Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:073/20.0BALSB
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:JUBILAÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO
CONTRIBUIÇÕES
Sumário:I - O “tempo de serviço”, a que se refere o art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público, como condição da jubilação, deve ser entendido como “tempo de serviço com os descontos inerentes”.
II - Não preenche a referida condição o tempo de serviço prestado no exercício da Advocacia, numa situação em que o interessado ao abrigo da legislação aplicável resgatou as quantias que previamente tinha pago à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
III - O art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público interpretado no sentido referido em I e II não ofende o art. 63º, 4, da Constituição.
Nº Convencional:JSTA00071727
Nº do Documento:SA120230511073/20
Data de Entrada:07/07/2020
Recorrente:AA
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ARTIGO 190.º, N.º 1 DA LEI N.º 68/2019, DE 27 DE AGOSTO
ARTIGO 148.º, N.º 1, DA LEI 47/86, DE 15 DE OUTUBRO
ARTIGO 10.º, N.º 1 E 3 DO REGULAMENTO DA CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES (RCPAS) APROVADO PELA PORTARIA N.º 487/83
ARTIGO 80.º, N.º 3, DO DECRETO-LEI N.º100/99, DE 31 DE MARÇO
ARTIGO 63.º, N.º 4 DA CRP
Aditamento:
Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


1. Relatório
1.1. AA, com a categoria de Procurador da República no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., residente na Rua - ... – ..., melhor identificado nos autos, veio intentar ACÇÃO ADMINISTRATIVA contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO, com vista à impugnação da deliberação proferida em 16 de Junho de 2020, que manteve a deliberação da Secção Permanente do mesmo Conselho de 20 de Fevereiro de 2020, assim indeferindo a reclamação por si apresentada com vista à contagem de tempo de serviço, enquanto advogado, para a sua jubilação.

1.2. Pede a anulação da referida deliberação e a condenação da entidade demandada a praticar o legal ato que confira ao autor o estatuto da jubilação, ou, subsidiariamente ser aquela entidade condenada a aceitar o depósito liberatório a efectuar pelo autor, no valor das contribuições resgatadas de €5.671,81, acrescido dos juros legais vencidos desde 28/06/2006 (data da deliberação da CPAS a deferir o resgate) até à data do depósito, para o R. lhe dar o legal destino, e, condenar-se o R. a conceder ao autor, após esse depósito, o estatuto da Jubilação, com as demais consequências legais

1.3. Alega para o efeito e em síntese:
- Nasceu em 15/11/1954, pelo que completou 65 anos de idade no passado dia 15/11/2019;
- Tinha em 31/03/2018, 28 anos, 10 meses e 13 dias de descontos para a CGA, pelo que em 31/12/2019 perfez 30 anos, 7 meses e 13 dias;
- Ingressou na magistratura em 23/08/1979 e iniciou uma licença sem vencimento de longa duração em 20/01/1990, tendo regressado à Magistratura do MP em 15/10/1999, onde permaneceu ininterruptamente até à atualidade;
- No período compreendido entre 01/01/1990 e 15/10/1999, inscreveu-se como Advogado na Ordem dos Advogados, passando a estar inscrito obrigatoriamente na CPAS durante tal espaço temporal, pagando as respetivas contribuições, ou seja durante 9 anos, 5 meses e 15 dias;
- Somando o tempo de serviço com inscrição na CGA e na CPAS, em 31/12/2019, o autor tinha 40 anos e 28 dias de serviço, tendo atingido 40 anos de serviço no dia 03/12/2019;
- Por não ter o período mínimo contributivo na CPAS, que era e é de 15 anos, e porque nunca poderia usufruir duma pensão quando atingisse a idade de reforma, decidiu resgatar essas contribuições, pelo que após deliberação de 28/06/2006 da CPAS, lhe foi entregue a importância de €5.671,82, que representa 80% das contribuições entregues, pelo que tendo pago €7.089,78, restou na CPAS, a título de contribuições a importância de €1.417,96;
- Solicitou informação à CGA a saber se poderia pagar as contribuições relativas ao período de licença sem vencimento, tendo esta entidade informado o autor por ofício de 18/04/2018 que apenas poderia ser contado o período entre 06/04/1999 e 14/10/1999 (cerca de 6 meses) e para o restante, não havia enquadramento legal para autorizar o pagamento do período total de licença sem vencimento;
- A CPAS não aceita a reposição das contribuições resgatadas – cf. decisão comunicada ao colega a quem em idêntica situação de facto e de direito foi concedido pela entidade demandada o estatuto da jubilação, pelo que o mesmo impugnou judicialmente esta decisão, tendo a instância sido declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, face à revogação pela CGA do ato que não lhe concedera uma pensão reduzida;
- A CGA acabou por conceder ao citado colega a pensão completa, correspondente a 40 anos de serviço, integrando nesta contagem de tempo de serviço o período em que esteve inscrito na CPAS, após anulação dum primeiro ato em que assim não procedera e na sequência da ação interposta pelo colega;
- A entidade demandada aceita que o tempo de serviço prestado como advogado com inscrição na CPAS seja contado como tempo de serviço e assim relevar para efeitos da concessão do estatuto da jubilação, desde que não tenha ocorrido o resgate das contribuições entregues – entre outros, veja-se acórdão proferido no processo de jubilação 3212/20;
- Deu entrada ao seu pedido de jubilação/aposentação, entregando na repartição administrativa do TCAN o respetivo requerimento, acompanhado dos documentos exigidos, em 18/10/2019;
- Entende que a deliberação impugnada padece de vício de violação de lei, e concretamente das normas dos artigos 148 – nº 1 do anterior estatuto do MP aprovado pela Lei 47/86 de 15/10, com sucessivas alterações, as últimas das quais introduzidas pela Lei 114/2017 de 29/12, aplicável à data do pedido, ou da norma do nº 1, do art.º 190º do actual estatuto aprovado pela Lei 68/2019 de 27/08, com idêntica redacção;
- A entidade demandada não lhe concedeu o estatuto da jubilação, por entender que o mesmo não tinha 40 anos de serviço, pois não conta como tempo de serviço o que o mesmo tem como advogado, com inscrição e período contributivo para a CPAS, pelo facto do autor ter resgatado 80% das contribuições entregues nesse período contributivo de 9 anos, 5 meses e 15 dias;
- Todavia a entidade demandada aceita contar este tempo de advogado para relevar para efeitos de concessão do estatuto da jubilação, caso o autor regularize “o pagamento das contribuições junto da CGA relativas ao tempo prestado como advogado”;
- Entende que a entidade demandada se limitou no ato impugnado a valorar essencialmente a questão da existência de contribuições e o seu montante, o que entende ser matéria da competência da CGA no momento do cálculo e quantificação da pensão devida, enquanto na competência da entidade demandada está o dever de “verificar o cumprimento das condições necessárias para a atribuição do estatuto da jubilação, por oposição a pedido de aposentação” e que aquela nesta parte não relevou o ainda tempo de serviço que o autor tinha como advogado sujeito a inscrição num regime de previdência – a CPAS;
- Não há qualquer diferença entre ter ou não ter resgatado parcialmente as contribuições pagas à CPAS, para efeitos de atribuição do estatuto da Jubilação, pois em ambas as situações houve tempo de serviço com regime contributivo, que não pode a entidade demandada querer apagar. Não há regime de pensão unificada entre a CPAS e a CGA (apenas entre esta entidade e a Segurança Social), e não é da competência do CSMP apreciar e decidir se as contribuições pagas são ou não de reduzido ou insuficiente valor;
- Completou 65 anos de idade em 15/11/2019, em 31/12/2019 completou 30 anos, 7 meses e 13 dias na magistratura, e possui ainda 9 anos, 5 meses e 15 dias de tempo de serviço como Advogado com pagamento de contribuições para a CPAS, ainda que parcialmente resgatadas, ou seja: tal como se refere no citado acórdão, para além da carreira contributiva na Magistratura para a CGA, o recorrente tem uma carreira contributiva a acrescer àquela na CPAS, pelo que somando os dois períodos de tempo de serviço, atingiu os 40 anos de serviço em 03/12/2019;
- Resgatou parcialmente as contribuições, foi porque, face à impossibilidade de receber oportunamente pensão a pagar pela CPAS, por não possuir um período mínimo contributivo que é de 15 anos, a consequência é que perdeu o direito a receber qualquer pensão a pagar por aquela entidade e não pode ser a que pretende extrair a entidade demandada, que é a de apagar do percurso laboral do autor o tempo de serviço que teve como Advogado, sujeito a um regime contributivo para a CPAS;
- Não é pelo facto de ter resgatado parcialmente as contribuições, que deixou de ter regime contributivo, pois essas foram em devido tempo pagas, e ficou ainda um valor residual de 20% de contribuições pagas à CPAS, pelo que não se pode deixar de relevar esse período de descontos para a CPAS como tempo de serviço para atribuição do estatuto da Jubilação;
- A entidade demandada ao não valorar como tempo de serviço o período que o autor tem, em que descontou para o regime de previdência da CPAS, na qualidade de advogado, no entendimento que o resgate parcial das contribuições tem como consequência a anulação desse período contributivo, e da sua qualificação como tempo de serviço, o ato impugnado padece do vício de violação do disposto no artigos 148 – nº 1 do anterior estatuto do MP aprovado pela lei 47/86 de 15/10, com sucessivas alterações, as últimas das quais introduzidas pela Lei 114/2017 de 29/12, aplicável à data do pedido, ou da norma do nº 1, do art.º 190 do novo estatuto do MP aprovado pela Lei 68/2019 de 27/08;
- Não tem suporte legal exigir-se-lhe que proceda ao pagamento do período de tempo da licença sem vencimento (período contributivo para a CPAS) junto da CGA, para que a entidade demandada lhe possa conceder o estatuto da Jubilação, pois quando muito, se poderia exigir que repusesse a importância das contribuições resgatadas junto da CPAS, acrescida dos juros legais;
- A CPAS não aceita a reposição das contribuições resgatadas, e a CGA ao dizer que aceita o pagamento do tempo da licença sem vencimento, enquanto o autor exerceu a profissão de advogado, conforme informação que o autor recolheu de casos idênticos, vai exigir um pagamento pelos valores de descontos atualmente vigentes, que foi de €715,18 no mês de Junho de 2020, o que dará uma verba total de cerca €96.500,00 (noventa e seis mil e quinhentos euros);
- Para além de não ter apoio legal esta exigência condicional do Réu, a mesma representa uma duplicação de descontos para uma instituição de previdência, agravado agora porque sobre o subsídio de compensação, no valor de € 875,00, também incide desconto para a CGA, sendo que também exigiria uma elevada esperança de vida, face ao resultado que daí poderia advir, caso procedesse o autor a um pagamento de contribuições pelo tempo da licença sem vencimento nesta ordem de valores;
- Ao CSMP compete apreciar se o candidato à Jubilação tem idade, mais de 25 anos na Magistratura e no total mais de 40 anos de tempo de serviço, o que só se pode avaliar pela comprovação do tempo de serviço e pela sujeição do mesmo a um regime contributivo, independentemente das contribuições serem de montante elevado ou não, irem ser transferidas para a CGA ou não, e terem sido ou não resgatadas;
- A consequência de as não ter resgatado seria a mesma: o autor continuaria a não receber pensão pela CPAS, por não ter período mínimo contributivo, esse período seria então, na tese do Réu (cf. al) j) do art.º 14 desta petição) considerado tempo de serviço, pelo que a CGA pagaria uma pensão completa equivalente a 40 anos de serviço e na qualidade de Jubilado, e sem poder a CGA exigir a transferência das contribuições pagas pelo autor à CPAS;
- Deve a entidade demandada subsidiariamente ser condenada a aceitar o depósito liberatório a efectuar pelo autor, no valor das contribuições resgatadas de €5.671,81, acrescido dos juros legais vencidos desde 28/06/2006 (data da deliberação da CPAS a deferir o resgate) até à data do depósito, para aquela lhe dar o legal destino, e condenando-se a entidade demandada a conceder ao autor, após esse depósito, o estatuto da Jubilação;
- Ocorre inconstitucionalidade do art.º 148 – nº 1 do anterior estatuto do MP aprovado pela Lei 47/86 de 15/10, com sucessivas alterações, as últimas das quais introduzidas pela Lei 114/2017 de 29/12, aplicável à data do pedido de aposentação/jubilação, e/ou do nº 1, do art.º 190 do novo estatuto aprovado pela Lei 68/2019 de 27/08, na interpretação de que não conta como tempo de serviço para a jubilação, o período contributivo para uma caixa de previdência em que posteriormente o subscritor tenha feita resgate parcial das contribuições pagas, por violação do princípio consagrado no nº 4, do art.º 63 da CRP;
- A deliberação impugnada viola as normas dos artigos 148 – nº 1 do anterior estatuto do MP aprovado pela Lei 47/86 de 15/10, com sucessivas alterações, as últimas das quais introduzidas pela Lei 114/2017 de 29/12, aplicável à data do pedido, e/ou o nº 1, do art.º 190 do novo estatuto do MP aprovado pela Lei 68/2019 de 27/08, bem como o nº 2, al) b) e 3, do art.º 4º do Estatuto da Aposentação aprovado pelo DL 498/72 de 09/12, na redação do DL 126-B/2017 de 06/10.

