Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01127/05
Data do Acordão:01/25/2006
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA.
ACTO HORIZONTALMENTE DEFINITIVO.
ACTO LESIVO.
PROJECTO DE ARQUITECTURA.
LEGITIMIDADE ACTIVA.
INTERESSE EM AGIR.
Sumário:I – O princípio da impugnação unitária foi adoptado na L.P.T.A., estando subjacente ao n.º 1 do seu art. 25.º em que se estabelece «só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios», norma esta que afasta a recorribilidade de actos inseridos em procedimentos administrativos que, por não lhe porem termo, não são qualificáveis como horizontalmente definitivos.
II – Sendo esta a opção legislativa feita na L.P.T.A. sobre o critério de recorribilidade contenciosa de actos administrativos, é esse o critério que, num Estado de Direito, tem de ser adoptado pelos tribunais, salvo nos casos em que, por força de norma especial ou norma de hierarquia superior, tenha de ser admitida a impugnabilidade contenciosa imediata de actos administrativos inseridos em procedimentos.
III – Os actos de aprovação do projecto de arquitectura são actos preparatórios da decisão de final sobre o pedido de licenciamento de construção, pois àqueles actos seguem-se outros actos procedimentais e, por isso, carecem de definitividade horizontal, não sendo, em regra, susceptíveis de impugnação contenciosa directa, só o sendo quando afectam imediatamente a esfera jurídica de quem os pretende impugnar, situação em que a impugnabilidade contenciosa imediata é imposta pelo art. 268.º, n.º 4, da C.R.P..
IV – Nos casos em que os actos procedimentais não são imediatamente lesivos, é constitucionalmente admissível o condicionamento das possibilidades de impugnar contenciosamente actos inseridos em procedimentos administrativos, pois esse condicionamento, limitado aos casos em que o afastamento da possibilidade de acesso imediato aos tribunais é desnecessário para assegurar eficazmente a tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos, para além de não ser incompatível com os arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da C.R.P., até se harmoniza com a finalidade visada por essas normas, pois, ao dispensar os tribunais de intervenção nos casos em que ela não é imprescindível, lhes permitem mais eficazmente dar satisfação aos pedidos de apreciação jurisdicional que lhe sejam apresentados pela generalidade dos cidadãos.
V – Constatando-se que o recorrente, interessado no licenciamento por ser titular de um prédio vizinho, impugnou dois actos de aprovação de projectos de arquitectura, que a Administração lhe indicou como sendo os que aprovaram as obras que viu serem levadas a cabo, omitindo referência a um acto de aprovação de pedido de licenciamento que praticara, deverá ser formulado convite ao recorrente para correcção da petição quanto ao acto recorrido.
VI – Com efeito, em tais circunstâncias é inequívoca a intenção do recorrente de impugnar todos os actos que aprovaram as obras em causa e o facto de ter impugnado os que impugnou e não o de aprovação do pedido de licenciamento é explicado pelo facto de ter sido induzido em erro pela omissão de informação da Administração.
VII – Carece de legitimidade para impugnar um acto que aprovou um pedido de licenciamento de eliminação de uma janela de um edifício, o titular de um prédio vizinho que não invoca qualquer prejuízo derivado de tal eliminação.
Nº Convencional:JSTA00062756
Nº do Documento:SA12006012501127
Data de Entrada:11/14/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:VEREADOR DO PELOURO URBANISMO DA CM MAFRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
DIR ADM CONT - DIR URB.
Legislação Nacional:LPTA85 ART25 N1 ART36 N1 ART40.
CPTA02 ART51 N1.
CONST97 ART2 N3 ART20 N1 ART268 N4.
CPA91 ART1 N1 ART7 N1 ART54 ART106 ART170 N1.
DL 445/91 DE 1991/11/20 ART15 N4 ART17-A ART20 ART34 ART39 ART45.
RSTA57 ART46 N1 ART103.
CADM40 ART838 PAR1.
CPC96 ART508 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC39097 DE 1996/03/21 IN AP-DR DE 1998/08/31 PAG2066.; AC STA PROC45166 DE 2000/01/20 IN AP-DR DE 2002/11/08 PAG336.; AC STA PROC1415/04 DE 2005/04/19.; AC STA PROC17011 DE 1982/07/15 IN AP-DR DE 1986/02/04 PAG2908.; AC STA PROC14553 DE 1983/10/27 IN AP-DR DE 1986/11/05 PAG4064.; AC STA PROC38744 DE 1996/05/21 IN AP-DR DE 1998/10/23 PAG3831.; AC STA PROC1418/02 DE 2003/06/18.; AC STAPLENO PROC1418/02 DE 2004/11/24.; AC STA PROC31091 DE 1994/05/03 IN AP-DR DE 1996/12/31 PAG3287.; AC STA PROC1573/03 DE 2004/01/24.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VIII PAG210 VIV PAG170.
MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI 10ED PAG445.
MÁRIO TORRES IN CJA N27 PAG41 PAG42.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A... interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso dos despachos do Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra datados de 24-3-99, 23-12-99 e 18-1-2000, proferidos no âmbito do processo camarário n.º 01-630/98.
