Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01074/18.3BELSB
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:ELEITOS LOCAIS
REGIME DE TEMPO PARCIAL
PENSÃO
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Sumário:I – O art.º 10.º, da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redacção resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, deve ser interpretado no sentido que, para efeitos de aplicação da lei, se consideram titulares de cargos políticos aqueles que aí estão enumerados, bem como os que são indicados na al. a) do n.º 2 do art.º 9.º e que não constam desse elenco.
II – Tendo o legislador especificado que abrangidos pela Lei n.º 52-A/2005 eram os “eleitos locais em regime de tempo inteiro”, afastou, “a contrario”, qualquer outra categoria de eleitos locais, não se podendo estender o sentido da norma de forma a abarcar os eleitos locais em regime de meio tempo, apesar de estes também serem titulares de cargos políticos remunerados.
III – Assim, os limites à cumulação constantes do n.º 1 do referido art.º 9.º não são aplicáveis aos vereadores das câmaras municipais que exercem funções em regime de meio tempo.
Nº Convencional:JSTA000P24329
Nº do Documento:SA12019031301074/18
Data de Entrada:02/04/2019
Recorrente:CAIXA GERAL DA APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



1.A Caixa Geral de Aposentações (doravante CGA), inconformada com o acórdão do TCA-Sul que, no processo de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, concedeu provimento ao recurso interposto por A………… e, revogando a sentença do TAC, condenou-a “a cessar qualquer actuação com vista à suspensão da pensão de aposentação do Autor nos exactos termos peticionados”, dele interpõe recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

“A - A Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro, alterou, o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais, tendo entre outras, estabelecido um limite às cumulações de pensões e remunerações auferidas pelos titulares de cargos políticos (artigo 9º, nº1).


B - Porém, até à publicação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, atendendo à redação do artigo 10º da Lei n.º 52-A/2005, 10 de outubro, tal limite só poderia ser aplicado aos titulares de cargos políticos aí enunciados, excluindo quaisquer outros, não se aplicando ao A.


C - Porém, esta Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o orçamento de Estado para o presente ano de 2014, alterou, entre outras, a Lei nº 52-A/2005, de 10 de outubro, tendo alargado o âmbito de aplicação subjetivo do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, deixando de estar limitado a “titulares de cargos políticos” e, de forma genérica, passando a abranger todos aqueles que exercem quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas.


D - Por outro lado, segundo a alínea b) do nº2, abrange o exercício de funções a qualquer título em serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o sector municipal regional e demais pessoas coletivas públicas.


E - Sendo certo que a Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro, desde sempre, teve o seu âmbito circunscrito aos titulares desses cargos, por força das alterações, agora, introduzidas ao nº 1 do seu artigo 9º, os limites às cumulações aí previstos passam a abranger - em parte, também, de harmonia com o regime previsto no artigo 78º e 79º do Estatuto da Aposentação -, o exercício de funções políticas ou públicas prestado a qualquer título serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o sector municipal regional e demais pessoas coletivas públicas.


F - No entanto, apesar do artigo 10º continuar a enunciar os cargos políticos cuja titularidade determina a aplicação da Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro, continuando a sua alínea f) a referir-se apenas aos eleitos locais em regime de tempo inteiro, referindo-se expressamente no corpo do artigo que a lista é feita sem prejuízo do disposto no “artigo anterior”, o que não acontecia na anterior redação (e o artigo anterior é meramente exemplificativo), ter-se-á de considerar, face à nova redação dos nºs 1 e 2 do artigo 9º, que os eleitos locais em regime de meio tempo passam, também, a estar abrangidos pelos limites previstos no nº 1 do artigo 9º.


G - O legislador, ao introduzir a palavra “nomeadamente” ao, sempre falado artigo 10.º e, também, na alínea a) do n.º2 do artigo 9, (da Lei n.º 83-C/2013) retirou o carácter taxativo ao elenco de cargos políticos neles referidos.


