo alega o recorrente que o acórdão recorrido incorre em manifesto erro de julgamento ao considerar que, pelo facto de na presente acção, bem como, na acção nº 551/09 se referir a existência de violação de caso julgado, a nulidade invocada na presente acção já não poder ser conhecida, por o haver sido naquela acção, olvidando que os fundamentos são distintos.

Em concreto, invoca que na petição inicial da acção nº 551/09 alegou que o acto impugnado padecia de “erro sobre os pressupostos de facto equivalente a violação de lei, por assunção dos mesmos pressupostos de facto e das mesmas valorações do acto anulado”, enquanto que na presente acção alega que “se impõe a conclusão de que, se qualquer das sanções expulsivas (demissão ou aposentação compulsiva) tem os mesmos requisitos legais (…) e se, com determinados factos, não se verifica um requisito para uma (demissão) não ocorre, com os mesmos factos, necessariamente, o mesmo requisito para a outra (aposentação compulsiva)”.

Sem razão.

Na verdade, o acórdão recorrido, depois de proceder a uma comparação rigorosa da petição inicial das duas acções, considerou que nesta acção, o A/recorrente a respeito desta excepção do caso julgado se limitou a repetir o que já havia alegado na acção nº 551/09, sem invocar factos ou razões jurídicas substancialmente novas onde fundamentasse a nulidade do acto aqui impugnado, deixando bem claro que os factos articulados nesta acção não são mais do que a repetição, ainda que por diferentes palavras do que havia sido alegado na anterior acção.

E, deste modo, concluiu que, ao abrigo do disposto nos artºs 673º, 497º e 498º do CPC, a excepção do caso julgado já tinha sido conhecida no acórdão de 16/09/2010, razão porque não poderia voltar a ser de novo analisada.

E o assim decidido não padece do erro de julgamento, nem de qualquer nulidade, por omissão de pronúncia como pretendido pelo recorrente uma vez que o cerne que constitui a alegação do fundamento da excepção do caso julgado se mostra conhecido na acção 551/09.

E quanto à invocada ausência de violação do dever de honestidade, importa desde já esclarecer que se trata de uma mera qualificação jurídica, baseada num determinado quadro factual, nada impedindo a entidade administrativa de atender à mesma factualidade julgada provada e qualificá-la de outra forma [expurgada da intenção de proporcionar vantagens a terceira pessoa], pois como se repetiu, no acórdão recorrido «(…) A leitura das referidas petições evidencia que o fundamento invocado com maior desenvolvimento em ambas foi a violação do caso julgado formado na sequência do Acórdão deste Supremo que anulou a deliberação do CSMP que sancionou o Autor com a pena de demissão visto nelas se sustentar que, após essa anulação, o Conselho não o podia punir novamente com uma pena expulsiva fundada nos mesmos factos. E que tinha sido isso que acontecera o que determinava a nulidade da deliberação que o aposentara compulsivamente.

Este Supremo, no Acórdão proferido na acção nº 551/09, já afirmou que essa alegação era improcedente uma vez que a Administração, na sequência da anulação judicial de um acto administrativo, tinha o dever de reconstituir a situação que existiria se o mesmo não tivesse sido praticado e que tal podia consistir na prática de um novo acto de conteúdo decisório idêntico ao do acto anulado, desde que esse conteúdo não conflituasse com o sentido da decisão anulatória. Pois, como explicou, “no que concerne a vícios imputados ao acto impugnado, a eficácia do caso julgado limita-se aos vícios que foram apreciados na decisão judicial, tanto os que determinaram a anulação, como os que foram julgados improcedentes, pelo que o respeito do caso julgado não obsta à substituição do acto anulado por um acto de sentido idêntico ou sentido diferente, se a substituição for possível sem repetição do vício ou vícios determinantes da anulação.

Assim, no específico caso da anulação de um acto sancionatório com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto, traduzido em ter sido tomado em conta no acto anulado um determinado fundamento de facto que se entendeu na decisão anulatória não poder ser tido em conta, por não estar demonstrado, não há obstáculo, derivado dos efeitos do caso julgado, a que a Administração pratique um novo acto sancionatório, desde que ele seja praticado sem ter como suporte factual o facto que judicialmente se entendeu ter sido indevidamente considerado como fundamento do acto anulado.” Por essa razão – continuou - o Conselho estava apenas impedido de praticar um novo acto punitivo que partisse do pressuposto de que o Autor, ao proferir o despacho que deu origem à punição (que ordenou a emissão do mandado de detenção em causa), teve o propósito de proporcionar vantagens a terceira pessoa e isto porque o Acórdão que anulara a pena de «demissão» tinha declarado que tal intenção não tinha sido provada. Ora, concluiu, a deliberação que aposentara compulsivamente o Autor não teve em conta esse propósito pelo que improcedia a alegação de que havia violação do caso julgado».

