Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:054/21.6BALSB
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas.
II - Para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam: - Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica; - Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
III - A divergência que emerge das duas decisões apontadas nos autos está relacionada com a aplicação do art. 100º nº 1 do CPPT, pois que a decisão recorrida rejeitou a aplicação de tal normativo, ao contrário do que sucedeu com a decisão fundamento, sendo que na perspectiva oposta, o que ocorre de semelhante é, apenas, o tratamento jurídico de ambas as situações convergir na questão, abstracta, teórica, da aplicação do regime decorrente do art. 88.º n.º 1 do CIRC, mas, casuisticamente, concretizada com contributos jurídicos distintos, mediante a operação de diferentes institutos de direito, destacadamente, de direito probatório, circunstância que justifica, só por si, a existência de decisões finais com sentidos contrários.
IV - Assim, identificada esta falta de identidade da questão fundamental de direito, tem de ser negativa a resposta à questão de saber se as duas decisões arbitrais em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico, pelo que, não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.
Nº Convencional:JSTA000P28163
Nº do Documento:SAP20210922054/21
Data de Entrada:04/26/2021
Recorrente:A..........., LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 54/21.6BALSB (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A……….., Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 228/2020-T - que julgou improcedente o pedido pronúncia arbitral deduzido pela mesma relacionado com a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) relativa a tributação autónoma emitida sob o n.º 20208310000254, com referência ao período de 2018, no valor de € 280.660,21 (que inclui a importância de € 4.598,50 de juros compensatórios), e em que se reclamava a anulação da aludida liquidação e a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a quantia a restituir, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, por se mostrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão arbitral proferida no Proc. nº 88/2019-T.
Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A) A douta decisão arbitral aqui recorrida proferida no Processo n°. 228/2020- T está em manifesta oposição com a douta decisão arbitral que serve de fundamento proferida no Processo n°. 88/2019- T;

B) Tendo ambos os processos idênticas situações fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas, pelo que verifica-se a manifesta oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que justifica a prossecução do presente recurso jurisdicional para uniformização de jurisprudência por oposição de julgados que deve prosseguir para conhecimento do respetivo mérito, em conformidade com o disposto no nº. 2 do artigo 25º do RJAT e do artigo 152º do CPTA;

C) Encontrando-se preenchidos os pressupostos para a admissibilidade do recurso e porque as duas decisões arbitrais aqui chamadas à colação divergem quanto às soluções propugnadas, à que decidir do mérito do mesmo quanto à mesma questão fundamental de direito, designadamente, a de saber do acerto da imputação das despesas não documentadas (que são presumidas sobre a inexistência dos valores monetários reflectidos na conta l I-Caixa) no ano em que é realizada a conferência do saldo de caixa pela inspecção tributária ou se, ao invés, tal imputação dever ser feita nos exercícios onde essas despesas efectivamente ocorreram por aplicação do princípio da especialização dos exercícios;

D) Com efeito, tendo a AT realizado de controlo do saldo de caixa da aqui Recorrente, verificou a inexistência parcial de valores monetários em caixa, pelo que considerou que tal divergência no valor de 552.123,44€ tinha a natureza de despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma e procedeu à correspondente liquidação adicional de IRC, a qual foi sindicada no pedido de pronúncia arbitral aqui sob escrutínio;

E) Em ambas as decisões arbitrais ficou demonstrado que o saldo contabilístico da conta Caixa já vinha com valores elevados nos exercícios anteriores ao da imputação da tributação e que, no caso da decisão recorrida, era em 2017 no montante de 135.895,95€;

F) A decisão arbitral aqui ora recorrida pronunciou-se pela improcedência do pedido com o fundamento (na parte que aqui interessa analisar por se mostra em contradição com a decisão-fundamento) de que a liquidação da tributação autónoma prevista no CIRC não se mostra viciada de ilegalidade na medida em que se pode presumir a ocorrência dessas despesas não documentadas no exercício de 2018 em que ocorreu a ação de verificação de caixa para comprovação do saldo da conta 11-Caixa promovida pela A.T., uma vez que não se aplicam à tributação autónoma prevista no CIRC os princípios e regras constantes do referido Código para a liquidação e cobrança do próprio IRC que se mostram incompatíveis com a natureza da tributação autónoma enquanto imposto incidente sobre certas despesas, e não sobre o rendimento, designadamente, os princípios da periodização do lucro tributável e da anualidade;

G) Termos em que na decisão arbitral recorrida conclui-se que se pode presumir que tais despesas não documentadas são imputadas integralmente ao exercício de 2018 em que se realizou a conferência da caixa social, considerando ser este o exercício para a sua tributação autónoma nos termos previstos no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC;

H) Em contradição com a decisão recorrida, a decisão arbitral fundamento pronunciou-se pela procedência do pedido, anulando a liquidação impugnada com fundamento em fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário nos termos do artigo 100.º, nº 1, do CPPT, concluindo pela verificação de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, com a consequente anulação da liquidação de tributação autónoma, considerando que a tributação autónoma em sede de IRC "está sujeita às normas próprias daquele tributo, que não sejam incompatíveis com a sua natureza, designadamente e no que ao caso importa, no que diz respeito às regras relativas à especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, conforme decorre, para além do mais, dos artigos 8.º e 18.º do CIRC";

I) Com efeito, a douta decisão-fundamento alicerça o seu julgamento no facto de que "não é possível, julga-se, extrair de tais movimentos contabilísticos o momento em que as despesas indiciadas ocorreram, sendo que, à míngua destes elementos, não é possível concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que, e em que dias, naquele exercício de 2015, hajam ocorrido despesas correspondentes ao valor assumido pela AT como base para a liquidação de tributações autónomas, ora em crise".

J) Ora, em ambas as decisões aqui escrutinadas estão em causa despesas não documentadas e não contabilizadas pelo que, pelo facto de não constarem da contabilidade, não é possível apreender através desta o momento da ocorrência da despesa, mas tão só a sua quantificação;

K) O que implica que, para além do mais, a imputação das despesas não documentadas a um determinado exercício não pode ser presumida apenas com base no facto de ter sido nesse ano que ocorreu a conferência do saldo de caixa pela A.T.;

L) Com efeito, ao contrário do que foi perpetrado pela A.T. e foi corroborado na douta decisão aqui recorrida, a verificação em 17-12-2018 da inexistência na empresa dos valores correspondentes ao saldo da conta Caixa não permite presumir que nessa mesma data ocorreu a totalidade das despesas não documentadas correspondentes ao valor dessa divergência, de forma que as mesmas sejam susceptíveis de tributação autónoma nesse mesmo ano;

M) Ademais, é certo que, pelo menos, uma parte de tais despesas não documentadas poderiam ter igualmente ocorrido nos dois exercícios anteriores, atendendo aos saldos da conta Caixa já verificados nesses exercícios, o que indicia que, pelo menos, parte das despesas já teriam ocorrido antes de 2018, o que implicaria sempre a verificação de erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto à quantificação do facto tributário ao imputar ao exercício de 2018 a totalidade das despesas não documentadas ou, mais que não fosse, estar-se-ia, pelo menos, perante uma fundada dúvida quanto a essa quantificação imputada ao ano de 2018 que justificaria a anulação da liquidação, na parte correspondente, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT;

N) A não se entender assim, coloca-se em crise o instituto da caducidade previsto no artigo 45º e seguintes da LGT, porquanto a inexistência dos valores correspondentes aos saldos da conta Caixa pode corresponder a exfluxos financeiros ocorridos muito anos antes da verificação levada a cabo pela inspecção tributária, porquanto, em face da experiência comum, é sabido que as empresas não têm à sua disposição esses elevados valores monetários na caixa social;

O) A questão aqui sub judice foi igualmente analisada e julgada na decisão arbitral proferida Processo nº. 93/2020-T em 11-10-2020, sendo a situação de facto e de direito absolutamente idêntica à da decisão aqui recorrida e onde se decidiu pela procedência do pedido, anulando parcialmente a liquidação impugnada com fundamento em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito por a A.T. ter imputado ao exercício de 2018 a totalidade das despesas não documentadas que são presumidas em resultado da inexistência dos valores monetários correspondentes ao saldo da conta Caixa;

P) Também nesta decisão arbitral se entende que se deve atender ao princípio da especialização dos exercícios como decorre do artigo 18.º do CIRC, na medida em que as tributações autónomas também têm de ser efectuadas relativamente ao período fiscal em que ocorreram as despesas não documentadas, tal como vigora quanto a tal tributação o princípio da anualidade enunciado no artigo 8.º do CIRC;

Q) Acresce que o próprio artigo 88.º do CIRC, no seu n.º 14, revela expressamente a conexão das tributações autónomas com o período de tributação do rendimento em que em que ocorrem os factos que lhes estão subjacentes, ao estabelecer que um agravamento da taxa quando se verifique a ocorrência de prejuízo fiscal no período a que respeitem as despesas não documentadas, sendo manifesto que em cada ano apenas podem ser tributadas autonomamente despesas que tenham ocorrido nesse mesmo exercício;

R) Ora, nos casos em apreço, porque as despesas não estão documentadas e não se encontram contabilizadas e a A.T. não faz qualquer outra prova relevante, não se pode concluir da prova produzida que todas as despesas que estão subjacentes à falta de meios financeiros correspondentes aos saldos da conta 11-Caixa em 17-12-2018 tenham ocorrido neste ano e, pelo contrário, os indícios que resultam do facto de aquela conta já apresentar saldos elevados antes de 2018 apontam no sentido de que parte da falta de meios financeiros terá ocorrido antes deste ano;

S) No resto, a aqui recorrente a acompanha os fundamentos pugnados quer na decisão-fundamento, quer na referida decisão arbitral Processo n°. 93/2020-T em que foi árbitro-presidente o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e árbitros-vogais a Exma. Dra. Sílvia Oliveira e o Exmo. Prof. Doutor Guilherme W. d'Oliveira Martins, sendo que tais fundamentos e posição jurídica vêm melhor advogados no voto de vencido do mesmo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa produzido na decisão arbitral do citado Processo n°. 23512020- T (em que se louva a decisão arbitral aqui recorrida) e que aqui se dão por reproduzidas e perfilham integralmente;

T) De facto, mesmo admitindo-se a presunção de que a divergência do saldo da conta Caixa corresponde a exfluxos financeiros com a natureza de despesas não documentados, não é legítimo concluir que tais despesas ocorreram à data da conferência levada a cabo pela A.T., já que, como se avança naquele voto de vencido, "são, obviamente, coisas diferentes a existência de despesas e o momento em que ocorrem, e a prova da sua existência e o momento em que a prova é obtida";

U) A tese que obteve vencimento da douta decisão recorrida, para além de contrariar o texto do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, que identifica as despesas e não a contagem física da caixa como o facto tributário sujeito a tributação autónoma, é também incompatível também com o n.º 14 do mesmo artigo que impõe a conexão das despesas com determinado período de tributação e, como se disse, ao prescindir do momento da realização das despesas para efeitos da sua tributação autónoma, é incompatível com o regime da caducidade do direito de liquidação;

V) Com efeito, a concluir-se pela existência das despesas não documentadas em causa, estas não poderiam ser imputadas na sua totalidade ao exercício de 2018 em que foi feita a conferência da caixa, porquanto o saldo da conta 11-Caixa já vinha com valores mais elevados nos exercícios anteriores, pelo que ao permitir a tributação autónomas de despesas ocorridas em qualquer momento do passado, desde que a contagem se faça dentro do prazo de caducidade, viola-se também a proibição da retroactividade das leis fiscais consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da CRP;

W) Face a tudo que antecede, a decisão arbitral recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 81º, nºs 1 e 14º e dos artigos 8º e 18º do CIRC, bem como do disposto no artigo 74º, nº 1 da LGT e no artigo 101º, nº 1 do CPPT;

X) Por conseguinte, impõe-se a sua anulação e substituição por outra decisão, em que se julgando procedente o presente recurso, em consequência, se julgue parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação da tributação autónoma em sede de IRC referente ao ano de 2018.