1.4 Notificado para o efeito, o Conselho Superior do Ministério Público deduziu contestação, argumentando, em síntese:
- O Autor vem impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público (doravante CSMP) de 16 de junho de 2020, que indeferiu e manteve o recurso hierárquico necessário que interpôs do Acórdão da Secção Permanente do mesmo Conselho, proferida em 20 de fevereiro de 2020;
- Sendo irrelevante o caso do Sr. Magistrado Lic. CC, pois que, tal como se refere no Acórdão em apreço, a situação deste não é exactamente igual à do Autor, dado que no seu processo de jubilação não constava, nem foi apurado, que o referido Magistrado tivesse resgatado as suas contribuições pagas à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), o que o CSMP ignorava;
- Omitindo o Autor que, na ação que o mesmo Magistrado intentou, a CGA considerou que deveria ser deduzido o montante das contribuições devidas no valor de pensão a abonar pela referida entidade ao valor da pensão a ser futuramente atribuído;
- Ao emitir a deliberação impugnada o CSMP não tinha ainda tido acesso à declaração da CGA de que não iria aceitar o pagamento das quotas em falta por parte do Autor;
- A CGA informou, posteriormente ao Acórdão proferido pela Secção Permanente, por “email” de 19-02-2020, junto aos autos em seguida à mesma deliberação, que “Relativamente a eventual pagamento à CGA do tempo de licença sem vencimento, poderá ser possível desde que se trate do período anterior à entrada em vigor da lei n.º 35/2014, de 7 de março, isto é, anterior a 1 de agosto de 2014”;
- Pelo que, conforme consta da deliberação impugnada, “poderá aceder ao estatuto de jubilado pagando as contribuições em falta junto da CGA”;
- Pagamento que só pode ser feito junto da CGA, mediante as condições e cálculos que esta entender, que não pode, nem se aceita que possa ser realizado conforme pedido subsidiário, mediante o depósito liberatório ali mencionado;
- Pois que só à CGA compete proceder ao cálculo do valor devido a título de contribuições no período em causa e não ao CSMP, sob pena de aquela entidade lhe vir exigir no futuro o pagamento do que considerar devido à data;
- Devendo o ora Autor cumprir o que se encontra estipulado na referida deliberação, sem o que entende não dever ser emitida declaração de que se encontra em condições de se poder jubilar;
- E uma vez que não detém o período de tempo devido inerente aos descontos para a Segurança Social, correspondentes aos seus 40 anos de serviço, como o próprio Autor aceita, não pode considerar-se que deve beneficiar do período em que não contribuiu, não podendo aceder ao estatuto da jubilação nas condições descritas;
- Entende o CSMP que a interpretação que realizou dos referidos preceitos é a única que se coaduna com o que se apresenta em conformidade com a lei, a justiça e o respeito pelo princípio da igualdade de todos os magistrados perante a lei-estatuto da jubilação;
- Estatuto da jubilação que lhes confere determinadas regalias, inerentes à sua condição de magistrados, como se se mantivessem no ativo, designadamente os direitos e regalias remuneratórios idênticos aos dos magistrados no ativo, de categoria semelhante, e à utilização gratuita de transportes públicos coletivos (artigos 148.º, n.ºs 2 e 3 e 107.º do EMP revogado e 111.º, 129.º e 190.º, n.º 2 do novo EMP);
- Para que aceda a tal estatuto é necessário que tivesse prestado, pelo menos 25 anos de serviço na magistratura do MP (com as exceções consignadas na lei), que os últimos 5 anos tenham sido prestados de forma ininterrupta nestas funções, tenham mais de 40 anos de serviço e não tenha existido aposentação/reforma por motivos disciplinares – artigos 148.º n.º 1 do anterior EMP e seu anexo II e artigo 190.º do novo EMP e seu anexo V;
- Do mesmo anexo consta que os magistrados para terem direito à jubilação tinham de ter em 2019 a idade 64,5 anos e 40 anos de serviço, e em 2020, a idade de 65 anos e 40 anos de serviço, pressupostos que incluem necessariamente as devidas e inerentes prestações contributivas para o regime da segurança social aplicável seja ele qual for, sob pena de se defraudar a lei;
- E é por via desta interpretação que, no caso do Sr. Magistrado proceder ao pagamento das contribuições devidas à CGA, será considerada a totalidade do tempo de serviço prestado para efeitos de jubilação, isto é os necessários 40 anos de serviço;
- Não foi eliminado o tempo de serviço prestado enquanto Advogado, mas o mesmo só releva para a jubilação se for demonstrada a existência do pagamento dos descontos devidos;
- Sendo irrelevante se os descontes pelo referido período lhe podem (ou não) conferir uma pensão por parte da CPAS, ou se tem direito, ou não, a uma pensão unificada, não sendo estas questões essenciais para a resolução do caso em apreço, e que à só à CGA incumbe solucionar em parte;
- Não preenchendo neste momento o Sr. Magistrado os devidos requisitos para que se possa considerar o tempo de serviço invocado, de 40 anos, de forma a aceder ao estatuto de jubilado;
- Assim, no caso em apreço, foram cumpridos os requisitos formais e legais para apreciação do estatuto da jubilação no que concerne ao ora Autor e nenhuma censura merece o entendimento da entidade demandada, não se verificando o invocado vício de violação de lei.
- Como a CPAS não aceita a restituição das contribuições que o ora Autor resgatou, terá que se entender com a CGA no sentido de proceder ao pagamento do que seja devido no período em questão, cálculo que é da exclusiva competência desta Entidade que lhe irá calcular e atribuir a pensão a que tem direito;
- O CSMP não pode avaliar o valor devido pelo Autor na atualidade, de harmonia com o exposto, sendo certo que a CGA, não sendo parte na presente ação, não poderá ficar vinculada pela postura e entendimento da entidade demandada no que concerne ao pagamento do que seja devido, relativamente a contribuições, pelo período da licença sem vencimento à CGA;
- Pelo exposto igualmente não se verifica o vício de violação de lei;
- Não pode, como já referido, o CSMP pronunciar-se, em substituição da CGA sobre esta matéria (reposição do valor devido quanto a descontos em falta pelo Autor) que não é da sua competência, pretendendo a entidade demandada apenas assegurar-se de que a legalidade é cumprida e que não ocorre prejuízo para o erário público decorrente da conduta do Autor;
- Acresce que, como o Autor bem sabe, não poderá, com o devido respeito, o Tribunal substituir-se à administração pública e determinar qual o montante e entidade a quem deve pagar as contribuições devidas para que se possa jubilar;
- Não podendo ser a Entidade Demandada ser compelida a aceitar, como preenchendo o requisito em falta para a jubilação do ora Autor, um depósito como liberatório em valor que não lhe compete determinar e que se compreende nas atribuições de outra Entidade diversa, a CGA;
- A pedida condenação da entidade demandada a aceitar o depósito liberatório a efetuar pelo Autor, no valor das contribuições resgatadas de €5.671,81, acrescido dos juros legais vencidos desde 28/06/2006 (data da deliberação da CPAS a deferir o resgate) até à data do depósito, para que lhe dê o legal destino, e a sua condenação a conceder-lhe o estatuto da Jubilação, com o devido respeito, são pedidos que excedem os poderes do Tribunal;
- Não podendo igualmente, com o devido respeito, caso o alcance do pedido assim viesse a ser entendido, o que só por mera cautela se invoca, ser determinado o conteúdo do ato a praticar sob pena de invasão da esfera de discricionariedade própria da Entidade Administrativa - art.º 71.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA;
- Apenas competindo ao Tribunal determinar os parâmetros legais nos quais a decisão se deve basear ou eventualmente determinar ou condenar a Administração Pública à anulação e reformulação do ato devido tendo em conta determinadas vinculações jurídicas, não podendo ser imposto um conteúdo concreto para a reapreciação do ato administrativo (ocorreria a violação do princípio de separação de poderes);
- Não se verifica inconstitucionalidade do art.º 148 – nº 1 do anterior Estatuto do MP e /ou do nº 1, do art.º 190 do novo estatuto aprovado pela Lei 68/2019 de 27/08, na interpretação de que não conta como tempo de serviço para a jubilação, o período contributivo para uma caixa de previdência em que posteriormente o subscritor tenha feito resgate parcial das contribuições pagas, por violação do princípio consagrado no nº 4, do art.º 63 da CRP.
- Porquanto, não tendo sido com este fundamento que a aplicação do estatuto da jubilação ao Autor foi afastada, entendendo o CSMP que conta todo o tempo de serviço prestado pelos magistrados, dentro ou fora da magistratura do Ministério Público, entendendo esta Entidade que são válidos os descontos que tenham sido feitos no período contributivo em causa;
- A divergência na aplicação da lei na situação do ora Autor é bem diversa, resultando unicamente de os descontos devidos não se mostrarem efectuados, não tendo sido afrontada aquela norma com a qual se conforma o entendimento do CSMP;
- Por outro lado, por mera cautela e sem nada conceder, nunca foi declarada a inconstitucionalidade de tais normas com força obrigatória geral, seja com que sentido for o pretendido pelo Autor;

