Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/16.6BELRS
Data do Acordão:03/06/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO
GRUPO DE EMPRESAS
CESSAÇÃO
Sumário:I - A figura jurídica do grupo de sociedades, prevista na legislação fiscal em sede de tributação do rendimento das pessoas colectivas (cfr.artº.69 e seg. do C.I.R.C.), é passível de ser doutrinariamente definida como um conjunto, mais ou menos vasto, de entes societários que, embora conservando as personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram em subordinação a uma direcção económica unitária e comum, conceptualização esta que possui como elementos fundamentais a independência jurídica das várias sociedades agrupadas, a falta de personalidade autónoma do grupo e a articulação do grupo através da direcção unitária. Subjacente a este regime fiscal autónomo deverá estar o princípio da neutralidade do imposto, determinando que o rendimento decorrente da actividade empresarial de um grupo de sociedades seja tributado da mesma forma, em termos unitários, independentemente da estrutura societária utilizada em cada período de tributação.
II - Com a entrada em vigor da Lei 30-G/2000, de 29/12, que aprovou uma reforma fiscal ao nível dos vários impostos, nomeadamente, em sede de I.R.C., assistiu-se a uma profunda alteração das regras que, durante mais de uma década, haviam norteado a tributação dos grupos de sociedades em Portugal. Revogado o anterior Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado ("RTLC"), foi introduzido o regime ainda hoje designado de Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ("RETGS"). Este novo regime implicou significativas alterações face ao anterior, uma vez que, para efeitos do apuramento do I.R.C., veio desconsiderar as regras de consolidação de contas (e eliminação dos respectivos resultados internos no seio do grupo empresarial), antes assumindo a mera soma algébrica dos resultados (lucros/prejuízos) fiscais apurados por cada uma das sociedades incluídas no grupo fiscal, nos termos das suas declarações de rendimentos individuais, assim procurando uma maior simplicidade na sua aplicação.
III - O RETGS surge configurado como um regime especial e opcional de tributação de grupos de sociedades. Ou seja, não sendo de aplicação obrigatória, permite-se aos grupos de sociedades que optem pelo sistema de tributação nele contido, desde que cumpridos os requisitos legalmente exigidos para o efeito (cfr.artº.69 e seg., do C.I.R.C.).
IV - No citado artº.69, do C.I.R.C., o legislador consagra determinados requisitos, de verificação cumulativa, para que a sociedade dominante de um grupo possa exercer a opção pela aplicação deste regime especial. Por regra, deixando de se verificar algum dos requisitos previstos no artº.69, nº.3, cessa a aplicação do regime especial, conclusão que se retira do nº.8, al.a), do normativo. Os efeitos da cessação reportam-se ao final do período de tributação anterior ao da verificação de qualquer dos factos previstos neste nº.8. Portanto, em qualquer dos casos, no período subsequente tem lugar a aplicação do regime geral.
V - Até à entrada em vigor das alterações legislativas aprovadas pela Lei 2/2014, de 16/01, não pode considerar-se ilegal, nem inconstitucional (nomeadamente, devido a alegada violação dos princípios da tributação pelo lucro real, da igualdade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso), a interpretação do artº.69, nº.8, al.a), do C.I.R.C., no sentido de, em caso de incumprimento dos critérios legais num determinado exercício fiscal, fazer cessar a aplicação do RETGS para todas as sociedades do grupo e não apenas para aquela que estivesse em incumprimento dos referidos requisitos.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P31993
Nº do Documento:SA220240306010/16
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.221 a 234-verso do processo físico, a qual julgou totalmente procedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrida, "A..., S.A.", tendo por objecto a liquidação adicional de I.R.C., e respectivos juros compensatórios, relativa ao ano fiscal de 2011 e no valor a pagar de € 36.258,44, após demonstração de acerto de contas.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.236 a 248 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por A..., S.A. (doravante designada por A...) e em consequência, anulou a liquidação adicional de IRC n.º ...42, relativa ao exercício de 2011, da qual resultou um montante a pagar de € 36.258,44.
B-Tendo presente a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, não pode, a recorrente conformar-se com a procedência da mesma, por se ter considerado que o disposto no art.º 69.º, n.º 8, al. a) do CIRC não pode servir de fundamento à cessação do RETGS relativamente a todas as sociedades do Grupo A..., no período em questão.
C-A recorrida foi objeto de uma ação de inspeção através da ordem de serviço n.º ...08, com referência ao exercício de 2011, no seguimento do entendimento vertido nas Informações n.º ...12 de 21/06/2012 e n.º 2313/13 de 04/11/2013, proferidas pela Divisão de Conceção da Direção de Serviços de IRC, nas quais foi decidido que a inclusão indevida nos exercícios de 2010 e 2011 da Sociedade B... no perímetro fiscal do Grupo de Sociedades, dominado pela A..., abrangido pelo RETGS, determinava a cessação da aplicação daquele regime especial a todas as empresas que integravam o grupo, com referência aos períodos de tributação em causa.
D-Na sequência da ação de inspeção, procedeu-se ao reenquadramento do regime da recorrida, alterando-se do regime especial de tributação para o regime geral.
E-A B... resulta da alteração registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, em 18/02/2010, da denominação da C..., SA, constituída em 27/07/2009. Tendo a A..., aquando da sua constituição, subscrito 59,60% do seu capital social, com idêntica proporção dos direitos de votos.
F-Em 17/11/2009, a A... alienou à C..., SA (posteriormente denominada de B...), ações representativas de 60% do capital social da D..., S.A., que desde 2004 integrava o grupo.
