Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0211/10
Data do Acordão:05/26/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
INCENTIVOS FISCAIS
Sumário:I - A concessão de incentivos fiscais (ao abrigo do Decreto-Lei n.º 194/80 de 19/6) tem como contrapartida, caso se constate o não cumprimento dos objectivos ou condições a que está subordinada a concessão, a obrigação de pagamento das importâncias fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano, obrigação esta que não se confunde nem coincide com as obrigações tributárias que lhe estão subjacentes.
II - Assim, o prazo de prescrição da dívida em causa conta-se, nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho, do prazo de 30 dias após a notificação do despacho que determinou a caducidade dos incentivos, pois que o facto gerador do dever de os restituir é a constatação do não cumprimento das condições que motivaram a sua concessão e, os termos do n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Nº Convencional:JSTA00066453
Nº do Documento:SA2201005260211
Data de Entrada:03/18/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2009/05/12 PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - APOIO FINANC PRODUÇÃO.
DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPCI63 ART27.
CPTRIB91 ART34 N1 ART83.
LGT98 ART48 N1 ART49 N1.
CCIV66 ART8 N3 ART9 N1 ART297 N1 ART306.
DL 194/80 DE 1980/06/19 ART43 N3.
CIRC88 ART80.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC617/07 DE 2007/12/19.; AC STA PROC8/08 DE 2008/04/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – Da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 12 de Maio de 2009, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide em razão da prescrição da dívida impugnada, interpôs a Fazenda Pública recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal Norte, apresentando para tal as seguintes conclusões:
A. A douta sentença posta em crise decidiu extinguir o processo de impugnação judicial por inutilidade superveniente da lide por prescrição de dívida de IRC.
B. O “thema decidendum” do douto decisório centrou-se na questão da data em que se deve considerar verificado o facto tributário em crise nos presentes autos.
(Inexiste conclusão C.).
D. Tendo sido determinado que o mesmo se teria verificado em 31.12.1989, por se tratar de IRC relativo a esse exercício.
E. Nos termos do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06., verificada a caducidade dos benefícios concedidos à luz daquele diploma, teriam os beneficiários de pagar as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, no prazo de 30 dias a contar da notificação para o efeito.
F. O artº 48º da Lei Geral Tributária prevê excepções ao regime da prescrição nele existente.
G. Por outro lado, os acórdãos citados afirmam unanimemente que os prazos de caducidade e prescrição que envolvam a atribuição dos benefícios previstos no Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06, por força do que dispõe o artigo 306.º do CC, começam a correr assim que o direito puder ser exercido, ou seja, a partir do momento em que, por despacho do Ministro das Finanças, for declarada a caducidade dos incentivos financeiros concedidos, com a consequente revogação do despacho que os concedeu.
(Inexistem as conclusões H., I., J, L. e M …).
N. Pelo que, decidindo como foi efectivamente decidido, é convencimento da Fazenda Pública que a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado este em errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, violando o disposto nos artigos 48.º da Lei Geral Tributária e 43.º do Decreto-Lei 194/80, de 19.06.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.
Por despacho do Meritíssimo Desembargador Relator no Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 28 de Janeiro de 2010, o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso e competente este Supremo Tribunal, para o qual foram remetidos os presentes autos após trânsito em julgado, como requerido pela recorrente (cfr. despacho do Relator, a fls. 227 a 231 dos autos).
2 - Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 190 a 206 dos autos, concluindo nos seguintes termos:
A. O presente recurso vem interposto da sentença do tribunal administrativo e Fiscal do Porto, de 12.05.2009, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos autos de impugnação judicial da liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1989, no valor de € 177.824,66.
B. A recorrida impugnou a liquidação, invocando a inutilidade superveniente da lide, por se verificar a prescrição da dívida tributária, a caducidade do direito de liquidar, bem como, vários vícios de falta de fundamentação e de violação de lei.
C. O Magistrado do MP junto do Tribunal “a quo”, emitiu douto parecer no sentido da manifesta improcedência da impugnação por prescrição da dívida.
D. Entendeu o Tribunal “a quo” que o facto tributário subjacente à alegada dívida vertida na liquidação impugnada “… verificou-se em 31.12.1989 …”, e que, como tal, por força do n.º 1 do art. 34.º do Código de processo tributário (CPT) – aqui aplicável por força das normas que disciplinam a sucessão de leis no tempo, bem como, do princípio da aplicação da lei mais favorável em direito fiscal -, em 01.07.2001 a alegada dívida de imposto estava já extinta por prescrição.