Nos termos sobreditos, verificada a alegada oposição de decisões arbitrais e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido o presente recurso por estarem preenchidos os respectivos requisitos e ser o mesmo julgado procedente no sentido pugnado pela Recorrente para a questão controvertida, e, consequentemente, ser anulada a douta decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que julgue parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação da tributação autónoma em sede de IRC referente ao ano de 2018 com fundamento na sua ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito e/ou fundada dúvida na quantificação do facto tributário, com as legais consequências, pois assim o impõem o DIREITO e a JUSTIÇA TRIBUTÁRIA.”

O recurso foi admitido por despacho de 28-04-2021.

Foi cumprido o disposto no artigo 25º nº 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)

A. Serão requisitos de admissibilidade do recurso,

i) a existência de contradição entre uma decisão arbitral e outra decisão arbitral;

ii) o trânsito em julgado da decisão fundamento;

iii) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e,

B. Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respectivos pressupostos de facto (Como se sumariou no acórdão proferido pelo STA, em 23/03/1993, no processo n.º 028258 «I – Para que se possa reconhecer a existência de oposição de julgados é necessário que se reconheça a unidade da questão jurídica nos acórdãos ditos em conflito. II – A unidade da questão jurídica só verdadeiramente se descobre na perspectiva da específica finalidade deste recurso em contencioso administrativo que é, apenas, a uniformização da jurisprudência do Tribunal no sentido de impedir o tratamento desigual de casos iguais e não a uniformidade na interpretação da lei. III – Não é possível determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, "simultânea, às questões de direito e às situações da vida..." (disponível em www.dgsi.pt)) e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.

C. O recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos, não obstante a Recorrente, de forma enviesada, tentar urdir argumentos onde empreende uma pretensão recursiva que assenta numa lógica em que se abstrai em absoluto dos contornos fácticos das situações subjacentes, que tendo embora alguns pontos em comum, apresentam diferenças de relevo.

D. Deve assinalar-se que a factologia sob análise na decisão arbitral recorrida e na decisão arbitral fundamento – a proferida no processo n.º 88/2019-T – não revelam total identidade.

E. Efectivamente, na primeira, a contagem física da conta Caixa, no âmbito do procedimento de inspecção ao período de 2018, permitiu apurar, em 17.12.2018, uma divergência com o saldo contabilístico da mesma conta de €552.123,44, que foi qualificada como “despesas não documentadas” para efeitos da tributação autónoma, nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC.

F. Na decisão arbitral fundamento, a ocorrência e a quantificação das “despesas não documentadas” têm como momento inicial a operação de contagem física do numerário existente em caixa, a 16/09/2015, a que se seguiram diligências desenvolvidas pelos serviços de inspecção tributária destinadas a averiguar a evolução dos saldos contabilísticos de “Caixa” entre 30/04/2015 e 31/07/2015, através da análise dos movimentos registados durante esse período.

G. O procedimento inspectivo concluiu que apenas €50.285,28 da diferença entre os saldos da conta Caixa se encontrava justificado, assim inferindo que o saldo constante do balancete, a 31/07/2015, deveria ser de €115.896,73 (166.182,01 – 50.285,28) e não de €31.819,80, valor que transposto para a data da contagem física (16/09/2015), permitiu apurar uma divergência de igual montante (€115.896,73), não justificada documentalmente e como tal qualificada como «despesas não documentadas» sujeitas a tributação autónoma, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.

H. O confronto entre as factologias em presença coloca em evidência algumas diferenças, desde logo, patentes na circunstância de, na decisão recorrida, o saldo da conta Caixa, à data da contagem física (17/12/2018) não ter correspondência com a realidade ao passo que, na decisão fundamento, foi delimitado um período de tempo anterior à contagem para averiguar a evolução do saldo da conta Caixa e proceder à sua reconstituição à data de 31/07/2015, o valor que foi tomado como referência à data da contagem, circunstancialismo que veio a ser invocado, nomeadamente na questão relacionada com a prova.

III I. Pese embora as diferenças assinaladas, ambas as situações fácticas revelam o mesmo padrão de comportamento caracterizado por manifesto incumprimento das regras de organização e manutenção contabilísticas prescritas pelos art.ºs 17.º e 123.º do CIRC, no que em concreto respeita à área dos fluxos financeiros, nomeadamente das saídas de meios financeiros do património social, que se pauta pela falta de evidência documental, sejam os inventários das existências de Caixa, realizadas no final de cada exercício ou as chamadas Folhas de Caixa, e, bem assim, do adequado registo contabilístico.

J. Sobre a ocorrência das “despesas não documentadas, refere a decisão fundamento:

Deste modo, e face ao exposto, não se tem dúvidas que a contabilidade da Requerente, não obstante a sua incorrecção e falta de fidedignidade, evidencia, com consistência suficiente, ao ser conjugada com a constatação de inexistência de qualquer caixa, a ocorrência de despesas não documentadas” e ainda quando é dito “No que diz respeito à ocorrência de despesas não documentadas, como se viu já, verifica-se que a AT reuniu indícios consistentes da respectiva ocorrência.”

K. Resulta, assim, assinalar, que não se detecta contradição entre as decisões arbitrais em confronto, acerca da qualificação das saídas de numerário sem suporte documental como “despesas não documentadas”, o que permite afirmar que “há facto tributário” da tributação autónoma.

L. E mais se adianta na decisão arbitral fundamento, que:

Daí não decorre, necessariamente, que para aplicar aquele tipo de tributação a AT tenha, forçosamente, de demonstrar a sua ocorrência num determinado dia – o que de resto poderá ser extremamente difícil, atenta a necessária ausência de documentação – mas não poderá prescindir da demonstração, para lá de qualquer dúvida razoável, da sua ocorrência, no montante considerado, dentro de um período temporal definido, que se situe dentro do exercício económico a que se reporta a liquidação operada.”

M. Ou seja, se por um lado, o Tribunal reconhece a extrema dificuldade de demonstrar a ocorrência das “despesas não documentadas” num determinado momento, pela total e absoluta ausência de suporte documental, por outro, entende que recai sobre a AT o ónus de provar o montante de tais despesas realizadas no período temporal em causa (2015), que mais não era do que uma tarefa impossível.

N. É, na verdade, esta contradição que vai inquinar a decisão fundamento e que a afasta da decisão arbitral recorrida.

O. Com efeito, a imposição do ónus de prova, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, quanto à determinação do montante das “despesas não documentadas” realizadas no exercício da contagem, mereceu do tribunal arbitral, na decisão recorrida, uma tomada de posição totalmente distinta, remetendo para a Requerente a produção da prova, pronunciando-se, a este respeito, nos seguintes termos:

Tendo a Requerida constatado esta divergência (de facto) no âmbito do procedimento de inspeção, nos termos do disposto no artigo 342.º n.º 2 do Código Civil (e do artigo 74.º n.º 1 da LGT), cabia à Requerente, quer no âmbito do procedimento de inspeção, quer no dos presentes autos, carrear elementos de prova que justificassem o desvio do saldo da dita conta em face dos efetivos fundos monetários disponíveis, afastando a prova da Requerida”.

P. Ao mesmo tempo, considera o Tribunal a quo, na decisão recorrida, que

“Não tendo sido produzida prova pela Requerente que permitisse suscitar a dúvida fundada sobre a existência das “despesas não documentadas”, não tem este tribunal arbitral amparo legal para convocar a estatuição do citado artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.”

Q. E, em concreto, sobre a aferição do critério temporal definidor da tributação autónoma sobre as “despesas não documentadas”, a decisão arbitral recorrida sublinha que o ónus da demonstração da “influência do saldo de anos anteriores” na divergência encontrada no âmbito do procedimento de inspecção” recai sobre a Recorrente que, aliás, não a logrou realizar.

R. Dado que a Recorrente não cumpriu o dever de reflectir na contabilidade as “despesas não documentadas”, mediante o registo das saídas de meios financeiros da conta Caixa por contrapartida de uma conta de gastos com essa designação, nem as incluiu na declaração periódica de rendimentos:

“Não o tendo feito, não tendo contabilizado as saídas de caixa, a verificação do facto gerador da tributação autónoma, que são as despesas não documentadas, fica evidenciada na data da contagem física de caixa.”

S. E adianta que:

“Porém, não revestindo a tributação autónoma a natureza de um imposto periódico afigura-se que não lhe é aplicável o princípio da anualidade e da especialização dos exercícios que pressupõe a abrangência de um período prolongado de formação do facto tributário [o exercício], que em Portugal corresponde, em regra, ao ano civil (artigos 8.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1 do Código do IRC).

O momento da tributação das despesas deve, desta forma, aferir-se com base no critério de “competência de caixa”. O tax point reporta-se à data em que ocorreu a saída de Caixa (o desembolso), sendo as despesas imputadas ao período (exercício) em que essa data se inscreve, assim se articulando com o regime de periodização do IRC.

Todavia, nos casos em que os sujeitos passivos, incumprindo os seus deveres declarativos, omitem a contabilização das saídas de caixa, como sucede na situação vertente, é inviável a determinação da data de saída de caixa, pelo que terá de recorrer-se como indicador supletivo à data da contagem física de Caixa.”

T. Afirma-se ainda na decisão recorrida que

“Também não tem aqui aplicação o regime da fundada dúvida previsto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, pois não foi produzida qualquer prova pela Requerente sobre a realização dos dispêndios em períodos distintos daquele em causa [ano 2018], que permitisse suscitar tal dúvida sobre o momento de efetivação das “despesas não documentadas”.

U. Por fim

“Conclui-se, assim, ser correta a consideração, pela AT, das “despesas não documentadas” no período de 2018, a que respeita o saldo divergente objeto de contabilização e no qual se constatou, em 17 de dezembro desse ano, por contagem física, a falta de correspondência entre as disponibilidades monetárias e o saldo registado na contabilidade.”

V. Todavia, a decisão arbitral fundamento, em linha com a ideia assumida pelo Tribunal de fazer recair sobre a AT todo o ónus da prova vai em sentido oposto, considerando que

“no que diz respeito à ocorrência de despesas não documentadas, como se viu já, verifica-se que a AT reuniu indícios consistentes da respectiva ocorrência.

Não obstante, a consistência desses indícios não abrange o concreto montante de despesa ou despesas ocorridas no ano de 2015.”

W. E reitera que:

“No caso, pretendendo a AT aplicar a tributação invocando o disposto no artigo 88.º/1 do CIRC, é àquela Autoridade que assiste o ónus de demonstrar os respectivos factos constitutivos incluindo, no que para o caso interessa, a ocorrência de despesas indocumentadas no exercício de 2015, e o respectivo montante”.

X. Todavia, reconhece-se na decisão arbitral fundamento que “..., não é possível, julga-se, extrair de tais movimentos contabilísticos o momento em que as despesas indiciadas ocorreram, sendo que, à míngua destes elementos, não é possível concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que, e em que dias, naquele exercício de 2015, hajam ocorrido despesas correspondentes ao valor assumido pela AT como base para a liquidação de tributações autónomas, ora em crise.”