H - Pelo que dúvidas não restam de que, por força das alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, os eleitos em regime de tempo parcial devem considerar-se sujeitos aos limites previstos no nº 1 do artigo 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10 de outubro.


I - Tendo sido correto o entendimento da 1.ª instância ao considerar que, desde a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, o A. passou a encontrar-se na situação de acumulação impondo-se a suspensão do abono da sua pensão de aposentação com efeitos à data da entrada em vigor da referida Lei, isto é, desde 2014-01-01.


J - E, basta deter-nos na redação do n.º1 do artigo 9.º - “O exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas por pensionista ou equiparado ou beneficiário de subvenção mensal vitalícia determina a suspensão do pagamento da pensão ou prestação e da subvenção mensal vitalícia durante todo o período em que durar aquele exercício de funções - para concluirmos que não se trata de uma questão de opção por parte do aposentado entre o percebimento da pensão ou remuneração como nas anteriores redações do artigo.


L - Assim, em cumprimento do princípio da legalidade a que está vinculada, a Ré, ora Recorrente suspendeu, e bem, o abono da pensão de reforma do R. e solicitar-lhe-á a reposição das verbas que lhe foram pagas àquele título no período que decorreu desde que iniciou o exercício das suas funções políticas a meio tempo, isto é, desde novembro de 2017 tendo sido correta a decisão do Tribunal Administrativo e de Círculo de Lisboa”.


O recorrido apresentou contra-alegações, onde enunciou as conclusões seguintes:


“A. A recorrente CGA acaba por não carrear para os autos, nos melhores termos legais, qualquer fundamento, plausível, que permita sustentar a admissibilidade do presente recurso de revista dado que argumentar que importa esclarecer o teor e alcance do regime e teor do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, por força da redação dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 não constitui, só por si, fundamento suficiente para justificar que o Supremo Tribunal Administrativo deva conhecer do presente recurso excepcional de revista;


B. O Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, para além de estar bem fundamentado, é bastante claro e preciso na interpretação normativa que fez do referido artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, por força da redação dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, sendo certo que, inexiste qualquer divergência jurisprudencial ou qualquer divergência doutrinária in casu sob o regime previsto no artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, por força da redação dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12;


C. E se a recorrente não indica um só acórdão contrário ao sentido do acórdão ora objecto do recurso a verdade é que também não alega, nem o recorrido descortina, que a decisão recorrida esteja ferida por erro manifesto ou grosseiro, muito pelo contrário;


D. Por outro lado, não estamos sequer perante um regime legal que possa ser aplicado a um sem número de casos, pelo contrário, poder-se-ão contar pelos dedos os casos de vereadores em regime de meio tempo beneficiários da CGA, a quem se possa aplicar artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, por força da redação dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12;


E. Donde, não se poderá deixar de concluir, a recorrente CGA limita-se a afirmar, sem minimamente intentar demonstrar, que as identificadas questões assumem particular relevância jurídica e social e que têm virtualidade de expansão para além dos limites da situação singular, em termos de, assim, tornar a admissão deste especial recurso de revista como claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.


F. A declarada discordância da CGA com o sentido do decidido, por si só, embora susceptível de legitimar/motivar recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, revela-se antes e para o efeito jurídico processual que cumpre — admissibilidade da revista excepcional — art.º 150º n.º 1 e 5 do CPTA — manifesta e processualmente ineficaz.


G. O tribunal ora recorrido — o TCA Sul — fixou incontestada e definitivamente os factos materiais da causa e com o apoio jurisprudencial e doutrinário que expressamente convoca, concluiu e decidiu, por unanimidade dos seus Juízes Desembargadores, pelo provimento do recurso que apreciava, pela revogação da sindicada sentença de 1ª Instância e pela procedência da acção judicial intentada pelo ora recorrido;


H. Donde, entende o recorrido que não se verificam os pressupostos de admissibilidade da requerida revista (cfr. art.º 150º n.º 1 do CPTA), motivo pelo qual não deverá o recurso de revista ora apresentado pela recorrente CGA ser admitido pelo douto Supremo Tribunal Administrativo;


