Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01602/15
Data do Acordão:07/06/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
JUBILAÇÃO
APOSENTAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DIREITO AO TRABALHO
Sumário:I - A Magistrada do Ministério Público [MP] que, no ano de 2015, se aposentou por ter atingido o limite de idade, contando apenas 37 anos, 04 meses e 26 dias de tempo de serviço, não reúne o requisito relativo ao tempo de serviço mínimo exigido no anexo II a que se refere o n.º 1 do art. 148.º do Estatuto do MP [na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12.04], e que, para aquele ano, era de 38 anos e 06 meses.
II - Tal quadro normativo, definidor do regime da jubilação dos magistrados do MP, não infringe os princípios constitucionalmente consagrados da proteção da confiança [cfr. arts. 02.º e 18.º, da CRP] e da igualdade [cfr. arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. a), da CRP] e, bem assim, o direito ao trabalho [cfr. art. 58.º, n.º 1, da CRP].
Nº Convencional:JSTA00070280
Nº do Documento:SAP2017070601602
Data de Entrada:01/11/2017
Recorrente:A...............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA DE 2016/10/27
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - ESTATUÁRIO.
Legislação Nacional:CONST05 ART2 ART13 ART18 ART29 N1 N3 N4 ART59 N1 A ART103 N3.
EMP98 ART148 N1.
EMJ85 ART67.
EA72 ART43.
L 35/14 DE 2014/06/20 ART292.
L 9/11 DE 2011/04/12.
L 60/05 DE 2005/12/29.
L 74/98 DE 1998/11/11.
L 60/98 DE 1998/08/27.
DL 229/05 DE 2005/12/29 ART1 N2 D.
Jurisprudência Nacional:AC TC N195/17 DE 2017/04/26.; AC TC N847/14 DE 2014/12/31.; AC TC N572/14 DE 2014/07/30.; AC TC N862/13 DE 2013/12/19.; AC TC N188/09 DE 2009/04/22.; AC TC N128/09 DE 2009/03/12.; AC TC N229/08 DE 2008/04/21.; AC TC N222/08 DE 2008/04/17.; AC TC N302/06 DE 2006/05/09.; AC TC N99/04 DE 2004/02/11.; AC TC N99/99 DE 1999/02/10.; AC TC N486/97 DE 1997/07/02.; AC TC N232/91 DE 1991/05/23.; AC TC N287/90 DE 1990/10/30.; AC STAPLENO PROC0415/16 DE 2017/03/30.; AC STAPLENO PROC0874/11 DE 2013/02/21.; AC STA PROC01692/13 DE 2014/05/22.; AC STA PROC0819/16 DE 2017/05/11.
Referência a Doutrina:GOMES CANOTILHO - DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO 7ED PAG259-261.
VIEIRA DE ANDRADE - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976 3ED PAG408-409.
REIS NOVAIS - O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E OS DIREITOS SOCIAIS - O DIREITO À SEGURANÇA SOCIAL IN JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONAL N6 PAG10.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. A…………., devidamente identificada nos autos, intentou no Supremo Tribunal Administrativo ação administrativa especial contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [doravante «CSMP»], peticionando que, pela motivação aduzida na petição inicial [i) violação de lei, por infração ao disposto no art. 148.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público (inserto na Lei n.º 47/86, de 15.10, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12.04) e seu Anexo II - «EMP»; e, ii) violação de lei, por infração dos princípios da proteção da confiança (arts. 02.º e 18.º, ambos da CRP), da igualdade (arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. a) da CRP), e do direito ao trabalho (art. 58.º da CRP)], fosse “anulado o ato administrativo impugnado consubstanciado no Acórdão do Plenário do CSMP, de 14.07.2015, bem como todos os atos subsequentes praticados em cumprimento daquele” e condenado aquele “a praticar o ato que consiste na emissão de novo Acórdão que reconheça à Autora o direito à jubilação e disso informe, em consequência, a CGA, para que esta entidade proceda ao cálculo e fixação à Autora da respetiva pensão de jubilação”.

1.2. Pelo acórdão da 1.ª Secção deste STA, datado de 27.10.2016, foi julgada a pretensão deduzida nesta ação totalmente improcedente e o R. absolvido dos pedidos [cfr. fls. 152 e segs.].

1.3. Inconformada, a A. e ora recorrente, dele veio interpor o presente recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, oferecendo alegações que culminaram com o seguinte quadro conclusivo, que se reproduz [cfr. fls. 173 e segs. e fls. 269 e segs. na sequência de convite nos termos de despacho de fls. 265/266]:

I. Vem o presente recurso jurisdicional interposto do Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.10.2016, que julgou improcedente a ação administrativa especial de impugnação do Acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 14.07.2015, o qual, indeferindo a reclamação apresentada do Acórdão da Secção Permanente de 22.04.2015, defende que a Autora, ora Recorrente não reúne os requisitos para a jubilação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 148.º do Estatuto do Ministério Público («EMP»), na redação introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12.04.
II. A decisão ora recorrida não procede a uma correta apreciação dos vícios imputados ao ato impugnado, devendo, consequentemente, ser revogada. Vejamos.
III. A Recorrente é magistrada do Ministério Público com a categoria de Procuradora-Geral Adjunta, tendo requerido, em 16.09.2014, a aposentação/jubilação, com efeitos a 08.01.2015, encontrando-se, nessa data, a exercer funções junto da Procuradoria-Geral Distrital de ………..
IV. Os magistrados do Ministério Público gozam de um estatuto próprio, constitucionalmente reconhecido e aprovado por Lei da Assembleia da República (cfr. n.º 2 do artigo 219.º e alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa): EMP, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15.10 (sucessivamente alterada).
V. Os artigos 145.º a 150.º do EMP determinam que os magistrados do Ministério Público se aposentam quer voluntariamente quer obrigatoriamente - por incapacidade, por limite de idade ou em consequência de sanção disciplinar.
VI. O Capítulo V da Parte II do EMP, que integra tais artigos, foi alterado pela Lei n.º 9/2011, de 12.04, a qual veio proceder à alteração do EMP em matéria de aposentação, reforma e jubilação, tendo alterado, em consequência, diversas disposições do EMP, entre as quais o supra referido artigo 148.º EMP.
VII. Através da alteração da redação do artigo 148.º, operada pela Lei n.º 9/2011, os magistrados do Ministério Público deixaram de beneficiar do instituto da jubilação ao atingir a idade máxima para o exercício de funções, passando, então, a beneficiar deste instituto apenas quando tenham a idade e o tempo de serviço previstos no anexo I do EMP e contem, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos 5 tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu o pedido de jubilação.
VIII. Em 2015, os pressupostos relevantes para o regime da jubilação eram 62 anos e 6 meses de idade mínima e 38 anos e 6 meses de serviço.
IX. Quando requereu a aposentação/jubilação, com efeitos a 08.01.2015, data em que atingiria 70 anos de idade, a Recorrente tinha 37 anos, 4 meses e 26 dias de tempo de serviço, e não os 38 anos e 6 meses exigidos para o ano de 2015.
X. A idade máxima para o exercício de funções no âmbito do setor público é de 70 anos, nos termos do n.º 1 do artigo 292.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas («LGTFP»), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20.06.
XI. O que está assim em causa, no caso sub judice, é a própria possibilidade de a Recorrente poder ver reconhecido um direito que, em abstrato, assiste a todos os magistrados do Ministério Público (portanto, à Recorrente) - o direito a jubilar-se.
XII. Desde a entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, e face a uma análise efetuada exclusivamente à luz dos pressupostos da aposentação/jubilação, plasmados nos preceitos do EMP acima mencionados, o direito à jubilação - o qual, desde a entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, assiste à Recorrente, apenas e tão-só em termos teóricos.
XIII. A alteração do regime da jubilação, operada pela Lei n.º 9/2011, através da qual os magistrados do Ministério Público deixaram de beneficiar do instituto da jubilação ao atingir a idade máxima para o exercício de funções, configura uma clara violação das expectativas dos Magistrados do Ministério Público, violadora do princípio da proteção da confiança, princípio basilar do Estado de Direito, tal como configurado pelo artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»).
XIV. Aquando do ingresso da Recorrente na Magistratura, o regime vigente estatuía que a jubilação era automática para os magistrados do Ministério Público que atingissem 70 anos de idade, idade máxima do exercício de funções, independentemente de outros requisitos, como o tempo de serviço.
XV. Por força da alteração ao EMP resultante da Lei n.º 9/2011, os magistrados do Ministério Público deixaram de beneficiar do instituto da jubilação ao atingir a idade máxima para o exercício de funções, mas a referida alteração não acautelou a situação daqueles magistrados que, como a Recorrente, em face do limite de idade de 70 anos - o qual não tem aumento possível - se viram automaticamente impossibilitados de atingir tais requisitos e, por conseguinte, ficaram impedidos de aceder à jubilação.
XVI. Ou seja, mesmo que a Recorrente, por forma a obter o estatuto de jubilada, pretendesse continuar a exercer funções (por mais cerca de 1 ano e 2 meses) até perfazer o período de exercício mínimo exigido para o efeito em 2015 (isto é, 38 anos e 6 meses de serviço), nunca o poderia fazer por força da sua idade.
XVII. A alteração supra referida viola o princípio da proteção da confiança, uma vez que afeta desfavoravelmente o direito adquirido e a sua legítima expectativa dos magistrados do Ministério Público se jubilarem ao atingirem o limite máximo de idade legalmente estabelecido.
XVIII. Acresce que para além da evidente violação do princípio da proteção da confiança, em virtude da alteração do artigo 148.º do EMP, por força da qual deixaram de se considerar automaticamente jubilados os magistrados do Ministério Público que se aposentassem por limite de idade, o ato impugnado traduz também uma clara violação do princípio da igualdade.
XIX. Os magistrados do Ministério Público que completaram 70 anos de idade antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2011 puderam jubilar-se, beneficiando da pensão de jubilação calculada nos termos do n.º 4 do artigo 148.º do EMP, ao contrário dos magistrados que, tendo atingido os 70 anos depois daquela alteração, apenas podem beneficiar do estatuto da jubilação nos casos previstos no artigo 148.º EMP.
XX. Ora, um tratamento desigual do que é essencialmente idêntico, desprovido de qualquer justificação racional, plausível ou aceitável traduz-se numa violação do princípio da igualdade, na vertente material, e do princípio «trabalho igual, salário igual», ambos constitucionalmente consagrados nos artigos 13.º e na alínea a), n.º 1 do artigo 59.º da CRP, respetivamente.
XXI. Mas também por manifesta violação do direito ao trabalho, constante do artigo 58.º da CRP, o ato impugnado é inconstitucional, na medida em que a Recorrente, até por força do disposto na LGTFP, encontra-se impedida de continuar a trabalhar após completar 70 anos (ainda que o quisesse), restrição esta, todavia, não aplicável aos trabalhadores do setor privado, como evidenciado pelo próprio Governo através na Resolução da Assembleia da República n.º 217/2016.
XXII. As modificações operadas pela Lei n.º 9/2011 estão, assim, além da mera alteração legislativa (ou agravamento dos requisitos), antes tendo eliminado em definitivo um direito (direito à jubilação) que até então existia - como o próprio CSMP, ora recorrido, reconhece na sua contestação - afigurando-se de constitucionalidade duvidosa.
XXIII. Logo, a interpretação normativa feita pelo CSMP, ora Recorrido, no ato impugnado nos presentes autos, e acolhido pelo Acórdão de que ora se recorre, das disposições do n.º 1 do artigo 148.º e do Anexo I do EMP, no sentido de os magistrados do Ministério Público deixarem de beneficiar do instituto da jubilação ao atingir a idade máxima para o exercício de funções, assim afastando o direito à jubilação de todos aqueles magistrados que por estarem já, à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, perto de atingir os 70 anos, se viram impossibilitados de poder atingir o tempo de serviço mínimo exigido no artigo 148.º e no Anexo I ambos do EMP, afigura-se manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da proteção da confiança, da igualdade e do direito ao trabalho, o que se argui com todas as legais consequências …”.

1.4. Devidamente notificado o «CSMP», aqui recorrido, veio produzir contra-alegações, formulando o seguinte quadro conclusivo [cfr. fls. 236 e segs.]:

A. O douto acórdão recorrido, ao julgar a ação improcedente, fez correta apreciação interpretação e aplicação do direito, e não incorreu no erro de julgamento que a Recorrente lhe atribui;
B. Tal como se julgou no douto acórdão recorrido, o ato impugnado, ao decidir que a Recorrente não reúne as condições para ser jubilada que se exigem no artigo 148.º, n.º 1 do EMP, não incorreu em nenhum dos vícios que a Recorrente lhe aponta;
C. E essa norma estatutária não é inconstitucional por nenhuma das razões que a Recorrente invoca, conforme se decidiu no douto acórdão recorrido;
D. Tal decisão está devidamente fundamentada, com apreciação especificada de cada uma das inconstitucionalidades invocadas pela recorrente e explicação das razões por que não se considerava a norma em crise inconstitucional, em conformidade com enunciadas posições da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre essas questões de constitucionalidade;
E. Na verdade, os magistrados do Ministério Público gozam de um estatuto próprio, que nos artigos 145.º a 150.º do EMP estabelece as regras especiais inerentes à sua aposentação, incluindo o regime da jubilação, de que se ocupa o artigo 148.º;
F. Nos termos do n.º 1 desse artigo l48.º do EMP, na sua redação atual, introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, que já vigorava quanto a Recorrente requereu a aposentação/jubilação, só teria direito à jubilação se tivesse a idade e o tempo de serviço previstos no anexo II do EMP e desde que contasse, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos 5 tivessem sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação;
G. E o anexo II do EMP estabelece um regime transitório de idade e tempo de serviço, segundo o qual para o ano de 2015 se exige «62 anos e 6 meses de idade e 38 anos e 6 meses de serviço»;
H. A Recorrente tem a idade e o tempo de serviço específico na magistratura, mas não tem o tempo de serviço global (38 anos e 6 meses), pois conta apenas 37 anos, 4 meses e 26 dias de tempo de serviço;
I. E foi essa a razão por que o CSMP, através do ato impugnado, emitiu parecer no sentido de que a Recorrente não reúne condições para ser jubilada ao abrigo do disposto no artigo 148.º n.º 1 do EMP, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12 de abril;
J. Pelo que o ato impugnado, praticado em correta aplicação da norma do artigo 148.º n.º 1 do EMP, não enferma do vício de «erro de direito equivalente a violação de lei» que a Recorrente lhe atribui;
K. Por outro lado, também não se vê que possa ter acolhimento a alegação da Recorrente sobre pretensa inconstitucionalidade da alteração introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, ao artigo 148.º n.º 1 do EMP por alegada violação dos princípios da confiança (artigo 2.º da CRP) e da igualdade (artigo 13.º da CRP);
L. Com efeito, a Recorrente alega que foram violados os princípios da confiança e da igualdade, mas os seus argumentos não convencem, à luz do entendimento que, a propósito, vem sendo seguido pela jurisprudência, maxime pela do Tribunal Constitucional;
M. Desde logo relativamente à alegada violação do princípio da confiança, os estatutos profissionais e da reforma ou aposentação também não têm um caráter de tal modo imutável que não comportem alterações ao longo de uma carreira profissional, e nem todas têm que ser favoráveis aos trabalhadores, existindo margem para alterações desfavoráveis;
N. E assim, os pressupostos da aposentação e da jubilação têm vindo a sofrer alterações substanciais, mormente quanto aos requisitos de idade e tempo de serviço necessários, que têm vindo a ser aumentados, do que é exemplo a alteração da norma do artigo 148.º n.º 1 do EMP, que estava em vigor há cerca de quatro anos, à data em que a Recorrente teria que aposentar-se, por atingir o limite de idade;
O. Já quanto à alegada violação do princípio da igualdade também esbarra com o facto de a alteração legislativa em questão ser dirigida a todos os magistrados em exercício de funções, não nos parecendo que esse princípio opere no confronto entre lei revogada e lei revogante;
P. A sucessão de leis no tempo, e concretamente a existência passada ou futura de regimes mais favoráveis, não acarretam ofensa do princípio da igualdade, pela circunstância de originarem regimes diversos, decorrentes dessa sucessão temporal de leis, conforme tem sido sistematicamente sustentado pelo Tribunal Constitucional;
Q. Por último, no que respeita à alegada violação do direito ao trabalho, a garantia constitucional desse direito apenas significa que o Estado deve criar e manter condições para que os cidadãos gozem de efetiva possibilidade de trabalhar e exercer uma atividade profissional, o que em nada contende com o direito do legislador estabelecer limites máximos de idade para exercer funções públicas;
R. Portanto, o ato impugnado fez correta interpretação e aplicação da lei vigente (artigo 148.º n.º 1 do EMP), cuja inconstitucionalidade até à data não foi declarada nem tão pouco se tem como certa, pelo que tal ato não enferma de qualquer erro ou vício de ilegalidade.
S. Logo, no quadro legal vigente, o ato impugnado tem de ser considerado válido e mantido na ordem jurídica, como o foi no douto acórdão recorrido, que ao julgar a ação improcedente não incorreu nos erros que a Recorrente lhe atribui, antes fazendo correta interpretação e aplicação do direito, pelo que não é merecedor de qualquer censura, devendo ser integralmente mantido …”.

1.5. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.



2. DAS QUESTÕES A DECIDIR

A Recorrente impugna a decisão judicial recorrida assacando-lhe, em suma, erros de julgamento, por incorreta interpretação das normas ínsitas nos arts. 148.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público [abreviadamente «EMP» - Lei n.º 60/98, de 27.08, sucessivamente alterada e na redação dada pela Lei n.º 9/2011, de 12.04], e 02.º, 13.º, 18.º, 58.º e 59.º, n.º 1, al. a), todos da CRP [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. DE FACTO

Resulta como assente da decisão judicial impugnada:

I) A A. é magistrada do Ministério Público com a categoria de Procuradora-Geral Adjunta, tendo requerido, em 16.09.2014, a aposentação/jubilação com efeitos a 08.01.2015, data em que atingia 70 anos de idade, tendo, nessa altura, 37 anos, 4 meses e 26 dias de tempo de serviço - cfr. Nota Biográfica junta como doc. n.º 01 (a fls. 18 a 27 dos autos) e doc. n.º 02, a fls. 28 e 29.
II) À data em que formulou o referido pedido de aposentação/jubilação encontrava-se a exercer funções junto da Procuradoria-Geral Distrital de …………..
III) Em 27.01.2015, a A. foi notificada do ofício da Caixa Geral de Aposentações [«CGA»], com a referência EAC 232BF635598/00, datado de 21.01.2015, através do qual foi informada do reconhecimento do seu direito de aposentação e não à aposentação/jubilação, considerando-se a situação da A. existente em 08.01.2015, sendo-lhe fixada a pensão para o ano de 2015 no valor de 4.784,26 € - cfr. doc. n.º 02 (a fls. 28 e 29 dos autos).
IV) Em 05.06.2015, a A. foi notificada do acórdão da Secção Permanente do «CSMP», de 22.04.2015, que deliberou prestar ao Diretor-Geral da Administração da Justiça e à «CGA» a informação segundo a qual: “[…] não reúne a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, Lic.ª A………….. condições para, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 148.º do EMP, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, ser considerada jubilada- cfr. doc. n.º 04 (a fls. 39 a 43 dos autos).
V) Com a notificação do referido acórdão, a A. foi, igualmente, notificada do ofício da «CGA», de 04.05.2015, com a referência 232BF635598/00, o qual procedeu ao recálculo da pensão da A., tendo fixado o montante da pensão para o ano de 2015 no valor de 4.784,26 € - cfr. doc. n.º 05 (a de fls. 44 e 45 dos autos).
VI) A A. apresentou reclamação do acórdão da Secção Permanente do «CSMP», em 29.06.2015, para o Plenário do «CSMP», que, por acórdão de 14.07.2015, indeferiu a reclamação apresentada, tendo mantido o acórdão daquela Secção - cfr. doc. n.º 07 (a fls. 55 a 70).
VII) Tendo a A. requerido a notificação deste acórdão aos seus mandatários, estes foram notificados em 27.10.2015 - cfr. docs. n.ºs 08 e 09 (a fls. 71/73 e 74/89, respetivamente).

*


3.2. DE DIREITO

Assente que se mostra o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões atrás elencadas enquanto fundamentos recursivos.