Y. E remata a decisão arbitral fundamento: “Assim, e face às regras do ónus da prova, bem como ao disposto no referido artigo 100.º/1 do CPPT, atenta a fundada dúvida na quantificação do facto tributária operada pela AT, haverá que concluir pela verificação do arguido erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, com a consequente anulação das liquidações de tributação autónoma e juros compensatórios sub iudice.”

Z. No entanto, a Recorrente procura também amparo na decisão arbitral proferida no processo n.º 93/2020-T e na declaração de voto de vencido do sobre a decisão arbitral proferida no processo n.º 235/2020-T, referindo que “acompanhamos aqui tudo o que ficou promovido como fundamento na citada decisão”, mas que, diferentemente, da decisão arbitral fundamento, delimitam o elemento temporal do facto gerador da tributação autónoma, in casu, a realização das “despesas não documentadas” imputáveis ao exercício da contagem física das existências da Conta Caixa em função do princípio da anualidade do IRC.

AA. No entendimento vertido nesta decisão arbitral, que a imputação do facto tributário ao exercício em que foi apurada a divergência entre o saldo da conta Caixa e as existências em numerário viola o princípio da especialização dos exercícios e o princípio da anualidade do imposto.

BB. Ora, quanto à não aplicação às despesas não documentadas do princípio da especialização dos exercícios, tal como é enunciado no artigo 18.º, n.º 1, é matéria bastante consensual, desde logo, porque aquele princípio destina-se a regular a imputação temporal dos gastos e perdas, rendimentos e ganhos e outras componentes positivas e negativas para efeitos do apuramento do lucro tributável de cada período.

CC. Basta atentar, a este propósito, nas palavras do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016:

“Com efeito, como se fez notar, o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012).

Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa.”

DD. Daí não decorre que as “despesas não documentadas” não relevadas contabilisticamente como tal não podem ser conexionadas com um determinado exercício, de acordo com o critério de competência económica que preside à periodização das componentes positivas e negativas do lucro tributável, nos termos do n.º 1 do art.º 18.º do CIRC, nem mesmo em conformidade com critérios de competência financeira ou de caixa, porquanto, o único temporal que é possível estabelecer é com o momento da evidenciação da divergência entre o saldo contabilístico da conta Caixa e os valores monetários apurados na contagem física.

EE. Nesse sentido, conforme assinala a decisão arbitral proferida no processo n.º 235/2020-T:

“a verificação do facto gerador da tributação autónoma, que são as despesas não documentadas, fica evidenciada na data da contagem física de caixa”, porquanto “na ausência de contabilização, só é possível apurar que elas existem quando se faz a contagem de caixa. É a mera ausência na caixa dos meios financeiros que a conta 11-Caixa evidencia, conjugada precisamente com a não contabilização de qualquer saída, configura, para os efeitos da lei, a despesa não documentada.”

FF. Assim sendo, o facto tributário emerge, ganha consistência, apenas com a contagem física das existências de caixa e não se compreende o que pretende alcançar, na declaração de voto de vencido do Juiz Conselheiro Lopes de Sousa, quando refere que essa tese “reconduz à possibilidade ilimitada dos factos tributários”.

GG. Com o devido respeito, impõe-se clarificar que, na sequência da contagem física e do apuramento da divergência com o saldo contabilístico, este saldo teria de ser ajustado em conformidade com a ausência de valores monetários nessa data e reconstituído em função dos todos os movimentos de entradas e saídas de caixa até ao final do ano.

HH. Logo, nunca se verificaria a consequência absurda, apontada na declaração de voto lavrado pelo Conselheiro Lopes de Sousa, conducente a que “a mesma apropriação de quantias seria suporte de multiplicação de tributações autónomas todas as vezes (...) que fosse efectuada uma contagem física e se verificasse que continuava a faltar aquele valor.”

II. Atente-se ainda que o legislador teve o cuidado de não explicitar, no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, que só são sujeitas à tributação autónoma, as despesas não documentadas devidamente contabilizadas como tal no período de tributação, limitando-se, sim, a ressalvar que, quando estão contabilizadas, a não dedutibilidade dos gastos nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, não prejudica a tributação autónoma.

JJ. Nem se entenderia que pudesse ser de outro modo, sob pena de se criar uma desigualdade fiscal que resultaria da beneficiação de práticas irregulares, apenas ao alcance de alguns contribuintes, subvertendo por completo a função da tributação na prevenção ou evitação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados porque propiciam a saída de meios financeiros da actividade empresarial para “zona de não tributação”.

KK. Por outras palavras, afrontaria a própria natureza e finalidade de dissuasão/sancionatória adstrita à tributação autónoma das «despesas não documentadas» “premiar” fiscalmente os contribuintes que se eximem da obrigação básica de contabilização e/ou declaração daquele tipo de despesas, ancorados na convicção de que só mediante uma actuação dos SIT da AT para levar a cabo uma contagem física das existências em Caixa poderá ocorrer a tributação autónoma prevista no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.

LL. Em suma: como resulta do já anteriormente exposto, torna-se claro que a solução jurídica vertida na decisão arbitral recorrida é a única que, respeitando as regras de repartição do ónus da prova (n.º 1 do art.º 74.º da LGT), o princípio da presunção da veracidade dos elementos constantes das demonstrações financeiras (art.º 75.º da LGT), está em sintonia com o elemento teleológico da tributação autónoma das despesas não documentadas e que pugna pela repartição mais justa dos encargos tributários.

MM. Nem se entenderia que pudesse ser de outro modo, sob pena de se criar uma desigualdade fiscal que resultaria da beneficiação de práticas irregulares, apenas ao alcance de alguns contribuintes, subvertendo por completo a função da tributação na prevenção ou evitação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados porque propiciam drenagem para “zona de não tributação”, em proveito de interesses de terceiros, de meios monetários da actividade empresarial,

NN. Assim sendo, não havendo identidade dos factos, em que assentam as decisões arbitrais em confronto, para além da divergência entre o saldo contabilístico da conta caixa e o saldo físico do mesmo, deve o recurso improceder sobre esta questão.

OO. Ora, faltando, tal como já se provou a identidade das situações de facto, falta, por conseguinte, e inerentemente, a identidade quanto à questão fundamental de direito e consequentemente não se pode imputar qualquer divergência na decisão final entre a decisão arbitral ora recorrida e o propalado Acórdão Fundamento,

PP. Todavia, exasperada, a Recorrente pretende, em vão, fazer crer, e convencer-se, que existe uma qualquer oposição entre a decisão arbitral e o Acórdão Fundamento.

QQ. Pelo que perecem in totum os argumentos apresentados pela Recorrente, não se verificando os requisitos de admissibilidade do presente meio processual.

RR. DO THEMA DECIDENDUM

SS. Quanto à 2.ª questão, tem a ver com a atribuição do facto gerador da tributação autónoma, prevista no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, isto é, a realização das «despesas não documentadas», ao período de tributação em que é apurada a divergência entre o saldo contabilístico da conta Caixa e o resultado da contagem física, como foi aceite pela decisão arbitral recorrida.

TT. Pois bem, o correcto enquadramento desta questão deve partir da assunção de que os saldos da conta Caixa que figuram nas demonstrações financeiras dos exercícios anteriores, devidamente aprovadas pelos sócios e apresentadas publicamente como retratando a imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados, não foram escrutinados pela AT, portanto, não pode afirmar-se se a sua extensão é real ou fictícia.

UU. Por outro lado, e como já foi afirmado, além da inexistência de documentação de suporte às saídas de meios monetários, a Recorrente não procedeu ao registo das despesas em conta de gastos denominada «despesas não documentadas», facto que impede, de todo, conhecer quando ocorreram.

VV. Perante os dados que se acabam de expor, é manifesto que não faz qualquer sentido convocar o princípio da especialização dos exercício ou da realização, pois, tal como enunciado no n.º 1 do art.º 18.º, n.º 1 do CIRC, a sua aplicação tem em vista a imputação das componentes positivas (rendimentos, ganhos e variações patrimoniais) e negativas (gastos, perdas e variações patrimoniais negativas) a o lucro tributável de determinado período, sendo os critérios utilizados para tal efeito definidos em função da natureza das operações que geram os gastos e os rendimentos (cfr., n.º 3 e seguintes do art.º 18.º).

WW. Tendo presente que o facto gerador das despesas sujeitas a tributação autónoma é constituído pela realização da própria despesas, por força do princípio da anualidade estatuído no art.º 8.º do CIRC, as despesas devem ser imputadas ao exercício em que o pagamento ou a saída de numerário ocorreu, aplicando, então o chamado critério de “competência de caixa”.

XX. Assim, na situação como a que subjaz à decisão arbitral recorrida, pela singularidade de que se reveste, o único critério disponível para imputar o facto gerador da tributação autónoma a um período de tributação reconduz-se ao momento do apuramento da diferença não justificada nem documentada da diferença entre o saldo contabilístico de Caixa e as existências em cofre.

YY. Só nesse momento ganhou evidência o facto gerador, i.e., foi reconhecida a saída de meios monetários não justificada nem documentada e, além do mais, importa realçar que o legislador, na redacção do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, não utilizou a expressão “contabilizadas no período de tributação”, certamente, para abarcar quaisquer situações, independentemente do grau de regularização das mesmas, limitando-se a deixar claro que se as «despesas não documentadas» tiverem sido relevadas na contabilidade como gastos, a sua não dedutibilidade nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 23.º-A , não afasta a tributação autónoma.

ZZ. Deste modo, a decisão arbitral recorrida, atendo-se aos particulares contornos da situação em presença procurou delinear a solução jurídica que melhor respeita o espírito da norma do art.º 88.º, n.º 1 do Código do IRC e a finalidade que preside à tributação autónoma das «despesas não documentadas», associada à justa repartição dos encargos fiscais e ao combate à evasão e fraude fiscais, ao passo que a decisão arbitral fundamento aplica cegamente a uma situação, a todos os títulos singular, a regra geral de especialização dos exercícios concebida para a determinação do lucro tributável.

AAA. DAS DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS

BBB. A definição de «despesas não documentadas» encontra-se já consolidada pelos contributos da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido de que consubstanciam «desembolsos» de meios monetários, sem qualquer comprovativo documental, inserindo-se, por isso, no circuito financeiro das empresas.

CCC. Na situação sub judice, as «despesas não documentadas» não foram registadas como tal4 em conta apropriada de “gastos”, o que permite concluir que não originaram qualquer correcção ao lucro tributável do período de tributação em causa, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 23-A do CIRC.

DDD. E assim é porque nem tal exigência se retira do n.º 1 do art.º 88.º, do CIRC, que contempla na base de incidência da tributação autónoma, as “despesas”, e não os “gastos”, ressalvando que se as despesas tiverem sido contabilizadas como gastos, a circunstância de estes não serem fiscalmente dedutíveis por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 23-A do mesmo Código, não afasta a tributação autónoma.

EEE. Efectivamente, se a relevação contabilística das «despesas não documentadas» como «gastos» fosse um requisito para a tributação autónoma, então, teria de aceitar-se que o legislador implicitamente pretenderia beneficiar aqueles contribuintes – como a Requerente - que optassem por não reflectir na contabilidade todas as operações e acontecimentos relevantes da vida empresarial, situação que não se pode conceber ou conceder nem por mero exercício académico.