No despacho saneador (Foi proferido um outro despacho saneador, que consta de fls. 45-46, de que foi interposto recurso pela Recorrente (fls. 48), mas o processado posterior à resposta da Autoridade Recorrida foi considerado anulado pelo despacho de fls. 108, interpretado pelo despacho de fls. 153.), proferido pelo Meritíssimo Juiz do 1.º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que sucedeu na competência daquele T.A.C., foi decidido, além do mais, rejeitar o recurso contencioso por ilegitimidade da sua interposição, por ocorrer ilegitimidade activa quanto aos actos de 23-12-99 e 18-1-2000 e por irrecorribilidade quanto aos actos de 24-3-99 e 23-12-99.
Inconformada a Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1.ª Ao rejeitar o recurso entendendo que os actos contra os quais a recorrente pretende reagir (actos que legalizaram as obras) não são aqueles que se mostram identificados na petição mas sim o acto de 7.7.99, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 838° do Código Administrativo, 40° do DL 267/85 (LPTA) e 508° do CPC, normativos que no caso vertente sempre imporiam a apreciação do mérito do recurso, ainda que precedida de convite para corrigir a identificação do acto impugnado.
2ª As normas que estabelecem ónus ou requisitos processuais — o que é o caso, por exemplo, do ónus de identificação do acto recorrido (v. art. 36° /1/ c) da LPTA) - devem ser interpretadas à luz da garantia constitucional da tutela judicial efectiva (v. arts. 20° e 268°/4 da CRP), não podendo as mesmas excluir da via contenciosa a quem aí se apresente como titular de um interesse jurídico digno de tutela, o que é o caso da ora recorrente na situação dos autos.
3ª A exigência da interpretação das normas processuais em conformidade com a tutela judicial efectiva, entre outras consequências, “deve levar ao postergar de interpretações meramente ritualistas e formalistas do quadro normativo que sobre eles disponha”, sendo certo que “os requisitos formais não são valores autónomos, que tenham substantividade própria, antes se reconduzindo a meros instrumentos para atingir uma finalidade legítima.” (cfr., Acs. do STA de 05/13/2004, no Proc. n. ° 186/04, de 2/6/1999, Proc. 44.498 e de 9/4/2002, Proc. 48.200 in www.dgsi.pt).
4ª Permitindo a petição apreender com total clareza o sentido da vontade anulatória da recorrente como sendo o de anular o acto que o Tribunal identifica como tendo sido praticado em 7.7.99, deveria o Tribunal a quo conhecer do objecto do recurso, prefigurando oficiosamente como acto objecto do recurso esse acto que o Tribunal identificou na sentença recorrida como devendo ser “o acto recorrível”, ou se assim não se entendesse, sempre estaria obrigado a convidar a recorrente a corrigir a petição nela indicando o despacho de 7.7.99 (v. arts. 838° do Cód. Adm. e 508° do CPC).
5ª Independentemente do que se acaba de concluir nas conclusões antecedentes, ao decidir pela irrecorribilidade dos actos de 24.3.1999 e de 23.12.1999 por considerar estes meros actos de aprovação de projectos de arquitectura e, por isso, preparatórios do acto final de licenciamento, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, pois nem a apontada categoria de actos é irrecorrível (em face dos arts. 20° e 268° da Constituição), nem no caso vertente o objecto desses actos se esgota na aprovação de projectos de arquitectura (aprovam igualmente as telas finais), nem tão pouco foram praticados num processo de licenciamento (são praticados em processo de legalização).
6ª A consagração do direito de recurso contra quaisquer actos administrativos lesivos (art. 268 da CRP) compreende tanto a recorribilidade das actuações lesivas finais como a daquelas que foram praticadas no decurso de um procedimento administrativo, pelo que, ao contrário do pressuposto pela decisão recorrida, a aprovação do projecto de arquitectura tem natureza lesiva e é recorrível (cfr. ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA, Ob. Loc. cits, pág. 33).
7ª Não é correcto o pressuposto afirmado na sentença recorrida de que o despacho de 24.3.1999, se reduza a aprovar um projecto de arquitectura, preparatório de uma decisão final de licenciamento, pois o que se observa do teor desse despacho, é que o mesmo defere “o projecto de arquitectura das alterações, bem como as telas finais” (cfr. fls. 119 do Processo instrutor), aprovando desse modo alterações que foram introduzidas ao projecto no decurso da execução da obra e nada tendo que ver, portanto, com um acto meramente preparatório da decisão final de licenciamento.
8ª Ao contrário do pressuposto pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, os actos recorridos não são actos típicos inseridos num processo de licenciamento de obra particular mas sim actos praticados no âmbito de um processo de legalização de obras construídas, e por isso sujeitos a um regime jurídico diferente, sendo o acto impugnado de 24.3.1999 uma declaração de vontade constitutiva — legalizando a obra — produzindo efeitos jurídicos imediatos numa situação jurídica substantiva e concreta, e sendo estruturalmente idóneo para, a título autónomo, produzir efeitos, directa e imediatamente lesivos da esfera jurídica da recorrente.
9ª Ao decidir que a recorrente não dispõe de legitimidade activa para impugnar os actos de 23.12.99 e de 18.1.2000, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 821° do Código Administrativo e 200/1 e 268°/4 da Constituição da República, pois atenta a causa de pedir e todo o alegado na p.r., assiste legitimidade à recorrente para a impugnação dos actos recorridos, designadamente os despachos impugnados de 23.12.99 e 18.1.2000.