Em todo o caso, admitindo-se o recurso, por mera cautela, sempre se dirá que,


I. Estando nós nos presentes autos perante um processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias dúvidas não restam que, ao recurso da CGA, não poderá deixar de ser atribuído efeito meramente devolutivo;


J. O acórdão proferido nestes autos pelo TCAS está em plena consonância com o teor do acórdão n.º 96/2005 do Tribunal Constitucional que expressamente afasta os eleitos locais a meio tempo do regime aplicável ao exercício de funções em permanência;


K. Subsidiariamente, e conforme também decorre do acórdão do TCAS, diga-se que mesmo que se entenda que o exercício de funções de vereador a meio tempo é enquadrável no regime do exercício de funções em regime de permanência a verdade é que, ainda assim, mesmo nesse caso, tal facto não pode significar, sem mais e só por si, que o regime do artigo 9 da Lei n.º 52-A/2005 na atual redação também é aplicável aos eleitos locais a meio tempo até porque uma questão é o enquadramento das funções dos eleitos locais a meio tempo para efeitos da Lei nº 29/87, de 30/06, na atual redação, questão distinta é o exercício de funções a tempo inteiro ou a meio tempo para efeitos do previsto na Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na atual redação;


L. A única grande novidade que a Lei nº 83-C/2013, de 31/12 aportou quanto ao campo de aplicação subjetivo da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, foi a de passar a abranger não só cargos políticos, mas também cargos públicos, sendo que em matéria de cargos políticos, com as alterações que a Lei nº 83-C/2013, de 31/12 introduziu no artigo 9º da Lei n.º 52-A/2005 de 10/10 o legislador manteve o elenco que constava do artigo 10º na redação original e acrescentou mais dois cargos políticos, no entanto, na alínea a) do nº 2 do art.º 9º da Lei nº 52-A/2005, onde procedeu à enumeração expressa dos cargos políticos cuja acumulação determina o efeito previsto no nº 1 do mesmo normativo, o legislador manteve, inalterada, a referência aos eleitos locais em regime de tempo inteiro, ou seja, os eleitos locais em regime de meio tempo não estão nem nunca estiveram enumerados nas várias versões e redações da Lei n.º 52-A/2005 que se sucederam no tempo;


M. Donde, apesar de no corpo do n.º 2 do artigo 9º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10 o legislador empregar o vocábulo “nomeadamente” o elemento histórico da interpretação jurídica conduz à conclusão de que caso o legislador pretendesse que os eleitos locais a tempo parcial ficassem abrangidos pelos limites às cumulações no artigo 9º tê-lo-ia dito expressamente, aliás, bastaria ao legislador, nessa hipótese, fazer constar no mesmo normativo de forma genérica a expressão “eleitos locais”, isto é, sem especificar e distinguir se a tempo inteiro ou meio tempo, sendo que, interpretação diversa retiraria qualquer sentido útil à menção expressa aos eleitos locais em regime de tempo inteiro;


N. O acórdão do TCAS proferido nestes autos está perfeitamente em sintonia com a doutrina existente sobre a mesma matéria, desde logo em consonância com os ensinamentos da autora Maria José Leal Castanheira Neves que defende de forma clara o seguinte: “(...) Os eleitos locais que exercem o mandato em regime de meio tempo não estão incluídos no elenco dos cargos políticos do artigo 10 da Lei n.º 52-A/2005 de 10 de Outubro pelo que podem acumular a sua aposentação ou reforma com a remuneração a meio tempo. ” - Vide - Os Eleitos Locais, publicado pela Associação de Estudos de Direito Regional e Local, 2017, página 99.