I. Afirmou-se e conclui-se no acórdão recorrido de que o ato impugnado não padecia das ilegalidades que lhe foram acometidas pela A. e, como tal, não lhe assistia o direito à prática do ato devido de que se arroga ser titular, porquanto, por um lado, considerada a realidade factual apurada e o que deriva do quadro normativo inserto no art. 148.º do «EMP» em conjugação com o anexo II ao mesmo [na redação introduzida pela Lei n.º 9/2011 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Estatuto sem expressa indicação em contrário], a A. não reunia aquilo que, à data do pedido que a mesma formulou, eram os requisitos legais exigidos aos magistrados do MP para a obterem o estatuto da jubilação, e, por outro lado, tal regime estatutário não enferma de inconstitucionalidade por atentatório dos princípios da proteção da confiança [arts. 02.º e 18.º da CRP], da igualdade [arts. 13.º e 59.º. n.º 1, al. a), da CRP] e do direito ao trabalho [art. 58.º da CRP].

II. Em sede de alegações a aqui Recorrente veio, reiterando aquilo que constitui a sua pretensão impugnatória/condenatória e em frontal discordância com o juízo de improcedência firmado no acórdão recorrido, assacar a este erros de julgamento dado, segundo sustenta, em face das ilegalidades por si invocadas deveria ter sido anulado o ato impugnado e condenado o R. a emitir ato reconhecendo-lhe o direito à jubilação com as decorrentes consequências.
Analisemos.

III. Não se mostra posto em causa que a A. em 08.01.2015, data em que atingiu o limite de idade, contava 37 anos, 4 meses e 26 dias de tempo de serviço, dos quais 34 anos, 4 meses e 17 dias foram-no ininterruptamente como magistrada do MP.

IV. Temos, ainda, que àquela data a jubilação da A., enquanto magistrada do MP, estava dependente, nos termos do art. 148.º, n.º 1, do «EMP» em conjugação com o anexo II àquele Estatuto, da verificação cumulativa dos requisitos taxativos da idade e do tempo de serviço [àquela data, respetivamente, de 62 anos e 6 meses e de 38 anos e 6 meses], sendo que, quanto a este, a mesma teria de ter perfeito pelo menos 25 anos de serviço como magistrada, dos quais os últimos 5 prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação.

V. Analisada a factualidade apurada [cfr., nomeadamente, n.ºs I), II), IV) e VI)] e presente o que deriva do citado quadro normativo dúvidas não se colocam do acerto do acórdão recorrido quanto ao juízo de improcedência da pretensa ilegalidade da deliberação impugnada por violação do art. 148.º, n.º 1, do «EMP» e anexo II ao mesmo, porquanto manifestamente a A. não cumpre ou não preenche os requisitos cumulativos legalmente exigidos para a sua jubilação, no caso, verificado o da idade falha, todavia, o do tempo de serviço, ou seja, o de 38 anos e seis meses, por apenas ter perfeito 37 anos, 4 meses e 26 dias de serviço, e apesar de reunir o necessário tempo de serviço, com carácter ininterrupto, como magistrada do MP.

VI. Aliás, tal como este Supremo já afirmou no seu acórdão de 22.05.2014 [Proc. n.º 01692/13 consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário], em interpretação e aplicação do art. 67.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais [«EMJ»], preceito este similar ou que tem como seu paralelo no «EMP» o citado art. 148.º, “a partir da vigência da nova redação trazida pela Lei n.º 9/2011, de 12/4, ao art. 67.º do EMJ (e, «maxime», ao seu n.º 1) - vigência essa iniciada em 17/4/2011 («ex vi» do art. 2.º, n.º 2, da Lei n.º 74/98, de 11/11) - os requisitos de idade e de tempo de serviço indispensáveis à aquisição do estatuto de jubilado passaram a ser taxativos e incontornáveis, constando do anexo II constante da Lei n.º 9/2011 e por ela aditado ao EMJ”, que o “requisito da idade para se obter a jubilação passou a ser, com a emergência da Lei n.º 9/2011, uma matéria expressamente regulada no EMJ”, e que os “requisitos de idade para a jubilação são imperativos, não admitindo quaisquer jubilações antecipadas relativamente à idade legal”, razão pela qual “não tem razão quando acusa o aresto «sub specie» de não ter reconhecido a violação de tais normas pelo ato de indeferimento”.

VII. E mais recentemente, no acórdão de 11.05.2017 [Proc. n.º 0819/16] afirmou-se, referindo-se ao art. 148.º, n.º 1, do «EMP», que “[e]ste último preceito indica, de um modo taxativo, quem pode jubilar-se”, sendo que os requisitos nele previstos apresentam-se como incontornáveis para a “obtenção do «status» de jubilado” [sublinhado nosso].

VIII. Reclama, por outro lado, a A., ora recorrente, a existência de erro de julgamento do acórdão recorrido no segmento em que no mesmo se improcedeu o fundamento de ilegalidade da deliberação do «CSMP» impugnada visto assente numa interpretação e aplicação do art. 148.º do «EMP» em violação do princípio constitucional da proteção da confiança [cfr. arts. 02.º e 18.º da CRP] normativo esse que, assim, enferma de inconstitucionalidade.

IX. Argumenta para tanto que a alteração do regime da jubilação, operada pela Lei n.º 9/2011, através da qual os magistrados do MP deixaram de beneficiar do instituto da jubilação ao atingirem a idade máxima para o exercício de funções, configura uma clara violação das expectativas daqueles magistrados, mormente da A., violadora do princípio da proteção da confiança, já que aquando do ingresso da mesma naquela Magistratura o regime da jubilação então vigente estatuía que ela era automática para os magistrados do MP que atingissem 70 anos de idade, idade máxima do exercício de funções, independentemente de outros requisitos, como o tempo de serviço, sendo que a alteração ao «EMP» resultante daquela lei não acautelou a situação dos magistrados que, como a A., em face do limite de idade de 70 anos, se viram automaticamente impossibilitados de atingir tais requisitos e, por conseguinte, ficaram impedidos de aceder à jubilação.

X. Resultava do n.º 1 do art. 148.º do «EMP» na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60/98, de 27.08 [correspondente ao anterior art. 123.º, n.º 1, da Lei n.º 47/86, de 15.10 - cfr. art. 01.º da referida Lei n.º 60/98] que “[o]s magistrados do Ministério Público que se aposentem por limite de idade, incapacidade ou nos termos do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação, excluída a aplicação de pena disciplinar, são considerados jubilados

XI. Por força do disposto no art. 04.º da Lei n.º 9/20011, tal preceito passou-se a prever que “[c]onsideram-se jubilados os magistrados do Ministério Público que se aposentem ou reformem, por motivos não disciplinares, com a idade e o tempo de serviço previstos no anexo II da presente lei e desde que contem, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos 5 tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação, exceto se o período de interrupção for motivado por razões de saúde ou se decorrer do exercício de funções públicas emergentes de comissão de serviço”, derivando do aludido anexo II [«a que se refere o n.º 1 do artigo 148.º»] que: “[a] partir de 1 de janeiro de 2011 - 60 anos e 6 meses de idade e 36 anos e 6 meses de serviço (36,5). (…) A partir de 1 de janeiro de 2012 - 61 anos de idade e 37 anos de serviço (37). (…) A partir de 1 de janeiro de 2013 - 61 anos e 6 meses de idade e 37 anos e 6 meses de serviço (37,5). (…) A partir de 1 de janeiro de 2014 - 62 anos de idade e 38 anos de serviço (38). (…) A partir de 1 de janeiro de 2015 - 62 anos e 6 meses de idade e 38 anos e 6 meses de serviço (38,5). (…) A partir de 1 de janeiro de 2016 - 63 anos de idade e 39 anos de serviço (39). (…) A partir de 1 de janeiro de 2017 - 63 anos e 6 meses de idade e 39 anos e 6 meses de serviço (39,5). (…) A partir de 1 de janeiro de 2018 - 64 anos de idade e 40 anos de serviço (40). (…) A partir de 1 de janeiro de 2019 - 64 anos e 6 meses de idade e 40 anos de serviço (40). (…) 2020 e seguintes - 65 anos de idade e 40 anos de serviço (40)” [sublinhado/evidenciado nosso].