E nem se diga que os factos alegados nos artigos 10º a 15º e 86º a 93º da petição constituem factos novos, uma vez que os mesmos se reconduzem sempre à alegação da violação do caso julgado com base nos mesmos pressupostos de facto, alegação esta que já foi objecto de conhecimento na acção 551/09; e nem o facto de, no acórdão proferido nesta acção em 16/09/2010, não se referir expressamente à violação do dever de honestidade constitui fundamento novo, uma vez que a alegação [no seu todo] formulada pelo recorrente nela se sustentou, e desse modo, foi decidida de forma global na apreciação da violação das demais ilegalidades.

Inexiste, pois, o apontado erro de julgamento, bem como a alegada nulidade por omissão de pronúncia, dado que ocorreu a verificação de uma excepção que impediu o conhecimento do mérito.

(ii) DO ERRO DE JULGAMENTO NA APRECIAÇÃO DA NULIDADE INVOCADA QUANTO AO CASO JULGADO FORMADO PELO ACORDÃO DE 26 DE MARÇO DE 2009 (PENA DE INACTIVIDADE)

Neste tocante, alega o recorrente que «foi punido, na verdade e na intenção do Conselho Superior do Ministério Público, com a sanção de “aposentação compulsiva” pelos factos do processo nº 894/07 – donde a referência também a alínea a) do nº 1 do artº 159º da Lei Orgânica do Ministério Público [hoje artigo 184º, nº 1, alínea a) do Estatuto do Ministério Público] – embora não constantes dos factos a que se reporta a presente acção, nem expressamente afirmados, mas presentes na reserva mental do Conselho Superior do Ministério Público», concluindo, assim por nova violação do caso julgado.

Ou seja, segundo o recorrente o acto impugnado violou o caso julgado formado na sequência da prolação do acórdão deste STA de 26/03/2009 [proc. nº 894/07] em que estava em causa a legalidade da deliberação do Conselho que o punira com a pena de inactividade por um ano.

Só que, mais uma vez, esta alegação não pode proceder, uma vez que na deliberação impugnada não constam os factos do processo nº 894/07, sendo de acolher o que a este propósito se consignou no acórdão recorrido, ou seja, de que o caso julgado é definido pela decisão e nos precisos termos em que ela julga e a punição que o recorrente agora impugna não foi fundada nos mesmos factos.

Deste modo, sendo a factualidade e os fundamentos jurídicos da sanção da aposentação compulsiva completamente distintos da factualidade que conduziu à sanção da inactividade apreciada no processo nº 894/07 é manifesta a improcedência deste segmento recursivo, tal como decidido no acórdão recorrido, nada mais se impondo acrescentar.

(III) DO ERRO DE JULGAMENTO NA APRECIAÇÃO DA ALEGADA INEXISTÊNCIA DE CASO JULGADO E OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO AO MÉRITO DAS QUESTÕES SUSCITADAS A PROPÓSITO DA ALEGADA “INCAPACIDADE DEFINITIVA DE ADAPTAÇÃO ÀS EXIGÊNCIAS DA FUNÇÃO”

Relativamente a esta questão, consignou-se no acórdão recorrido o seguinte:

«O Autor sustenta, ainda, que o despacho que ordenou a emissão do mandado de detenção não feriu o princípio da igualdade nem violou o interesse público, que a deliberação impugnada errara ao concluir que essa emissão revelava que ele tinha uma «incapacidade definitiva de adaptação às exigências da carreira» e que o Conselho fundara o acto impugnado no facto do Autor ter emitido com inusitada celeridade aquele mandado e desta se destinar a beneficiar um amigo.

Ora, o Acórdão do Pleno de 16/09/2010 abordou todas essas questões - a violação do princípio da igualdade, a celeridade na emissão dos mandados e o tratamento de favor - considerando que “A circunstância de a emissão de mandados de captura ser legal não afasta a possibilidade de a actuação do Autor ofender o princípio da igualdade, na medida em que, no caso apreciado no acórdão do Plenário do CSMP, deu um tratamento diferente, em termos de celeridade de actuação, ao que dava à generalidade das queixas apresentadas pelos utentes dos serviços do Ministério Público na comarca em que exercia funções.