O. O acórdão está ainda em harmonia com os entendimentos da CCDRN e da CCDRC que publicaram vários pareceres jurídicos nos quais vieram tais organismos da Administração Central defender que os mandatos em regime de meio tempo (como o caso do recorrente) não estão abrangidos pelos artigos 9º e 10º da lei nº 52-A/2005, de 10/10, nem na redação anterior nem na atual redação, isto é, os eleitos locais a meio tempo podem acumular a sua aposentação ou reforma com a remuneração a meio tempo — vide — pareceres identificados nas alegações de recurso e cujo teor se dá aqui por reproduzido;


P. O teor e sentido do Acórdão do TCAS também em linha com os fundamentos e sentido da decisão judicial proferida no âmbito do Processo n.º 69/14.4BECTB, Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, proferida no dia 10 de Março de 2016, já transitada em julgado na qual é igualmente requerida a Caixa Geral de Aposentações e ali requerente um vereador que tal como o recorrente também exercia funções a meio tempo e onde se decidiu que os eleitos locais a meio tempo não se encontram abrangidos pelo artigo 9º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 dado que tal norma apenas se aplica aos eleitos locais em regime de tempo inteiro;


Q. Acresce que pelo elemento literal, nunca poderá ser aplicado ao Recorrido o regime constante dos artigos 9 e 10 da Lei n.º 52-A/2005, na atual redação, não cabendo ao intérprete (no caso CGA) das normas estender o âmbito de aplicação de uma norma conferindo-lhe um sentido e alcance que nem sequer encontra apoio na letra da lei, sobretudo quando a lei em causa é uma lei lesiva e restritiva - concretizadora de um direito fundamental - direito à pensão do recorrido - para lá disso, a recorrente CGA também ignorou o elemento sistemático, pondo mesmo em causa a unidade do sistema jurídico dado que fez uma leitura do n.º 1 do artigo 9 desacompanhada da leitura integrada também do n.º 2 do mesmo artigo 9 e do artigo 10, donde, estender, por recurso à analogia ou à interpretação extensiva, o âmbito de aplicação de tal norma dos artigos 9 e 10 da Lei n.º 52-A/2005, na atual redação ao recorrido constituirá sempre uma violação, na aplicação e interpretação, disposto no artigo 9 do código civil e o artigo 18 da Constituição;


R. O artigo 9º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, na sua atual redação é apenas aplicável aos eleitos locais em regime de tempo inteiro, isto é, este regime nunca foi aplicável, ao longo das sucessivas redações da lei, aos eleitos locais em regime de meio tempo, sendo que, uma vez que os eleitos locais que exercem o mandato em regime de meio tempo não estão incluídos no elenco dos cargos políticos do artigo 10º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, podem acumular a sua aposentação ou reforma com a remuneração a meio tempo.


S. Ao assim não ter entendido, violou a douta sentença proferida na primeira instância, na interpretação e na aplicação, o disposto nos artigos 9 e 10 da Lei n.º 52-A/2005 de 10 de outubro, na atual redação, designadamente na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2014), pelo que, andou bem o TCAS ao proferir acórdão que veio revogar tal decisão, interpretando e aplicando, agora sim, tais normativos nos melhores termos legais”.


Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.


O digno Magistrado do MP junto deste STA emitiu parecer, onde concluiu que o recurso não merecia provimento.


Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Nos termos do n.º 6 do art.º 663.º do C. P. Civil, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido.


3. O ora recorrido, pensionista da CGA e que exercia funções de vereador da Câmara Municipal de Oliveira de Frades em regime de meio tempo, foi informado por aquela que, em virtude de exercer estas funções, a partir de Junho de 2018 era-lhe suspenso o pagamento da pensão de aposentação, por força do disposto no n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 52/2005, de 10/10, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12.


A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias que intentou veio a ser julgada improcedente por sentença do TAC que considerou que o exercício de funções de vereador em regime de meio tempo por pensionista enquadrava-se na previsão do n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 52/2005, por esse exercício ocorrer em regime de permanência a tempo parcial.


Entendimento contrário veio a ser sustentado pelo acórdão recorrido que, para o efeito, referiu:


“(…).