XII. E, sem qualquer normativo específico em termos de vacatio legis, estipulou-se no art. 07.º da mesma Lei, respeitante ao “regime transitório relativo à jubilação”, que “[o]s magistrados judiciais ou do Ministério Público subscritores da Caixa Geral de Aposentações que até 31 de dezembro de 2010 contem, pelo menos, 36 anos de serviço e 60 de idade podem aposentar-se ou jubilar-se de acordo com o regime legal que lhes seria aplicável naquela data, nomeadamente levando-se em conta no cálculo da pensão a remuneração do cargo vigente em 31 de dezembro de 2010 independentemente do momento em que o requeiram” [n.º 1], sendo que “[o]s magistrados judiciais ou do Ministério Público com a jubilação suspensa devem, no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor da presente lei, optar pela mesma ou pela aposentação” [n.º 2].

XIII. Com o novo regime de jubilação dos magistrados do MP previsto no art. 148.º do «EMP» e decorrente da Lei n.º 9/2011, vigente desde 17.04.2011, foram suprimidas do seu âmbito as situações de incapacidade e de limite de idade que até aí nele estavam abrangidas, introduzindo-se, como vimos, a exigência de verificação ou preenchimento por parte daqueles magistrados de requisitos em termos de idade e de tempo de serviço [naquela magistratura e/ou noutras funções exercidas/desempenhadas (vide o n.º 1 do citado artigo) e num quadro temporal evolutivo com crescendo progressivo em termos de idade e tempo em consonância com o definido no citado anexo II].

XIV. A eliminação do elenco das situações em que, nos termos daquele preceito, os magistrados do MP se podem jubilar da situação do limite de idade configurar-se-á como violadora do princípio constitucional da proteção da confiança como pretende a A., já que em infração do previsto nos arts. 02.º e 18.º da CRP?

XV. Analisada a resposta dada a tal questão pelo acórdão recorrido temos a mesma como acertada, não enfermando do erro de julgamento que lhe é assacado pela A., aqui recorrente, dado inexistir violação daquele princípio e normativos convocados.

Explicitemos nosso juízo.

XVI. O referido princípio, corolário do princípio do Estado de direito de democrático, constitui o lado subjetivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica, e, consequentemente, da confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.

XVII. Na verdade, não podemos deixar de ter sempre como presente que o homem para além de liberdade carece de segurança para poder conduzir, planificar, estruturar e conformar de forma autónoma e responsável a sua vida, razão pela qual a vida num Estado de direito democrático terá de estar ancorada necessariamente no princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.

XVIII. É, assim, que o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos atos do poder, valendo em todas as áreas da atuação estadual através das exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador, por forma a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica, assistindo-lhe o direito de poder confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam.

XIX. A jurisprudência constitucional produzida sobre o princípio ora em referência mostra-se vasta, relevando nesta sede a que foi produzida no domínio dos regimes de aposentação ou realidades congéneres [cfr., entre outros, os Acs. do Tribunal Constitucional (doravante «TC») n.º 99/99, de 10.02.1999, n.º 580/99, de 20.10.1999, n.º 173/2001, de 18.04.2001, n.º 302/2006, de 09.05.2006, n.º 615/2007, de 19.12.2007, n.º 158/2008, de 04.03.2008, n.º 211/2008, de 02.05.2008, n.º 222/2008, de 17.04.2008, n.º 228/2008, de 21.04.2008, n.º 229/2008, de 21.04.2008, n.º 186/2009, de 21.04.2009, n.º 188/2009, de 22.04.2009, n.º 03/2010, de 06.01.2010, n.º 862/2013, de 19.12.2013, n.º 572/2014, de 30.07.2014, n.º 195/2017, de 26.04.2017, todos consultáveis in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

XX. Extrai-se da densificação feita pelo TC quanto ao princípio da proteção da confiança, enquanto tutela das expectativas dos destinatários dos atos da autoridade pública, que para que a confiança seja tutelada é necessário que se reúnam cumulativamente três pressupostos: i) que as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; ii) que tais expectativas sejam legítimas, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; e, por último, iii) que o cidadão tenha orientado a sua vida e feito opções decisivas, precisamente, com base em expectativas de manutenção de um determinado regime jurídico [cfr., para além da jurisprudência citada, ainda, entre outros, os Acs. do mesmo Tribunal n.º 287/90, de 30.10.1990, n.º 128/2009, de 12.03.2009, n.º 847/2014, de 03.12.2014].

XXI. Reunidos ou verificados tais requisitos ou “testes”, importará, ainda, como outro requisito cumulativo, proceder ao balanceamento ou contraposição dos interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração legislativa operada no quadro normativo com o interesse público prosseguido ou que fundamentou tal alteração, porquanto, como afirmado pelo TC no acórdão n.º 862/2013 atrás citado, a aplicação do princípio da proteção da confiança “implica sempre uma ponderação de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas”, sendo que se “[o]s particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas constituídas, a fim de organizarem os seus planos de vida e de evitar o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas” a tal “interesse contrapõe-se o interesse público na transformação da ordem jurídica e na sua adaptação às novas ideias de ordenação social”, pelo que “[c]omo os dois grupos de interesses e valores são reconhecidos na Constituição em condições de igualdade, impõe-se em relação a eles o necessário exercício de confronto e ponderação para concluir, com base no peso variável de cada um, qual o que deve prevalecer” e em que “[o] método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direitos”, termos em que “[m]esmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa»”.

XXII. De notar, ainda, que, fora dos casos de retroatividade proibida expressamente previstos na CRP [cfr. seus arts. 18.º, n.º 3, 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, e 103.º, n.º 3], não existe uma proibição geral de retroatividade, não estando, em absoluto, o legislador ordinário impedido de conferir eficácia retroativa a um determinado diploma legal, na certeza, porém, que a mesma constitui uma opção legislativa que carece sempre de ser compatibilizada com os valores constitucionais.

XXIII. Com efeito, se, por um lado, é reconhecida ao legislador uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico, temos, por outro lado, que as opções legislativas tomadas estão todas sujeitas, em termos da aferição da sua constitucionalidade, ao crivo da razoabilidade e das exigências em sede de segurança e confiança.