E. Concluiu assim o Tribunal que “… perdeu utilidade a prossecução dos autos …” de impugnação judicial e, por conseguinte, declarou extinta aquela instância.
F. Ora, entende a RFP que, contrariamente ao que defende o Tribunal 2ª quo2, o ilustre representante do MP junto daquele Tribunal e a impugnante, o prazo pertinente para contagem da prescrição da dívida tributária em apreço, não é aquele que a lei considera aqui como data do facto tributário (isto é, 31.12.1989), mas antes, a data “… da notificação do incumprimento dos requisitos que preencheriam os pressupostos da concessão dos benefícios fiscais .
G. Supostamente em abono da sua tese, a recorrente cita os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.05.2009 e 25.03.2009, respectivamente proferidos, no âmbito dos processos n.º 0211/09 e n.º 0918/08 que ali correram.
H. Com base naqueles acórdãos o recorrente concluiu que a contagem do prazo de prescrição em apreço se há-de fazer nos termos do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho, bem como, das normas do Código Civil (CC), e que, como tal, a contagem não se fará a partir de 31.12.1989 (data do facto tributário), mas antes, a partir da notificação à recorrida do despacho do Secretário de Estado do Planeamento, que alterou de cinco para três anos o período de isenção de imposto inicialmente concedido ao abrigo do SIII, ocorrida em 20.11.1997.
I. Conclui assim a RPF que a sentença recorrida “… incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciando-se este em errada interpretação e aplicação das normas legais citadas [concernentes à contagem da prescrição], violando, por isso, o disposto nos artigos 48º da Lei Geral Tributária e 43.º do Decreto-Lei 194/80, de 19.06”.
J. Contudo, falece qualquer fundamento ao recurso da RPF, porquanto, a lei foi bem aplicada na sentença recorrida e, como tal, pela mera subsunção dos factos apurados às normas legais vigentes facilmente se conclui a prescrição.
K. Estando aqui em causa a apreciação da eventual prescrição de um crédito de IRC referente ao exercício de 1989, é inapelável que “… o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”, ou seja, em 31.12.1989.
L. A notificação à recorrida em 20.11.1997 do despacho do Secretário de Estado do Planeamento, que alterou de cinco para três anos o período de isenção de imposto inicialmente concedido, em nada influi na contagem da prescrição.
M. A concessão de incentivos fiscais ao abrigo do programa SIII assenta na opção legislativa pela previsão de um benefício fiscal sujeito a uma condição resolutiva.
N. O facto tributário subjacente à tributação em sede de IRC – que determina a exigência de imposto – é a geração de lucros tributáveis naquele exercício (1989) não tendo a opção do legislador pela concessão de um benefício condicionado a virtualidade de alterar a essência do facto gerador.
O. Este é o entendimento unânime da jurisprudência. Veja-se, por todos, o Acórdão do STA, de 20.12.2000 (proc .n.º 025616), nos termos do qual se concluiu que, neste caso, o “ … facto tributário não deixa de ser, por força dos despachos que, primeiro, concederam os incentivos fiscais e, depois, declararam a sua caducidade, a actividade geradora de lucros, levada a cabo ao longo dos vários exercícios. Em nenhum caso se pode entender que o facto tributário é o despacho que declarou a caducidade dos incentivos, pretendendo-se que o prazo de prescrição só começa a correr no primeiro dia seguinte ao da sua prolação”.
P. O facto tributário é, assim, “… tal como ensina a doutrina e a jurisprudência, o facto material que produz efeitos jurídicos fiscais, ou seja, o facto que preenche os pressupostos legais da norma de incidência de imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária …” (cfr. Acórdão do TCA Sul, de 03.11.2003, proferido no processo n.º 04816/01), sendo de concluir que, “in casu2, tal facto é constituído unicamente pela geração de rendimentos tributáveis na esfera da recorrida – no exercício de 1989.
Q. Não se advogue, como abusiva e inexplicavelmente faz a recorrente, que a jurisprudência superior perfilha entendimento diverso do que aqui se propugna.