10ª No caso concreto, o acto de 18.01.2000 que a sentença recorrida considera não poder ser impugnado pela recorrente por não ser lesivo de direitos e interesses desta, é o acto final da complexa sucessão de actos praticados no procedimento pelo qual foi legalizada a obra sub judice, resultando dessa anulação um benefício com imediata repercussão para a sua esfera jurídica.
11ª Mesmo que o recurso contencioso interposto pela recorrente devesse ser rejeitado — o que aqui apenas se equaciona por mera hipótese académica – a decisão sub judice não poderia ser mantida por, enfermar mesmo nessa hipótese, de erro de julgamento, ao decidir que a ora recorrente poderia impugnar o despacho de 7.7.99 num novo e autónomo processo a instaurar, “quanto aos vícios de nulidade de que o mesmo se encontre inquinado, já que a nulidade é invocável a todo o tempo” — cfr. sentença recorrida - pois, nunca se poderia aceitar que em caso de rejeição do recurso a nova acção a interpor pela recorrente para a impugnação do acto de 7.7.99 ficasse restrita aos vícios de nulidade que afectam esse acto, premiando desse modo a Administração que “ocultou esse acto” e até, muito para além disso, apresentou à recorrente outro acto como sendo aquele outro.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida com as legais consequências.
A Autoridade Recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
a) A sentença recorrida não enferma de erro de julgamento e não viola o disposto nos arts. 838.º do Código Administrativo, 40.º da L.P.T.A. e 508.º do C. P. Civil.
b) Com efeito, essas normas não permitiam que fosse proferido despacho de aperfeiçoamento da petição, com vista a que fosse indicado que o recurso abrangia ainda outro acto administrativo.
c) A recorrente consultou o processo administrativo onde foram proferidos os actos impugnados e onde se encontrava também exarado o despacho de 7.07. 1999, pelo que, se não impugnou este despacho, a si o deve.
d) Os despachos de 24.03. 1999 e 23. 12. 1999 são meramente preparatórios das decisões finais representadas pelo licenciamento das obras, pelo que são irrecorríveis.
e) A recorrente não detém legitimidade para impugnar os despachos de 23.12.1999 e 18.05.2000.
f) Na verdade, estes últimos despachos respeitam a uma obra que consiste na eliminação de uma janela inicialmente prevista.
g) Essa eliminação não se repercute de modo nenhum na esfera jurídica do proprietário vizinho, que é a recorrente.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, fazendo-se, assim, Justiça.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, acompanhando a posição da Autoridade Recorrida, manifestando consonância com a decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1) O prédio urbano, sito no Lote ..., do Vale ..., freguesia do Milharado, concelho de Mafra, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 00599/020287, em 3 de Outubro de 2000, como sendo composto de casa de dois pisos para habitação, com a área de 103,34 m2, e de logradouro, com a área de 310,66 m2, correspondente ao artigo matricial n.º 4.085, confrontando de norte com arruamentos e sul, nascente e poente com ..., LDU, desanexado do n.º 00571, e com o valor patrimonial de 3.564.000$00 (certidão de fls. 35 e ss., deste processo).
2) Encontra-se inscrita a aquisição a favor da recorrente, por compra, do prédio referido em A), pela inscrição G-4, desde 27/10/87 (certidão de fls. 35 e ss., deste processo).
3) O prédio urbano, sito no Lote ..., do Vale de ..., freguesia do Milharado, concelho de Mafra, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 00598/020287, em 26 Maio de 1998, como sendo composto de casa de um piso para habitação, com a área de 98 m2, e de logradouro, com a área de 343 m2, correspondente ao artigo matricial n.º 4.044, confrontando de norte com a recorrente, sul com ..., nascente com rua e poente com ..., desanexado do n.º 00571, e com o valor patrimonial de 3.539.000$00 (certidão de fls. 19 e ss., do processo instrutor, pasta 1).
4) O prédio referido em C) encontra-se descrito, em 27 de Fevereiro de 2003, com sendo sito na Rua dos ..., e composto de casa de rés-do-chão e 1° andar para habitação, com garagem, com a área de 119,3 m2, e logradouro com a área de 321,7 m2 (certidão de fls. 128 e ss., deste processo).
5) Encontra-se inscrita a aquisição a favor de B... e mulher ..., casados na comunhão de adquiridos, por compra, do prédio referido em 3/4), pela inscrição G-5, desde 15/09/97 (certidão de fls. 128 e ss., deste processo, e 19 e ss., do processo instrutor, pasta 1).
6) Em 19 de Junho de 1998 B... solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra o licenciamento de alteração e ampliação da sua moradia, correspondente ao lote ..., do Vale de ..., freguesia do Milharado, concelho de Mafra, instruindo o seu pedido designadamente com o projecto de arquitectura, ao qual foi atribuído n.º 01.630/98 (cfr. fls. 25, do processo instrutor, Pasta 1).
7) Por despacho de 24 de Junho de 1998, do Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra, foi indeferido o pedido referido em 6), com base nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 63°, do DL 445/91, de 20/11, na redacção do DL 250/94, de 15/10, uma vez que a proposta no piso 1 não cumpria os afastamentos laterais do Quadro Regulamentar e a nível da planta do piso O a alteração pretendida apresentava vãos de compartimento de habitação a 3 metros da estrema, contrariando o art. 60°, do RGEU (cfr. fls. 27, do processo instrutor, Pasta 1).