XXIV. Não será consentâneo com o princípio da proteção da confiança a aplicação de uma lei nova a efeitos decorrentes de factos anteriores se “a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada”, porquanto numa tal situação “a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão” já que “tendo tal confiança, nesse caso, maior «peso» ou «relevo» constitucional do que o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o conflito se resolva daquela maneira” [cfr. Ac. do TC n.º 232/91, de 23.05.1991], ocorrendo inconstitucionalidade se “atingir de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar” [cfr. Ac. do TC n.º 486/97, de 02.07.1997].

XXV. A propósito da “segurança jurídica” e da “proteção da confiança” no contexto da mudança ou alteração frequente do quadro normativo refere J. J. Gomes Canotilho que “a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos” e que “[a] mudança ou alteração frequente das leis (de normas jurídicas) pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo quando as mudanças implicam efeitos negativos na esfera jurídica dessas mesmas pessoas”, sustentando em matéria de “retroatividade autêntica” de uma norma e sua distinção da denominada “retroatividade inautêntica” que a primeira “consiste basicamente numa ficção: (1) decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal (data) anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes da sua entrada em vigor. No primeiro caso (1), fala-se em retroatividade em sentido restrito (efeito retroativo); no caso (2) alude-se a conexão retroativa quanto a efeitos jurídicos”, sendo que a segunda ocorre “quando uma norma jurídica incide sobre situações ou relações jurídicas já existentes embora a nova disciplina jurídica pretenda ter efeitos para o futuro”, devendo, assim, distinguir-se “[o]s casos de retroatividade autêntica em que uma norma pretende ter efeitos sobre o passado (eficácia ex tunc) (…) dos casos em que uma lei, pretendendo vigorar para o futuro (eficácia ex nunc), acaba por «tocar» em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidos no passado mas ainda existentes”, e aponta entre os exemplos destas últimas situações as “normas modificadoras dos pressupostos do exercício de uma profissão; (…) normas reguladoras dos regimes pensionísticos da segurança social”, já que “[n]estes casos, a nova regulação jurídica não pretende substituir ex tunc a disciplina normativa existente, mas ela acaba por atingir situações, posições jurídicas e garantias «geradas» no passado e relativamente às quais os cidadãos tem a legítima expectativa de não serem perturbados pelos novos preceitos jurídicos”, presente que, nas situações de “retroatividade inautêntica”, também chamada “retrospetividade”, o princípio da proteção da confiança “aponta para uma menor intensidade normativa (…) do que nos casos de verdadeira retroatividade”, em que “[o] problema que se coloca é o de delimitar com rigor a valores negativos da retroatividade. Em primeiro lugar, devem trazer-se à colação os direitos fundamentais: saber se a nova normação jurídica tocou desproporcionada, desadequada e desnecessariamente dimensões importantes dos direitos fundamentais (…) ou se o legislador teve o cuidado de prever uma disciplina transitória justa para as situações em causa ”, e na certeza de que não é “pela simples razão de o cidadão ter confiado na não-retroatividade das leis que a retroatividade é juridicamente inadmissível; mas o cidadão pode confiar na não-retroatividade quando ela se revelar ostensivamente inconstitucional perante certas normas ou princípios jurídico-constitucionais” [in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, págs. 259/261]

XXVI. Resulta, por seu turno, também duma jurisprudência reiterada e constante do TC que “apenas uma retroatividade intolerável, que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático” [cfr., nomeadamente, os Acs. n.º 287/90, n.º 303/90, n.º 302/2006, e n.º 229/2008], sendo que não existe “um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados” [cfr., nomeadamente, para além dos acabados de citar, ainda os Acs. n.º 188/2009, e n.º 847/2014].

XXVII. No caso vertente dúvidas não se colocam que a alteração normativa operada no «EMP», concretamente, no seu art. 148.º, n.º 1, pela Lei n.º 9/2011, visou, para o futuro [cfr. os próprios termos do art. 07.º daquela lei], a sua aplicação ao vínculo jurídico detido ou titulado por cada magistrado do MP ainda no ativo, visto a nova regulação jurídica, não substituindo ex tunc a disciplina normativa existente, atinge as posições jurídicas ou garantias geradas no passado através da reformulação para o futuro dos requisitos de atribuição e reconhecimento do estatuto de jubilado àqueles magistrados, constituindo, assim, uma situação de “retroatividade inautêntica” ou “retroatividade retrospetiva”.

XXVIII. Cientes dos considerandos anteriormente tecidos importa, então, saber e determinar se as expectativas da A. na manutenção e sujeição ao anterior regime estatutário em matéria de jubilação eram legítimas, ou seja, se são merecedoras da tutela do Direito no quadro do princípio que convoca.

XXIX. A impossibilidade de previsão de uma mudança só frustra expectativas legítimas dos destinatários duma norma se estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança da mesma e, em particular, quando hajam formulado pretensão substantiva junto da Administração nos termos ou fundada num regime normativo que lhe conferia um determinado direito e em que, à época da dedução daquela pretensão, os mesmos já reuniam em si os pressupostos efetivos para a concessão de tal direito.

XXX. E, no caso, não se afigura sustentável que a A. pudesse, legitimamente, haver formado uma expectativa de imutabilidade ou de imodificabilidade estatutária quanto ao regime do instituto da jubilação, tanto mais que o mesmo, pela natureza congénere que possui com o regime da aposentação, envolve também, tal como este, uma previsão genérica de possibilidade de mudança, já que os requisitos se fixam apenas com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à jubilação [no caso, na data em que a mesma atingiu o limite de idade, e sendo, aliás, então que, pela concessão da jubilação, que o interessado adquire o direito à pensão mensal vitalícia], tal como deriva do previsto em matéria de aposentação no art. 43.º do Estatuto da Aposentação [«EA»], preceito que incorpora uma previsão genérica de possibilidade da mudança de regime [cfr., no domínio das “expectativas legítimas” quanto aos regimes de aposentação, entre outros, os Acs. do TC n.º 99/99, n.º 302/2006, n.º 351/2008, n.º 615/2007, n.º 229/2008, e n.º 862/2013].

XXXI. Daí que, podendo o regime da jubilação ao longo dos anos vir a ser sucessivamente alterado [seja em sentido favorável, seja em sentido desfavorável aos interesses dos magistrados], isso implicava e implica, desde logo, que a A., até à constituição da sua posição pretensiva de obter a jubilação, teria de admitir como possíveis e/ou admissíveis mudanças supervenientes naquele regime, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação, não parecendo, assim, que se possa afirmar que a alteração em causa afetou expectativas legítimas dos destinatários da norma, nem que a mesma constituísse uma mutação da ordem jurídica com a qual, razoavelmente, os destinatários da norma não pudessem contar.