R. Isto porque, sem prejuízo das doutas transcrições dos acórdãos levada a cabo pela RFP, deve notar-se que as mesmas pecam por defeito, porquanto, os aludidos acórdãos referem-se única e exclusivamente à apreciação do regime aplicável aos incentivos financeiros concedidos ao abrigo do programa SIII, e não, como se pretende valer, aos incentivos fiscais concedidos ao abrigo do mesmo programa.
S. Ora, a questão em apreço nos autos prende-se apenas com a análise da liquidação adicional do IRC do exercício de 1989 por a Administração fiscal alegadamente ter constatado a caducidade de um benefício então concedido.
T. Ainda que por absurdo se acolhesse a aplicação à liquidação de imposto “sub judice” do quadro legal aplicado naqueles acórdãos, teríamos de aplicar também o entendimento ali acolhido de que o prazo de prescrição seria de 20 anos e apenas começaria a correr “assim que o direito puder ser exercido”.
U. Por um lado, aplicar-se-ia a uma determinada dívida de IRC um prazo de prescrição manifestamente superior ao previsto para os demais créditos tributários, com claro prejuízo para as mais elementares garantias da recorrida.
V. Por outro, a Administração fiscal só teria mesmo de se lamentar da sua inércia e assumir a omissão do Estado no cumprimento da lei, porquanto, o Decreto-Lei n.º 194/80 impunha à entidade coordenador do programa SIII a obrigação de reavaliar os projectos e a sua implementação “decorrido um período máximo de dois exercícios económicos completos, após o termo da fase de investimento do projecto”.
W. Porém, neste caso, sem prejuízo de a recorrida ter disponibilizado – dentro do prazo – à Administração todos os elementos necessários à correcta avaliação do seu investimento, só decorridos mais de dez anos é que foi notificada da avaliação final do projecto de investimento e da fixação da pontuação definitiva.
X. Ao prever aquele prazo de dois anos o legislador quis justamente acautelar que, nestes casos, a recuperação de eventuais créditos fiscais se processasse dentro do devido prazo de caducidade – cinco anos – o que, aliás, não se verificou única e exclusivamente por inércia da Administração, portanto,”sibi imputet”.
Y. O direito da administração fiscal liquidar os valores adicionais referentes a 1989 caducou em 31.12.1994, e, como tal, qualquer correcção “a posteriori” só poderia surgir sobre a forma de liquidação adicional a efectuar, forçosamente, dentro do prazo de caducidade, sob pena de flagrante violação da lei, do princípio da legalidade tributária e do princípio da protecção da confiança.
Z. Neste caso, reportando-se as liquidações em apreço ao exercício de 1989, e tendo as mesmas sido notificadas à recorrida em Maio de 2002, é manifesto e intransponível que o direito à liquidação caducou e a alegada dívida prescreveu.
AA. Nos precisos termos peticionados “ab initio” pela recorrida, termos esses defendidos pelo ilustre representante do MP junto do Tribunal “a quo” e, por fim, vertidos na sentença, a dívida em apreço nos autos, nos termos do n.º 2 do art. 34.º do Código de Processo Tributário está prescrita desde 01.07.2001.
BB. Verificada a prescrição das dívidas inerentes às liquidações impugnadas, aquelas extinguem-se, perdendo utilidade a prossecução dos autos de impugnação, pelo que, a sentença decidiu correctamente ao declarar extinta a instância, ao abrigo da alínea e) do art. 287.º do Código de Processo Civil (CPC) – “ex vi”, alínea e) do art. 2.º do CPPT -, por manifesta inutilidade superveniente da lide, devendo portanto ser mantida e acatada na sua totalidade.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO; E A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA INTEGRALMENTE MANTIDA.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto: Saber se a dívida de IRC relativa ao ano de 1989, emergente da restituição de incentivos fiscais, concedidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho, é inexigível por prescrição da obrigação tributária.
Fundamentação
A questão a resolver é a de saber em que data nasceu o facto que dá origem à dívida exequenda.
A Recorrente alega que a obrigação só se constitui pelo facto de não serem cumpridos os objectivos e condições a que estava subordinada a concessão de incentivos e que tal incumprimento há-de resultar da declaração de caducidade efectuada por despacho do Ministro das Finanças. Parte deste raciocínio para concluir que o direito de exigir a restituição daquelas quantias só nasce a partir da prolação daquele despacho. Aduz a favor da sua tese os acórdãos deste STA de 27/05/2009, processo n.º 211/09, e de 25/03/2009, processo n.º 918/08.