G-Em 19/02/2010, procedeu-se ao aumento do capital social da B... através da emissão de duzentas mil ações, passando assim a A..., a deter 91,92% do total do capital social, com idêntica proporção dos direitos de votos.
H-Tendo em 14/10/2010, sido realizada uma operação de fusão entre a D... e a B... com efeitos retroativos a 01/01/2010 e em resultado desta operação, a A... passou a deter 91,77% da B... com idêntica proporção dos direitos de voto.
I-Nos exercícios de 2010 e 2011, a recorrida optou pela aplicação do RETGS, assumindo-se como sociedade dominante do grupo e indicando a B... como uma das sociedades integradas nesse mesmo grupo.
J-A AT considerou que a B... tinha sido indevidamente incluída no perímetro fiscal do grupo, uma vez que em 01/01/2010, a participação detida pela A... não cumpria com o exigido do art.º 69.º, n.º 3 al. b) do CIRC, razão pela qual, o regime especial de tributação a todas as sociedades integradas no grupo deveria cessar, para os exercícios de 2010 e 2011, com efeito a 31/12/2009, nos termos e para os efeitos da al. a) do n.º 8 e al. c) do n.º 9, ambos do art.º 69.º do CIRC.
K-O Tribunal a quo entendeu que “não pode extrair-se do art.º 69º, n.º 8 al. a) do CIRC uma norma que permita a extinção desse regime relativamente a todas as sociedades que integram o Grupo, sob pena de nos encontrarmos perante um regime excessivamente desnecessário, desproporcional, e violador do princípio da segurança jurídica.”
L-Conforme decorre do art.º 69.º n.º 1 do CIRC, desde que exista um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do RETGS, conforme estabelecido nos art.os 70.º e 71.º do CIRC, em relação a todas as sociedades do grupo.
M-O RETGS tem como finalidade a tributação dos grupos como se tratando de uma unidade económica, contudo, nos termos do art.º 69.º, n.º 2 do CIRC é imposto como condição de acesso, que a sociedade dominante detenha direta ou indiretamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.
N-O n.º 3 do mesmo artigo estabelece, para a existência de um grupo de sociedades que pretenda beneficiar deste regime especial de tributação, os seguintes requisitos cumulativos, nomeadamente que a sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
O-Relativamente à questão da detenção da participação por um período superior a um ano, importa referir que a segunda parte do n.º 5 do art.º 69.º do CIRC consagra ainda outra regra para o caso das sociedades em que a participação tiver sido adquirida no âmbito de um processo de cisão, fusão ou entrada de ativos, sendo nestes casos relevante para o prazo referido na alínea c) do n.º 4 o período durante o qual a participação tiver permanecido na titularidade das sociedades fundidas, cindidas ou sociedade contribuidora.
P-Assim, apenas a partir de 19/02/2010 passaram a estar preenchidos os requisitos para que a B... pudesse integrar o perímetro fiscal do Grupo, pois só a partir dessa data é que a A... passou a ter uma participação de pelo menos 90% do capital social daquela, com idêntica proporção dos votos, conforme prevê o art.º 69.º n.º 2 do CIRC.
Q-Quanto às consequências da inclusão, no período de tributação de 2010, da sociedade B... no grupo, considerou o Tribunal recorrido que “(…) não será a circunstância de a sociedade dominante deter participações em sociedades as quais (as participações, bem entendido) não cumpram as exigências do n.º 2 do artigo 69º do CIRC, ou cumpram-nas mas as sociedades em causa se subsumam em alguma das alíneas do n.º 4 deste mesmo artigo, a obviar a que a sociedade dominante usufrua do RETGS caso possua demais participações que cumpram os requisitos do n.º 2 e assim o requeira. Depois é também de relevar na presente pronúncia a circunstância de no caso sub judice a decisão da Administração Tributária de que uma das sociedades que a sociedade dominante fez incluir no perímetro de tributação do grupo incidiu não sobre uma sociedade que já estivesse incluída em tal perímetro já em exercícios anteriores, mas sobre uma sociedade que a sociedade dominante fez incluir no perímetro pela primeira vez no exercício de 2010. Sendo que, como consta do acervo factual adquirido pelos presentes autos, a inclusão de tal sociedade – concretamente B... – foi empreendida através da apresentação da comunicação referida na subalínea i) da alínea b) do n.º 7 do artigo 69º do CIRC.”
R-Não pode a recorrente concordar com o decidido pelo Tribunal a quo, uma vez que o art.º 69.º, n.º 8 do CIRC estatui as condições de cessação de aplicação do RETGS ao grupo, nomeadamente nas alíneas d) e e), que referem que quando ocorram alterações na composição do grupo, respetivamente por entradas e saídas de sociedades, sem que tenha sido efetuada a respetiva comunicação nos termos e prazos previstos no art.º 69.º n.º 7 do CIRC.
S-Neste caso, verificou-se a inclusão de uma sociedade que, à data de 01/01/2010, não cumpria o requisito previsto no art.º 69.º, n.º 3, al. b) do CIRC, pelo que importa aferir, se no caso vertente se verifica, ou não, uma das condições previstas no n.º 8 como determinado a cessação de aplicação do regime ao grupo.
T-Conforme decorre dos autos, a recorrida alega que na referida alínea a) do n.º 8 do art.º 69.º do CIRC, o legislador utiliza a expressão “Deixar de se verificar” e no caso concreto, o que se constata relativamente à B... é que esta não possuía os requisitos para integrar o grupo no período de 2010, pelo que aquela alínea não teria aplicação no caso presente.