XXXII. Com efeito, não só o citado art. 43.º do «EA» apontava e aponta no sentido daqueles deverem contar com mutações no regime da jubilação dos magistrados, como isso derivava do afirmado e previsto, nomeadamente, no art. 01.º, n.º 2, al. d), do DL n.º 229/2005, de 29.12, em termos das necessidades de adaptação, nomeadamente, do «EMP», àquilo que estava a ser não só a evolução de todo o quadro normativo geral em matéria de convergência dos regimes de proteção social dos vínculos públicos ao regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões [cfr. também, nomeadamente, a Lei n.º 60/2005, de 29.12], mas, também, como se pode ler na exposição de motivos da proposta de lei n.º 45/XI/2.ª [proposta essa que deu início ao procedimento legislativo que culminou com a publicação da Lei n.º 9/2011 - disponível em: «www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa»], a própria aproximação com o regime geral do «EA», mediante uma revisão da legislação estatutária que clarifique “quais os fundamentos e as condições de reforma, aposentação e jubilação dos magistrados judiciais e do Ministério Público, adaptando-os à evolução do Estatuto da Aposentação para a generalidade dos subscritores da função pública, sem prejuízo das especificidades que justificam um tratamento próprio”, para além do enquadramento geral “numa política de adoção de medidas comuns de consolidação orçamental, com vista a atingir os compromissos assumidos pelo Governo em matéria de redução do défice público” e na “linha de esforço nacional de recuperação financeira introduzida pelo Orçamento de Estado para 2011, que abrange, na mesma medida, toda a Administração Pública e os titulares de órgãos de soberania”.

XXXIII. Não gozava e não possuía a A., enquanto magistrada do MP no ativo, qualquer expectativa legítima na imutabilidade ou fixidez do regime estatutário vigente, antes podendo e devendo contar, por força do exposto, com eventuais alterações ao seu estatuto, mormente, em sede de quadro jurídico da aposentação/jubilação, tanto mais que, no quadro normativo em crise, está em causa não um direito adquirido à jubilação por parte da A., mas aquilo que, na jurisprudência constitucional [cfr., entre outros, Acs. do TC n.º 188/2009, n.º 3/2010, e n.º 862/2013], tem sido denominado de “direitos em formação” visto a A., enquanto subscritora e futura beneficiária, poder e ter de contar com a possibilidade de mudança já que o regime da jubilação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verificam os pressupostos que dão origem à mesma.

XXXIV. A opção tomada em 2011 quanto ao regime normativo do instituto da jubilação assenta, pois, na eliminação da possibilidade de o mesmo ser obtido pelo simples decurso do atingir do limite de idade por parte do magistrado do MP e sem que este disponha do tempo de serviço exigido ou ora tido por necessário, restringindo, assim, o acesso ao mesmo e pressupondo, para tal o legislador, que, ao haver atingido tal limite, o interessado haja desenvolvido ou tido todo um tempo de serviço ou de trabalho [como magistrado do MP e/ou noutras funções públicas e/ou privadas] similar àquele que é exigido para a aposentação, considerando um início de vida ativa numa faixa etária habitual e normal com cumprimento integral das obrigações contributivas.

XXXV. Para além disso, não se descortina que a exigência como requisito da concessão ou reconhecimento do estatuto da jubilação de determinado tempo de serviço em questão sem estar ligado ou conexionado com o limite de idade, efetuada no quadro dum regime transitório tal como o previsto no art. 07.º da Lei n.º 9/2011, no contexto da adaptação do «EMP» àquilo que estava a ser a evolução de todo o quadro normativo geral em matéria de convergência dos regimes de proteção social dos vínculos públicos ao regime geral da segurança social e de aproximação com o «EA», e, bem assim, através da previsão dum regime legal estatutário contendo uma evolução e desenvolvimento temporal e gradual dos requisitos da idade e do tempo de serviço [cfr., nomeadamente, art. 148.º do «EMP» e anexo II) ao mesmo], se possa configurar como uma normação que, por sua natureza e finalidade prosseguida, atente, de uma forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva, os mínimos de certeza, razoabilidade, proporção, segurança e confiança, afrontando o princípio da proteção da confiança [cfr. arts. 02.º e 18.º da CRP], tanto para mais que a situação vivenciada pela A. decorre do facto de, nascida em 08.01.1945, apenas haver iniciado a sua vida laboral ativa e contributiva, como docente no ensino secundário, em 13.04.1977, contando já 32 anos de idade.

XXXVI. Soçobra, por conseguinte, também este erro de julgamento.

XXXVII. Alega a recorrente, como outro fundamento de recurso, a existência de erro de julgamento da decisão recorrida na parte na mesma improcedeu o fundamento de ilegalidade da deliberação do «CSMP» impugnada visto assente numa interpretação e aplicação do art. 148.º do «EMP» em violação do princípio constitucional da igualdade [cfr. arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. a), da CRP], normativo esse que, assim, enfermaria também de inconstitucionalidade ora com esta base, já que o mesmo envolve quer um tratamento desigual, desprovido de qualquer justificação, como uma ofensa do princípio “trabalho igual, salário igual”.

XXXVIII. Cotejando os preceitos constitucionais invocados resulta do art. 13.º, sob a epígrafe de “princípio da igualdade”, que “[t]odos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” [n.º 1] e que “[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” [n.º 2], determinando-se no art. 59.º, n.º 1, al. a), que “[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.

XXXIX. É certo que no âmbito do exercício de poderes discricionários o princípio da igualdade impende sobre a Administração, exigindo a esta a utilização de critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sob pena de total desrazoabilidade, falta de justificação e aceitabilidade, e consequente infração do mesmo princípio e comandos constitucionais que o afirmam.

XL. Temos, todavia, que, em matéria de emprego público e de definição de vínculos e de estatutos, mormente, do regime de aposentação/jubilação e respetivas regras, requisitos e formas de cálculo da pensão, não nos movemos no quadro de poderes ditos discricionários já que, nesses domínios, a Administração mostra-se sujeita a estritas vinculações e a critérios de legalidade estrita [cfr., entre outros, Ac. do STA de 22.05.2014 - Proc. n.º 01692/13, e de 30.03.2017 (Pleno) - Proc. n.º 0415/16].

XLI. No quadro do exercício de poder vinculado, o princípio da igualdade reconduz-se a uma questão de mera ilegalidade, estando a Administração subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la [cfr., entre outros, Acs. do STA de 03.11.2016 - Proc. n.ºs 0199/15 e 01304/15], na certeza de que o mesmo princípio, nas suas várias vertentes, não poderá servir no caso sub specie de fonte/padrão normativo de aferição da legalidade dada a natureza vinculada dos poderes exercidos pelo autor da deliberação impugnada na ação.

XLII. Mas também no plano constitucional inexiste no quadro normativo decorrente do art. 148.º do «EMP» uma qualquer violação dos preceitos da CRP invocados.

XLIII. Na sua dimensão material ou substancial o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário.

XLIV. Este princípio, contudo, não impede aquele de definir as circunstâncias e os fatores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa.

XLV. É que tal princípio constitucional não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.

XLVI. Na verdade, o mesmo, enquanto entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a possibilidade de realização ou introdução de distinções, antes proíbe-lhe a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional.

XLVII. Como já sustentado, igual e repetidamente, pelo Pleno deste Supremo Tribunal [cfr., nomeadamente, o Ac. de 21.02.2013 - Proc. n.º 0874/11] “o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente e que ele se manifesta não só a proibição de discriminações arbitrárias e irrazoáveis ou diferenciadas em função de critérios meramente subjetivos, como na obrigação de diferenciar o que é objetivamente diferente” e que “aquele princípio não exigia uma igualdade absoluta em abstrato mas apenas um tratamento igual para aquilo que era igual e um tratamento desigual para aquilo que era diferente e que só haveria violação desse princípio quando o tratamento desigual não tivesse fundamento aceitável”.