1.5. Foi proferido despacho saneador nos termos que constam dos autos.

1.6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
- (i) a ilegalidade da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público;
- (ii) o pedido subsidiário, ou seja, a condenação do Conselho Superior do Ministério Público a aceitar o depósito liberatório das contribuições resgatadas e reconhecer o direito à jubilação.
- (iii) a inconstitucionalidade do art. 190º, 1, do Estatuto do Ministério Público (Lei 68/21019, de 27/8).


2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

Com interesse para o julgamento da presente acção consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Autor requereu a sua jubilação/aposentação em 18-10-2019, para produzir efeitos a partir de 20-12-2019;

b) O autor nasceu em 15-11-1954;

c) Em 31-03-2018, o autor tinha 28 anos, 10 meses e 13 dia de descontos para a Caixa Geral de Aposentações, perfazendo em 31-12-2019, 30 anos, 7 meses e 13 dias;

d) Ingressou na Magistratura do Ministério Público, em 23-8-1979;

d) Iniciou uma licença de longa duração em 20-1-1990;

e) Regressou à Magistratura do Ministério Público em 15-10-199, onde permaneceu ininterruptamente até à data em que intentou a presente acção;

f) No período em que esteve de licença sem vencimento inscreveu-se como Advogado na Ordem dos Advogados, passando a estar obrigatoriamente inscrito na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores desde 1-5-1990 até 15-10-1999, pagando as respectivas contribuições, ou seja, durante 9 anos, 5 meses e 15 dias;

g) Por não ter o período mínimo contributivo na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, o Autor decidiu resgatar as contribuições pagas a esta entidade, a qual, após deliberação de 28-6-2006, lhe entregou a importância de € 5.671,82, que representa 80% das contribuições que tinha pago (€ 7.089,78);

h) O Autor solicitou à CGA informação no sentido de saber se poderia pagar as contribuições relativas ao período de licença sem vencimento, tendo esta entidade informado o autor, por ofício de 18-4-2018, que apenas poderia ser contado o período entre 6-4-1999 e 14-10-1999, pois para o período restante não havia enquadramento legal para autorizar o respectivo pagamento;

i) A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores declarou, além do mais, em 14 de Setembro de 2020, que “(…) não existe enquadramento legal no âmbito do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS), que permita a reposição de contribuições resgatadas”.

j) Relativamente ao Magistrado BB Júnior o Conselho Superior do Ministério Público aceitou como tempo de serviço relevante para efeitos de aplicação do art. 190º do Estatuto do Ministério Público o tempo de serviço de 1 ano e 7 meses, face a um “documento emitido em 20 de novembro de 2018 pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores comprovativo das contribuições pagas àquela entidade, num total de 1 ano e 7 meses”;

l) A Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Público considerou, por deliberação de 20 de Fevereiro de 2020 que face ao tempo de serviço prestado e descontos efectuados o autor não dispunha de 40 anos de serviço contributivo, “(…) por dever deduzir-se ao total do tempo de serviço 9 anos e 5 meses não ostentam contribuições, por as ter resgatado”;

m) O autor reclamou daquela deliberação para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, em 9 de Março de 2020;

d) Em 16 de Juno de 2020 o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público deliberou, nos termos seguintes:

“(…)
Importa, pois, apreciar e decidir a reclamação apresentada. Segue-se na análise da reclamação, a ordem dos vícios invocados pelo senhor magistrado reclamante.
Vícios de facto (capítulo 1; e na conclusão- Cap I -notas 1ª a 17ª) A, B e C.
O senhor magistrado considera ter existido erro na valoração da pensão e nas (em que teria completado 40 anos de tempo de serviço), além de insuficiente fundamentação. Entende que a contabilizar-se o tempo de serviço prestado enquanto advogado, teria atingido 40 (quarenta) anos de tempo de serviço em 3 de dezembro de 2019 e não em 3 de fevereiro de 2020.
Para tanto lembra que se inscreveu e pagou as suas contribuições na CPAS (Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores) entre 1 de maio de 1990 até 15 de outubro de 1999, o que perfez 9 (nove) anos e 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias (em vez de 20 dias).
As datas de inscrição do magistrado, gozando de licença sem vencimento na magistratura, na Ordem dos Advogados, mantêm-se. Esteve inscrito de 1 de maio de 1990 até 15 de outubro de 1999. Estas datas são idênticas nos documentos já juntos aos autos.
No entanto, o documento n.° ... que juntou vem atestar que no resgate feito, não recebeu a totalidade dos valores pagos, mas foi deduzida uma percentagem de 20% para despesas administrativas, nos termos do regulamento em vigor o que representa um dado novo mas sem particular para o sentido da decisão.
Na contabilização do tempo de serviço que refere, e que se mantém face à documentação junta aos autos, dá-se como provado, que por mero lapso material no cálculo, se indicou 9 anos. 5 meses e 20 dias, no acórdão recorrido, sendo que o tempo de serviço em que descontou para a CPAS foi de 9 anos. 5 meses e 15 dias.
Assim, retifica-se o acórdão recorrido nos termos alegados pelo senhor magistrado recorrente, neste pormenor.
No teor do acórdão recorrido e na apreciação, alude-se também à declaração que consta nos autos, e que é referida na Informação, que a CGA reconheceu em 31/03/2018 que o recorrente contava com 28 anos, 10 meses e 13 dias de tempo de serviço. Na realidade não é negado tal facto no acórdão recorrido. Mas de qualquer forma reforça-se agora, na presente deliberação, de forma interpretativa, que foi reconhecido pela CGA em 31 de março de 2018, que o recorrente contava com 28 anos, 10 meses, e 13 dias de tempo de serviço.
E desta forma o recorrente contabilizava em 31/12/2019, 30 anos 7 meses e 13 dias. Este dado não é, todavia, contrariado pelo acórdão recorrido que não se detém a contabilizar efetivamente o tempo prestado, antes centrando a sua análise na questão do reconhecimento ou não do tempo de serviço em que foram resgatadas as contribuições.
Naturalmente, caso lhe fosse reconhecido o tempo de serviço prestado enquanto advogado, iria obter na totalidade (adicionando ao tempo contabilizado pela CGA, o tempo de serviço decorrido entretanto na magistratura e o tempo de serviço como advogado de 9 anos, 5 meses e 15 dias), em 31/12/2019, o tempo de serviço de 40 anos e 28 dias.
Esta alteração seria obviamente relevante face ao disposto no n.° 4 do art. 190.º conjugado com o n.° 4 do art. 285.° do EMP vigente.
Não deixa de se reconhecer razão ao recorrente, na estrita dimensão da contabilização de tempo de serviço, reiterando-se que o acórdão recorrido não procedeu a um tal cálculo aritmético, pois a análise e fundamentação do acórdão focaram-se na questão central do reconhecimento (ou não) do tempo de serviço sobre o qual o magistrado procedeu ao resgate das contribuições para a CPAS.
Reconhece-se ainda que os serviços de apoio do CSMP solicitaram uma declaração/informação junto da Ordem dos Advogados (OA) relativa ao magistrado Lic. CC. E de facto junto do seu processo individual consta (fls 13) que no dia 24 de fevereiro de 2017, tal declaração foi emitida informando que o senhor magistrado Lic. CC teve a inscrição em vigor desde 30 de novembro de 1982 a 13 de setembro de 1990 e posteriormente suspensa, a seu pedido, a partir de 14/09/1990. E na realidade esta declaração não refere se houve resgate ou não de contribuições pagas pelo colega.
Ora o não pagamento de contribuições é motivo de suspensão de inscrição na OA, pois o seu pagamento é obrigatório (arts. 29.° e 31.° do Regulamento da CPAS aprovado pelo DL n.º 119/2015 de 29-06). Tendo a OA declarado que existiu inscrição em vigor, contudo não esclareceu ter o magistrado solicitado o seu resgate, em data posterior.
O CSMP ignorava, assim, a existência de tal resgate, não tendo procurado apurar tal informação junto do CPAS. Não deixa de ser um erro deste CSMP não ter confirmado a situação contributiva, como é referido no acórdão recorrido, que ocorreu no processo de jubilação do magistrado Lic. CC.
Só mais tarde a questão foi suscitada por parte da CGA, quando solicitou a transferência dos valores pagos à CPAS, para se proceder ao pagamento da pensão, que entretanto foi recalculada, enquanto não houvesse pagamento de tempo de serviço prestado na OA.
O recorrente informa que não pode pagar as quotizações em dívida junto da CGA pois foi informado por esta entidade em 18/04/2018 que o período de licença sem vencimento, não estaria abrangido pelo DL n.° 100/99 de 31-03. Assim, apenas às licenças sem vencimento de longa duração concedidas ao abrigo daquele diploma, que estivessem a correr, à data da entrada em vigor, seria admitido a continuação desse pagamento de quotas para aposentação. Ora, à data o requerente pagava quotas para a CPAS e, de acordo com os argumentos da CGA, não existia fundamento legal para o poder fazer mesmo com a entrada em vigor daquele diploma legal, por a sua licença não ter sido concedida ao abrigo do mesmo, e nem mais tarde, em período subsequente (não abrangidos os períodos indicados no documento da CGA: de 20-1-1990 a 31-12-1993 e de 1-1 -1994 a 5-4-1999).
Como reconhece, o magistrado reclamante poderia ter pago as quotizações para a CGA relativas ao período de 6/4/1999 a 14/10/1999 (período aproximado de 6 meses) se o solicitasse, como justifica, apresentando o Doc. n.º ..., já referido (ainda não junto os autos nesta parte - a página seguinte no documento da CGA que faz a contagem de tempo).
Desta forma contesta a afirmação final do acórdão recorrido que poderá aceder ao estatuto de jubilado pagando o valor das quotas em falta junto da CGA.
Na verdade, o CSMP não tinha na sua posse (cfr nestes autos) a declaração da CGA de que não iria aceitar tal pagamento.
No entanto, foi remetido ao relator do acórdão recorrido, em 19 de fevereiro de 2020, pela Direção de Apoio à Caixa Geral de Aposentações, um e-mail que refere que "relativamente a eventual pagamento à CGA do tempo em licença sem vencimento, poderá ser possível desde que se trate de período anterior à entrada em vigor da Lei n.° 35/2014 de 7 de março, isto e, anterior a 1 de agosto de 2014", entretanto, junto aos autos e disponível para consulta.
Desta forma, reitera-se a conclusão do acórdão recorrido de que o magistrado reclamante poderá aceder ao estatuto de jubilado pagando as contribuições em falta junto da CGA.
Anote-se que os elementos/factos acima retificados, não se mostram determinantes para o sentido e fundamento da decisão recorrida.
O Acórdão recorrido simplesmente entendeu que a interpretação dar ao art. 148.° do anterior EMP na parte em que exige aos magistrados o cumprimento de determinado "tempo de serviço", implica exigir aos magistrados “tempo de serviço contributivo".
E, por isso, não se reconhece razão ao reclamante quando refere que existe insuficiente fundamentação do acórdão recorrido, como é indicado no capítulo I, pág. 1 da reclamação.
A fundamentação de uma decisão administrativa existe quando "seja maior ou menor conforme o caso concreto, simples ou complexa consoante o caso concreto, mas implica sempre, naturalmente, um discurso justificativo assente em raciocínios fundamentadores e explicativos. (...) E, por isso, tais raciocínios fundamentadores e explicativos, que existem em toda a atividade humana intelectiva, devem ser exteriorizados em todos os tipos de atos administrativos potencialmente lesivos.
Só é possível (...) fiscalizar essa ponderação se os raciocínios em que ela consistiu forem exteriorizados. Sem isto não há verdadeira fundamentação do ato administrativo; quando muito haverá um simulacro daquilo que é exigido peia CRP e pelo CPA em sede de fundamentação" (Ac. TCAS n.° 639/12.1BELRS). É doutrina do Supremo Tribunal Administrativo «entender que a fundamentação de um ato é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognitivo e valorativo seguida pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de maneira a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação».
Assim sendo, uma decisão só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão a perceção das razões de facto e de direito dessa decisão.
Tal não se verifica relativamente ao Acórdão recorrido. Não se verifica falta ou insuficiente discurso justificativo assente num determinado raciocínio. Nem mesmo os factos que foram acima retificados alteram esta conclusão, uma vez que o acórdão recorrido se funda numa determinada interpretação do art.º 148° do EMP mais exigente, pois interpreta “tempo de serviço" como "tempo de serviço contributivo" e que é de clara apreensão ao destinatário da decisão das razões de direito que conduziram à decisão tomada.
Vícios de violação de lei (Capitulo II e na conclusão Capítulo II - notas 18.ª a 56.ª) D) Vício de violação de lei por violação do direito de audiência prévia (art. 121.° do CPA), face ao projeto de acórdão inicial, quer relativo à falta de notificação da Informação dos serviços Jurídicos da PGR- Informação n.° ...19... (Capítulo II - notas 18ª a 23ª da reclamação).
Nos termos legais, só existe preterição de formalidade essencial quando por lei a audição é necessária para o visado se pronunciar.
Ora, a lei não comina a nulidade ou anulabilidade pela falta de notificação de informação interna produzida pelos serviços de apoio administrativo e técnico (SATA) da PGR, junto de eventuais interessados. São meras informações internas, apreciadas através de despachos internos interlocutórios, destinadas a enquadrar juridicamente determinado pedido, de cariz unicamente preparatório e de estudo para os órgãos competentes para proferirem decisões. E estas, sim, serão objeto de audiência prévia nos termos previstos na lei, isto é nos termos de lei específica ou, na sua falta nos termos do CPA vigente.
Na realidade o que se questiona é se o magistrado reclamante conhecendo os projetos de acórdão ou Informação dos Serviços Jurídicos, ou desconhecendo-os, teria ou não provocado efeito sobre o conteúdo do acórdão final.
Ora o CSMP é a entidade competente para praticar o ato que será notificado ao visado.
Assim, por não estar prevista na lei a notificação de ato meramente interlocutório o magistrado reclamante não se pode pronunciar, por se tratar de mera informação preparatória e instrumental ou de apoio à decisão, não sendo admissível reação à mesma, pelo que se mostra irrelevante na configuração do acórdão final e na votação colegial do mesmo.
Assim, não se tratando de formalidade essencial, nos termos do art. 163.° do CPA, não dá lugar a anulação do ato, isto é do acórdão recorrido.
Não assiste, por isso, razão ao magistrado requerente.
F) Vício de violação de lei por ter existido violação do art. 148.° n.° 1 do EMP anterior, agora consagrado no art. 190.° do EMP vigente (notas da reclamação. 24.ª a 34 ª)
No entender do acórdão recorrido face ao art. 190.° do Estatuto do Ministério Público vigente, aprovado pela Lei n.° 68/2019 de 27/08 e no seu Anexo V, a partir de 1 de janeiro de 2020, poderão jubilar-se os magistrados com 65 anos de idade e 40 anos de serviço. E considerou que o conceito de tempo de serviço a que alude o art.º 190.° do vigente EMP (tal como seria interpretado no art. 148.° do EMP anterior), não pode integrar tal noção o trabalho ou serviço sobre o qual não tenham incidido descontos para um sistema de previdência.
O magistrado defende que o tempo de serviço prestado para efeitos de jubilação deve incluir o tempo de serviço total de uma carreira profissional, isto é, além do tempo na magistratura, deve incluir os períodos de serviço, referenciado a outros regimes de proteção social, especificamente o período de serviço que desempenhou enquanto advogado. Invoca diversos acórdãos do STA que abarcam no tempo de serviço prestado para efeitos de jubilação o trabalho prestado de magistrado enquanto trabalhador bancário, em período anterior ao ingresso na magistratura.
E entende, ainda, o senhor magistrado que haverá que distinguir entre tempo de serviço, exigido por lei, e tempo contributivo. E que o resgate, ainda que parcial, de contribuições pagas, não pode relevar para efeitos de qualificação do tempo em que trabalhou como advogado.
O tempo mínimo para ter direito a uma pensão de reforma pela CPAS seriam 15 anos. Assim nunca teria direito a pensão paga, face ao tempo de descontos efetuados. Considera que a única consequência do resgate efetuado seria a não contabilização desse tempo para acesso a pensão da OA, pois não seria possível transferir tais valores para a CGA, como se refere na cópia da contestação apresentada pela CGA, no processo que decorreu em tribunal e em que foi parte o magistrado Lic. CC.
No entanto, o magistrado omite a menção de que, também naquela ação, a CGA considerou que deveria ser deduzido tal montante ou valor a abonar pela CGA no valor da pensão a ser futuramente atribuído.
Vejamos.
Jubilação constitui um estatuto profissional que conduz a que um magistrado esteja sujeito aos mesmos deveres e direitos como se estivesse no ativo, designadamente remuneração idêntica (n.° 2 e n.º 3 do art. 148.° do anterior EMP e art. 111.° e 129.° do EMP vigente), e outros direitos especiais (estabelecidos no art. 107.° do EMP anterior, 111.° e 190.°, n.º 2 novo EMP) como, por exemplo, a utilização gratuita de transportes coletivos e subsidio de compensação, e, bem assim, deveres, como seja, o dever de reserva (art. 84.°, n.º 7 do anterior EMP e n.° 3 do art. 190.° e art. 130.° do EMP vigente), cuja violação pode ter relevância disciplinar.
Em suma, para aceder ao estatuto de jubilado é necessário que o magistrado conte, nos termos do anexo II e do n.º 1 do art. 148.° do EMP anterior, agora do anexo V e do art. 190.° do EMP vigente, pelo menos 25 anos de serviço na magistratura, em que os últimos 5 anos sejam prestados de forma ininterrupta. Este requisito dos 25 anos de serviço, só não é exigido aos magistrados que tenham sido admitidos no CEJ, com mais de 40 anos e não tenha existido aposentação/reforma por motivos disciplinares.
Na realidade, no acórdão que cita (proc. 0860/17 de 18-01-2018) entendeu-se que "o tempo de serviço" a que se refere o Anexo II para que remete o art. 67.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais anterior (em disposição paralela ao EMP, nesta matéria), pressuposto necessário para atingir o estatuto de jubilação de magistrados, inclui o tempo de serviço prestado no setor bancário, antes do ingresso na magistratura. E declarou-se que o que marca a diferença entre o estatuto de aposentação e o de jubilação é o tempo específico de serviço na magistratura, de pelo menos 25 anos, nos termos em tudo paralelos ao EMP.
Neste acórdão do STA refere-se que o legislador consagrou normas especiais, no que aos magistrados diz respeito, em sentido lato, permitindo-lhes que para além de se aposentarem, se possam jubilar, o que não sucede com a generalidade dos servidores públicos. O legislador concretizou um conjunto de disposições que estabelecem regimes especiais para atribuição de pensões, sendo que a pensão de um magistrado jubilado, corresponde ao valor da remuneração de um magistrado no ativo de categoria semelhante.