U-A expressão “deixe de se verificar alguns dos requisitos referidos nos números 2 e 3”, utilizada naquela alínea a) do n.º 8, deve ser interpretada como respeitando ao grupo de sociedades no seu conjunto, ou seja, o legislador terá pretendido estabelecer a cessação do grupo sempre que este deixe de verificar alguma das condições previstas nos n.ºs 2 e 3.
V-No entender da recorrente, o legislador fiscal determinou regras claras e objetivas para a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, como aquelas que constam do art.º 69.º, n.ºs 4, 8 e 9 do CIRC.
W-A A... ao incluir no seu perímetro fiscal a B... não cumpriu todos os requisitos estabelecidos na lei para que se verificasse a inclusão de uma sociedade no grupo, determinando, por via disso, a cessação do REGTS, nos termos do art. 69.º, n.º 8 al. a) do CIRC.
X-Sobre esta matéria, em tudo análoga à dos presentes autos, já o STA se pronunciou no processo n.º 01892/14.1BELRS de 16/02/2022.
Y-Salvo melhor entendimento a douta sentença recorrida incorre em erro dos pressupostos de direito, tendo procedido a uma errada interpretação e aplicação do regime previsto no art.º 69.º, n.º 8 do CIRC, na redação aplicável à data.
Z-Face a todos os elementos coligidos nos autos, deverá o presente Recurso ser considerado procedente e em consequência, manter-se na ordem jurídica o ato tributário em apreço por estar em conformidade com os normativos legais supracitados.
AA-Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente totalmente improcedente, a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.251 a 270-verso do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-O presente recurso vem interposto na sequência da notificação da Douta Sentença Recorrida, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Impugnante, ora Recorrida, contra a Liquidação Adicional emitida pela AT em resultado do procedimento de inspeção tributária no âmbito do qual declarou a cessação de aplicação do RETGS ao Grupo dominado pela A...;
B-Quanto ao mérito do recurso, haverá que concluir pela improcedência da posição da AT, tal como se encontra expressa nas Alegações de Recurso;
C-É que tal posição assenta no erróneo pressuposto, de que o RETGS, tal como se encontra previsto no artigo 69.º do Código do IRC, na redação e numeração em vigor na data a que se reportam os factos, é uma espécie de “benesse”, ou de “regime de favor”, quando na verdade o mesmo configura um verdadeiro direito, cujo exercício opera por mero efeito de uma opção, que se impõe inelutavelmente à AT.
D-É nesta perspetiva que se impõe a análise do sentido e alcance do regime contido no artigo 69.º do Código do IRC, e é com base nela que urge concluir no sentido da manutenção da Douta Sentença Recorrida, na parte em que conclui que a única sanção jurídica para a errada integração da sociedade B... no perímetro do Grupo é a ineficácia da declaração apresentada pela Impugnante, ora Recorrida;
E-Pese embora se reconheça que, contrariamente ao sustentado pela Impugnante e Recorrida, o Tribunal a quo tenha considerado que a B... não reunia os pressupostos para integração no Grupo A... por não se subsumir no n.º 5 do artigo 69.º do Código do IRC, a verdade é que nunca tal conclusão poderia determinar a cessação da aplicação do regime, conforme bem decidiu o Douto Tribunal a quo;
F-Isto porque, em qualquer dos casos, sempre se deverá concluir, como o Tribunal a quo, pela inaplicabilidade da norma punitiva contida na alínea a), do n.º 8, do artigo 69.º do Código do IRC ao caso concreto, na medida em que a previsão resultante da interpretação correta da mesma pura e simplesmente não abrange os factos em causa;
G-Em primeiro lugar porque, aliás em termos bastante literais, enquanto o tempo continuar a fluir numa única direção a detenção de uma participação há mais de um ano não é suscetível de “deixar de se verificar”, como se exige no artigo 69.º, n.º 8, alínea a), do Código do IRC;
H-A AT aplica claramente por analogia uma norma consagrada para uma situação que em nada se confunde com a dos autos;
I-E fá-lo ao invocar a aludida norma como fundamento para a emissão da Liquidação Adicional, mas fá-lo em sentido contrário à respetiva finalidade;
J-Em segundo lugar, porque, contrariamente ao alegado pela AT, este requisito se encontra estabelecido no artigo 69.º, n.º 8, alínea a), do Código do IRC, por referência a uma sociedade em concreto, e não ao grupo como um todo, sob pena de não se encontrar um mínimo de correspondência verbal entre a lei e o entendimento da AT;
K-A bondade da interpretação avançada pela Recorrida é reforçada pela comparação com os demais casos previstos no n.º 8 do artigo 69.º, que determinam a cessação da aplicação do RETGS:
(i) não só porque em todos eles há uma alteração dos factos de fundo que justificadamente inviabiliza a manutenção da aplicação do regime;
(ii) mas também porque é o próprio n.º 8 do artigo 69.º do Código do IRC, mais concretamente as alíneas d) e e), que não deixa qualquer margem para dúvidas de que a situação de facto da B... não qualifica como tendo sequer “entrado” para o Grupo A...;
L-É que, como bem sublinhou a Douta Sentença Recorrida, segundo a AT não houve qualquer alteração na composição do Grupo A..., pela simples razão de que, em seu entendimento, a B... simplesmente não satisfazia os pressupostos legais de inclusão no perímetro do Grupo A...;
M-O que não pode senão significar que, se verdadeiramente a inclusão não ocorreu, se está perante uma opção meramente ineficaz, que certamente não poderá determinar a cessação da aplicação do RETGS às demais sociedades que integravam o perímetro do Grupo A...;