8) Em 28 de Julho de 1998 B... solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra a junção ao proc. n.º 01.630/98 de fotocópia da planta de projecto inicial, esclarecendo que a janela situada a menos de 5 m da estrema já existia no projecto inicial e mantinha as características ali definidas, ou seja, era um caixilho fixo com vidro translúcido (cfr. fls. 30 e 31, do processo instrutor, Pasta 1).
9) Em 11 de Agosto de 1998, ..., Fiscal Municipal, encontrando-se no exercício das suas funções no Aldeamento do Vale de ..., freguesia de Milharado, participou que verificou que B..., residente no Aldeamento do Vale de ..., Lote ... Milharado, se encontrava a executar as obras de ampliação da sua moradia, a que se refere o proc. camarário n.º 01 -630/98, sem possuir a respectiva licença camarária, que a prática de tais actos violava o Regime Jurídico de Licenciamento de Obras Particulares (DL 250/94, de 1 5/1 0), e que a construção encontrava-se elevada até ao nível da placa de cobertura, estando esta já executada, e as paredes interiores em tijolo à vista, referindo ainda que lhe parecia ser de ordenar o embargo administrativo da referida obra (cfr. fls. 33, do processo instrutor, Pasta 1).
10) Por despacho dessa mesma data, do Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra, foi ordenado o embargo a obra em causa (cfr. fls. 33, canto superior direito, do processo instrutor, Pasta 1).
11) Em 12 de Agosto de 1998 ..., Fiscal Municipal, procedeu ao embargo da obra, lavrando o competente auto de embargo (cfr. fls. 35, do processo instrutor. Pasta 1).
12) Em 28 de Agosto de 1998 foi emitido parecer favorável ao projecto de alterações/ampliação, tendo em conta os esclarecimentos prestados através do requerimento referido em 8) (cfr. fls. 40, do processo instrutor, Pasta 1).
13) Por despacho de 9 de Setembro de 1998 foi aprovado o projecto de arquitectura referido em 6) (cfr. lis. 40, do processo instrutor, Pasta 1).
14) Em 16 de Outubro de 1998 B... solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra a aprovação dos projectos da especialidade, respeitantes ao processo de obras n.º 01.630/98 (cfr. fls. 88, do processo instrutor, Pasta 1).
15) Por despacho de 2 de Dezembro de 1998, do Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra, foi deferido o pedido de licenciamento, tendo o respectivo alvará de licença de construção (n.º 2115/98) sido emitido em 4 de Dezembro de 1998 (cfr. fls. 98 e 108, do processo instrutor, Pasta 1).
16) Em 8 de Fevereiro de 1999 B... solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra a junção ao proc. n.º 01.630/98 de projecto de alterações que contemplava os seguintes aspectos:
– Elevação da cobertura em 0,70 m, sem aproveitamento do sótão;
– Alteração da forma do telhado principal de 5 para 3 águas;
– Aumento da área do telheiro;
– Consequente aumento do número de pilares que sustêm o telheiro;
– Consequente aumento da cobertura do telheiro (cfr. fls. 113 e 118, do processo instrutor, Pasta 1, e lis. 12, deste processo).
17) Por despacho de 24 de Março de 1999, do Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra, foi deferido o projecto de arquitectura das alterações referidas em 16) (cfr. fls. 119, do processo instrutor, Pasta 1, e fls. 12, deste processo).
18) Em 4 de Junho de 1999 B... solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra a aprovação dos projectos da especialidade, respeitantes ao processo de obras n.º 01.630/98 (cfr. fls. 131, do processo instrutor, Pasta 1).
19) Por despacho de 7 de Julho de 1999, do Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra, foi deferido o pedido de licenciamento das alterações, tendo o respectivo alvará de licença de construção (n.º 1014/99) sido emitido em 26 de Julho de 1999 (cfr. fls. 131 e 135, do processo instrutor, Pasta 1).
20) Em 14 de Dezembro de 1999 B... solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra a junção ao proc. n.º 01.630/98 de projecto de alterações que contemplava a eliminação de um vão de caixilho fixo (janela) existente ao nível do piso 0, previsto no projecto inicial (cfr. fls. 141, do processo instrutor, Pasta 1, e fls. 12, deste processo).
21) Por despacho de 23 de Dezembro de 1999, do Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra, foi deferido o projecto de arquitectura das alterações referidas em 20) (cfr. fls. 142, do processo instrutor, Pasta 1, e fls. 12 deste processo).
22) Em 18 de Janeiro de 2000 B... solicitou ao Presidente da Câmara Municipal de Mafra a junção ao processo n.º 01.630/98 de declaração de isenção de apresentação de projectos de especialidade referentes ao último projecto de alterações apresentado (cfr. fls. 144, do processo instrutor, Pasta 1).
23) Dessa declaração constava que: “..., Engenheira Técnica Civil (...) declara que as alterações introduzidas a nível de arquitectura não carecem de projectos de Especialidade dado se tratarem de ajustes com resolução específica em obra, não havendo necessidade de registo” (cfr. fls. 143, do processo instrutor, Pasta 1).