Refere ainda o acórdão do STA que o tempo de serviço prestado pelo magistrado enquanto trabalhou no setor bancário, deve ser incluído e acrescido ao tempo de trabalho referido para a jubilação. No caso do acórdão, o magistrado, enquanto trabalhador bancário, procedeu aos descontos e pagamentos para Caixa de Previdência e abono de família dos Empregados Bancários.
O acórdão do STA entende que o tempo de serviço, a que se faz referência no anexo II, há-de corresponder sempre a uma prestação de serviço com os descontos inerentes, quer na magistratura, quer fora dela, dado que o requisito em causa visa assegurar que o jubilado, para além de ter tido uma carreira relativamente longa como magistrado, é possuidor de uma carreira contributiva completa. No caso referido no acórdão do STA, o autor antes de ingressar na magistratura, efetuou descontos para a Caixa de Previdência e abono de Família dos Empregados Bancários, e por isso foi entendido que devia ser contabilizado esse período, para efeitos de jubilação, pois é notório que o legislador não quis estabelecer qualquer distinção. A exclusão do tempo de serviço prestado no setor bancário e com os descontos obrigatórios correspondentes violaria o n.° 4 do art. 63.° da Constituição da República Portuguesa, dado que a não relevância de tempo de trabalho com deduções para o sistema previdencial próprio do sistema bancário, geraria uma situação de desigualdade, dado que todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que o trabalhador o tiver prestado.
Existe jurisprudência administrativa que aprecia variadas situações em que existe a jubilação de magistrado que desempenhou funções noutro setor de atividade para além da magistratura
O acórdão recorrido citou o acórdão de 6-11-2015 do Tribunal Central Administrativo Norte (proc. n.° 00482/13.0BECBR), que acrescenta com particular clareza "o tempo de serviço a que alude o referido Anexo II há-de corresponder sempre a uma prestação de serviço com os descontos inerentes (na magistratura e fora dela) uma vez que o requisito em causa se destina a assegurar que o jubilado, para além de ter tido uma carreira relativamente longa como magistrado, teve uma carreira contributiva (total) ainda maior”. Naquele caso, a magistrada efetuou descontos para um regime de segurança social substitutivo, constante dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho vigentes no setor bancário igualmente o acórdão recorrido analisou o caso do Acórdão do Tribunal administrativo Sul de 16-03-2017 (Proc. n.º 13451/16). Neste acórdão foi entendido que um magistrado que efetuou descontos no regime geral no período entre 01-1996 e 12-1972 e depois para o regime bancário, para Caixa de Previdência e Abono de Família dos Trabalhadores bancários, no período de 02-1973 a 09-1991, deveria ver incluído todo esse tempo, na contabilização de tempo de serviço para fins de acesso ao estatuto de jubilação. E também neste acórdão se refere "por outro lado, o tempo de serviço a que alude o referido Anexo II há-se corresponder sempre a uma prestação de serviço com os descontos inerentes na magistratura e fora dela, uma vez que o requisito em causa se destina a assegurar que o jubilado, para além de ter tido uma carreira relativamente longa como magistrado, teve uma carreira contributiva total ainda maior."
Ora, não se logrou sinalizar qualquer jurisprudência que tenha apreciado, expressamente, a prestação de trabalho privado/serviço público, em que não tenham sido feitos descontos para um sistema previdencial, nalguma das componentes do serviço e que tenham sido considerados no cômputo total do serviço. Salienta-se que os acórdãos citados fazem referência à existência não apenas de prestação de tempo de serviço noutras carreiras/trabalho privado, como também de descontos inerentes ou carreira contributiva que aqui se acompanha e reafirma. Este CSMP reitera os fundamentos do acórdão recorrido.
Não assiste, assim, razão ao recorrente.
G) Vício de incompetência material pelo facto de a secção do CSMP não ter competência para avaliar da existência de contribuições na entidade de previdência, sendo matéria que cabe à CGA (notas 35ª a 37.ª e 39.ª);
O CSMP tem entre as suas competências o dever de verificar o cumprimento das condições necessárias para a atribuição do estatuto da jubilação, por oposição a pedido de aposentação.
No artigo 185.° (Aposentação ou reforma a requerimento) dispõe-se que "Os requerimentos para aposentação ou reforma são enviados à Procuradoria-Geral da República, que os remete à instituição de proteção social competente".
Os requerimentos para aposentação (cessação definitiva do exercício de funções) ou reforma (relativamente a magistrados sujeitos ao regime geral da segurança social) dos magistrados do MP são enviados à PGR que os remete à CGA ou instituição de segurança social em que o magistrado está inscrito.
No vigente EMP diz-se no artigo 190.° (Jubilação) que “consideram-se jubilados os magistrados do Ministério Público que se aposentem ou reformem, por motivos não disciplinares, com a idade e o tempo de serviço previstos no anexo V do presente Estatuto e desde que contem, pelo menos, com 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos cinco tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação, exceto se o período de interrupção for motivado por razões de saúde ou se decorrer do exercício de funções públicas emergentes de comissão de serviço".
Trata-se de norma especial face ao regime geral da aposentação, cuja verificação do preenchimento dos requisitos de jubilação incumbe ao CSMP, nos termos estatutários.
Ora, compete aos serviços do CSMP a instrução do procedimento de reconhecimento do estatuto de jubilado, coligindo a documentação necessária para o CSMP apreciar o pedido de jubilação, por forma a comprovar a existência de, pelo menos, 25 anos na magistratura; a apreciação de que existiu a prestação de serviço, no mínimo dos últimos cinco anos, na magistratura; a prestação de serviço, no mínimo dos últimos cinco anos, ininterruptamente na magistratura; a não existência de pedido de aposentação por motivos disciplinares; e determinar a remessa do pedido de jubilação à CGA.
A condição de jubilado opera automaticamente, desde que verificados os respetivos pressupostos pelo CSMP, não se mostrando necessária qualquer declaração de vontade nesse sentido. Mas, relativamente à questão de saber o que se deve entender por “tempo de serviço", o CSMP considera que é "tempo de serviço contributivo" por forma a preencher o requisito do Anexo IV do EMP, ancorando-se nos argumentos do Acórdão recorrido.
E como já referido, ao CSMP cabe interpretar as condições previstas no art. 190.° do vigente EMP ou as do art. 148.° do anterior EMP, não se verificando o vício de incompetência em razão da matéria.
Não assiste razão ao magistrado reclamante.
H) Oposição de acórdãos e Vício de violação do princípio da igualdade (notas 40-ª a 45ª das conclusões);
Acompanhando o acórdão recorrido, e como refere Gomes Canotilho, em anotação ao art° 266° da Constituição da República Portuguesa, o princípio da igualdade proíbe discriminações com base em razões arbitrárias porque insuficientes e desrazoáveis. Como refere Jorge Miranda, no mínimo, exige-se uma equivalência de tratamento de situações semelhantes, a diferenciação de situações objetiva e substancialmente diferentes, a proporcionalidade de tratamento das situações comparáveis, embora diversas.
A jurisprudência tem entendido, no entanto, que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. Existiu um erro na atribuição por parte do CSMP do estatuto de jubilado ao magistrado Lic. CC, dado que o CSMP não tinha conhecimento nem verificou o resgate de contribuições para a CPAS daquele magistrado como atrás se explanou.
Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, não podendo por isso o requerente pretender valer-se da indução em erro deste CSMP em caso análogo ao seu.
Não se ignora que as contribuições durante o tempo que o requerente esteve de licença sem vencimento e inscrito na CPAS a exercer advocacia não beneficiariam nem a CGA (por inexistência de mecanismo de pensão unificada aplicável às contribuições feitas à CPAS) nem o magistrado em causa, já que o tempo em que exerceu advocacia é insuficiente (menos de 15 anos) para obtenção de pensão por via dessa instituição.
Acompanhando o teor do acórdão recorrido, admitir que alguém aceda a um estatuto privilegiado de jubilado sem cumprir os requisitos materiais a que alude a lei é, isso sim, conferir-lhe um tratamento desigual em relação aos demais, destarte se violando não só as normas em causa (190.° n,° 1 do EMP), mas ainda o princípio da igualdade perante a lei (art. 13.° da CRP).
Não assiste razão ao magistrado requerente.
I) Violação do princípio, da proibição da eficácia retroativa dos atos administrativos, previsto no art. 156.° do CPA, e pedido de junção de Nota Biográfica.
O senhor magistrado reclamante veio invocar que na lista de antiguidade existente na PGR relativa à contagem do tempo de serviço dos magistrados do MP na magistratura são contados em 31/12/2019 mais de 40 anos de serviço.
Como já atrás foi explicitado, o documento designado "Nota biográfica dos serviços de apoio do CSMP" de 22 de outubro de 2019, que o requerente solicita que se junte, na realidade é documento preparatório que não chegou a ser finalizado, não tem assinatura do dirigente dos serviços de apoio administrativo e técnico da PGR.
Não é, por isso, documento oficial dos serviços de apoio da PGR e já se encontra junto aos autos.
O reclamante remete ainda para o teor da nota biográfica solicitada em 03-02-2013 e de que junta cópia na qual são contabilizados 34 anos 3 meses e 23 dias de tempo de serviço (Doc. n.° ...).
Ora, o requerente refere-se pois a nota biográfica de 1993 na qual consta uma declaração de antiguidade na magistratura. E cita alguns acórdãos que apreciam lista de antiguidade no âmbito da carreira docente e outro relativo a correções de lista de antiguidade de tempo de serviço de magistrado judicial de licença em organismo internacional.
Compete ao CSMP a apreciação da verificação dos pressupostos da jubilação dos magistrados do Ministério Público.
E a análise destes é feita pelo próprio CSMP com a finalidade de verificação dos pressupostos previstos no art. 190.° (ou do art. 148.° do EMP anterior).
Assim, a verificação da antiguidade no sentido de verificação do tempo de serviço para atribuição do estatuto de jubilado compete ao CSMP e não aos serviços de apoio. E a declaração do CSMP com a finalidade de verificação de tempo de serviço, foi feita no último acórdão recorrido.
Nos termos do art. 156.° do CPA têm eficácia retroativa os atos administrativos que se limitem a interpretar atos anteriores, ou a que a lei atribua efeito retroativo.
Fora dos casos referidos, só podem ter eficácia retroativa se for favorável para os interessados, ou atos revogatórios na sequência de reclamação ou recurso, quando seja devido para dar cumprimento a deveres, ónus, encargos, constituídos no passado, e quando a lei o permita ou imponha.
Enquadra-se pois a última decisão do CSMP em ato a que a lei permite dar eficácia retroativa, face ao não cumprimento (pagamento de contribuições resgatadas da CPAS para a CGA) ou futuro cumprimento (ónus) do pagamento de contribuições junto da CGA, para contabilização de tempo de serviço, para fins de aquisição do estatuto de jubilado, por parte do requerente.
Desta forma, não existiu violação de ato administrativo que atribuiu um direito (Nota biográfica redigida em 1993 pelos serviços de apoio do CSMP para junção a pedido de doutoramento), pois a contagem para efeitos de verificação dos pressupostos de jubilação é apurada quando é feito o pedido, com a data pretendida pelo requerente para ser eventualmente deferida ou não a jubilação, e não em momento anterior.
Não foi criado em 1993, com a nota biográfica dos serviços de apoio do CSMP, um ato que produza efeitos para a constatação de pressupostos de jubilação (que é matéria que cabe na apreciação exclusiva do CSMP reunido para o efeito) e para o qual foi feito o pedido em data muito posterior (2019).
Não assiste razão ao senhor magistrado reclamante.
J) Inconstitucionalidade de norma, na interpretação feita pelo CSMP do art. 148.° do EMP, na perspectiva de que não conta o tempo de trabalho para jubilação em face do resgate parcial das contribuições efetuadas (Capítulo II- al. g) - nota 43.ª a 47.ª);
O acórdão do STA de 22-03-2017 (Proc. 0471/14), veio lembrar que a Administração Pública não pode deixar de aplicar norma ainda que a possa reputar de inconstitucional, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (art. 281.° da CRP).
Ainda que o reclamante entenda inconstitucional tal interpretação, não podem os órgãos da administração pública recusar-se a aplicar norma que a própria administração entende ser conforme com a Constituição.
A apreciação de interpretação de norma contrária ou conforme à Constituição (no caso do art. 148.° do EMP) é da competência dos tribunais e do Tribunal Constitucional.
O acórdão recorrido procurou fazer uma interpretação consentânea com a linha hermenêutica que os tribunais administrativos têm feito, isto é, aquela que exige que o tempo de serviço relevante para a jubilação de magistrados corresponde ao tempo de serviço com contribuições para um sistema de Previdência.
Não assiste, por conseguinte, razão ao magistrado reclamante.
L) Violação do princípio da teoria do caso decidido/precedente aplicável pelo TJUE, o que faz incorrer o Estado Português em responsabilidade civil e dever de indemnizar o lesado (Capítulo II - al. h) nota 48.ª a 49ª);
A UE tem entre os seus compromissos o de promover a justiça e proteção social, entre os cidadãos da UE. De acordo com o art. 34.° da carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos trabalhadores de 1989, a UE reconhece e respeita o direito de acesso às prestações de Segurança Social e aos serviços sociais que concedem proteção em casos como a dependência ou velhice, de acordo com o Direito da UE e as legislações nacionais e práticas nacionais. Tem sido privilegiada a função de coordenação e não a harmonização das legislações nacionais.
Compete aos Estados membros da UE, no uso do poder não transferido para a ordem jurídica comunitária, determinar a estrutura e as características dos respetivos sistemas de segurança social, sem prejuízo do respeito devido pelos Estados a determinados princípios do direito comunitário como é caso do princípio de igualdade de tratamento.
Este princípio também existe na ordem judicial nacional e foi acima analisado. Aliás, o TJUE tem respeitado a vontade do legislador nacional dos Estados e do legislador na UE.
Assim, o TJUE tem entendido que os Estados membros devem ser livres para determinar as condições materiais e níveis de prestações decorrentes dos seus sistemas de segurança social como parte do princípio da autonomia (caso DANO/Alimanovic).
De qualquer forma não se está perante uma situação de facto em que esteja em causa uma deslocação de nacional para outro Estado Membro e em que seja chamado a intervir outro bloco normativo que não o nacional.
Desta forma não assiste razão ao magistrado reclamante.
Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam no Conselho Superior do Ministério Público em retificar a matéria de facto nos termos acima referidos.
Acordam, ainda, no Conselho Superior do Ministério Público em manter em tudo o mais a decisão recorrida, porquanto, não tendo o Senhor Procurador da República Lic. AA regularizado o pagamento das contribuições junto da CGA relativas ao tempo prestado como Advogado (9 anos e 5 meses), por as ter resgatado, não pode ser considerado tempo de serviço relevante para efeitos da jubilação, não perfazendo, assim, 40 anos de serviço contributivo, como exige o anexo V do EMP.”