Relativamente aos incentivos fiscais em causa vigora não o regime geral relativo à caducidade e prescrição, mas antes o regime especial definido pelo artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho. Nesta norma prevêem-se como contrapartidas da concessão dos benefícios, obrigações autónomas de pagamento de quantias, subordinadas à condição resolutiva que impende sobre a concessão daqueles.
A este respeito sufragamos o discurso jurídico do acórdão do STA de 19-12-2007, processo n.º 617/07, designadamente quando afirma que “não se trata, aqui, directamente, de pagamento de impostos devidos, mas do pagamento de uma quantia como contrapartida da concessão de incentivos financeiros, derivada do não cumprimento dos objectivos ou condições a que a concessão ficou subordinada, obrigação esta que é autónoma e distinta das obrigações de pagamento do imposto que poderiam resultar das respectivas liquidações, autonomia essa que, aliás, é evidenciada pela taxa de juros compensatórios especialmente fixada, de 12% ano, que não coincide com a taxa de juros prevista quer no artigo 80.º do CIRC (na redacção inicial e na do Decreto-Lei n.º 44/98 de 3 de Março) quer no artigo 83.ºdo CPT, normas estas em que se prevê que a taxa de juros compensatórios corresponde à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor no momento do início do retardamento da liquidação do imposto, acrescida de cinco pontos percentuais.
Isto é, esta obrigação prevista no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 194/80 não é directamente de pagamento dos impostos que não foram liquidados acrescida dos juros compensatórios que deveriam ser cobrados, mas, como resulta do seu texto, uma obrigação distinta, de pagamento de importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano. A fonte desta obrigação não são já os factos tributários que são considerados para cálculo da importância a pagar, mas sim o facto de não serem cumpridos os objectivos e condições a que estava subordinada a concessão de incentivos.”
Significa isto que, a contrapartida da concessão de incentivos fiscais, caso se constate o não cumprimento dos objectivos ou condições a que está subordinada a sua concessão, é o pagamento das importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano, obrigação esta que não se confunde nem coincide com as obrigações tributárias que lhe são subjacentes.
Assim sendo, o prazo de prescrição deve contar-se a partir do facto tributário que dá origem à obrigação, ou seja, a partir do momento em que, por despacho do Ministro das Finanças for declarada a caducidade dos incentivos fiscais concedidos, com a consequente revogação do despacho que os concedeu.
CONCLUSÃO
Em nosso entender o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a dívida exequenda, emergente do incumprimento da obrigação de reposição de incentivos fiscais concedidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho se encontra prescrita.
5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos (que enumeramos):
1. A dívida em apreço refere-se a IRC, relativa ao exercício de 1989, no montante de € 177.824,64 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
2. Para cobrança coerciva do referido montante, foi instaurado o respectivo processo de execução fiscal n.º 1910200301004107, em 11/03/2003 – cfr. processo executivo apenso aos autos.
3. A ora impugnante foi citada para esta execução fiscal em 21/05/2003 – cfr. fls. 7 verso do processo de execução fiscal apenso.
4. A dívida em apreço respeita à restituição de incentivos financeiros, concedidos provisoriamente ao abrigo do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho, para 1985, à impugnante – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
5. Em 22/08/1997, foi proferido despacho que alterou de cinco para três anos o período de isenção de imposto inicialmente concedido – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
6. Este despacho foi notificado à impugnante em 05/12/1997 – cfr. processo administrativo apenso aos autos.
7. Em Agosto de 1998, a aqui impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção que, dando execução ao despacho definitivo proferido em 22/08/1997, alterou o lucro tributável da empresa nos exercícios de 1988 e 1989 – cfr. documentos n.º 7 e 9 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
8. Tal alteração foi comunicada à impugnante, por carta registada com aviso de recepção, enviada em 02/05/2002 – cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial.
9. A impugnante foi notificada da liquidação n.º 8310007985, de 08/05/2002, com o valor de € 177.824,64, por carta registada com aviso de recepção, datada de 16/05/2002 – cfr. fls. 56 do processo administrativo apenso e documento n.º 1 junto com a petição inicial.
10. Em 16/07/2002, a ora impugnante apresentou a presente impugnação judicial – cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial.
6 – Apreciando
6.1 Da prescrição da dívida impugnada
A sentença recorrida, a fls. 150 a 154 dos autos, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por ter considerado prescrita a dívida tributária em causa.