FFF. Porém, ao invés, inopinadamente a Requerente coloca na AT o ónus de demonstrar a efectiva ocorrência das «despesas não documentadas», as datas e montantes dos correspondentes exfluxos financeiros,

GGG. justamente, aquilo que só a própria se encontraria em condições de provar, através, nomeadamente, da apresentação de mapas e documentos internos como as folhas de Caixa.

HHH. É que a AT cumpriu o ónus da prova dos pressupostos de aplicação do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, dentro dos limites que a sua actuação lhe permitiria, apoiando-se designadamente na (1) demonstração da divergência entre o saldo contabilístico da conta Caixa e as existências reveladas pela contagem física; e (2) na solicitação de documentos justificativos da diferença apurada.

III. Mais não lhe pode ser legalmente exigido em matéria de prova, porquanto, configuraria uma verdadeira probatio diabolica), por impossível de produzir na prática, dado que não lhe foi facultado qualquer documento com elementos relativos a datas, locais e natureza das operações subjacentes à saída dos meios financeiros em falta.

JJJ. Se é certo que a própria Requerente, ora Recorrente, confirma a divergência apurada e até apelidando o saldo contabilístico da conta Caixa de fictício e inverosímil, em simultâneo, demite-se de explicar a sua origem e, embora aludindo a eventuais erros ou irregularidades contabilísticos, não os identifica nem concretiza,

KKK. fazendo tábua rasa de que as práticas de gestão corrente da vida empresarial incorporam o controle dos fluxos financeiros, mormente por via do registo dos fluxos de entradas / saídas em folhas ou diários de Caixa, da adopção de procedimentos da autorização de pagamentos e de movimentação de contas bancárias.

LLL. Aliás, a respeito dos requisitos das «despesas não documentadas» e da repartição do ónus da prova, importa remeter – pela transcrição do que é dito na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 256/2018-T – para o entendimento sufragado no Acórdão do STA n.º 837/15, de 22 de Fevereiro de 2017, no qual se discutiam encargos financeiros (juros) pagos a entidade bancária derivados de financiamento contraído pelo sujeito passivo, em que “Apesar de estar identificada a natureza das despesas e, bem assim, o seu beneficiário (a instituição financeira), o STA considerou que, não tendo sido provada a origem e finalidade das mesmas [i.e., dos juros suportados] “elemento indispensável para afastar a sua qualificação como despesas confidenciais”, e cabendo ao sujeito passivo o ónus da “prova dos factos alegados que integram a causa de pedir (cf. art.º 74º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil)”, tais despesas estavam sujeitas a tributação autónoma.”

MMM. Considerou o STA que a circunstância de o contribuinte ter pago certas quantias a um banco a título de juros e encargos de um empréstimo que contraiu junto deste, só pode relevar em termos tributários se esse empréstimo foi efetuado para prosseguir a actividade a que aquele se dedica.

Para tanto é preciso saber de que empréstimo se trata, quando foi obtido, em que foram utilizados os meios financeiros que o banco em cumprimento do contrato de empréstimo facultou”.

NNN. Acrescentando que, não é suficiente

“que se saiba que tais despesas foram pagas ao banco e que tais despesas constem de um documento - o extrato bancário, porque continuamos sem saber nada da ligação da despesa à atividade prosseguida”.

OOO. Deste modo, as posições que defendem que recai sobre a AT o ónus de provar a efectiva ocorrência das «despesas não documentadas» redundariam num paradoxo, pois, mesmo que, se entenda como na decisão arbitral proferida no processo n.º 487/2018-T que “Para ocorrerem despesas é necessário que se comprove que ocorreram essas saídas de meios financeiros da empresa”, a inexistência de comprovativos e de registos contabilísticos dos exfluxos monetários inviabilizam, de todo, a produção de prova e a obtenção de dados relativos às datas em que se verificaram, informações que só o órgão de gestão dispõe.

PPP. Cabe assinalar que as características específicas das «despesas não documentadas» afastam-nas do princípio da especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, enunciado no n.º 1 do art.º 18.ºdo CIRC, que como é sabido assenta no critério de competência económica:

Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento”.

QQQ. O que vale por dizer que o princípio se projecta nas componentes positivas e negativas do lucro tributável, incluindo naturalmente os gastos ou encargos sujeitos a tributação autónoma, que concorrem para o cálculo daquela grandeza (v.g. os gastos ou encargos referidos nos números 3, 7, 9 e 13 do art.º 88.º).

RRR. No atinente às «despesas não documentadas», o critério de competência económica é, repita-se, na sua essência, inaplicável dado o desconhecimento da natureza e origem das operações subjacentes, pelo que, para efeitos de estabelecer a respectiva imputação a um dado exercício apenas pode ser utilizado o chamado critério de competência de caixa.

SSS. Porém, mesmo este critério só é exequível quando se está perante «despesas não documentadas» relevadas contabilisticamente como tal, em conta apropriada de “gastos”, pois, o movimento financeiro que lhe dá origem ficará também reflectido nas contas de meios monetários.

TTT. Já relativamente à situação sub judice, consubstanciada num elevado saldo devedor da conta Caixa que não se revelou verdadeiro e que, em resultado da inexistência de documentação de suporte ou de alguma explicação plausível acerca daquele saldo, a divergência é atribuída a saídas de meios monetários consumidos na realização de «despesas não documentadas», a verificação do facto gerador da tributação autónoma só ficou evidenciada na data da contagem física, consequentemente, só pode ser imputado ao exercício e que foi detectada,

UUU. Ademais, afrontaria a própria natureza e finalidade de dissuasão/sancionatória adstrita à tributação autónoma das «despesas não documentadas» “premiar” fiscalmente os contribuintes que se eximem da obrigação básica de contabilização e/ou declaração daquele tipo de despesas,

VVV. ancorados na convicção de que só mediante uma actuação dos SIT da AT para levar a cabo uma contagem física das existências em Caixa poderá ocorrer a tributação autónoma prevista no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.

WWW. Por conseguinte, não pode proceder a pretensão da Requerente, que, aliás, não se esforçou sequer para demonstrar em que medida o saldo da conta Caixa, à data, não correspondia à realidade das existências em numerário ou outros meios monetários.

XXX. Reitera-se que a Requerente não contesta a quantificação da divergência entre o saldo contabilístico da conta Caixa e os montantes do numerário que deveriam estar disponíveis em Caixa e não se encontravam à data em que foi realizada a contagem física, limita-se, simplesmente, a aduzir que os valores em causa são fictícios por falta de adesão à realidade e que podem ser devidos à ocorrência de diversas vicissitudes, sem porém as concretizar.

YYY. Ou seja,:

i. O significado da expressão «despesas não documentadas» encontra-se estabilizado na doutrina e jurisprudência (cfr., entre outras, decisões arbitrais proferidas nos processos números 256/2018-T, 487/2018-T e 486/2019-T) sendo pacífico, na actualidade, que se reconduz a saídas de meios financeiros do património empresarial sem suporte documental que permita determinar a natureza, destino ou o beneficiário das operações que as originaram.

ii. Deste modo, na situação em apreço, não havendo justificação plausível para a divergência apurada entre o saldo contabilístico da conta Caixa e as existências, nem título jurídico ou documento fiscalmente relevante que comprove a sua utilização, ou registo contabilístico que as evidencie, subsumem-se no conceito de «despesas não documentadas» para os efeitos do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.

iii. Os n.ºs 1 e 2 do art.º 88.º, têm uma função dissuasora e sancionadora de comportamentos que não só contrariam as boas práticas da gestão empresarial, em termos de transparência e de preservação do património social, como são geradores de fenómenos de evasão e fraude fiscais que provocam a erosão das receitas fiscais e comprometem a equidade na repartição dos encargos públicos.

iv. A referida norma não faz depender a tributação autónoma da relevação contabilística como gastos das «despesas não documentadas», prevendo apenas que, sendo esse o caso, a não dedutibilidade dos gastos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, é compatível com a tributação autónoma.

v. A orientação que dimana de alguma jurisprudência no sentido de que reconhecimento de «despesas não documentada» depende da demonstração, pela AT, da efectiva ocorrência das mesmas, isto é, da identificação das efectivas saídas de Caixa só pode ter interpretada no sentido de que constitui prova bastante para esse efeito, quando não é dada expressão contabilística àquelas despesas - como na situação em apreço - a verificação de uma discrepância entre o saldo contabilístico da conta Caixa e os valores monetários apurados por contagem física, não explicada cabalmente pela prática de erros na execução da contabilidade ou por retiradas dos sócios a título de adiantamentos por conta de lucros.

vi. Importa levar em linha de conta que o controlo da utilização dos meios financeiros cabe ao órgão de gestão e que as regras sobre organização da contabilidade prescritas pelo n.º 3 do art.º 17.º e n.ºs 1 e 2 do art.º 123.º do CIRC impõem que nela devem ser reflectidas todas as operações e que todos os lançamentos devem ser apoiados em documentos válidos pelo que é sobre o contribuinte que deve recair o ónus de demonstrar o destino dado aos meios financeiros retirados ao património social e o momento em que ocorreram.

vii. Nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT recai sobre a Requerente o ónus de refutar os pressupostos de facto e de direito para a quantificação e qualificação das «despesas não documentadas», mas para tanto teria de identificar as irregularidades contabilísticas ou outros factos que estão na origem do elevado saldo devedor de Caixa, tanto mais que poderia socorrer-se designadamente de documentos internos da gestão corrente da empresa, pois, a não disponibilização de comprovativos impediu a AT de identificar quaisquer operações ou destinatários dos meios financeiros, tal como aliás impediu que, na contabilidade, fossem reflectidas.

viii. A imputação das «despesas não documentadas» ao exercício de 2018 não pode reger-se pelo princípio da especialização dos exercícios ou da periodização do lucro tributável, enunciado no n.º 1 do art.º 18.º do CIRC, uma vez que assenta no critério de competência económica, ou seja, pressupõe que seja conhecida a natureza das operações realizadas, donde resulta que só o critério financeiro (competência de caixa) pode ser utilizado, no entanto, apenas é escrutinável quando há relevação contabilística daquele tipo de despesas.

ix. A não contabilização das «despesas não documentadas» é impeditiva, por si só, da análise e determinação da sequência temporal das saídas de meios financeiros da esfera empresarial, consequentemente, com o devido respeito, é desprovida de sentido a pretensão da ora Recorrente ao invocar a violação do princípio da especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, por a AT não ter identificado os momentos da realização e os quantitativos das despesas realizadas naquele exercício.

x. Efectivamente, nessas circunstâncias, só na data em que se apura a divergência entre o saldo contabilístico e as existências físicas de Caixa é que se evidencia o facto gerador da tributação autónoma – a realização de «despesas não documentadas» pelo montante dos meios financeiros que saíram da esfera empresarial.

xi. A não atribuição ao exercício de 2018 de um montante de “despesas não documentadas” que corresponda ao acréscimo do saldo devedor de Caixa verificado nesse exercício, deve-se à falta de comprovação de que o saldo inicial não tinha correspondência com a realidade.

xii. Pelo que decaem os argumentos apresentados pela ora Recorrente que defendem a inexistência de qualquer evidência do facto tributário.