24) Por despacho de 18 de Janeiro de 2000, do Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra, foi deferido o pedido de licenciamento das alterações, tendo o respectivo alvará de licença de construção (n.º 652/2000) sido emitido em 2 de Maio de 2000 (cfr. fls. 144 e 151, do processo instrutor, Pasta 1).
3 – Pelos despachos de 24-3-99 e 23-12-99, a Autoridade Recorrida deferiu o projecto de arquitectura de alterações, relativo a um prédio contíguo ao da Recorrente.
Na decisão recorrida, rejeitou-se o recurso quanto a tais actos, por se ter entendido que eles actos são irrecorríveis por serem preparatórios do acto final de licenciamento, sem autonomia funcional e sem eficácia lesiva imediata da esfera jurídica da Recorrente, só podendo ser impugnado o acto final que aprovou o licenciamento relativo às alterações, acto esse que a Recorrente não impugnou.
Esta posição está em sintonia com a jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo, que vem entendendo que os actos de aprovação do projecto de arquitectura são actos preparatórios da decisão de final sobre o pedido de licenciamento de construção, pois àqueles actos seguem-se outros actos procedimentais. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
– de 21-3-1996, proferido no recurso n.º 39097, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31-8-98, página 2066;
– de 10-4-1997, proferido no recurso n.º 39573, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23-3-2001, página 2613;
– de 17-11-1998, proferido no recurso n.º 43772, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6-6-2002, página 7139;
– de 30-9-1999, proferido no recurso n.º 44672, publicado em BMJ 489,177; publicado no Apêndice ao Diário da República de 9-9-2002, página 5337;
– de 20-1-2000, proferido no recurso n.º 45166, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8-11-2002, página 336;
– de 23-5-2000, proferido no recurso n.º 45768, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9-12-2002, página 4587;
– de 28-11-2000, proferido no recurso n.º 46506, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12-2-2003, página 8663;
– de 23-1-2001, proferido no recurso n.º 47017, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21-7-2003, página 379;
– de 8-2-2001, proferido no recurso n.º 45490, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21-7-2003, página 1056;
– de 27-3-2001, proferido no recurso n.º 47007, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21-7-2003, página 2416;
– de 5-4-2001, proferido no recurso n.º 47139, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8-8-2003, página 2862;
– de 22-10-2003, proferido no recurso n.º 660/02;
– de 24-11-2004, proferido no recurso n.º 1878/02;
– de 5-4-2005, proferido no recurso n.º 100/04;
– de 19-4-2005, proferido no recurso n.º 1415/04. )
O princípio da impugnação unitária foi adoptado na L.P.T.A., estando subjacente ao n.º 1 do seu art. 25.º em que se estabelece «só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios». No âmbito do conceito de definitividade inclui-se o de definitividade horizontal, sendo de entender que são horizontalmente definitivos os actos que põe termo ao procedimento administrativo em que se inserem. (FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, 1989, página 210.
Essencialmente no mesmo sentido, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 445.)
Foi esta opção legislativa, de só admitir a impugnação contenciosa de actos definitivos, em todas as vertentes, a que foi efectuada legislativamente no referido art. 25.º, n.º 1, decerto por se ter formulado um juízo positivo sobre a conveniência desse condicionamento à impugnabilidade contenciosa para optimizar a eficiência dos tribunais na sua tarefa de assegurar a tutela jurisdicional efectiva da generalidade dos particulares, como impõe o n.º 1 do art. 20,º da C.R.P..
Por isso, num Estado de Direito democrático assente na soberania popular e no primado da lei (arts. 2.º e 3.º da C.R.P.), em que os tribunais estão sujeitos à lei, na medida em tal norma não for incompatível com qualquer norma constitucional ou outra norma hierarquicamente superior, não podem estes adoptar outro critério sobre a recorribilidade contenciosa que não seja o da definitividade, nomeadamente não podendo adoptar o da externalidade dos efeitos, que veio a ser adoptado no art. 51.º, n.º 1, do C.P.T.A., ou outros que foram judiciosamente propostos como o da centralidade dos actos nos procedimentos administrativos e a circunstâncias de constituírem decisões finais de subprocedimentos, assim qualificados pelo intérprete. (Neste sentido, pode ver-se o Cons. MÁRIO TORRES, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 27, páginas 41-42.) Isto é, a questão que se coloca aos tribunais não é saber qual é a melhor solução, mas sim determinar qual a que foi consagrada legislativamente e a resposta dada a esta questão pelo art. 25.º, n.º1, é a de que foi adoptado o critério da definitividade.
É seguro, porém, que esta regra, adoptada na L.P.T.A., de os actos anteriores à decisão final do procedimento que não sejam imediatamente lesivos não serem contenciosamente recorríveis, (apenas o sendo o acto que põe termo ao procedimento, fixando a posição definitiva da Administração relativamente à pretensão que nele foi formulada) (Pela mesma razão, quando a posição assumida sobre o projecto de arquitectura for de não aprovação, estar-se-á perante um acto contenciosamente recorrível, por ele por termo ao processo relativo ao licenciamento da construção a que se refere o projecto.), tem de ser afastada nos casos em que aqueles actos sejam imediatamente lesivos.