Para assim decidir, considerou que o prazo de prescrição conta-se em função da verificação do facto tributário (artigo 27.º do CPCI, artigo 34.º, n.º 2 do CPT e artigo 48.º da LGT) e não em função de qualquer outro, a saber: da liquidação da obrigação tributária, da revogação do benefício fiscal que condicionara ou obstara à realização da liquidação ou da notificação dessa revogação ao contribuinte (cfr. sentença, a fls. 152 dos autos), e que, face ao estipulado no artigo 297.º n.º 1 do CC, o prazo de prescrição a considerar é o de 10 anos, prescrito no artigo 34.º, n.º 1 do Código de Processo Tributário, contado desde 1 de Julho de 1991, que correu seguido até 1 de Julho de 2001, pois que compulsando a matéria de facto apurada, verifica-se que o primeiro facto interruptivo ocorreu em 16/07/2002, com a instauração dos presentes autos de impugnação e que, antes, nenhum outro se verificou (cfr. sentença recorrida, a fls. 153/154 dos autos).
Contesta o decidido a recorrente, alegando que os prazos de caducidade e prescrição que envolvam a atribuição dos benefícios previstos no Decreto-Lei n.º 194/80, de 19.06, por força do que dispõe o artigo 306.º do CC, começam a correr assim que o direito puder ser exercido, ou seja, a partir do momento em que, por despacho do Ministro das Finanças, for declarada a caducidade dos incentivos financeiros (cfr. conclusão E) das suas alegações de recurso, supra transcritas), e não do termo do ano em que se verificou o facto tributário, pelo que a sentença recorrida teria incorrido em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado este em errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, violando o disposto nos artigos 48.º da Lei Geral Tributária e 43.º do Decreto-Lei 194/80, de 19.06 (cfr. conclusão N) das suas alegações de recurso).
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal considera que o recurso merece provimento, citando nesse sentido o decidido no Acórdão deste Tribunal de 19 de Dezembro de 2007 (rec. n.º 617/07).
Vejamos.
Sendo correcta a contra-alegação da recorrida de que os Acórdãos deste Tribunal citados pela recorrente versam sobre incentivos financeiros, não se afigura já igualmente correcta a sua tese no sentido da inaplicabilidade aos incentivos fiscais previstos no Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho de idêntico regime no que respeita ao termo inicial de contagem dos prazos de prescrição (bem como do de caducidade, embora sobre este não caiba aqui decidir, pois que a questão da caducidade não foi objecto de pronúncia em primeira instância).
É jurisprudência hoje pacífica deste Tribunal que, quer quanto aos incentivos financeiros quer quanto aos fiscais previstos no Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho (cfr., expressamente quanto a estes, o Acórdão deste Tribunal de 19 de Dezembro de 2007, rec. n.º 617/2007), tais prazos se contam nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 194/80, de 19 de Junho, ou seja, 30 dias após a notificação do despacho que determinou a caducidade dos incentivos, pois que o facto gerador do dever de os restituir é a constatação do não cumprimento das condições que motivaram a sua concessão e, os termos do n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido (neste sentido, para além dos já citados, o Acórdão deste Tribunal de 23 de Abril de 2008, rec. n.º 8/08).
É que, como se diz no nosso Acórdão de 19 de Dezembro de 2007 (rec. n.º 617/07), a cuja fundamentação se adere pois que importa contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil):
«(…) relativamente aos incentivos fiscais em causa, vigora um regime especial definido no art. 43.º DL n.º 194/80, de 19 de Junho em que, sob a epígrafe contrapartida dos incentivos e fiscalização, se estabelece o seguinte: 3 - O não cumprimento dos objectivos e condições a que aludem os números anteriores implicará, além da caducidade de todos os benefícios concedidos à empresa promotora, a obrigação de, no prazo de trinta dias a contar da respectiva notificação: a) Restituir as importâncias correspondentes aos benefícios financeiros já recebidos, acrescidas de juros calculados à taxa aplicável a operações activas de prazo correspondente; b) Pagar as importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano, contado da data da transmissão, no caso da sisa, e do dia imediato ao último do respectivo prazo de cobrança à boca do cofre em que normalmente devia ser efectuado o pagamento dos outros impostos, até à data daquela notificação, procedendo-se, na falta de pagamento dentro daquele prazo de trinta dias, ao débito ao tesoureiro da Fazenda Pública para cobrança, com juros de mora, nos sessenta dias seguintes, findos os quais haverá lugar a procedimento executivo.