ZZZ. Admitir que, nos exercícios anteriores, já se verificava igual situação e, portanto, as «despesas não documentadas» deveriam corresponder ao acréscimo do saldo da conta Caixa, exigiria o cumprimento pela ora Recorrente – a única que se encontra em condições de satisfazer - do ónus de provar os momentos em que ocorreram as saídas de meios monetários, que estão na origem da discrepância apurada aquando da contagem física

AAAA. Da inexequibilidade da tese propugnada pela Requerente/Recorrente Vs o ónus da prova exigido

BBBB. A exequibilidade da tese aqui defendida pela Recorrente e sufragada diversas vezes pelo centro de arbitragem não escapa a um simples teste silogístico:

CCCC. Se as despesas não estão documentadas então não é possível aferir sobre o destino, datas, locais e beneficiários dos meios financeiros não encontrados na esfera empresarial, logo é factual e juridicamente impossível aplicar-lhes o princípio da especialização só porque mais apraz à Recorrente.

DDDD. Cria-se, deste modo, um vazio jurídico insusceptível de ser apreendido pelo homem médio.

EEEE. E, sub-repticiamente, cria-se um ónus à administração fiscal que não existe por lei.

FFFF. Exigindo poderes de premonição à administração fiscal no sentido de adivinharem o ano em que exfluxos não documentados e não reflectidos na contabilidade (e, por conseguinte, também não reflectidos também nas obrigações declarativas) ocorreram, por forma a instruírem a abertura do correspectivo procedimento inspectivo.

GGGG. Isto porque, por auto-recriação dos sujeitos passivos, acumulam-se saldos de caixa, esvazia-se o património social da empresa a favor dos seus sócios, bastando, para tanto, que decidam não documentar os exfluxos, quer contabilista, quer fiscalmente.

HHHH. Aderir a esta inopinada tese é desvirtuar o combate à fraude e à evasão fiscal, compactuando com estes fenómenos, fazendo tábua rasa do esforço colectivo, legislativo e inspectivo no combate aos mesmos.

IIII. Está, portanto, encontrada a fórmula mágica de esvaziar o património de uma sociedade sem sujeição a qualquer tipo de tributação em face da insusceptibilidade - que brota desta tese - da AT fiscalizar.

JJJJ. Ou seja, impor à AT o ónus de provar aquilo que só a própria Requerente – que foi instada a tal no procedimento inspectivo - se encontraria em condições de provar, através, nomeadamente, da apresentação de mapas e documentos internos como as folhas de Caixa,

KKKK. assenta num ardil - que prejudica seriamente os cofres públicos e, por conseguinte, todo o esforço colectivo - que permite a qualquer sócio de uma qualquer empresa fazer da mesma o seu banco, tirando da esfera patrimonial da empresa o que quiser e quando mais lhe aprouver,

LLLL. sem que o apuramento do exfluxo de tais meios seja possível, porquanto essa mesma entidade e sócio entenderam não documentar as mesmas, impossibilitando o consequente crivo da administração fiscal e sujeição aos tributos devidos.

MMMM. Mais, tal entendimento aparenta assentar numa dupla negativa, exigindo-se uma inversão do ónus probatório que incumbe, in casu, ao sujeito passivo,

NNNN. i.e., o de provar que à regularização daquele saldo de caixa subjazem efectivas operações e das quais seja possível aferir sobre o destino, datas, locais e beneficiários dos meios financeiros não encontrados na esfera empresarial.

OOOO. Da violação do princípio da igualdade e dos princípios do ónus da prova

PPPP. E há manifestamente, na raiz, da tese propugnada pela Requerente uma frontal e violenta violação do princípio da igualdade.

QQQQ. Vejamos,

«A tributação autónoma exprime o exercício de uma função regulatória através do CIRC, inerente às finalidades e exigências de um Estado de direito material, onde se incluem objetivos incentivar a formalização da economia, o rigor e a fiabilidade das contas das empresas, prevenir a fraude e a evasão fiscal, nomeadamente através da retirada dissimulada de ativos monetáriosnegrito e sublinhado nossos in decisão arbitral n.º 235/2020 – TCAAD

RRRR. é que, comparando o contribuinte comum, i.e., o trabalhador por conta de outrem, ou seja, o ante referido homem médio, e que representa o “core” das receitas de impostos sobre o rendimento em Portugal, e os sócios de entidades que recorrem as estas finuras, verifica-se que o homem médio - o trabalhador por conta de outrem,- participa e contribui para uma justa repartição do esforço fiscal e de consolidação dos cofres públicos,

SSSS. já aqueles, os que durante anos usaram e usam estes ardis, simplesmente não o fazem, eximindo-se ao mínimo esforço.

TTTT. Aliás, além dos apontamentos supra, importa sublinhar veementemente que sufragar esta tese e estes artifícios, obnubila in totum a situação económico-financeira que o País atravessa e vai atravessar – derivada da crise económica e da situação pandémica que se vive e viverá - , exigindo-se um esforço conjunto de consolidação que terá de ser repartido por todos os que possam contribuir.

UUUU. porém, nas situações sub judice, uns participam e outros – os que recorrem e podem a recorrer a estas astúcias, por não serem trabalhadores por conta de outrem –, faustosa e declaradamente não!

VVVV. Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os contribuintes e incida sobre todos os tipos de rendimento,

WWWW. e, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e de evasão fiscais.

XXXX. Ora, com este esquema, os tais que recorrem a estes expedientes, esvaziam o património das suas empresas, retiram rendimentos, evitando o pagamento dos impostos devidos, fazendo tábua rasa das políticas fiscais, da legalidade, da moralidade e, acima de tudo, do princípio da igualdade.

YYYY. a este propósito veja-se o que lapidarmente se referiu na decisão arbitral n.º 3/2017 – T CAAD, que se reporta igualmente aos esquemas de regularização dos saldos de caixa

«Aliás, importa acrescentar que repugnaria à própria axiologia da tributação que a obrigação de pagar imposto sobre uma capacidade contributiva gerada pela apropriação pelos sócios gerentes das disponibilidades de caixa da Requerente pudesse ser afastada por uma 'fórmula' tão 'básica' quanto a da omissão, ao longo de anos bastantes para a caducidade do direito a liquidar, de lançamentos na conta Caixa correspondentes aos atos de apropriação, seguida de uma ou mais regularizações contabilísticas retroativas, feitas em data já para lá do período de exercício do direito a liquidar.» sublinhado e negrito nossos

ZZZZ. ou ainda, também lapidarmente:

«… não se vê como seja conforme ao Direito uma interpretação que, (…), confere a sujeitos passivos de IRC incumpridores uma via segura para práticas de ‘caixa aberta’, que esvaziam sem nada documentarem nem contabilizarem, com o previsível resultado – deve o julgador recorrer à experiência – de que nem os sócios são tributados sobre dividendos, ou terceiros são tributados sobre recebimentos opacos, nem as sociedades suportam a tributação autónoma que está na lei. Ponto é, para que tais práticas de evasão fiscal sejam bem sucedidas, ficando imunes à aplicação da lei, que as saídas tampouco sejam contabilizadas, assim inviabilizando a aplicação a tais esvaziamentos de caixa do princípio da especialização dos exercícios, caso este fosse entendido como aplicável a mais do que aquilo que está na lei: à periodização do rendimento e portanto do lucro tributável. A posteriori, quase lhes basta venire contra factum proprium e invocar que a sua própria contabilidade não tem rigor no caso específico da conta 11-Caixa, tem incorreções, lacunas, etc. Estaria assim criada, e sancionada pela jurisprudência, uma simples mas eficaz técnica de transferência de rendimento (income shifting technique), incompatível com a teleologia inerente ao instituto das tributações autónomas, de prevenção da erosão da base tributária.» sublinhado e negrito nossos, Decisão arbitral n.º 235/2020

AAAAA. Sufragar estas teses é permitir que se eximam do esforço colectivo largas franjas da sociedade que, por opção sua, se mantém, ao largo do espectro fiscal.

BBBBB. E, no que concerne ao momento - à ocorrência ao facto tributário -, que reiterada e enviesadamente é arvorado nestes ardis para se escorar uma inenarrável tese de uma qualquer caducidade do direito à liquidação, veja-se o que acertadamente se diz neste trecho da ante citada decisão n.º 235/2020 – T CAAD (para a qual remetemos in totum, dada a aturada e esmiuçada análise da figura das tributações autónomas):

«…a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa.”

(…)

posição da Requerida AT quanto a esta matéria, que em síntese defende que, para as despesas não documentadas não há cabimento à periodização económica, mas à aplicação do critério de ‘competência de caixa’.

Entendemos que lhe assiste razão.

Desde logo, o intérprete não pode pretender fazer boa aplicação dos regimes e dispositivos do CIRC se olhar para a tributação como espécie de ilha jurídica desconectada de outras ordens normativas, em particular da ordem normativa contabilística.

(…)

Deve, depois, atentar-se no que dispõe o “Anexo - Sistema de Normalização Contabilística” ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho. Concretamente, determina o respetivo n.º 2.3 - Regime de acréscimo (periodização económica): «2.3.1 - Uma entidade deve preparar as suas demonstrações financeiras, exceto para informação de fluxos de caixa, utilizando o regime contabilístico de acréscimo (periodização económica).»

Parece de meridiana clareza: as demonstrações financeiras são preparadas segundo o regime da periodização económica, ou seja o regime de acréscimo, exceto para a informação de fluxos de caixa – à qual portanto tal regime expressamente se não aplica. Para movimentações de caixa, o regime que resta é o da sua reflexão com base na saída (ou na entrada).

E assim deveria ter sido, caso a Requerente as tivesse contabilizado. Aplicar-se-ia aquilo que a AT denomina por critério de ‘competência de caixa’.

(…)

Na ausência de contabilização, só é possível apurar que elas existem quando se faz a contagem de caixa. E a mera ausência na caixa dos meios financeiros que a conta 11-Caixa evidencia, conjugada precisamente com a não contabilização de qualquer saída, configura, para os efeitos da lei, a despesa não documentada .» sublinhado e negrito nossos

CCCCC. Concluindo, sem margem para dúvidas que

«…perante despesas que precisamente foram omitidas à contabilidade (e, tem que se entender, voluntariamente, por ser prática recorrente ao longo de anos, não sendo plausível a explicação dos erros e incorreções), e sempre seria neutralizado pela tutela do comércio jurídico face à própria infiabilidade da contabilidade quanto à conta 11-Caixa: afinal, o comércio jurídico confia que a empresa tem disponibilidades líquidas (de ativo corrente) espelhadas na Conta 11-Caixa, mas essa confiança já foi frontalmente violada pelo esvaziamento da caixa. Ora, as necessárias segurança, confiança, previsibilidade e calculabilidade no tráfego jurídico e económico são mais bem asseguradas através da garantia da fiabilidade da Conta 11-Caixa, objetivo que as normas sobre tributação autónoma também visam promover, no quadro mais amplo de desincentivo de práticas de erosão da base tributária.» sublinhado e negrito nossos

DDDDD. Porém, ainda que enviesada e desacertadamente se venha a invocar, em sede arbitral, a caducidade, a verdade é que nada foi provado, aliás, prova essa que, por maioria de razão, apenas poderia e haveria que ser feita por documento,

«….E, ao contrário do que alega a Requerente, era seu o ónus de comprovar qual o destino do dinheiro - Cfr art.º 74º, da LGT.