N-No caso concreto, é por demais evidente que qualquer entendimento que concluísse pela aplicação do artigo 69.º, n.º 8, alínea a), do Código do IRC, redundaria na inconstitucionalidade da identificada norma, por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, previstos no artigo 266.º da CRP;
O-Com efeito, uma interpretação conforme à CRP, mormente aos princípios da legalidade e da justiça, impõe a aplicação do disposto no artigo 69.º, n.º 8, alínea a), do Código do IRC, no sentido avançado pela Impugnante e Recorrida e pelo Tribunal a quo;
P-É igualmente patente a inconstitucionalidade do artigo 69.º, n.º 8, alínea a), do Código do IRC, por violação do princípio da proibição do excesso ínsito no artigo 20.º da CRP, na interpretação normativa avançada pela AT, no sentido de que um mero lapso ou divergência na qualificação jurídica deve ser cominado com a cessação do RETGS para todas as sociedades que integram o perímetro de um determinado Grupo;
Q-Em concreto, se o eventual erro declarativo da A..., ao incluir no RETGS uma sociedade que não poderia integrar o grupo, foi claramente compreensível e desculpável e sobretudo nem sequer determinou nenhuma perda de receita fiscal, qualquer outra interpretação da norma contida no artigo 69.º, n.º 8, alínea a), do Código do IRC, determina a sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, e ainda do princípio da proibição do excesso, com cabimento nos artigos 266.º e 20.º da CRP, respetivamente;
R-Por conseguinte, de uma ou de outra forma, a Liquidação Adicional em crise é manifestamente ilegal, não podendo senão manter-se a respetiva anulação, nos termos exarados na Douta Sentença Recorrida;
S-Mantendo-se, de igual modo, o reconhecimento do direito da Impugnante e Recorrida ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 3, do CPPT, nos termos exarados na Douta Sentença Recorrida.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.279 a 281 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
Da sentença recorrida consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.222-verso a 226-verso do processo físico):
1-A sociedade D... SA integra o grupo A... SA desde o exercício de 2004, (facto não contestado);
2-Em 27.07.2009, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade anónima sob a firma C..., S.A., com 50.000 ações de valor nominal de €1,00, Cf. fls. 90 a 91 dos autos;
3-A ora impugnante subscreveu 59,60% do montante descrito em 2., com idêntica proporção dos direitos de voto, (facto não contestado);
4-Em 17.11.2009, pela impugnante e pela C..., S.A., foi outorgado o ― CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇÕES, de onde resulta, além do mais, o seguinte:
«(…) Pelo presente contrato, a A... vende à C..., que lhe compra, livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidade, seja de que natureza for, designadamente, opção, penhoras, penhores e direitos de usufruto 720.000 (setecentas e vinte mil) acções, com um valor nominal unitário de € 1,00 (um euros), representativas de 60 % do capital social da "D..., S.A. (…)»
Cf. fls. 92 a 95 dos autos;
5-A firma da sociedade “C..., S.A.”, foi alterada para “E..., S.A.” – Cf. fls. 90, 91, 96 e 97 dos autos;
6-Em 19.02.2010, foi registado, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, o aumento do capital da sociedade E..., S.A., através da emissão “200.000 novas acções”, Cf. fls. 96 dos autos;
7-Na sequência do aumento de capital referido em 6., a impugnante passou a deter 91,92% do capital social E..., S.A., (facto não contestado);
8-Em 14.10.2010, foi registada, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a fusão das sociedades E..., S.A. e D... , S.A., nos seguintes termos:
“SOCIEDADE(S) PARTICIPANTE(S): INCORPORANTE(S) E..., S.A.
(…)
SOCIEDADE(S) PARTICIPANTE(S): INCORPORADA(S)/FUNDIDA(S) D..., S.A.”
Cf. fls. 97 dos autos;
9-Na sequência da fusão referida em 8., a impugnante passou a deter 91,77% do capital social E..., S.A., (facto não contestado);
10-Relativamente aos exercícios de 2010 e 2011, para efeitos de apuramento do IRC, a impugnante optou pela aplicação do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades, assumindo-se a ora impugnante como a sociedade dominante do grupo e indicando a E..., S.A. como uma das sociedades integradas nesse grupo, (facto não contestado);
11-Em 06.06.2012, deu entrada nos serviços da Autoridade Tributária o requerimento da impugnante, através da qual solicita “esclarecimentos sobre a interpretação e aplicação do artigo 69º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC")”, com o seguinte teor:
“(…) (A) Requerente entende que a inclusão da B... no perímetro do grupo de tributação por si dominado se impunha, nos termos legais, já no exercício de 2010 e não apenas com referência ao exercício de 2011.”
12-Em 25.11.2012, foi elaborado o ofício com a ref. n.º ...72 da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, dirigido à sociedade impugnante com o seguinte conteúdo:
«(…) 6. A A... passou a deter pelo menos 90% do capital da B... em 2010-02-19, pelo que a detenção dessa participação por mais de um ano tem que se verificar a partir dessa data para poder integrar o Grupo.
7. Assim, para efeitos de aplicação do RETGS, só no período de tributação que se inicia em 2012-01-01 é que a B... pode integrar o Grupo e iniciar a aplicação do referido regime, desde que verificados os restantes requisitos do n.º 3 e o n.º 4 do art.º 69.º do CIRC.