Apresenta-se consensual que anteriormente a tal alteração à Lei n.º 52-A/2005, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, em matéria de cumulações vigorava o entendimento que o art.º 79.º do Estatuto da Aposentação, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 179/2005, 2/11, não se aplicava aos eleitos locais aposentados, pelo que até à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2014, um vereador aposentado que exercesse funções em regime de meio tempo numa autarquia, não teria de optar entre o vencimento e a respetiva pensão.


Por outro lado extrai-se das alterações introduzidas pelo art.º 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 ao artigo 10.º da Lei n.º 52-A/2005, que quanto ao elenco dos titulares de cargos políticos, foram aditadas as alíneas i) e j), mas sem que tivessem sido aditados os eleitos locais em regime de meio tempo.


É de conceder que o legislador ao alterar os artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 52-A/2005, conheça a distinção de regimes associados aos eleitos locais em regime de permanência e em regime de meio tempo, considerando tais regimes terem há muito sido introduzidos no Estatuto dos Eleitos Locais.


Por outro lado, existindo o claro intuito de clarificação na alteração legislativa dada pelo art.º 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 ao art.º 10.º da Lei n.º 52-A/2005 quanto ao elenco dos titulares de cargos políticos, ao incluir as duas referências a que se referem as alíneas i) e j) do art.º 10.º - os membros dos Governos Regionais e os deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas –, sobre os quais nunca se suscitou qualquer dúvida sobre a sua qualidade de titulares de cargos políticos, não aproveitou o legislador a mesma oportunidade para incluir os eleitos locais a meio tempo.


Do mesmo modo, não se refere a tais eleitos locais a meio tempo no elenco previsto na alínea a), do n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 52-A/2005.


Não obstante se entender que houve o propósito de clarificação, não se pode afirmar que tenha existido um propósito de alargamento.


Não existindo elementos seguros do ponto de vista dos critérios de interpretação da norma jurídica que o legislador que aprovou a Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, tenha querido alargar o âmbito material de aplicação do art.º 9.º da Lei n.º 52-A/2005 aos eleitos locais em regime de meio tempo, tanto mais que também não os previu no art.º 10.º, não existem argumentos interpretativos sólidos para defender que a alteração legislativa quis passar a abranger os eleitos locais em regime de meio tempo, quando anteriormente, nos termos dos regimes anteriores, não se encontravam abrangidos.


O art.º 9.º não alterou o seu respetivo âmbito, mantendo a referência aos eleitos locais em regime de tempo inteiro, em nenhuma ocasião se referindo aos eleitos locais em regime de meio tempo, enquanto titulares de cargos políticos, como tal previstos no Estatuto dos Eleitos Locais.


Neste sentido, é de entender que ao ora Autor, eleito local em regime de meio tempo, não é aplicável o art.º 9.º da Lei n.º 52-A/2005, na redação dada pelo art.º 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12.


Em consequência, assiste razão ao recorrente, procedendo as conclusões do recurso, enfermando a sentença recorrida dos erros de julgamento ora apreciados”.


Vejamos se este entendimento é de manter.


A Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, ao alterar o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares dos cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares dos cargos executivos das autarquias locais, prescreveu, no art.º 9.º, sob a epígrafe “limites à cumulação”:


“1- Nos casos em que os titulares de cargos políticos em exercício de funções se encontrem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas, independentemente do regime público ou privado que lhes seja aplicável, é-lhes mantida a pensão de aposentação, de reforma ou a remuneração de reserva, sendo-lhes abonada uma terça parte da remuneração base que competir a essas funções, ou, em alternativa, mantida a remuneração devida pelo exercício efectivo do cargo, acrescida de uma terça parte da pensão de aposentação, de reforma ou da remuneração de reserva que lhes seja devida.


2- O limite previsto no número anterior não se aplica às prestações de natureza privada a que tenham direito os respectivos titulares, salvo se tais prestações tiverem resultado de contribuições ou descontos obrigatórios.


3- A definição das condições de cumulação ao abrigo do n.º 1 é estabelecida em conformidade com declaração do interessado para todos os efeitos legais”.