Não cumprindo claramente esse seu ónus probatório e sendo evidente que devem ser incluídas na tributação autónoma não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas, que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afetaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas, a conclusão natural foi considerar tais despesas como “não documentadas” com as consequências tributárias inerentes.» sublinhado e negrito nossos, in decisão arbitral n.º 521/2019

EEEEE. Finalizando e concluindo,

«O conceito de «despesas» utilizado no art.º 88.º, n.º 1, do CIRC, não é definido neste Código e não coincide com o de «gastos», definido no art.º 23.º do CIRC ( que inclui, designadamente, «perdas» e «ajustamentos»), pelo que deverá ser atribuído àquela expressão o alcance que tem na linguagem comum, de saída de dinheiro do património de uma empresa.

(…)

mais recentemente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não faz depender a tributação autónoma baseada em despesas não documentadas da sua relevância como gastos para determinação do lucro tributável, como pode ver-se pelo acórdão do STA de 31-03-2016, processo n.º 0505/15:

O art.º 81.º do CIRC, na redacção vigente à data da tributação definia as diversas taxas que seriam utilizadas para tributação dos tipos de despesas ali enunciadas, sem haver qualquer dispositivo legal que determinasse que essa tributação só ocorreria se estas despesas houvessem sido tidas como custos fiscais da empresa para a determinação do seu lucro tributável.

Admitindo-se que a finalidade da tributação autónoma apontada pela recorrente - reduzir a despesa fiscal evitando a fraude e evasão fiscais - seja um dos elementos considerados pelo legislador no estabelecimento desta regulamentação, essa finalidade não pode permitir, como aquela pretende que a interpretação do normativo em questão seja efectuada de molde a nele inserir um pressuposto legal sem qualquer assento no texto da lei, o que seria manifestamente desconforme com o disposto no art. 9. º do Código Civil.

As despesas em questão são tributadas apenas porque são efectuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos.

Se todas ou parte delas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeitos da determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesa fiscal com a consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC.

Na jurisprudência arbitral já havia sido defendido este entendimento, designadamente no voto de vencido proferido pelo Senhor Professor Doutor Manuel Pires no processo n.º 7/2011-T:

«(. . .) devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas». Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que as despesas não documentadas a que se refere o art.º 88.º, n.º 1, do CIRC reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiárioDecisão arbitral n.º 486/2019 – negrito e sublinhado nossos

FFFFF. Quanto à prova, sempre se diga – e porque mais não se nos afigura dizer, face à inocuidade do que foi apresentado nestes autos pela ora Recorrente, além do por si profusamente alegado, sem que ensaiasse provar fosse o que fosse - “…probare oportet, nec suficit dicere…”:

i. que não se provou que a existência do saldo de caixa referido se deva a erros ou irregularidades contabilísticas.

ii. À AT cabe o ónus da prova da existência de despesas não documentadas.

iii. No caso vertente, a prova está feita pela mera verificação da falta na caixa do valor contabilizado na Conta 11-Caixa.

iv. Não há sequer ensaio de prova pela Requerente da alegação de que o valor contabilizado na Conta 11-Caixa se mostra viciado pelos erros e incorreções que alega existirem, pelo que se tem que entender ser verídico, fazendo prova bastante contra si, o que está na contabilidade, bem como o que decorre da sua prática de retirar fundos de caixa sem documentação nem contabilização.

v. Não tem a AT o ónus de prova de cada concreta despesa, o que, relativamente a despesas não documentadas e não contabilizadas, seria probatio diabolica, postulado que temos por inadmissível.

GGGGG. Ora, concluindo, no caso em apreço não foi apresentado qualquer documento que revele o destino desses meios, pelo que está demonstrada uma situação factual enquadrável no conceito de despesas não documentadas para efeitos da tributação autónoma prevista no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.

HHHHH. Entendendo-se em sentido contrário – o que não se concede - estar-se-á a dar guarida a uma fórmula inatacável de sonegação de receita fiscal (devida) e dos contribuintes se eximirem às suas obrigações e responsabilidades fiscais, i.e., aos que não se eximem apenas subjaz o reflexo de carácter e seriedade de qualquer cidadão cumpridor da Lei num Estado de Direito Democrático.

IIIII. Pelo acima exposto, deve prevalecer a solução jurídica constante da decisão arbitral recorrida que:

(iii) Considerou que “não tem aqui aplicação o regime da fundada dúvida previsto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, pois não foi produzida qualquer prova pela Requerente sobre a realização dos dispêndios em períodos distintos daquele em causa [ano 2018], que permitisse suscitar tal dúvida sobre o momento de efetivação das “despesas não documentadas”; e

(iv) Reputou “ser correta a consideração, pela AT, das “despesas não documentadas” no período de 2018, a que respeita o saldo divergente objeto de contabilização e no qual se constatou, em 17 de dezembro dess ano, por contagem física, a falta de correspondência entre as disponibilidades monetárias e o saldo registado na contabilidade”.

JJJJJ. Nestes termos, deve o presente recurso de uniformização ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a decisão ora recorrida incólume na ordem jurídica, uniformizando-se a jurisprudência em consonância com o entendimento, na melhor aplicação do Direito ali vertido e propugnado pela Recorrida.

Nestes termos, e nos mais de direito, peticiona-se pela
a) improcedência do pedido apresentado pela Recorrente, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no art.º 145.º do CPTA, ou, não se entendendo assim, o que não se concede, deverá
b) ser o presente recurso de uniformização ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a decisão ora recorrida incólume na ordem jurídica, uniformizando-se a jurisprudência em consonância com o entendimento, na melhor aplicação do Direito ali vertido e propugnado pela Recorrida.
c) Mais se requer que, atendendo a que o valor da acção é superior a € 275.000,00, seja a Ré dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento de Custas Processuais, tendo em consideração o valor e a natureza da causa.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não conhecimento do recurso por falta do necessário pressuposto - falta de identidade da questão fundamental de direito.

Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.




2. FUNDAMENTOS

2.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

“…

A. A sociedade A…………., LDA., aqui Requerente, tem por objeto a atividade de comércio por grosso de fruta e produtos hortícolas e está inscrita sob o CAE 46311 - cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT) junto pela Requerente como Documento 4.

B. A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva para controlo declarativo, realizada ao abrigo da Ordem de Serviço OI201901044, ao período de 2018, de âmbito parcial - IRC, tendo em vista a comprovação e verificação / contagem de caixa - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

C. No âmbito do referido procedimento inspetivo e com relevância para a matéria em apreciação nos autos, relativa à tributação autónoma de “despesas não documentadas” em relação ao período 2018, os Serviços de Inspeção procederam, em 17 de dezembro de 2018, à contagem dos valores em caixa da Requerente, nas instalações desta, na presença e com a anuência do sócio-gerente - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

D. Nessa contagem, apurou-se a existência de fundos monetários (em numerário) na importância de € 5.197,65, tendo, à data, o sócio-gerente declarado que não existiam valores em caixa fora das instalações da Requerente e, ainda, que não existia fundo fixo de caixa e que naquele dia [17 de dezembro de 2018] não tinha sido retirado qualquer valor da caixa para pagamento a fornecedores/credores diversos - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

E. Na referida data, a Requerente exibiu aos serviços de inspeção o livro de atas, não constando do mesmo qualquer deliberação de distribuição de lucros ou de pagamento dos mesmos a título de adiantamento - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

F. Por forma a apurar a veracidade dos valores contados em caixa em 17 de Dezembro de 2018, os serviços de inspeção aguardaram o encerramento da contabilidade referente ao ano 2018 e a entrega da correspondente Declaração de Rendimentos Modelo 22 e da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (IES/DA), para o que foi ampliado o prazo do procedimento inspetivo, ao abrigo do artigo 36.º, n.º 3 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (“RCPITA”) - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

G. Da análise dos elementos posteriormente disponibilizados pela Requerente com referência ao ano 2018, constatou-se que, a 31 de dezembro de 2018, o saldo da conta 111 - Caixa apresentado no balancete era de € 221,27, na sequência de regularizações efetuadas de saldos de fornecedores, por contrapartida da conta SNC 111 - Caixa, a crédito, assim como das contas SNC 12101 (CGD), 12103 (Totta), 12104 (BPI) e 12109 (Novo Banco). Foram também regularizadas as contas de clientes e as contas 12109 (Novo Banco), 12111 (Bankinter) e 12113 (Millennium) por contrapartida da conta 111 – Caixa, a débito - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

H. O saldo credor das contas de fornecedores apresentado pela Requerente, em 31 de dezembro de 2018, era de € 62.403,14, tendo os serviços de inspeção verificado que nos pagamentos a fornecedores tinha sido debitada a conta de fornecedores por contrapartida, a crédito, da conta Caixa, não apresentando, porém, os registos contabilísticos n.ºs 1200277 (diário 22) e 1200280 (diário 22) qualquer documento de suporte comprovativo dos pagamentos - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

I. Neste contexto, os serviços de inspeção efetuaram uma circularização aos principais fornecedores da Requerente e solicitaram o extrato de conta corrente do ano 2018 para apurar os documentos pendentes de pagamento à data de 17 de dezembro de 2018, constatando que, apesar de na contabilidade da Requerente várias contas de fornecedores não apresentarem saldo em dívida, ou apresentarem mesmo um saldo inferior, aquela tinha documentos pendentes para pagamento àqueles fornecedores à data de 17 de dezembro de 2018 - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

J. De acordo com os saldos comunicados pelos fornecedores à data da contagem, os serviços de inspeção procederam à correção do saldo de Caixa relativamente aos lançamentos n.ºs 1200277 e 1200280, apurando uma correção total de € 544.103,11, conforme resumido no quadro infra, reportado a 17 de dezembro de 2018 - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4:

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K. No que se refere aos clientes, a Requerente facultou aos serviços de inspeção a listagem de liquidações discriminativa dos recibos emitidos aos clientes no ano de 2018, com base na qual se determinou ter sido recebido por aquela, até 17 de dezembro de 2018, o montante total de € 3.518.909,88 - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

L. Como a Requerente tinha registado o débito de caixa por contrapartida de clientes no valor total de € 3.547.695,74, os serviços de inspeção corrigiram a diferença, na importância de € 28.785,86, para refletir os recebimentos efetivos dos clientes - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

M. Foram ainda corrigidos pelos serviços de inspeção os lançamentos a débito e a crédito do mês de dezembro com data posterior à da contagem efetuada, perfazendo a correção de € 30.330,64, a débito, e de € 72.113,21, a crédito, nos termos do quadro seguinte - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4:

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N. Assim, o saldo contabilístico da conta SNC 111 - Caixa apurado pelos serviços de inspeção com referência a 17 de dezembro de 2018, data da contagem física de Caixa, foi de € 557.321,09, como explicitado no quadro seguinte - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4:

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O. Uma vez que o valor do saldo contabilístico de Caixa da Requerente, a 17 de dezembro de 2018, era de € 557.321,09 (após as referidas retificações efetuadas pela AT), e o valor contado a essa data se cifrou somente em € 5.197,65, constataram os serviços de inspeção uma divergência, por diferença em caixa, de € 552.123,44 - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

P. Pelo que a AT considerou que a diferença de caixa, de € 552.123,44 devia ser tributada autonomamente à taxa de 50%, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC, dada a ausência de justificação para a sua existência e o destino de tal montante, resultando em imposto a pagar de € 276.061,72, o que propôs no projecto de correções - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

Q. A Requerente tem diversos cheques sem provisão, com data de validade entre 2014 e 2015, emitidos pelos clientes …………., Lda. e …………., Lda., no valor total de € 26.439,12, os quais foram devolvidos na compensação do Banco de Portugal em 2014 - cf. Documento 9 junto pela Requerente.