8. Mais se informa que, tendo-se mantido uma participação de pelo menos 90% na B... a fusão por incorporação da D... (NIF ...92) naquela empresa, em 2010-10-14, cujos efeitos retroagem a 1 de janeiro de 2010, não altera a data a partir da qual a B... pode passar a integrar o perímetro do grupo.
9. Atente-se, contudo, que de acordo com a informação constante do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), a sociedade B... foi indevidamente incluída no grupo em 2010-01-01, ou seja, quando ainda não se encontrava cumprido o requisito temporal previsto na alínea b) do no n.º 3 do art.º 69.º do CIRC.
10. Ora, nos termos da alínea a) do n.º 8 do art.º 69.º do CIRC, e sem prejuízo do disposto nas alínea d) e e), o RETGS cessa a sua aplicação ao grupo quando deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos n.ºs 2 e 3 desse artigo.
11. Assim, no caso concreto, a aplicação do RETGS ao grupo deverá cessar, abrangendo os períodos de tributação de 2010 e 2011.
12. Mais se informa que, caso seja do interesse do grupo, poderá aceitar-se a opção pela aplicação do RETGS já em 2012, uma vez que o prazo para a entrega da declaração de rendimentos (modelo 22) desse ano ainda não decorreu (terminando em 31 de Maio de 2013), devendo essa opção ser comunicada, por escrito, à Direcção de Serviços do IRC, no prazo de quinze dias a contar da respetiva notificação (…)»
Cf. fls. 102 a 103 dos autos;
13-Em 11.11.2013, a Subdirectora-Geral da AT decidiu concordar com a informação da Divisão de Conceção da DSIRC, de 04.11.2013, através da qual se concluiu, além do mais, que:
«(…)
1. Atendendo a que o parecer da DSIRC e do CEF convergem no mesmo sentido, parece-nos ser de concluir que, à data de 1 de Janeiro de 2010, a participação detida pela A... na sociedade B... não cumpria os mínimos previstos no n° 2 do art.69° do CIRC, não se verificando os requisitos exigidos na alínea b) do n° 3 do art.69° do CIRC, para que esta sociedade pudesse integrar o grupo em que a A... é a sociedade dominante.
2. A inclusão, no período de tributação de 2010, da sociedade B... naquele grupo determina a cessação da aplicação do RETGS, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2009, nos termos da alínea a) do n.º 8 e da alínea c) do n.º 9, ambos do art.69º do CIRC (…)»
Cf. fls. 193 a 201 dos autos;
14-Em 14.11.2013, foi elaborado o ofício n.º ...96 da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, dirigido à impugnante, com o seguinte teor:
“Relativamente ao assunto referenciado, comunica-se que, por despacho de 11.11.2013, da Subdirectora Geral, proferido por delegação de competências, foi sancionado o seguinte entendimento:
«(…)
1. À data de 1 de Janeiro de 2010, a participação detida pela A... na sociedade B... não cumpria os mínimos previstos no n° 2 do art. 68° do CIRC, não se verificando os requisitos exigidos na alínea b) do n° 3 do art. 69° do CIRC, para que esta sociedade pudesse integrar o grupo em que a A... é a sociedade dominante.
2.A inclusão, no período de tributação de 2010, da sociedade B... naquele grupo determine a cessação da aplicação do RETGS, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2009, nos termos da alínea a) do nº 8 e da alínea c) do n° 9, ambos do art. 69° do CIRC.
3.Sobre o facto da requerente invocar o n° 3 do art. 18º-A do Decreto-Lei n° 442-B/88, de 30 de Novembro, é de salientar que se trata de norma que, como resulta dos respectivos dizeres, se aplica exclusivamente às situações específicas em causa e que, salvo melhor opinião não são transponíveis para a situação em apreço. O que, aliás, bem se compreende, na medida que em casos como aquele em apreço, a fusão pode ocorrer não só já no decorrer do período de tributação de 2013 como, inclusive, muito após o termo do prazo estabelecido na subalínea i) da alínea b) do n° 7 do artigo 69° para a comunicação da inclusão de novas sociedades.
4.Atente-se, aliás, que o n.º 5 do artigo 68° do CIRC apenas prevê, na sua primeira parta, a dispensa do requisito temporal de um ano de detenção da participação e, na segunda parte, que para efeitos da aferição desse requisito se considere o prazo em que a participação tenha sido detida peias sociedades fundidas, cindidas ou contribuidora. Pelo que a inclusão de uma sociedade no perímetro do grupo depende, sempre e em qualquer circunstância, de, com referência à data em que se efectua essa inclusão, no caso 1 de Janeiro de 2010, a sociedade dominante deter uma participação nessa sociedade que verifique as condições previstas no nº 2 do art.º 69° do CIRC.
5.Ora, uma vez que à data de 1 de Janeiro de 2010, a participação detida pela A... na sociedade B... não atingia o limiar mínimo aí exigido, forçoso é concluir pela impossibilidade de inclusão desta sociedade no grupo no período de tributação de 2010.