A celeridade do funcionamento dos serviços de justiça é desejável, mas também nesse aspecto, independentemente da legalidade concreta dos actos praticados, o princípio da igualdade impõe que seja dado um tratamento idêntico a todos os utentes dos serviços do Ministério Público, não dando tratamento mais célere a determinados casos do que é dado à generalidade casos semelhantes, quando não há alguma razão que justifique uma diferença de tratamento.

É uma situação de tratamento desigual injustificado que retratam os factos transcritos no acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público impugnado, pois, como justificadamente nele se entendeu, é de considerar provado que o Autor deu um tratamento de favor, em termos de celeridade, à queixa apresentada por I... sem qualquer razão atinente ao interesse público, que o Autor deveria prosseguir no exercício das suas funções.”

Deste modo, como sustenta o Conselho, sob pena de violação do caso julgado tais questões já não poderão ser reapreciadas».

Insurge-se o recorrente, alegando que o assim decidido padece de erro de julgamento e simultaneamente de omissão de pronúncia.

Ora, é sabido que a omissão de pronúncia prevista na al. d), do nº 1 do artº 608º do CPC só ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que as partes tenham submetido à sua apreciação; no caso, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre as questões suscitadas pelo recorrente só não conheceu do mérito, por entender que estaria a violar o caso julgado, se assim procedesse, uma vez que as mesmas já foram decididas no Acórdão do Pleno de 16/09/2010.

Assim sendo, é evidente a improcedência da alegada nulidade por omissão de pronúncia.

E o mesmo se verifica em relação ao apontado erro de julgamento, uma vez que os pormenores agora alegados pelo recorrente no que a este aspecto concerne não são suficientes para abalar o decidido no acórdão recorrido, que decidiu não conhecer sob pena de violação do caso julgado, dado que a legalidade da deliberação já havia sido apreciada por acórdão transitado em julgado.

Com efeito, os contornos agora alegados pelo recorrente, referentes à incapacidade definitiva de adaptação às exigências da função, não constituem verdadeiras ilegalidades novas assacadas à deliberação, mostrando-se esta questão apreciada e decidida aquando do conhecimento das demais ilegalidades anteriormente alegadas, respeitantes à violação do princípio da igualdade, celeridade na emissão dos mandados e tratamento de favor, tendo-se decidido pela legalidade da deliberação impugnada.

E assim, toda a alegação agora invocada pelo recorrente tendente ao conhecimento do mérito, mostra-se efectivamente prejudicada.

(IV) DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À EXISTÊNCIA DE DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA E PREVARICAÇÃO

Quanto a esta ilegalidade que o acórdão recorrido entendeu conhecer, por não ter sido alegada na acção nº 551/09 e julgou improcedente pelo facto de entender que o crime p. p. no artº 369º do Cód. Penal, só poder ser cometido por pessoa singular e, portanto, nunca poderia o Conselho Superior do Ministério Público ter agido com os propósitos de denegação de justiça e de prevaricação, para além desta conduta não vir assacada a nenhum membro em especial do referido Conselho, não detectamos nenhum erro de julgamento quanto ao assim decidido.

Igualmente, não procede agora a alegação de que se deve estender esta intenção a cada um dos membros do CSMP que subscreveram a deliberação impugnada, por tal entendimento violar os pressupostos subjacentes à imputação subjectiva do tipo legal em causa.

(V) DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

No que a este aspecto concerne, alega o recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação [al. b), do nº 1 do artº 615º do CPC], por não ter conhecido em concreto de cada um dos direitos fundamentais por si alegados.

A este propósito consignou-se no acórdão recorrido: «o Autor também erra quando sustenta que a deliberação impugnada era nula por ofensas aos direitos fundamentais uma vez que cabe ao CSMP o poder disciplinar sobre os seus Magistrados e não se pode ver no exercício desse poder e na punição das condutas desviantes um ataque aos direitos fundamentais das pessoas sancionadas ou uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem».

Ora, esta fundamentação é suficientemente clara e suficiente, perfeitamente perceptível pelo recorrente e não fere o acórdão da invalidade que lhe é assacada, uma vez que demonstra ter havido uma pronúncia acerca da alegada violação dos direitos fundamentais invocados.

Atento o exposto, improcede na totalidade o recurso interposto.


*

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2016. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Alberto Augusto Andrade de OliveiraVítor Manuel Gonçalves GomesJorge Artur Madeira dos SantosTeresa Maria Sena Ferreira de SousaCarlos Luís Medeiros de CarvalhoJosé Francisco Fonseca da Paz Maria Benedita Malaquias Pires UrbanoAna Paula Soares Leite Martins Portela.