R. O saldo contabilístico da conta Caixa da Requerente em 2016 cifrou-se em € 81.038,00 e em 2017 em € 135.895,95 - cf. Documentos 6 e 7 juntos pela Requerente.

S. Na sequência do procedimento inspetivo em apreço, a Requerente foi notificada do projeto de correções, para exercer o direito de audição, tendo optado por não o fazer, tendo-se o mesmo convolado em definitivo - cf. RIT junto pela Requerente como Documento 4.

T. Subsequentemente, foi a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2020 8310000254, datada de 15 de janeiro de 2020, referente ao período 2018, no valor de € 280.660,21, que contém o valor de € 276.061,72 relativo a tributação autónoma e de € 4.598,50 de juros compensatórios (conforme demonstração da liquidação de juros n.º 202000000010486), com data limite de pagamento de 5 de março de 2020 - cf. Documentos 1 a 3 juntos pela Requerente.

U. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional de IRC (tributação autónoma) e juros, na importância global de € 280.660,21, em 5 de março de 2020 - cf. Documento 10 junto pela Requerente.

V. Em discordância com a liquidação adicional de tributação autónoma (IRC) e juros compensatórios relativa ao período de 2018, supra identificada, a Requerente apresentou no CAAD, em 16 de abril de 2020, o requerimento de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo - cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão, não se provou que a contabilidade enfermava de diversos erros, inexatidões, omissões e atrasos nos lançamentos, ao ponto de não ter qualquer fidedignidade e que as despesas, a terem ocorrido, se teriam verificado, em grande medida, em exercícios anteriores a 2018 (artigos 20.º, 26.º, 27.º, 29.º, 31.º, 35.º, 37.º, 39.º, 49.º e 50.º do ppa).

Também não se provou que os saldos da conta Caixa não correspondiam, em grande parte, a efetivas disponibilidades financeiras, quer em 2018, quer em anos anteriores (artigos 33.º e 48.º do ppa).

A Requerente faz alegações genéricas e levanta hipóteses especulativas, sem, contudo, concretizar um específico erro e/ou irregularidade que na situação vertente se tivesse efetivamente verificado.

Por outro lado, a evidência de cheques sem provisão emitidos pelos clientes da Requerente em 2014 e devolvidos na compensação do Banco de Portugal, também em 2014, quatro anos antes do período de tributação aqui em causa, nada acrescenta sobre a divergência da conta Caixa apurada a 17 de dezembro de 2018.

Não foram identificados outros factos que devam considerar-se não provados.

3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com as regras da experiência (artigo 607.º do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (como sucede, por exemplo, com a força probatória plena dos documentos autênticos, nos termos do disposto no artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Nestes termos, a matéria de facto foi fixada e a convicção dos árbitros formou-se com base nas peças processuais das Partes e na análise crítica dos documentos juntos por estas aos autos, conforme referenciado em relação a cada facto julgado assente.”

Por sua vez, o acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
“(…)
1- A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica à construção de edifícios residenciais e não residenciais.
2- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna, de âmbito parcial (IRC e retenções na fonte de IRS), ao exercício de 2015, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI201801524, que teve por objecto o controlo da situação tributária, devido à inexistência de valores em numerário verificada junto da Requerente no controlo do saldo de caixa.
3- Em 01-01-2015, de acordo com a IES de 2015, a conta 11 - Caixa, apresentava um saldo devedor de €248.043,26.
4- Após ter sido notificada para o efeito, a Requerente apresentou o balancete de Abril de 2015, apresentando nessa altura a conta 11 - Caixa um saldo devedor de €166.182,01.
5- Tal como resulta dos balancetes analíticos, o saldo devedor da conta 11- Caixa era o seguinte:
• 2006 - €16.284,11;
• 2007 - €170.173,30;
• 2008 - 86.128,62;
• 2009 - €43.609,13;
• 2010 - €212.824,30;
• 2011 - €288.824,30;
• 2012 - €271.589,83;
• 2013 - €260.099,56;
• 2014 - €248.043,26.
6- Em 16-09-2015, para controlo do valor existente no saldo da conta “Caixa”, foi levada a cabo a contagem física do numerário existente em caixa, através da deslocação à sede da Requerente.
7- Naquela data não se encontrava qualquer valor em caixa.
8- Nesse contexto, foi referido pelo sócio-gerente da Requerente, que a mesma não dispunha de “caixa física, sob a forma de caixa registadora, cofre ou outra”, dado
que os recebimentos da sociedade são efectuados por transferência bancária ou cheque, os quais são depositados na conta titulada pela Requerente havendo, inclusive, casos ainda que muito pontuais, em que os pagamentos são efectuados em numerário, que também são depositados na referida conta.
9- Na data da contagem física de caixa, a Requerente foi notificada para exibir o balancete mais actual e as folhas de caixa que mediaram a data do solicitado balancete e a data da contagem física de caixa.
10- Posteriormente, foi exibido o balancete de Julho de 2015, apresentando a conta 11 - Caixa um saldo devedor de €31.819,80, tendo ainda sido apresentados elementos justificativos da diminuição daquele saldo.
11- Após análise dos elementos apresentados pela Requerente, os Serviços de Inspecção Tributária consideraram que a Requerente justificou parte da diferença do saldo de caixa, correspondente ao pagamento de salários e à compra de um imóvel.
12- Quanto ao restante, consideraram os Serviços de Inspecção Tributária que o valor de €115.896,73, referente à diferença do saldo de caixa não justificado, tinha a natureza de despesas não documentadas tributadas autonomamente à taxa de 50%.
13- Através do Ofício n.º 018505, de 28-11-2018, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção e para, querendo, exercer direito de audição nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT.
14- A Requerente exerceu o direito de audição, invocando, em síntese, o seguinte:

IMAGEM


15- Através do Ofício n.º 024423, de 27-12-2018, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção.
16- Do relatório de inspecção tributária constava o seguinte:


IMAGEM


17- Em 31-12-2018, a Requerente foi notificada, mediante ofício n.º 24423 de 27-12-2018, expedido sob o registo RF399747528PT do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2018 8310032169, no valor de €57.948,36 e da liquidação de juros compensatórios n.º 2019 00000001501 no valor de €5.963,12.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.”

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2.2. DE DIREITO

2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita à decisão arbitral proferida no processo nº 228/2020-T - que julgou improcedente o pedido pronúncia arbitral deduzido pela mesma relacionado com a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) relativa a tributação autónoma emitida sob o n.º 20208310000254, com referência ao período de 2018, no valor de € 280.660,21 (que inclui a importância de € 4.598,50 de juros compensatórios), e em que se reclamava a anulação da aludida liquidação e a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a quantia a restituir, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, por alegada oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido na decisão arbitral proferida no Proc. nº 88/2019-T (acórdão fundamento).

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. nº 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:

O primeiro e decisivo problema que se impõe aqui tratar - e que preclude o tratamento dos demais, como se verá - é, portanto, o de saber se as duas decisões em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico.
E, já adiantamos, que a resposta é negativa.
A Recorrente identifica, concretamente na Conclusão C), a questão fundamental de direito como a de saber do acerto da imputação das despesas não documentadas (que são presumidas sobre a inexistência de valores monetários reflectidos na Conta 11-Caixa) no ano em que é realizada a conferência do saldo de caixa pela inspecção tributária ou se, ao invés, tal imputação deve ser feita nos exercícios onde essas despesas efectivamente ocorreram por aplicação do princípio da especialização de exercícios, invocando também a identidade substancial da factualidade e da regulamentação jurídica e a oposição das soluções jurídicas.

Pois bem, se numa primeira leitura da realidade em equação nas decisões em apreço, tem de conceder-se que a factualidade é substancialmente idêntica e que a questão essencial sobre que incidiu a sua apreciação teve por objecto a divergência apurada na contagem física da caixa social, à data da inspecção tributária por comparação com o saldo da conta 11 expresso na contabilidade, tendo a AT considerado tal divergência como correspondente a despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 88º do CIRC, importa notar que a decisão arbitral recorrida entendeu dever presumir-se que as despesas não documentadas eram de imputar, integralmente, ao exercício, no caso de 2018, em que se realizou “a conferência da caixa social”, enquanto que a decisão arbitral fundamento considerou que “face às regras do ónus da prova, bem como ao disposto no referido artigo 100.º/1 do CPPT, atenta a fundada dúvida na quantificação do facto tributária operada pela AT, haverá que concluir pela verificação do arguido erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, com a consequente anulação das liquidações de tributação autónoma e juros compensatórios sub judice…”.

Concretizando, diga-se que na decisão arbitral recorrida vem sustentado, a respeito da matéria acima descrita, que:
“…
Como refere a decisão arbitral n.º 235/2020-T numa situação similar, a ausência dos meios financeiros que a conta 11-Caixa evidenciava, conjugada com a não contabilização de qualquer saída, configura, para os efeitos da lei, uma despesa não documentada. Fundamenta este aresto arbitral, com o qual se concorda, nos seguintes moldes:
“À face da experiência comum, é de presumir que os meios financeiros que estão contabilizados na conta 11-Caixa e na conta 21-Clientes deviam estar no património da empresa, pois é essa existência que justifica a contabilização. Por outro lado, se esses meios financeiros não foram encontrados, justifica-se, à face da experiência comum, a presunção de que saíram dele, pois esta é a explicação normal para meios financeiros que deviam estar num património deixarem de estar.
A Requerente aventa que a diferença entre os saldos em causa e a realidade dos meios financeiros existentes no património da empresa poderá dever-se a erros e irregularidades contabilísticas, mas não esboça sequer a respetiva prova, pelo que não há qualquer razão para afastar a presunção natural de aqueles meios financeiros existiam no património da empresa e foi-lhes dado destino desconhecido.
Por outro lado, os valores elevados dos saldos de caixa mantidos e crescendo durante vários anos, atingindo mais de duas centenas de milhar de euros, não são compatíveis, em termos de razoabilidade e normalidade, com meros erros, incorreções ou irregularidades contabilísticas, pelo que a respetiva atribuição a erros e irregularidades não se afigura minimamente credível. De qualquer forma, o ónus da prova dos alegados erros e irregularidades recai sobre a Requerente, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que a falta de prova que permite concluir pela sua existência tinha de ser valorada no procedimento tributário e no presente processo contra a Requerente. De resto, é a Requerente que está em melhor posição probatória, dispondo ou devendo dispor dos elementos
documentais e materiais necessários e suficientes para justificar as saídas de valores da empresa e evitar a incidência de tributação autónoma.
Por isso, há fundamento factual para a conclusão subjacente à liquidação impugnada, de que se está perante «despesas não documentadas», para efeitos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, consubstanciadas por saída de meios financeiros da empresa sem documentos de suporte que permitam concluir pelo destino que lhes foi dado.
Não tem aqui aplicação, quanto à existência do facto tributário gerador da tributação autónoma, o preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, pois apenas é aplicável quando exista «fundada dúvida» e, neste caso, não se vislumbram razões que abalem a presunção de terem ocorrido despesas não documentadas a que conduzem as presunções referidas.
[…]
Acresce que, ao não contabilizar tais despesas – daí, o saldo elevado da conta 11-Caixa – a Requerente torna opacas as saídas de caixa, as quais podem ter tido lugar por mero esvaziamento dos meios monetários gerados pelas prestações de serviços de restauração, como torna opacas as datas em que tal ocorreu.
Também na situação em causa nos autos, a Requerente não demonstrou quaisquer erros no lançamento das suas disponibilidades monetárias a débito na conta 11-Caixa, passíveis de abalar a credibilidade dos correspondentes registos contabilísticos, devendo assumir-se que, conforme por aquela contabilizado, tais valores chegaram a ingressar na sua esfera patrimonial.
Posto isto, os subsequentes dispêndios ocorridos e não registados na contabilidade da Requerente configuram, como já afirmado, “despesas não documentadas”, enquadráveis no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC.