6.Quanto à alegação na referida alínea a) do n.º 8 do art.º 69º do CIRC, de que o legislador utiliza a expressão deixar de se verificar e no caso concreto, em rigor, o que se constata relativamente à B... é que esta não possuía os requisitos para integrar o grupo no período de 2010, pelo que aquela alínea não teria aplicação no caso presente, afigura-se que a expressão "deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos números 2 e 3 utilizada naquela alínea a) do nº 8 deve ser interpretada como respeitando ao grupo de sociedades no seu conjunto. Ou seja, o legislador terá pretendido estabelecer a cessação do grupo sempre que este (grupo) deixe de verificar alguma das condições previstas nos n.ºs 2 e 3. Foi precisamente isso que ocorreu no caso concreto em apreço, onde, com a inclusão da B... o grupo deixou de verificar, relativamente a uma das entidades nele incluídas, a condição estabelecida na alínea b) do n.º 3 do art.º 69º do CIRC, pelo que se afigura incontornável a cessação da aplicação do RETGS (…)»
Cf. fls. 104 e 105 dos autos;
15-Pela a ordem de serviço n.º ...08, foi desencadeado o procedimento inspetivo contra a impugnante, que incidiu sobre o exercício de 2011, Cf. fls. 106 a 202 dos autos;
16-Na sequência do procedimento inspetivo referido em 14., foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, de onde resulta, além do mais, o seguinte:
«(…) II.2 – Motivo, âmbito e incidência temporal
Tendo por base o entendimento vertido nas Informações n.º ...12 de 21/06/2012 (…) e 2313/13 de 4/11/2013 (…), ambas emanadas pela Divisão de Conceção da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC) (…), foi decidido que a inclusão indevida (no período de 2010) de uma sociedade no perímetro fiscal de um conjunto de sociedades, abrangidas pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) definido no artigo 69º do CIRC, determina a cessação da aplicação desse regime especial a todas as empresas que integram o perímetro do grupo com referência aos períodos de tributação de 2010 e 2011.
Com o intuito de proceder à alteração do enquadramento do sujeito passivo do RETGS, para o Regime Geral, reportado ao período de tributação de 2011, em conformidade com os factos descritos no parágrafo anterior e analisar e controlar a situação tributária global da empresa para esse mesmo período, foi aberta a ordem de serviço n.º ...08 para o ano de 2011 com natureza externa e âmbito geral (…)»
Cf. fls. 106 a 202 dos autos;
17-No âmbito do Relatório de Inspeção referido em 16., foi apurado o montante de € 35.869,64, devido pela impugnante a título de IRC, relativo ao exercício de 2011, nos seguintes termos:

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18-Através do despacho de 2015.05.07, a Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, decidiu concordar com o teor do chefe de equipa e, consequentemente, “determino(u) as correções à matéria tributável e imposto em sede de IRC e ao IVA (imposto) conforme montantes e períodos propostos”, Cf. fls. 106 a 202 dos autos;
19-Em 2015.09.10, foi elaborada a liquidação adicional de IRC n.º ...42, relativa ao exercício de 2011, de onde resulta o valor a pagar, pela impugnante, de € 36.258,44, apurado nos seguintes termos:

[IMAGEM]

20-Em 14.09.2015, pela Autoridade Tributária foi elaborada a DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS n.º ...71, de onde resulta que o valor da liquidação referida em 19., de € 36.258,44, foi obtido através da compensação do montante devido à impugnante, nos termos do Estorno Liq. de 2011 - Liq. ...43, resultando um saldo a favor da impugnante no valor de € 120.691,11, Cf. fls. 88 dos autos.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo a análise crítica dos documentos juntos aos autos encontrando-se referida no probatório com remissão para as folhas dos processos onde se encontram, tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação, devido ao provimento do esteio que se consubstancia na não possibilidade de aplicação do disposto no artº.69, nº.8, al.a), do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2011, normativo que não pode servir de fundamento à cessação do REGTS relativamente a todas as sociedades do Grupo Empresarial em causa nos autos e relativamente ao período fiscal em questão (2011). Que este entendimento da A. Fiscal é ilegal, assim não podendo manter-se na ordem jurídica, em virtude do que anulou (erro sobre os pressupostos de direito) a liquidação objecto do processo (cfr.nºs.19 e 20 do probatório supra), mais considerando prejudicado o conhecimento dos restantes alicerces da acção. Por último, condenou a Fazenda Pública à restituição do montante pago (através de compensação) indevidamente pela sociedade impugnante/recorrida, acrescido de juros indemnizatórios.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que o Tribunal "a quo" concluiu pela não possibilidade de aplicação do regime constante no artº.69, nº.8, al.a), do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2011, normativo que não pode servir de fundamento à cessação do REGTS relativamente a todas as sociedades do Grupo Empresarial em causa nos autos e relativamente ao período fiscal em questão. Que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao estruturar uma desacertada interpretação e aplicação do regime previsto no artº.69, nº.8, do C.I.R.C., na redacção aplicável à data dos factos, assim existindo fundamento para a sua revogação (cfr.conclusões A) a AA) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A figura jurídica do grupo de sociedades, prevista na legislação fiscal em sede de tributação do rendimento das pessoas colectivas (cfr.artº.69 e seg. do C.I.R.C.), é passível de ser doutrinariamente definida como um conjunto, mais ou menos vasto, de entes societários que, embora conservando as personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram em subordinação a uma direcção económica unitária e comum, conceptualização esta que possui como elementos fundamentais a independência jurídica das várias sociedades agrupadas, a falta de personalidade autónoma do grupo e a articulação do grupo através da direcção unitária. Assim, ainda que cada uma das sociedades englobadas possua, formalmente, os seus órgãos sociais próprios, enquanto centros de definição e execução das respectivas vontades sociais individuais, será o órgão de gestão da sociedade que dirige o grupo o responsável pela orientação dos sectores essenciais da vida do mesmo, mormente nos domínios financeiro e fiscal. Nesse sentido, a característica da direcção unitária permite distinguir a figura do grupo de sociedades de outras realidades, designadamente das coligações entre sociedades ou da participação de sociedades noutros entes societários (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/10/2022, rec.1126/18.0BEPRT; Gonçalo Avelãs Nunes, Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em Sede de I.R.C., Almedina, 2001, pág.15 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.360 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao I.R.C., Almedina, Novembro de 2009, pág.148 e seg.).