Na verdade, por força do disposto no art. 268.º, n.º 4, da C.R.P., tem de se reconhecer a impugnabilidade contenciosa imediata de todos os actos imediatamente lesivos, devendo entender-se que o são todos os actos administrativos que afectem a esfera jurídica dos particulares, quando a sua lesividade, não puder ser afastada por meios de impugnação administrativa. (Embora o recurso hierárquico necessário tenha, em regra, efeito suspensivo da eficácia do acto impugnado (art. 170.º, n.º 1, do C.P.A.), relativamente à maior parte dos actos de conteúdo negativo esse efeito suspensivo não difere a lesividade imediata do acto primário, pois mantém a situação existente que o particular pretende ver alterada.)
Assim, não se pode excluir, em todos os casos, a impugnabilidade contenciosa imediata de actos de aprovação de projectos de arquitectura, pois há situações em que é manifesto que eles, só por si, são potencialmente lesivos. (Por exemplo, a aprovação do projecto de arquitectura de um edifício de grandes dimensões terá, normalmente, efeitos negativos imediatos sobre o valor comercial de edifícios que desfrutem de vistas deslumbrantes que por ele possam vir a ser impedidas, podendo afectar desde logo os interesses daqueles que estejam a comercializá-los.)
Porém, nos casos em que não exista essa lesividade imediata ou ela seja afastada por meios de impugnação administrativa, é constitucionalmente admissível o condicionamento das possibilidades de impugnar contenciosamente actos inseridos em procedimentos administrativos, pois esse condicionamento, limitado aos casos em que o afastamento da possibilidade de acesso imediato aos tribunais é desnecessário para assegurar eficazmente a tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos, para além de não ser incompatível com os arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da C.R.P., até se harmoniza com a finalidade visada por essas normas, pois, ao dispensar os tribunais de intervenção nos casos em que ela não é imprescindível, lhes permitem mais eficazmente dar satisfação aos pedidos de apreciação jurisdicional que lhe sejam apresentados pela generalidade dos cidadãos. Isto é, não sendo ilimitados os meios de que dispõem os tribunais para assegurar o direito à tutela jurisdicional efectiva de «todos», como impõe o n.º 1 do art. 20.º da C.R.P., não pode considerar-se materialmente inconstitucional o condicionamento do exercício de direitos, na medida em que ele não é imprescindível para assegurar essa tutela.
4 – Os actos de aprovação do projecto de arquitectura, de 24-3-99 e 23-12-99, estão inseridos num procedimento em que terão de ser praticados outros actos antes de ser proferida a decisão final sobre o pedido de licenciamento de construção, nomeadamente a apresentação dos projectos das especialidades (arts. 15.º, n.º 4, 17.º-A, 20.º, 34.º, 39.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro). (No caso em apreço, relativamente à aprovação do projecto de arquitectura das alterações efectuada pelo despacho de 23-12-99, veio a ser posteriormente pedida a isenção de apresentação de projectos de especialidade [alíneas 21) e 22) da matéria de facto fixada], mas, mesmo neste caso, o referido acto de aprovação não foi o acto final do procedimento, pois ele só terminou com o despacho de 18-1-2000 que deferiu o pedido de licenciamento das alterações.)
Por isso, os actos de aprovação dos projectos de arquitectura ou suas alterações não são actos horizontalmente definitivos, pelo que, à face do referido n.º 1 do art. 25.º da L.P.T.A., eles não são impugnáveis contenciosamente.
É irrelevante a circunstância invocada pela Recorrente de os actos referidos, para além de terem aprovado alterações ao projecto de arquitectura terem aprovado as denominadas telas finais, pois o que releva, para efeitos de qualificação de um acto como horizontalmente definitivo, é ele ser ou não o acto que pôs termo ao procedimento em que foi praticado.
É necessário apurar, porém, se aqueles actos podem considerar-se imediatamente lesivos.
Os actos impugnados aprovaram alterações a uma construção que já esta legalizada por um acto de licenciamento anterior, de 2-12-98 [alínea 15) da matéria de facto fixada].
No caso em apreço, não se vislumbra que a Recorrente seja afectada concretamente pela mera aprovação das alterações ao projecto de arquitectura.
Com efeito, o único interesse seu que a Recorrente refere ter sido afectado pelos actos impugnados é o da «manutenção das condições de utilização e edificabilidade dos lotes da sua urbanização» (art. 33.º da petição de recurso, a fls. 6 verso), pois, embora aluda à existência de prejuízos refere apenas que não deixará de exigir o seu ressarcimento, sem deixar entrever em que é que eles se consubstanciam.
Ora, essa «manutenção das condições de utilização e edificabilidade dos lotes da sua urbanização» não é afectada imediatamente por actos de aprovação de projectos de arquitectura, mas apenas por actos que, deferindo os pedidos de licenciamento das obras, possibilitem ao requerente da aprovação alterar essas condições.
Por isso, é correcta a posição assumida na decisão recorrida, ao não considerar contenciosamente recorríveis os despachos de 24-3-99 e 23-12-99.
5 – Na sentença recorrida entendeu-se, assim, que os actos contenciosamente recorríveis são o de 7-7-1999, que deferiu o pedido de licenciamento das alterações a que se refere o projecto de arquitectura aprovado pelo acto de 24-3-99, e o de 18-1-2000, que deferiu o pedido de licenciamento das alterações a que se refere o projecto de arquitectura aprovado pelo acto de 23-12-99.
O acto de 18-1-2000 foi efectivamente impugnado pela Recorrente, mas o de 7-7-99 não o foi.