Acresce que não assiste razão à Requerente quando questiona o procedimento adotado pela Requerida para ajustar o saldo da conta Caixa à data da contagem física (nomeadamente por utilização dos saldos veiculados pelos fornecedores reportados a 17 de dezembro de 2018, para corrigir os movimentos de regularização da conta de fornecedores por contrapartida de Caixa à data de 31 de dezembro de 2018). Com efeito, a Requerida, para apurar o saldo de Caixa, teve de partir das declarações fiscais apresentadas pela Requerente, cujos efeitos se reportam a 31 de dezembro desse ano, e retirar as operações e regularizações efetuadas após 17 de dezembro, data a que foi feita a contagem física, para permitir a comparabilidade dos dados (existências físicas versus saldo contabilístico) no mesmo dia.
Defende ainda a Requerente que é à Requerida que, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, cabe o ónus da prova da efetiva ocorrência das despesas, incluindo o montante e momento em que a despesa foi incorrida. No que respeita a esta questão, de novo não se concorda com a posição defendida pela Requerente.
O artigo 74.º n.º 1 da LGT prevê que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Contudo, o disposto no artigo 74.º n.º 1 da LGT, que tem de ser lido em conjugação com a presunção do artigo 75.º da LGT, reflete, no domínio tributário, a regra geral do ónus da prova do artigo 342.º do Código Civil.

No caso concreto, a divergência registada é uma diferença de facto entre o montante efetivamente apurado na contagem física da conta de Caixa da Requerente e o saldo contabilístico da mesma conta, ou seja, a Requerida não põe em causa a credibilidade dos elementos descritos no saldo contabilístico da conta de Caixa da Requerente. Tendo a Requerida constatado esta divergência (de facto) no âmbito do procedimento de inspeção, nos termos do disposto no artigo 342.º n.º 2 do Código Civil (e do artigo 74.º n.º 1 da LGT), cabia à Requerente, quer no âmbito do procedimento de inspeção, quer no dos presentes autos, carrear elementos de prova que justificassem o desvio do saldo da dita conta em face dos efectivos fundos monetários disponíveis, afastando a prova da Requerida, sob pena de não o fazendo soçobrar na sua pretensão.
Pelo exposto, uma vez que a Requerente não apresentou qualquer prova (i) dos elementos essenciais das despesas suportadas, e (ii) de erros no lançamento das suas disponibilidades monetárias a débito na conta 11-Caixa, passíveis de abalar a credibilidade dos correspondentes registos contabilísticos do saldo dessa conta (a mera especulação das possíveis razões da diferença entre o montante efetivamente apurado na contagem física da conta de Caixa e o saldo contabilístico da mesma não constituem qualquer elemento de prova que permita a este Tribunal afastar as conclusões do Relatório de Inspeção), a Requerente fica, naturalmente, sujeita à improcedência do pedido deduzido.
O que vem referido também é válido no que respeita à eventual aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT. Secunda-se aqui a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que a dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, que determina a aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, tem de resultar da prova produzida nos autos pela parte onerada com o ónus da prova (que no caso concreto é a Requerente): “IV - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado (artº 100º, nº 1 do CPPT).” – v. acórdão de 1 de junho de 2011, processo n.º 211/11. Não tendo sido produzida prova pela Requerente que permitisse suscitar a dúvida fundada sobre a existência das “despesas não documentadas”, não tem este tribunal arbitral amparo legal para convocar a estatuição do citado artigo 100.º, n.º 1 do CPPT. …”

Já na decisão arbitral fundamento, foi consignado que:
“(…)
Deste modo, e face ao exposto, não se tem dúvidas que a contabilidade da Requerente, não obstante a sua incorrecção e falta de fidedignidade, evidencia, com consistência suficiente, ao ser conjugada com a constatação de inexistência de qualquer caixa, a ocorrência de despesas não documentadas.
Não obstante, enquanto tributação em sede de IRC, a aplicação da tributação autónoma em questão está sujeita às normas próprias daquele tributo, que não sejam incompatíveis com a sua natureza, designadamente e no que ao caso importa, no que diz respeito às regras relativas à especialização dos exercícios e periodização do lucro tributável, conforme decorre, para além do mais, dos artigos 8.º e 18.º do CIRC, com as necessárias adaptações, derivadas da circunstância de a tributação autónoma em questão, conforme jurisprudência reiterada quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Constitucional, se estar perante um tipo de tributação que tem subjacente um facto tributário instantâneo e de natureza financeira.

(…).

Deste modo, para que uma concreta tributação autónoma do género daquela que ora nos ocupa seja legalmente aplicável, para além da demonstração - feita, no caso, como se viu - da ocorrência de despesas não documentadas, torna-se necessário demonstrar a respectiva quantificação, bem como que as mesmas ocorreram no exercício a que se reporta a correspondente liquidação, ou seja, e no caso, no exercício de 2015.

(…).

No caso, pretendendo a AT aplicar a tributação invocando o disposto no artigo 88.º/1 do CIRC, é àquela Autoridade que assiste o ónus de demonstrar os respectivos factos constitutivos incluindo, no que para o caso interessa, a ocorrência de despesas indocumentadas no exercício de 2015, e o respectivo montante.

(…).

Não obstante, não é possível, julga-se, extrair de tais movimentos contabilísticos o momento em que as despesas indiciadas ocorreram, sendo que, à míngua destes elementos, não é possível concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que, e em que dias, naquele exercício de 2015, hajam ocorrido despesas correspondentes ao valor assumido pela AT como base para a liquidação de tributações autónomas, ora em crise.

Assim, e desde logo, como se apontou já e é consensual, não se poderá deixar de ter presente que as tributações autónomas têm subjacente factos tributários de natureza instantânea.

Daí não decorre, necessariamente, que para aplicar aquele tipo de tributação a AT tenha, forçosamente, de demonstrar a sua ocorrência num determinado dia - o que de resto poderá ser extremamente difícil, atenta a necessária ausência de documentação - mas não poderá prescindir da demonstração, para lá de qualquer dúvida razoável, da sua ocorrência, no montante considerado, dentro de um período temporal definido, que se situe dentro do exercício económico a que se reporta a liquidação operada.

Ora, no caso, isso não acontece.

Com efeito, a AT situa a ocorrência das despesas que sujeitou a tributação autónoma, no valor que considerou, entre 30 de Abril de 2015 e 16 de Setembro de 2015.

Todavia, tal entendimento, funda-se na existência, naquela primeira data, do valor contabilizado pela Requerente na Conta 11 - Caixa, corrigido pelos elementos reportados a 31-07-2015, apresentados pela Requerente e aceites pela AT.

Dito de outro modo, e essencialmente, funda-se a correcção ora em crise na credibilidade da contabilidade da Requerente, no que diz às inscrições na Conta 11 - Caixa, a 30-04-2015.

Ora, essa credibilidade está, no presente caso, infirmada, desde logo pelo próprio RIT. Efectivamente, o que se verifica é que o conteúdo da Conta 11 - Caixa, não tinha a mínima correspondência com a realidade a 16-09-2015, e que não tinha, igualmente, mesmo face aos elementos contabilizados pela Requerente e aceites pela AT, correspondência com a realidade a 31-07-2015.

De resto, não se compreende a limitação da aferição da veracidade das inscrições contabilísticas na Conta 11 - Caixa da Requerente, ao período entre 30-04-2015 e 31-07-2015, quando a AT poderia, seguindo o mesmo modus operandi, fazer tal aferição a partir de anos anteriores.

Por outro lado, a evolução dos saldos da Conta 11 - Caixa da Requerente, de que dá conta o facto provado sob o ponto 5 da matéria de facto, indicia igualmente a falta de credibilidade de tais inscrições, dada a anormalidade da evolução dos saldos inscritos.

Deste modo, não é possível, julga-se, para lá de qualquer dúvida razoável, ter como assente que as despesas não documentadas incorridas pela Requerente, e consideradas pela AT, tenham ocorrido entre 30-04-2015 e 16-09-2015, uma vez que, como se escreveu no já citado Acórdão arbitral proferido no processo 287/2017-T, “essa conclusão só poderia basear-se numa presunção de correspondência da contabilidade à realidade que, neste caso, foi ilidida”.

Não se acolhe, assim, o alegado pela Requerida, segundo a qual “O ónus de prova de que o dinheiro já lá não constava anteriormente, conforme foi alegado pela Requerente, incidia precisamente sobre si, o que não preencheu.”.

Tal alegação só seria de acolher se a AT tivesse reunido indícios suficientes de que em 30-04-2015 o montante considerado pela AT estava na disponibilidade da Requerente. Ora, esses indícios consistem, unicamente, em elementos da contabilidade da Requerente, que não apresentam qualquer credibilidade, não sendo lícito à AT, sem justificação, considerar até determinado período, arbitrariamente fixado, fiável a contabilidade da Requerente, e não fiável, a partir de outro.

(…)

Assim, e face às regras do ónus da prova, bem como ao disposto no referido artigo 100.º/1 do CPPT, atenta a fundada dúvida na quantificação do facto tributário operada pela AT, haverá que concluir pela verificação do arguido erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, com a consequente anulação das liquidações de tributação autónoma e juros compensatórios sub iudice. …”

Com este pano de fundo, resulta claro que a divergência que emerge das duas decisões apontadas nos autos está relacionada com a aplicação do art. 100º nº 1 do CPPT, pois que a decisão recorrida rejeitou a aplicação de tal normativo, ao contrário do que sucedeu com a decisão fundamento.

Portanto, como já ficou dito no Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 26-05-2021, Proc. nº 134-20.5BALSB, www.dgsi.pt “… na perspetiva oposta, o que ocorre de semelhante é, apenas, o tratamento jurídico de ambas as situações convergir na questão, abstrata, teórica, da aplicação do regime decorrente do art. 88.º n.º 1 do CIRC, mas, casuisticamente, concretizada com contributos jurídicos distintos, mediante a operação de diferentes institutos de direito, destacadamente, de direito probatório, circunstância que justifica, só por si, a existência de decisões finais com sentidos contrários.

Identificada esta falta de identidade da questão fundamental de direito, temos, sem mais, de concluir pela não verificação da primeira condição/requisito, para que este recurso possa prosseguir os demais termos. …”.

Assim, e como já se adiantou, tem de ser negativa a resposta à questão de saber se as duas decisões arbitrais em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico, pelo que, não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do recurso.




3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a € 275.000, ponderados o desempenho processual das partes e a menor complexidade deste recurso, tendo ainda presente que o respectivo conhecimento ficou a montante, no sentido de que não passou da análise dos requisitos de admissibilidade do recurso.

Notifique-se. D.N..

Comunique ao CAAD.




Lisboa, 22 de Setembro de 2021

Pedro Vergueiro (Relator)

O Relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento - os Senhores Conselheiros Isabel Marques da Silva - Francisco Rothes - Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Condesso - Nuno Bastos - Aníbal Ferraz - Gustavo Lopes Courinha - Paula Cadilhe Ribeiro - Anabela Russo.

Pedro Nuno Pinto Vergueiro