XLVIII. Sintetizando o princípio da igualdade encerra ou envolve uma ideia geral de proibição do arbítrio, de proibição de tratamento por igual de situações essencialmente desiguais, ou de discriminação ou diferenciação de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do art. 13.º da CRP.

XLIX. Como vem sendo também afirmado sucessiva e reiteradamente pelo TC “a mera sucessão no tempo de leis relativas a direitos sociais não afeta, por si, o princípio da igualdade” [cfr., entre outros, os Acs. n.º 188/2009, n.º 3/2010, e n.º 398/2011], já que, e como se pode ler na fundamentação do primeiro acórdão, “[a]pesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal”, sendo que “[p]or outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respetivo regime jurídico a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas pode brigar com o princípio da igualdade se vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade não opera diacronicamente (acórdãos n.º 34/86, 43/88 e 309/93 … e, em matéria de sucessão de regimes legais de pensões, os acórdãos n.ºs 563/96, 467/03, 99/04 e 222/08)”, para depois, fazendo apelo ao afirmado/concluído no acórdão do mesmo Tribunal n.º 99/2004 [onde se discutia um caso de sucessão de regimes de aposentação], referir que “[u]m diferente entendimento conduziria a transformar o princípio da igualdade numa proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no sentido de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afetar qualquer situação jurídica que se encontrasse abrangida pela lei anterior”, razão pela qual “[e]ste princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude sob pena de destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como a liberdade constitutiva e a auto revisibilidade, seriam praticamente eliminadas se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os direitos por ele criados (assim, VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª edição, Coimbra, págs. 408-409)”, na certeza de que “[i]sso não significa que a igualdade não tenha qualquer proteção diacrónica. O que sucede é que essa proteção apenas pode ser realizada através do princípio da proteção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste sentido, também, REIS NOVAIS, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais - o Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10)”.

L. No caso concreto, já vimos que o novo regime legal não envolve uma direta violação do princípio da proteção da confiança, sendo que a A. não invocou qualquer desigualdade sincrónica entre concretos magistrados do MP que, tendo atingido o limite de idade, hajam iniciado funções ao mesmo tempo e detenham idêntico tempo de serviço, tal como, com pleno acerto, se afirma no acórdão recorrido.

LI. Invoca antes situação que se prende com a existência abstrata de dois universos de magistrados do MP sujeitos a regras de jubilação diversas, mas tal decorre, necessariamente, da própria possibilidade de alteração da lei e da não afetação das situações passadas, ou seja, da diacronia legislativa, dado estar em confronto uma situação de diferenciação entre dois universos de magistrados do MP, uns já fora do ativo e outros ainda no ativo, que, por inscritos em momentos temporalmente distintos, serão ou ficarão sujeitos a regras e requisitos de jubilação diversas.

LII. Ocorre que tal não envolve a violação do princípio da igualdade perante a lei e o direito, consagrado no art. 13.º da CRP, como se afirmou no acórdão sob impugnação, louvando-se, igualmente, nalguma da jurisprudência constitucional supra convocada, na certeza de que, como sustentado também naquele acórdão, “a alteração legislativa em questão é dirigida a todos os magistrados em exercício de funções, os quais terão se obedecer aos novos requisitos nela impostos” e que não se revela como arbitrária a alteração normativa operada.

LIII. Além disso, temos, por outro lado, que não se divisa também uma qualquer infração do disposto no art. 59.º, n.º 1, al. a), da CRP, já que o mesmo reporta-se às regras a observar em matéria de remuneração do trabalho e daí o princípio “trabalho igual salário igual” e não, como é o caso em discussão nos autos, às regras relativas à obtenção do estatuto de jubilação/aposentação e decorrentes regras de fixação ou cômputo/cálculo da pensão respetiva, em que nada tem que ver com tal princípio, enquanto vertente laboral em matéria retributiva do princípio da igualdade.

LIV. Nem também a impossibilidade de continuar a prestar serviço como magistrada do MP decorrente de haver atingido o limite de idade legal para exercer funções públicas, nos termos previstos no art. 292 da Lei n.º 35/2014 [«LGTFP»], envolve qualquer infração deste princípio já que o mesmo não implica ou acarreta tratamento diverso da situação de magistrados do MP que, como a A., se encontrem nas mesmas condições ou situação, inexistindo um tratamento desigual, irrazoável e arbitrário no regime normativo instituído para a jubilação, ou que o critério e exigências para a mesma impostas assentem em critério meramente subjetivo, totalmente desprovido de fundamento, tanto mais ainda que os regimes e vínculos públicos e privados mostram-se ainda nalguns domínios diversos, porquanto diversos são também as realidades e necessidades.

LV. Dado o exposto não se vislumbra que os comandos constitucionais convocados resultem infringidos.

LVI. E a idêntica conclusão importa chegar quanto ao pretenso erro de julgamento por desacerto havido na interpretação e aplicação do art. 58.º da CRP.

LVII. Decorrendo do n.º 1 do aludido preceito constitucional que “[t]odos têm direito ao trabalho”, não se descortina que a exigência de determinado tempo de serviço para a obtenção do reconhecimento da jubilação por parte de magistrada do MP, tal como previsto no art. 148.º, n.º 1, do «EMP» em articulação com o anexo II, possa contender com o tal direito, por força da mesma haver atingido o limite de idade e a lei impor a necessária caducidade do vínculo existente [cfr. arts. 291.º e 292.º da «LGTFP» ex vi do art. 150.º do «EMP»].

LVIII. Em causa não está, verdadeira e realmente, um direito ao trabalho por parte da A., mas antes dum seu alegado direito de acesso à jubilação enquanto modalidade ou regime de proteção social, ou seja, dum direito a um regime especial para os magistrados do MP em matéria de segurança social, mostrando-se, assim, inteiramente acertado o afirmado no acórdão recorrido quando, improcedendo uma alegada infração do art. 58.º da CRP, afirmou para tal que a consagração deste direito em nada contende com a possibilidade “do legislador estabelecer limites máximos de idade para exercer funções públicas, sendo razoável e proporcionado que se tenha fixado tal limite de idade nos 70 anos”, na certeza de que a fixação dum limite de idade para o exercício de funções ou atividade profissional razoável, como é o caso, não só não contende com o direito ao trabalho como confere a cada sujeito o poder de passar a beneficiar de regime de reforma ou aposentação fruto de um direito a ver-se desonerado do dever de trabalhar.

LIX. Por tudo o que exposto, não se antevê, pois, qualquer procedência nos erros de julgamento assacados ao acórdão recorrido e que havia julgado totalmente improcedente a pretensão deduzida pela A., soçobrando, assim, na totalidade o presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional sub specie e consequentemente, manter o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

D.N..



Lisboa, 6 de julho de 2017. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.