A Recorrente defende que, depois de o Meritíssimo Juiz tomar posição no sentido da irrecorribilidade do acto de 24-3-99, deveria ter formulado convite para corrigir a identificação do acto impugnado.
De harmonia com o disposto no art. 36.º, n.º 1, da L.P.T.A. alínea c), na petição de recurso, deve o recorrente identificar o acto recorrido e o seu autor.
No art. 40.º da mesma Lei, prevê-se a formulação de convite pelo Tribunal para correcção da petição de recurso, nos casos em que há erro na identificação do autor do acto recorrido ou deficiência na indicação de contra-interessados.
Estabelece-se, porém, na parte inicial deste art. 40.º, que a formulação de convite aqui prevista é feita «sem prejuízo dos demais casos de regularização da petição de recurso».
Não indica a L.P.T.A. quais são os «demais casos de regularização da petição de recurso».
Por isso, há que fazer apelo, em primeira linha, à legislação subsidiária que, no caso, é a Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e a respectiva legislação complementar [art. 24.º, alínea b), da L.P.T.A.].
Nem a L.O.S.T.A. nem o R.S.T.A. prevêem as consequências dessa falta de regularização posterior ao convite, pelo que tem de se recorrer à legislação subsidiária indicada por estes diplomas que, em matéria de tramitação processual, é o Código Administrativo e as leis gerais de processo civil (art. 103.º do R.S.T.A.). (Este art. 103.º do R.S.T.A. é a norma que indica a legislação complementar deste diploma.
Por isso, tem de se entender que, em matéria de recursos contenciosos abrangidos pela alínea b) do art. 24.º da L.P.T.A. ele não foi revogado por esta Lei, pois é ela própria que exige a sua utilização para determinação da legislação complementar a que se reporta.) (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo:
– de 15-7-82, proferido no recurso n.º 17011, publicado em Apêndice ao Diário da República de 4-2-86, página 2908;
– de 27-10-83, proferido no recurso n.º 14553, publicado em Apêndice ao Diário da República de 5-11-86, página 4064;
– de 21-5-96, proferido no recurso n.º 38744, publicado em Apêndice ao Diário da República de 23-10-98, página 3831;
– de 18-6-2003, proferido no recurso 1418/02;
– de 24-11-2004, do Pleno de Secção, proferido no mesmo processo n.º 1418/02.)
No § 1.º do art. 838.º do Código Administrativo, estabelece-se o seguinte:
As deficiências de forma ou de instrução da petição e bem assim a irregularidade de representação do recorrente não são motivos de indeferimento imediato, mas se, notificado o recorrente para as suprir ou regularizar no prazo que lhe for marcado, não apresentar nova petição, será então indeferido in limine o recurso.
Esta disposição tem sido considerada aplicável à generalidade das deficiências da petição, para além dos casos previstos no art. 40.º da L.P.T.A. (que abrange apenas os casos de errada identificação do autor do acto recorrido e de falta e erro na indicação de contra-interessados), nomeadamente à errada indicação do acto recorrido,
Designadamente, a formulação de convite para a correcção da petição quanto à identificação do acto recorrido, não pode deixar de se impor pelo menos nos casos em que a errada identificação do acto deriva de uma actuação da Administração que induziu em erro o particular, violando o dever de o informar correctamente, que lhe impõe o art. 7.º, n.º 1, alínea a), do C.P.A., (Este art. 7.º e sua alínea a), estabelecem que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em estreita colaboração com os particulares, procurando assegurar a sua adequada participação no desempenho da função administrativa, cumprindo-lhes, designadamente: a) Prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam.)
Para além de, em tais situações a possibilidade de correcção ser reclamada por evidente exigência do princípio da justiça que é princípio constitucional de aplicação generalizada por estar ínsito na ideia de Estado de Direito democrático (art. 2.º da C.R.P.), verifica-se aqui uma situação em que é de aplicar analogicamente a regra da alínea a) do n.º 1 do art. 40.º da L.P.T.A., que admite a possibilidade de regularização da petição de recurso nos casos em que não se esteja perante um erro manifestamente indesculpável. (À mesma conclusão da possibilidade de correcção se chegará se se entender aplicar subsidiariamente o C.P.C., ao abrigo do art. 1.º da L.P.T.A., pois no n.º 3 do seu art. 508.º, independentemente da desculpabilidade do erro, impõe-se ao juiz que convide as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
No sentido da aplicabilidade subsidiária do art. 508.º do C.P.C., pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 13-2-2002, proferido no recurso n.º 48403.)
Ora, no caso em apreço, é manifesto que a Recorrente foi induzida em erro pela certidão que consta de fls. 12, que lhe foi passada na sequência de um requerimento seu em que pedia que lhe fosse «passada certidão integral de teor, data e fundamentação do acto administrativo que terá aprovado recentemente as obras realizadas no Lote 27, bem como a indicação do seu autor, com a referência a eventuais delegações de poderes» (fls. 10).
Na verdade, a certidão que lhe foi passada, datada de 28-12-1999, referia como sendo os actos que aprovaram as obras referidas apenas os actos de 24-3-99 e de 23-12-99, omitindo qualquer referência ao acto de 7-7-1999, que aprovou o pedido de licenciamento.