Nesta norma criam-se, como contrapartida da concessão dos benefícios, obrigações autónomas de pagamento de quantias, subordinadas à condição resolutiva que impende sobre a concessão de incentivos de «não cumprimento dos objectivos e condições».
No caso de incentivos financeiros, a obrigação que é contrapartida da concessão consiste na restituição das quantias recebidas e, no caso de incentivos fiscais, no pagamento das importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano.
Não se trata, aqui, directamente, de pagamento dos impostos devidos, mas do pagamento de uma quantia como contrapartida da concessão de incentivos financeiros, derivada do não cumprimento dos objectivos ou condições a que a concessão ficou subordinada, obrigação esta que é autónoma e distinta das obrigações de pagamento do imposto que poderiam resultar das respectivas liquidações, autonomia essa que, aliás, é evidenciada pela taxa de juros compensatórios especialmente fixada, de 12% ano, que não coincide com a taxa desses juros prevista quer no art. 80.º do CIRC (na redacção inicial e na do Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de Março) quer no art. 83.º do CPT, normas estas em que se prevê que a taxa de juros compensatórios corresponde à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor no momento do início do retardamento da liquidação do imposto, acrescida de cinco pontos percentuais. Isto é, esta obrigação prevista no art. 43.º DL n.º 194/80 não é directamente de pagamento dos impostos que não foram liquidados acrescida dos juros compensatórios que deveriam ser cobrados, mas, como resulta do seu texto, uma obrigação distinta, de pagamento de importâncias correspondentes às receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas do juro compensatório de 12% ao ano. A fonte desta obrigação não são já os factos tributários que são considerados para cálculo da importância a pagar, mas sim o facto de não serem cumpridos os objectivos e condições a que estava subordinada a concessão de incentivos. Como resulta literalmente do texto do citado n.º 3 do art. 43.º, é esse não cumprimento dos objectivos e condições que «implicará, além da caducidade de todos os benefícios concedidos à empresa promotora, a obrigação de, no prazo de trinta dias a contar da respectiva notificação», pagar as quantias referidas nas suas alíneas a) e b).
Aliás, nem outra solução se compreenderia, pois, prevendo-se, no art. 12.º do citado Decreto-Lei n.º 194/80, a concessão de incentivos por períodos superiores aos dos prazos de caducidade de liquidação dos impostos, a aplicação destes prazos reconduzir-se-ia à inviabilidade legal de impor o pagamento das contrapartidas previstas para o não cumprimento dos objectivos e condições, nos termos do art. 43.º, n.º 3, alínea b), o que estaria em manifesta oposição com o objectivo visado com esta última disposição, que é o de permitir cobrar as quantias que seriam cobradas nos casos em que se constatar esse não cumprimento» (fim de citação).
Vejamos, pois, à luz destas considerações, se, de qualquer modo, se encontra prescrita a obrigação tributária, aceitando o pressuposto, de que a recorrente não discorda, da aplicabilidade do prazo de prescrição tributária, contado a partir do facto tributário que dá origem à obrigação [o facto que «implica (...) a obrigação» de pagamento] que é a constatação do não cumprimento dos objectivos e condições de concessão dos incentivos, solução que se impõe por congruência de soluções, e por isso a aceitável à face do princípio da unidade o sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil) (cfr. Acórdão citado).
Ora, a esta luz, e atendendo aos factos fixados no probatório, atendendo a que em 22 de Agosto de 1997 foi proferido despacho que alterou de cinco para três anos o período de isenção de imposto inicialmente concedido, despacho que foi notificado à impugnante em 5 de Dezembro de 1997, o prazo de prescrição tributária aplicável seria já o de 8 anos constante no n.º 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária, prazo este que logo se interrompeu (artigo 49.º n.º 1 da Lei Geral Tributária) em 16 de Julho de 2002, com a apresentação da impugnação judicial, interrupção que se mantém.
Manifesto é, pois, não ter ocorrido a prescrição da dívida tributária e, assim sendo, a sentença recorrida que com base na prescrição julgou a lide supervenientemente inútil não pode manter-se, devendo os autos baixar à primeira instância para que prossigam.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, devendo os autos baixarem à primeira instância para julgamento das demais questões suscitadas na petição de impugnação.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 26 de Maio de 2010. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pimenta do Vale - Jorge Lino.