Os factos provados resultam dos documentos juntos e foram aceites pelas partes, não existindo quanto a eles qualquer controvérsia.


2.2. Matéria de direito
2.2.1. Questões a decidir (objecto da acção)
A presente acção tem como objecto a deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público que não reconheceu ao Autor o direito à jubilação porque (como se diz na decisão) “(…) não tendo o Senhor Procurador da República Lic. AA regularizado o pagamento das contribuições junto da CGA relativas ao tempo prestado como Advogado (9 anos e 5 meses), por as ter resgatado, não pode ser considerado tempo de serviço relevante para efeitos da jubilação, não perfazendo, assim, 40 anos de serviço contributivo, como exige o anexo V do EMP”.

Podemos sintetizar as questões suscitadas em três grupos: (i) legalidade ou ilegalidade da deliberação; (ii) condenação do Conselho Superior do Ministério Público a aceitar o depósito das contribuições resgatadas e, consequentemente, reconhecer o estatuto de jubilado ao Autor; (iii) constitucionalidade do art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público (correspondente ao anterior art. 148º, 1 do anterior Estatuto, aprovado pela Lei 47/86, de 15/10), por violação do art. 63º, 4 da Constituição da República Portuguesa.
Apreciaremos as referidas questões pela ordem da sua arguição, ou seja, a legalidade da deliberação impugnada; em segundo lugar o pedido subsidiário; em terceiro lugar a constitucionalidade do art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público.

2.2.2. Legalidade da deliberação impugnada.
A deliberação impugnada entendeu que o período de tempo prestado pelo Autor, na situação de licença sem vencimento, exercendo a Advocacia – 9 anos e 5 meses e 15 dias – não podia ser considerado como tempo de serviço relevante para efeitos de jubilação por ter resgatado as contribuições que prestou junto da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. O fundamento da deliberação em termos claros e simples é o seguinte: tempo de serviço para efeitos de jubilação é “tempo de serviço contributivo”.
O autor insurge-se contra a referida decisão destacando dois tipos de vícios: (i) entende que a circunstância de ter resgatado as contribuições é irrelevante e que, afinal, apesar do resgate, houve pagamento “ainda que parcial” das contribuições; (ii) a deliberação impugnada ao afirmar, a dada altura, ser possível o pagamento do período de descontos relativos ao período de licença sem vencimento, junto da CGA viola o art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público, pois deveria ser possível pagar apenas o equivalente das quantias que resgatou.

Vejamos estes aspectos separadamente.

2.2.2.1 – Vício da deliberação impugnada, por não se considerar o resgate irrelevante e não se considerar que houve pagamento parcial das contribuições à CPAS.

O art. 190º da Lei 68/2019, de 27 de Agosto –que reproduz o art. 148º, 1 do anterior Estatuto, tem a seguinte redacção

“Artigo 190.º
Jubilação
1 - Consideram-se jubilados os magistrados do Ministério Público que se aposentem ou reformem, por motivos não disciplinares, com a idade e o tempo de serviço previstos no anexo v do presente Estatuto e desde que contem, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos cinco tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação, exceto se o período de interrupção for motivado por razões de saúde ou se decorrer do exercício de funções públicas emergentes de comissão de serviço.
(…)”
O Anexo V, referido no artigo, na parte que interessa para este processo, tem a seguinte redacção:
“(…)
ANEXO V
(a que se refere o n.º 1 do artigo 190.º)
(…)
A partir de 1 de janeiro de 2019 - 64 anos e 6 meses de idade e 40 anos de serviço (40).
2020 e seguintes - 65 anos de idade e 40 anos de serviço (40).
(…)”

Os requisitos legais, para que um magistrado possa considerar-se jubilado para os anos de 2020 e seguintes, são:
- (i) ter completado 65 nos de idade e 40 anos de serviço,
- (ii) 25 desses anos na devem ser em serviço na magistratura (salvo para quem foi admitido no CEJ com mais de 40 anos);
- (iii) os últimos 5 devem ser prestados na magistratura ininterruptamente.

A questão controvertida nestes autos é a de saber qual o sentido da expressão “40 anos de serviço” referida no citado art. 190º e Anevo V do Estatuto do Ministério Público.

O Conselho Superior do Ministério Público interpretou a referida expressão no sentido acolhido no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18-1-2017, proferido no processo 0860/17), ou seja, tempo de serviço tem o sentido de “prestação de serviço com os descontos inerentes”.

Na verdade, o referido acórdão diz expressamente:

“(…) A tudo isto acresce o facto de, o “tempo de serviço” a que se faz referência no Anexo II, há-de corresponder sempre uma prestação de serviço com descontos inerentes [quer na magistratura, quer fora dela] dado que o requisito em causa visa assegurar que o jubilado, para além de ter tido uma carreira relativamente longa como magistrado, é possuidor de uma careira contributiva (total) ainda maior”.

Tempo de serviço será, assim, o período temporal “com descontos inerentes”, sejam eles feitos, ou não, para a Caixa Geral de Aposentações. Sem prejuízo, bem entendido, das excepções expressamente previstas na lei, como é, por exemplo, o caso do art. 25-A do Estatuto da Aposentação.

Deste entendimento resulta, portanto, que todo tempo de serviço prestado como Advogado, desde que tenham sido feitos os descontos inerentes (devidos nos temos da lei) relevará para o cômputo dos 40 anos de serviço a que se refere o art. 190º do Estatuto do Ministério Público. E, portanto, o tempo de serviço prestado como Advogado, com os descontos efectuados para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, também deve ser contado para efeitos de aposentação/jubilação.

Contudo, e com relevância para o caso dos autos, o art. 10º, n.º 1 e 3 do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS) aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril e alterado pela Portaria n.º 623/88, de 8 de Setembro e pela Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro, e que hoje já não está em vigor, dizia-nos o seguinte:

«1. Será cancelada a inscrição do beneficiário ordinário que passe a exercer atividade legalmente incompatível com a de advogado ou solicitador, sem prejuízo dos artigos 6º e 7º.
(…)
3. Cancelada a inscrição, pode, a todo o tempo, o beneficiário requerer o resgate das contribuições pagas, exceto das destinadas à ação de assistência e da percentagem afeta a despesas de administração, deduzidas dos benefícios recebidos».

No presente caso, o Autor requereu e foi deferido em 28-6-2006 o resgate das contribuições pagas à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. Das quantias pagas no montante de € 7.089,78, o Autor recebeu € 5. 671,82.