Por isso, justificava-se que, acreditando no teor da certidão, a Recorrente indicasse como actos que pretendia impugnar aqueles que a Administração lhe referiu como sendo os que aprovaram as obras referidas, actos esses a que a Recorrente aditou o de 18-1-2000, que ainda não tinha sido praticado quando foi passada a certidão.
Estes factos patenteiam que a Recorrente pretendeu impugnar a globalidade de actos que tinham aprovado as obras referidas, indicando não só aqueles que a Administração lhe indicou, mas também um acto posterior de que teve conhecimento. Perante a constatação de que este novo acto, de 18-1-2000, é um acto de aprovação de pedido de licenciamento, é de concluir com segurança que, se a Recorrente tivesse sabido da existência do acto idêntico de 7-7-1999, também o teria impugnado, pois considerava impugnáveis contenciosamente os actos desse tipo. Mas, o que a Recorrente não tinha obrigação de suspeitar é a que Administração omitira na certidão a referência a um acto impugnável que, à face do requerimento apresentado, deveria ter sido referido.
Nestas condições, sendo evidente que a não indicação do acto de 7-7-1999 foi devida à omissão da respectiva indicação na certidão, tem de concluir-se pela desculpabilidade da deficiência da petição que consubstancia a sua não indicação para concretizar a sua intenção de impugnação de todos os actos que tinham aprovado as obras referidas.
Por isso, impunha-se a formulação de um convite para correcção da petição.
Na verdade, como se conclui do citado § 1.º do art. 838.º do Código Administrativo, à face da interpretação que lhe tem sido dada por este Supremo Tribunal Administrativo, o meio adequado para corrigir deficiências da petição é a apresentação de nova petição corrigida.
6 – No despacho recorrido entendeu-se também que a Recorrente carece de legitimidade para impugnar os actos de 23-12-99 e 18-1-2000, Quanto ao acto de 23-12-99, já se concluiu pela sua irrecorribilidade, pelo que fica prejudicado o conhecimento da questão da legitimidade (Como se entendeu nos acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 3-5-1994, proferido no recurso n.º 31091, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-12-96, página 3287, e de 14-1-2004, proferido no recurso n.º 1575/03, com base no art. 46.º, n.º 1, do R.S.T.A., a existência de um acto administrativo recorrível é pressuposto do próprio direito ao recurso contencioso de anulação, pelo que o conhecimento da questão da recorribilidade do acto impugnado tem precedência lógica sobre o conhecimento da questão da legitimidade activa.)
Pelo acto de 18-1-2000 foi deferido o pedido de licenciamento das alterações, que se consubstanciava na «eliminação de um vão de caixilho fixo (janela) existente ao nível do piso 0, previsto no projecto inicial» [alíneas 20, 21 e 22 da matéria de facto fixada].
No despacho recorrido entendeu-se que a Recorrente não retira qualquer benefício da anulação deste acto, pois se trata da não eliminação de uma janela e, em regra, só lucrará com a eliminação da mesma, nomeadamente em termos de privacidade.
O art. 821.º do Código Administrativo estabelece que os recursos contenciosos podem ser interpostos pelos titulares de interesse directo, pessoal e legítimo.
Assim, antes de mais, a legitimidade para interpor recurso depende da existência de um interesse na anulação do acto, devendo considerar-se interessado quem espera e pode obter da anulação do acto um benefício. (Neste sentido, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo volume IV, página 170.)
No caso em apreço, a anulação do acto de licenciamento aprovado pelo despacho de 18-1-2000, teria como consequência a manutenção da janela referida.
Não se vislumbra, nem a Recorrente aventa, qual o benefício que a Recorrente poderia obter com a manutenção dessa janela.
Por isso, deve entender-se que a Recorrente não é interessada na anulação desse acto.
Por outro lado, cada acto de deferimento de pedido de licenciamento é um acto administrativo autónomo, pelo que a impugnabilidade do acto de licenciamento de 7-7-99 não depende da cumulativa impugnação do acto de 18-1-2000.
Na verdade, o princípio da impugnação unitária que foi adoptado, como regra, no art. 25.º, n.º 1, da L.P.T.A. reporta-se a cada procedimento administrativo autónomo, devendo entender-se que constitui um procedimento administrativo qualquer sucessão da actos destinada à formação e manifestação da vontade da Administração ou à sua execução (art. 1.º, n.º 1, do C.P.A.), designadamente a sucessão que se inicia com um requerimento de um particular que formula uma pretensão e que termina com uma decisão sobre ela (arts. 54.º e 106.º do mesmo Código).
Por isso, é de concluir pela ilegitimidade da Recorrente para impugnar o acto de 18-1-2000.
Termos em que acordam em
– conceder provimento parcial ao recurso jurisdicional;
– confirmar o despacho recorrido quanto à rejeição do recurso relativamente aos despachos de 23-12-1999 e 18-1-2000;
– confirmar o decidido sobre a inimpugnabilidade do despacho de 24-3-99 e consequente rejeição do respectivo recurso, mas revogar o mesmo despacho na parte em que implicitamente entendeu que, na sequência de tal rejeição, a Recorrente não tinha de ser convidada para corrigir a petição de forma a impugnar o acto de 7-7-1999;
– ordenar a baixa ao tribunal recorrido, a fim de ser proferido despacho em que seja formulado convite à Recorrente para efectuar a correcção da petição, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2006. – Jorge de Sousa (relator) – São Pedro – António Samagaio.