Por sua vez, o art.º 10.º, sob a epígrafe “titulares de cargos políticos”, estabeleceu:


“Consideram-se titulares de cargos políticos para efeitos da presente lei:


a) Os deputados à Assembleia da República;


b) Os membros do Governo;


c) Os Representantes da República;


d) O Provedor de Justiça;


e) Os governadores e vice-governadores civis;


f) Os eleitos locais em regime de tempo inteiro;


g) Os deputados ao Parlamento Europeu;


h) Os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira”.


A Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o orçamento de Estado para o ano de 2011, alterou o art.º 9.º que passou a dispor o seguinte:


“1- Nos casos em que os titulares de cargos políticos em exercícios de funções se encontrem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas devem optar ou pela suspensão do pagamento da pensão ou pela suspensão da remuneração correspondente ao cargo político desempenhado.


2- A opção prevista no número anterior aplica-se aos beneficiários de pensões de reforma da Caixa Geral de Aposentações e da segurança social e de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos sectores empresariais do Estado, regional e local.


3- Caso o titular de cargo político opte pela suspensão do pagamento da pensão de aposentação, de reforma ou da remuneração de reserva, tal pagamento é retomado, sendo actualizado nos termos gerais, findo o período de suspensão.


4- Os beneficiários de subvenções mensais vitalícias que exerçam quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas, nomeadamente em quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o sector empresarial municipal ou regional e demais pessoas colectivas públicas, devem optar ou pela suspensão do pagamento da subvenção vitalícia ou pela suspensão da remuneração correspondente à função política ou pública desempenhada.


5- A opção exercida ao abrigo dos nºs. 1 e 4 é estabelecida em conformidade com declaração do interessado, para todos os efeitos legais.


6- O disposto no presente artigo aplica-se no caso da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 4/85, de 9/4, alterada pelas Leis nºs. 26/95, de 18/8, 3/2001, de 23/2 e 52-A/2005, de 10/10”.


Depois de o art.º 203.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, que aprovou o orçamento de Estado para o ano de 2012, ter aditado ao referido art.º 9.º os nºs. 7 a 10, o art.º 78.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que aprovou o orçamento de Estado para o ano de 2014, alterou os mencionados artºs. 9.º e 10.º.


Relativamente ao art.º 9.º, revogou os seus nºs. 4, 5 e 6 e deu nova redacção aos nºs. 1, 2 e 3, nos seguintes termos:


“1- O exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas por pensionistas ou equiparado ou por beneficiário de subvenção mensal vitalícia determina a suspensão do pagamento da pensão ou prestação equiparada e da subvenção mensal vitalícia durante todo o período que durar aquele exercício de funções.


2- O disposto no número anterior abrange, nomeadamente:


a)- O exercício dos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, membro do Governo, deputado à Assembleia da República, juiz do Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça, Representante da República, membro dos Governos Regionais, deputado às Assembleias legislativas das Regiões Autónomas, deputado ao Parlamento Europeu, embaixador, eleito local em regime de tempo inteiro, gestor público ou dirigente de instituto público autónomo;


b)- O exercício de funções a qualquer título em serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o setor empresarial municipal ou regional e demais pessoas coletivas públicas;


c)- As pensões da CGA, nomeadamente de aposentação e de reforma, as pensões do CNP, as remunerações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade auferidas por profissionais fora da efetividade de serviço, bem como aos titulares de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos setores empresariais do Estado, regional e local.


3- O pagamento da pensão, da remuneração de reserva ou equiparada e da subvenção mensal vitalícia é retomado, depois de atualizadas aquelas prestações nos termos gerais, findo o período de suspensão.


Por sua vez, o art.º 10.º, passou a dispor:


“Para efeitos da presente lei, consideram-se titulares de cargos políticos, sem prejuízo do disposto no artigo anterior:


a)- Os deputados à Assembleia da República;


b)- Os membros do Governo;


c)- Os Representantes da República;


d)- O Provedor de Justiça;


e)- Os governadores e vice-governadores civis;


f)- Os eleitos locais em regime de tempo inteiro;


g)- Os deputados ao Parlamento Europeu;


h)- Os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira;


i)- Os membros dos Governos Regionais;


j)- Os deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas”.