A questão que se coloca é, então, a de saber se, havendo resgate das contribuições pagas, nos termos do art. 10º, 3, do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, o respectivo período contributivo pode, ou não, ser considerado “tempo de serviço” para efeitos do artigo 190º do Estatuto do Ministério Público.

A deliberação do Conselho Superior do Ministério Público entendeu que não.

O Autor entende que sim, pelos dois motivos acima resumidos: por ser irrelevante o resgate e porque, em todo o caso, (mesmo com o resgate) contribuiu com a diferença entre o que pagou e o que recebeu.

A nosso ver, adiantando a conclusão, relativamente ao primeiro argumento do Autor, entendemos que o resgate não é, de modo algum, irrelevante. Tempo de serviço com descontos inerentes e tempo de serviço com descontos resgatados são realidades diferentes para o preenchimento dos requisitos do art. 190º do Estatuto do Ministério Público.

Como decorre do art. 10º, 3, do Regulamento da CPAS o sentido e alcance deste resgate estende-se às “(…) contribuições pagas, exceto das destinadas à ação de assistência e da percentagem afecta a despesas de administração, deduzidas dos benefícios recebidos(…)”.

Em termos objectivos, o interessado que resgate as contribuições pagas, deixa, na exacta medida do que recebeu, de ter essas contribuições pagas. Aceitar tratamento diverso para contribuições pagas e contribuições resgatadas é aceitar uma diferença justificada e adequada para o efeito que agora nos interessa, ou seja a aposentação/jubilação. A jubilação ou a aposentação representam a compensação dos subscritores de um regime previdencial, que no sistema actual assenta em grande medida nas contribuições dos subscritores do activo (financiamento do sistema previdencial). Não são portanto idênticas, nem há razão para serem totalmente equiparadas, para o preenchimento do conceito “tempo de serviço” previsto do art. 190º, 1, do Estatuto do Ministério Público, as situações (i) de quem pagou contribuições (ii) de quem as pagou e as resgatou.

Deste modo, o entendimento, subjacente à deliberação recorrida, de que o tempo de serviço relevante seja apenas o período de tempo com contribuições pagas e não resgatadas, está (i) em conformidade com o teor do art. 190º do Estatuto do Ministério Público; (ii) mostra-se em conformidade com o sentido que lhe deu o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado e, (iii) finalmente, é adequado à estrutura subjacente ao actual sistema de previdência (pagamento das contribuições como meio de financiamento do sistema). Não tem, portanto, razão o autor quando considera violado o disposto no art. 190º, 1, do Estatuto do Ministério Público, por não se ter considerado tempo de serviço com descontos, aquele período em que os descontos foram resgatados.


O Autor também não tem razão quando alega que, apesar do resgate, 20% das contribuições continuaram pagas e que por essa razão deveria ser contado todo o tempo prestado como Advogado. É verdade que o art. 10º, n.º 3 do Regulamento da CPAS nos diz que “cancelada a inscrição, pode, a todo o tempo, o beneficiário requerer o resgate das contribuições pagas, exceto das destinadas à ação de assistência e da percentagem afeta a despesas de administração, deduzidas dos benefícios recebidos».
Porém, este regime não afasta o reembolso de grande parte das contribuições pagas e, nessa medida e com a dimensão do reembolso, deixou de haver contribuições pagas. Em termos estritamente quantitativos o autor poderia sustentar que só 80% das contribuições foram resgatadas e, portanto, quanto ao restante 20% do tempo de serviço havia pagamento das respectivas contribuições. Contudo, mesmo nesta perspectiva, continuaria com 80% do tempo de serviço prestado como Advogado sem contribuições pagas e, por esse motivo, sem que esse tempo (correspondente a 80% de 9 anos, 5 meses e 15 dias) pudesse qualificado como tempo de serviço para efeitos do art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público. Deste modo e concluído nesta parte, relativamente ao vício de violação de lei invocado nos artigos 15º a 36º da petição inicial o Autor não tem razão.

2.2.2.2. Vício da deliberação impugnada na parte em que afirma ser possível o pagamento do período de descontos relativos ao período de licença sem vencimento.
Alega ainda o autor que a deliberação impugnada sofre do vício de violação de lei, na parte em que aceita conferir ao autor o estatuto de jubilação se este regularizar o pagamento das contribuições junto da Caixa Geral de Aposentações, relativamente ao tempo em que esteve na situação se licença sem vencimento.

Na alegação deste tipo de vícios, à semelhança do que exige o art. 639º, 2, b) do CPC quando o recurso tenha como objecto matéria de direito, o interessado tem ónus de indicar “O sentido com que (…) as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas”.

Da leitura da argumentação do Autor, não é nada claro o seu percurso com vista a explicitar qual o sentido do art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público que entende ter sido violado pela deliberação impugnada.

Com efeito, dos artigos os artigos 37º a 50º da petição inicial resulta que o autor entende ter sido violado o art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público, pela circunstância de – como condição de acesso ao estatuto de jubilado - se exigir “o pagamento à CGA das contribuições relativas ao período da licença sem vencimento”. O entendimento do autor (expresso nos artigos 42º e 43º da petição) é o de que, por razões de coerência, quando muito, o que poderia exigir-se era a reposição das importâncias resgatadas, mas nunca as quotizações devidas à CGA relativas ao período de licença sem vencimento. Isto porque, diz o autor, atendendo aos valores actuais, tendo em conta o tempo de serviço para ser atendido e nas suas contas tais quotas ascendiam a cerca de € 96.500,00 euros. Face a este seu entendimento considera que a deliberação impugnada está em desconformidade com o art. 190º, 1 do Estatuto dos Magistrados. O entendimento do Autor, acima resumido, atribui (ao que parece) um sentido ao art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público, segundo o qual, para adquirir o estatuto de jubilação deva ser possível repor as quantias resgatadas, e nada mais. A violação de lei invocada pelo Autor é algo anómala, pois tal violação decorre, em boa verdade, da desconformidade entre a deliberação impugnada e o sentido, por si imputado ao art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público.

É, a nosso ver, evidente a inconcludência da argumentação do Autor, por três razões: (i) o artigo em causa não tem o sentido que o autor lhe atribui; (ii) a deliberação, na parte ora impugnada, não decidiu nos termos em que o Autor lhe imputa a violação de lei; (iii) a deliberação impugnada remete para um regime cuja legalidade nem sequer é posta em causa.

Vejamos porquê.

Em primeiro lugar, como decorre da sua leitura, o art. 190º, 1, do Estatuto do Ministério Público nada diz sobre a possibilidade da devolução das quantias resgatadas à entidade competente (CPAS). Também não adianta o Autor qualquer outro elemento interpretativo (sistemático, histórico ou teleológico) que permita ver na norma em causa a possibilidade de serem devolvidas ao Conselho Superior do Ministério Público, quantias resgatadas. A norma apenas diz que o magistrado tem que ter 40 anos de serviço. O sentido que lhe é atribuído pela jurisprudência é de 40 anos de serviço com contribuições pagas. Sobre a concreta situação de devolver contribuições resgatadas o artigo em causa não diz nada. Portanto, a norma invocada como tendo sido violada não tem o sentido que o Autor pretende que tenha.

Em segundo lugar, a afirmação do Conselho Superior do Ministério Público proferida no terceiro parágrafo de folhas 8, não pode ser interpretada, nos termos em que o autor o faz, com vista a imputar-lhe um vício de violação de lei.

Vejamos este ponto com algum detalhe.

O que a deliberação impugnada, no referido parágrafo (3º parágrafo de folhas 8) diz é o seguinte:
“(…) No entanto, foi remetido ao relator do acórdão recorrido, em 19 de fevereiro de 2020, pela Direção de Apoio à Caixa Geral de Aposentações, um e-mail que refere que "relativamente a eventual pagamento à CGA do tempo em licença sem vencimento, poderá ser possível desde que se trate de período anterior à entrada em vigor da Lei n.° 35/2014 de 7 de março, isto e, anterior a 1 de agosto de 2014", entretanto, junto aos autos e disponível para consulta.
Desta forma reitera-se a conclusão do acórdão recorrido de que o magistrado reclamante poderá aceder ao estatuo de jubilado pagando as contribuições em falta junto da CGA (…).

O essencial, deste segmento da deliberação, radica no entendimento de que o autor pode aceder ao estatuto de jubilado se pagar as contribuições à CGA, nos termos em que os períodos de tempo na situação de licença sem vencimento podem ser contabilizados.

A razão de ser deste aparente desvio à economia da decisão impugnada, advém do facto do autor ter alegado (na impugnação administrativa) estar impossibilitado de pagar as contribuições à CGA por, não estar abrangido pelo regime previsto no art. 80º, 3, do Dec. Lei 100/99, de 31/03, segundo o qual:
(…) 3 - Se o funcionário tiver passado à situação de licença sem vencimento nos termos do n.º 5 do artigo 48.º, tem direito, após o seu regresso à efectividade de funções e a requerimento seu, a apresentar nos seis meses imediatamente subsequentes, a que lhe seja contado o tempo daquela situação, exclusivamente para efeitos de aposentação e sobrevivência, mediante o pagamento, nos termos legalmente aplicáveis, das respectivas quotas.

Daí que o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, na análise da reclamação do autor, tenha refutado a sua alegação, segundo a qual, nem sequer podia pagar totalidade das quotizações à Caixa Geral Aposentações. Perante a informação da Caixa Geral de Aposentações de que, afinal, as quotizações relativas ao tempo de serviço na situação de licença sem vencimento poderiam ser pagas, a deliberação, referiu-se ao “email” remetido pela CGA com o teor que transcreveu e, consequentemente, reiterou o entendimento de que subsistia a possibilidade de pagar as quotas relativas àquele período de tempo.

Contudo, esta afirmação no sentido de ser possível pagar as quotas à CGA não pode ser interpretada no sentido de não ser possível o autor devolver as quantias resgatadas.

A deliberação impugnada não diz expressamente ser impossível a devolução das quantias resgatadas, como decorre da leitura da mesma. E, para além de não o dizer expressamente (literalmente) também não é possível inferir que, implicitamente, tenha decidido nesse sentido. Com efeito informar ser possível pagar as quotas à CGA pelo tempo em que esteve de licença sem vencimento, não implica necessariamente que só desse modo o autor possa aceder à jubilação. Ou seja, dito de outro modo, não decorre do teor da deliberação, no segmento ora impugnado, que o autor não possa aceder à jubilação caso a entidade competente aceite a reposição das contribuições resgatadas. Sobre a relevância da devolução das quantias resgatadas o Conselho Superior do Ministério Público nada decidiu, porque essa realidade de facto não existia. O que decidiu foi que, na situação existente, ou seja, havendo resgate e não havendo devolução das quantias regatadas, o tempo de serviço respectivo não era atendido para efeitos de jubilação.