Em resultado da liquidação única, a tributação do grupo de sociedades gera apenas uma dívida tributária, cabendo à sociedade-dominante o dever de apresentação da declaração conjunta de rendimentos, na qual apura o resultado unitário a partir da matéria tributável apurada em conjunto, de acordo com as regras específicas aplicáveis aos grupos de sociedades. Importa, ainda, referir que este regime jurídico-fiscal é de aplicação voluntária, assumindo a sociedade-dominante o poder decisório de optar pela aplicabilidade do mesmo (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.61 e seg.).
Subjacente a este regime fiscal autónomo deverá estar o princípio da neutralidade do imposto, determinando que o rendimento decorrente da actividade empresarial de um grupo de sociedades seja tributado da mesma forma, em termos unitários, independentemente da estrutura societária utilizada em cada período de tributação.
Com a entrada em vigor da Lei 30-G/2000, de 29/12, que aprovou uma reforma fiscal ao nível dos vários impostos, nomeadamente, em sede de I.R.C., assistiu-se a uma profunda alteração das regras que, durante mais de uma década, haviam norteado a tributação dos grupos de sociedades em Portugal. Revogado o anterior Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado ("RTLC"), foi introduzido o regime ainda hoje designado de Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ("RETGS"). Este novo regime implicou significativas alterações face ao anterior, uma vez que, para efeitos do apuramento do I.R.C., veio desconsiderar as regras de consolidação de contas (e eliminação dos respectivos resultados internos no seio do grupo empresarial), antes assumindo a mera soma algébrica dos resultados (lucros/prejuízos) fiscais apurados por cada uma das sociedades incluídas no grupo fiscal, nos termos das suas declarações de rendimentos individuais, assim procurando uma maior simplicidade na sua aplicação.
O RETGS surge configurado como um regime especial, e opcional, de tributação de grupos de sociedades. Ou seja, não sendo de aplicação obrigatória, permite-se aos grupos de sociedades que optem pelo sistema de tributação nele contido, desde que cumpridos os requisitos legalmente exigidos para o efeito (cfr.artº.69 e seg., do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2011; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/10/2022, rec.1126/18.0BEPRT; Luís Miguel Belo, Paulo Alves Rodrigues e Zita Margarida Almeida, "A Tributação dos Grupos de Sociedades: Um Regime em Evolução", in Revista Electrónica de Fiscalidade da AFP (2019), Ano I, nº.1, pág.9 e seg.; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.578 e seg., em anotação ao artº.69).
Revertendo ao caso dos autos, a entidade recorrente contesta o entendimento do Tribunal "a quo", defendendo que a sentença recorrida padece do vício de violação de lei substantiva, devido a erro na interpretação e aplicação do disposto no artº.69, nº.8, do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2011, dado ter concluído que o citado normativo não pode servir de fundamento à cessação do REGTS quanto a todas as sociedades do Grupo Empresarial em causa nos autos e relativamente ao período fiscal em questão.
Vejamos quem tem razão.
O artº.69, do C.I.R.C., na redacção da Lei 292/2009, de 13/10, sob a epígrafe "Âmbito e condições de aplicação", previa e estatuía o seguinte:

1-Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.
2-Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.
3-A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante;
d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
4-Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:
a) Estejam inactivas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;
b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da acção;
c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;
d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;
e) Adoptem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;
f) O nível de participação exigido de, pelo menos, 90 % seja obtido indirectamente através de uma entidade que não reúna os requisitos legalmente exigidos para fazer parte do grupo;
g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por acções, salvo o disposto no n.º 10.
5-O requisito temporal referido na alínea b) do n.º 3 não é aplicável quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano, sendo relevante para a contagem daquele prazo, bem como do previsto na alínea c) do n.º 4, nos casos em que a participação tiver sido adquirida no âmbito de processo de fusão, cisão ou entrada de activos, o período durante o qual a participação tiver permanecido na titularidade das sociedades fundidas, cindidas ou da sociedade contribuidora, respectivamente.
(…)
8-O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos n.ºs 2 e 3, sem prejuízo do disposto nas alíneas d) e e);
b) Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respectiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado;
c) O lucro tributável de qualquer das sociedades do grupo seja determinado com recurso à aplicação de métodos indirectos;
d) Ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efectuada a respectiva comunicação à Direcção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7;
e) Ocorra a saída de sociedades do grupo por alienação da participação ou por incumprimento das demais condições, ou outras alterações na composição do grupo motivadas nomeadamente por fusões ou cisões, sempre que a sociedade dominante não opte pela continuidade do regime em relação às demais sociedades do grupo, mediante o envio da respectiva comunicação nos termos e prazo previstos no n.º 7.
(…)

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
E recorde-se que o intérprete e aplicador da lei deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, como também que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Pelo que, na exegese da norma não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Portanto, o limite da interpretação encontra-se na letra ou no texto da norma, o qual condiciona todos os vectores de interpretação reconhecidos pela doutrina, como sejam os elementos histórico, sistemático ou teleológico (cfr.artº.9, nºs.2 e 3, do C.Civil).