Apesar das sucessivas alterações sofridas pelo art.º 9.º, da Lei n.º 52-A/2005, é inquestionável que, até à alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, os limites à cumulação constantes daquele preceito não eram aplicáveis aos vereadores das Câmaras Municipais que exerciam funções em regime de meio tempo, os quais, embora fossem eleitos locais abrangidos pelo Estatuto aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/6, e, portanto, titulares de cargos políticos, não estavam incluídos no elenco do art.º 10.º que, no que se refere aos eleitos locais, apenas abrangia os que exercessem funções em regime de tempo inteiro.


É com a nova redacção conferida aos artºs. 9.º e 10.º pela Lei n.º 83-C/2013 que a questão se torna duvidosa.


Resulta do art.º 9.º, do C. Civil, que o sentido prevalente da lei deve coincidir com a vontade real do legislador que inequivocamente se infira do seu texto, o qual funciona, assim, como o seu ponto de partida e limite.


Para interpretação das referidas normas dos artºs. 9.º e 10.º, haverá, pois, que começar por compreender o seu texto.


Como decorre claramente do que ficou exposto, enquanto anteriormente o legislador especificava, de forma taxativa, os titulares dos cargos políticos a que a Lei n.º 52-A/2005 era aplicável, com a Lei n.º 83-C/2013, além de alargar o seu âmbito de aplicação, através da inclusão, ao lado do exercício de funções políticas, do exercício de funções públicas remuneradas, passou a adoptar um sistema misto de combinação da cláusula geral constante do n.º 1 do art.º 9.º com uma enumeração meramente ilustrativa das situações que eram abrangidas por ela. Daí que, na al. a) do n.º 2 do art.º 9.º, sejam indicados, a título exemplificativo, vários cargos políticos e públicos incluídos na cláusula geral e no art.º 10.º se enumerem os titulares dos cargos políticos a que a lei é aplicável.


Na nova redacção dada ao art.º 10.º, o legislador limitou-se a acrescentar a expressão “sem prejuízo do disposto no artigo anterior” e a aditar à enumeração dos titulares de cargos políticos que dele constava os “membros dos Governos Regionais” (cf. al. i) e os “deputados às Assembleias Legislativas das Regiões autónomas” (cf. al. j). A aludida expressão, segundo cremos, só pode significar que a Lei n.º 52-A/2005, além de ser aplicável aos cargos políticos especificados nas várias alíneas do preceito, também o é aos cargos políticos mencionados na al. a) do n.º 2 do art.º 9.º que não constam da referida enumeração, como sejam o Presidente da República e o presidente da Assembleia da República. Efectivamente, entendendo-se, como a ora recorrente, que no art.º 10.º estavam incluídos todos os cargos políticos, mostrava-se inútil a enumeração a que o legislador da Lei n.º 83-C/2013 reconheceu inequivocamente utilidade, quando não só manteve aquela que vinha da versão original do diploma, como ainda lhe acrescentou dois cargos políticos.


Assim, o art.º 10.º deve ser interpretado no sentido que, para efeitos da lei, se consideram titulares de cargos políticos aqueles que aí estão enumerados, bem como os que são indicados na al. a) do n.º 2 do art.º 9.º e que não constam desse elenco.


E, tendo o legislador especificado que abrangidos pela Lei n.º 52-A/2005 eram os “eleitos locais em regime de tempo inteiro”, afastou, “a contrario”, qualquer outra categoria de eleitos locais, não se podendo estender o sentido da norma de forma a abarcar os eleitos locais em regime de meio tempo, apesar de estes também serem titulares de cargos políticos remunerados.


Nestes termos, improcede a presente revista.


4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.


Sem custas.


Lisboa, 13 de Março de 2019. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.