Em terceiro lugar a informação constante da deliberação impugnada (neste segmento) está certa, na medida em que a deliberação se limita a transcrever uma informação da Caixa Geral de Aposentações, com as condições em que o Autor pode ver contado o tempo de serviço, na situação de licença sem vencimento.

Não se argumente, finalmente, que este regime – ao permitir o pagamento das quotas à CGA - é discriminatório, pois tal não é verdade. Com efeito, de acordo com regime previsto do art. 80º, 3 do Dec. Lei 100/99, de 31 de Março (acima transcrito) o Autor se optar por ele, ficará colocado numa situação de completa igualdade com os demais subscritores da Caixa Geral de Aposentações que tenham estado numa situação de licença sem vencimento e queiram aproveitar esse tempo para efeitos de aposentação.

Não se verifica, assim, o vício de violação de lei alegado nos artigos 37º a 50º.

2.2.3. Pedido subsidiário
O Autor pede ainda que o Conselho Superior do Ministério Público seja condenado a aceitar o depósito liberatório no valor das contribuições resgatadas.
Julgamos ser óbvio que este pedido não pode proceder.
Com efeito para que o Conselho Superior do Ministério Público pudesse ser condenado a aceitar o depósito das quantias resgatadas tinha que existir uma norma jurídica que lhe impusesse tal obrigação.
O autor não indicou essa norma, pois tal norma não existe.
Consequentemente, por não existir uma base legal para condenar o Conselho Superior do Ministério Público a aceitar o depósito das quantias correspondentes ao resgate das contribuições, deve julgar-se improcedente a pretensão do autor nesse sentido.

2.2.4. Constitucionalidade do art. 190º, 1 do Estatuto do Ministério Público
Alega Autor, nesta parte, que “ocorre inconstitucionalidade do art.º 148 – nº 1 do anterior estatuto do MP aprovado pela Lei 47/86 de 15/10, com sucessivas alterações, as últimas das quais introduzidas pela Lei 114/2017 de 29/12, aplicável à data do pedido de aposentação/jubilação, e/ou do nº 1, do art.º 190 do novo estatuto aprovado pela Lei 68/2019 de 27/08, na interpretação de que não conta como tempo de serviço para a jubilação, o período contributivo para uma caixa de previdência em que posteriormente o subscritor tenha feita resgate parcial das contribuições pagas, por violação do princípio consagrado no nº 4, do art.º 63 da CRP”.

Vejamos.

O art. 63º, n.º 4 da Constituição diz-nos o seguinte:
“(…)

Artigo 63.º
(Segurança social e solidariedade)
1. Todos têm direito à segurança social.
2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.
3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
4. Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.
5. O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º
(…)”

Entende o Autor que, não contar como tempo de serviço o período de tempo que que contribuiu, mas resgatou as contribuições, viola o referido preceito constitucional, na parte em que manda atender a “todo o tempo de trabalho contribui (…) para cálculo das pensões de velhice e invalidez”.

O preceito constitucional remete para “os termos da lei”, o que significa, desde logo, que a relevância de todo o tempo de trabalho, é regulado pelo legislador ordinário. Não é, a nosso ver, desproporcionado o legislador ordinário entender que tempo de trabalho relevante seja aquele relativamente ao qual foram pagas contribuições. De resto este entendimento, ou seja, o de que o tempo de trabalho relevante é aquele relativamente ao qual forma pagas contribuições tem sido reiterado pelo Tribunal Constitucional.

Relativamente à irrelevância do tempo de serviço prestado pelos Advogados e Solicitadores inferior ao período de garantia, o Tribunal Constitucional já se pronunciou.
O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 518/2007, proferido perante uma situação de um Advogado que, por ter feito a inscrição com idade avançada, nunca poderia exercer por um período que lhe permitisse aceder à “reforma” pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, disse o seguinte:
“(…)
No aludido Acórdão n.º 366/2006 – que não declarou a inconstitucionalidade, face ao artigo 63.º, n.º 4, da CRP, das normas do artigo 80.º, n.º s 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção da Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro, que determinam que, quando o aposentado, que tenha voltado a exercer funções públicas, findo este novo período, opte pela aposentação correspondente ao mesmo período, não é de considerar, para cômputo da nova pensão, o tempo de serviço anterior à primeira aposentação – ponderou-se ainda, com especial relevância para o presente caso, que:
Na verdade, o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da CRP, não foi directamente concebido para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excepcional, em que se permite a um trabalhador aposentado voltar a exercer funções e, no exercício destas, acumular a pensão que vinha auferindo e uma parcela do vencimento correspondente às novas funções.
Antes com ele se pretendeu designadamente evitar, como resulta da discussão parlamentar referida no relatório do Acórdão n.º 411/99, que, no cômputo da pensão de aposentação que um trabalhador receba ao concluir a sua vida laboral, existam parcelas de tempo de serviço que não sejam contabilizadas.
Trata-se, portanto, de um princípio que não foi gizado para situações, como a que ora se nos depara, em que é concedida ao trabalhador uma opção que se situa à margem da lógica global do sistema e que representa inequivocamente um plus em face dessa lógica, e sim para aquelas situações (a que chamaríamos comuns, ou regra) em que, ao calcular a pensão de um trabalhador no termo do seu período normal de trabalho, há que considerar diversos sub-períodos em que aquele cotizou para distintos sistemas de pensões. Em tal caso, o preceito constitucional em questão impede que no cômputo do tempo de trabalho a proceder seja desconsiderado qualquer daqueles sub-períodos, assim se realizando, para efeitos de cálculo de pensão, o aproveitamento integral do tempo de trabalho.”
A consideração, constante do Acórdão n.º 366/2006, de que “o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da CRP, não foi directamente concebido para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excepcional, em que se permite a um trabalhador aposentado voltar a exercer funções”, é reforçada, no presente caso, pela circunstância de o regresso à actividade do trabalhador reformado respeitar ao exercício de uma profissão liberal, dotada de um específico regime previdencial.
Não se afigura que afronte a regra do n.º 4 do artigo 63.º da CRP a exigência de “períodos de garantia”, isto é, a exigência do decurso de um período mínimo de contribuição ou situação equivalente para ao interessado, inscrito no subsistema previdencial, serem atribuídas as prestações de segurança social. Esta exigência constava do n.º 1 do artigo 34.º da LBSS, invocado pelo recorrente, sendo esse prazo de garantia de 15 anos, no caso de pensão de velhice do regime geral (artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro), tal como o é no questionado artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do RCPAS, já que não se trata de uma exigência que afecte o “núcleo essencial” do direito em causa. E, similarmente, não se considera que seja constitucionalmente imposto pelo mesmo comando aquilo que, de acordo com o n.º 2 do citado artigo 34.º da LBSS, constitui uma mera faculdade deixada à opção do legislador de desenvolvimento dessa lei de bases: considerar o período de garantia cumprido pelo recurso à totalização de períodos contributivos ou equivalentes.
Conclui-se, assim, pela não verificação da alegada inconstitucional
Sublinhe-se ainda que – como, aliás, consta da sentença recorrida – as contribuições de que o recorrente pretendia ser considerado isento não se destinam apenas ao financiamento do pagamento das pensões de reforma dos beneficiários da CPAS, mas também à atribuição de subsídio de invalidez (artigo 27.º), subsídio por morte (artigo 34.º), subsídio de sobrevivência (artigo 41.º), subsídio por doença (artigo 52.º) e acção de assistência (artigo 58.º). E que, por outro lado, se o recorrente não pretender continuar a exercer a profissão de advogado, antes de perfazer o período de garantia para ter direito a uma pensão de reforma, poderá sempre requerer, a todo o tempo, o resgate das contribuições pagas, com excepção apenas das destinadas à acção de assistência e da percentagem afecta a despesas de administração, deduzidas dos benefícios recebidos (artigo 10.º, n.º 3, do RCPAS, na redacção da Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro).
(…)”

Embora o caso concreto fosse diferente, da leitura do cordão podemos reter que a ideia subjacente ao artigo 63º, 4 da Constituição, se pode resumir nos seguintes termos: todo o período, relativamente ao qual houve pagamento de contribuições deve ser tomado em conta no cálculo da reforma.

Refere ainda o mesmo acórdão que o princípio em causa, segundo o qual todo o tempo de serviço deve ser tomado em conta não foi gizado para situações “(…) em que é concedida ao trabalhador uma opção que se situa à margem da lógica global do sistema e que representa inequivocamente um plus em face dessa lógica, e sim para aquelas situações (a que chamaríamos comuns, ou regra) em que, ao calcular a pensão de um trabalhador no termo do seu período normal de trabalho, há que considerar diversos sub-períodos em que aquele cotizou para distintos sistemas de pensões (...)”.

O acórdão clarifica o princípio constitucional sublinhando, além do mais, duas ideias: - a primeira, no sentido de que o princípio não foi gizado para aqueles casos em que o trabalhador tem uma opção à margem da lógica global do sistema; - a segunda, no sentido de explicitar que o trabalhador que cotizou para distintos sistemas há que ter em conta todo o tempo relativamente ao qual pagou contribuições. Ou seja, entendeu o Tribunal Constitucional que a dimensão do princípio referido no art. 63º, 4, da Constituição não é posto em causa, nos casos em que a irrelevância do tempo de serviço decorra de uma opção do trabalhador. Sublinha ainda que a base ou a causa eficiente, se quisermos chamar-lhe assim, da relevância do tempo de serviço está no correspondente pagamento de contribuições – seja qual seja a entidade a quem pagou.

No presente caso, em que o Autor resgatou as contribuições pagas, a irrelevância do tempo de serviço correspondente a essas contribuições, decorre, em primeiro lugar, de uma opção sua e, em segundo lugar, de, com essa opção, ter inutilizado o pagamento de anteriores contribuições. Daí que, a sua situação, não esteja a coberto do âmbito de protecção do invocado princípio consagrado no art. 63º, 4, da Constituição.

Consequentemente também nesta parte a acção deve ser julgada improcedente.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em julgar totalmente improcedente a presente acção e, consequentemente, absolver o Conselho Superior do Ministério Público dos pedidos (principal e subsidiário).
Custas pelo Autor.

Lisboa, 11 de Maio de 2023. – António Bento São Pedro (relator) – Cláudio Ramos Monteiro – José Augusto Araújo Veloso.