Deixando de lado todos os outros requisitos legalmente exigidos para que possa ser aplicado o RETGS no caso dos autos e que não são objecto de dissenso entre as partes (v.g. características da participação societária relevante em sede de direitos de voto - cfr.artº.69, nº.2, do C.I.R.C.), deve este Tribunal fazer a exegese do artº.69, nº.8, al.a), do C.I.R.C.
No artº.69, do C.I.R.C., o legislador consagra determinados requisitos, de verificação cumulativa, para que a sociedade dominante de um grupo possa exercer a opção pela aplicação deste regime especial. Por regra, deixando de se verificar algum dos requisitos previstos no artº.69, nº.3, cessa a aplicação do regime especial, conclusão que se retira do nº.8, al.a), do normativo. Os efeitos da cessação reportam-se ao final do período de tributação anterior ao da verificação de qualquer dos factos previstos neste nº.8. Portanto, em qualquer dos casos, no período subsequente tem lugar a aplicação do regime geral (cfr.Luís Miguel Belo, Paulo Alves Rodrigues e Zita Margarida Almeida, ob.cit., pág.24 e seg.; Rui Marques, ob.cit., pág.580 e seg., em anotação ao artº.69).
"In casu", como se retira do probatório supra a sociedade impugnante e ora recorrida, enquanto empresa dominante, relativamente aos exercícios de 2010 e 2011 e para efeitos de apuramento do I.R.C., optou pela aplicação do RETGS indicando a "E..., S.A." como uma das sociedades integradas nesse grupo (cfr.nº.10 da matéria de facto acima constante). Mais resulta do probatório (cfr. nºs.6, 7 e 12 da matéria de facto acima constante) que somente a partir de 19/02/2010 é que a impugnante passou a deter uma participação no capital social daquela sociedade igual ou superior a 90%, tendo a Fazenda Pública entendido que para efeitos de aplicação do RETGS, só no período de tributação que se inicia em 1/01/2012 é que a "B..." pode integrar o Grupo e iniciar a aplicação do referido regime. Nessa medida e tal como se entendeu na sentença recorrida (parcela da sentença que não é objecto do presente recurso), em 01/01/2011, data do início do exercício em causa nos autos (2011) a detenção daquela participação qualificada ainda não perfazia o prazo de um ano previsto no artº.69, nº.3, al.b), do C.I.R.C.
Com estes pressupostos, a A. Fiscal entendeu não estarem reunidos os requisitos de aplicação do REGTS nos exercícios de 2010 e 2011, em resultado da inclusão da sociedade "B..." no perímetro de tributação do grupo em que aparece como empresa dominante a sociedade impugnante e ora recorrida, assim fazendo cessar o REGTS relativamente a todas as sociedades do Grupo Empresarial em causa nos autos e relativamente ao período fiscal em questão (2011), além do mais, ao abrigo do citado artº.69, nº.8, al.a), do C.I.R.C. (cfr.nºs.12 a 14 da matéria de facto acima constante), em consequência do que estruturou o acto tributário objecto do processo (cfr.nºs.19 e 20 do probatório supra).
O Tribunal "a quo" decidiu que o artº.69, nº.8, al.a), do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2011, não pode servir de fundamento à cessação do REGTS relativamente a todas as sociedades do Grupo Empresarial em causa nos autos e relativamente ao período fiscal em questão (2011). Mais, que este entendimento da A. Fiscal é ilegal, assim não podendo manter-se na ordem jurídica, em virtude do que anulou (erro sobre os pressupostos de direito) a liquidação objecto do processo.
Aqui chegados, chama-se à colação a jurisprudência plasmada nos acórdãos deste S.T.A.-2ª.Secção proferidos em 12/01/2022, no rec.02297/14.0BELRS, e em 16/02/2022, no rec. 01892/14.1BELRS consultáveis em www.dgsi.pt, abordando situações similares à dos presentes autos e abarcando os mesmos anos fiscais.
Na verdade, no acórdão proferido no processo datado de 12/01/2022 concluiu-se que até à entrada em vigor das alterações legislativas aprovadas pela Lei 2/2014, de 16/01, não pode considerar-se ilegal, nem inconstitucional (nomeadamente, devido a alegada violação dos princípios da tributação pelo lucro real, da igualdade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso), a interpretação do artº.69, nº.8, al.a), do C.I.R.C., no sentido de, em caso de incumprimento dos critérios legais num determinado exercício fiscal, fazer cessar a aplicação do RETGS para todas as sociedades do grupo e não apenas para aquela que estivesse em incumprimento dos referidos requisitos, entendimento este que se apoiou, além do mais, no acórdão do Tribunal Constitucional 767/2019, de 12/12/2019. A jurisprudência do acórdão de 12/01/2022 foi reiterada no identificado acórdão de 16/02/2022, rec.01892/14.1BELRS, mais não se vislumbrando razões para a alteração da presente corrente jurisprudencial, tudo contrariamente ao decidido pelo Tribunal "a quo".
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parcela objecto da apelação, mais devendo o processo baixar ao Tribunal Tributário de Lisboa com vista ao exame do restante esteio da impugnação (ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, devido a falta de verificação do pressuposto culpa do sujeito passivo), ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA e ordenar o regresso dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento do restante fundamento da impugnação, se a tal nada mais obstar.
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Condena-se a sociedade recorrida em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 6 de Março de 2024. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.