Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01553/14
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONCURSO
CLAUSULA ILEGAL
CADERNO DE ENCARGOS
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista em sede de processo cautelar se não vêm colocadas questões importantes respeitantes a normas específicas das próprias providências cautelares e o mais que vem suscitado não permite detectar-se plausível erro de direito em que tenha incorrido o acórdão, nem que existe qualquer questão jurídica ou social de importância fundamental, considerando o quadro cautelar.
Nº Convencional:JSTA000P18482
Nº do Documento:SA12015011501553
Data de Entrada:12/26/2014
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:CP - COMBOIOS DE PORTUGAL, EPE E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.

1.1. A………… S.A. intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra processo cautelar de contencioso pré-contratual, contra a CP – Comboios de Portugal, peticionando:
«a) Suspensão de eficácia do acto de adjudicação da Operativa II à concorrente B…………, Lda., proferido no âmbito do Procedimento de Consulta para a Prestação de Serviços de Vigilância Humana ao abrigo do Acordo Quadro AQ-VS-2010 da ANCP lançado pela CP – Comboios de Portugal, EPE;
b) Intimação da CP – Comboios de Portugal, EPE, para se abster de celebrar o contrato com o B…………, Lda., ou, caso tenha sido ou venha entretanto a ser celebrado a suspensão da sua eficácia;
c) Intimação da CP – Comboios de Portugal, EPE, para excluir provisoriamente as concorrentes B………… Lda. e C………… S.A., e adjudicar provisoriamente a Operativa II objecto do procedimento à A………… S.A., ora Requerente».

1.2. O TAF de Sintra, por sentença de 26/07/2014 (fls. 363/379), indeferiu os pedidos de adopção de providências cautelares.

1.3. Em recurso, o Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 23/10/2014 (fls. 479/491), negou provimento ao recurso.

1.4. É desse acórdão que a A………… S.A. recorre para este Supremo Tribunal, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, sublinhando, nas conclusões das alegações que «a questão que se coloca na presente revista prende-se com o conceito de ilegalidade manifesta para efeitos de decretamento da providência cautelar ao abrigo do disposto no Art.º 120.º n.º 1 al. a) do CPTA e consiste em saber se integra ou não esse conceito a actuação de uma entidade adjudicante que, em fase de avaliação das propostas, desaplica uma norma concursal previamente estabelecida e considerada de cumprimento obrigatório pelas propostas dos concorrentes, prosseguindo com o concurso e adjudicando proposta que viola abertamente tal norma.»
Alega que «a questão colocada na presente revista é susceptível de se repetir em futuros concursos, sendo claramente necessária a admissão do presente recurso para uma melhor aplicação do direito».
Essa questão deriva do disposto no artigo 11.º, n.º 4, do Caderno de Encargos.

1.5. A recorrida contra alegou no sentido da não admissão da revista.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. A problemática que a recorrente traz à apreciação do presente recurso de revista, recorda-se, «prende-se com o conceito de ilegalidade manifesta para efeitos de decretamento da providência cautelar ao abrigo do disposto no Art.º 120.º n.º 1 al. a) do CPTA e consiste em saber se integra ou não esse conceito a actuação de uma entidade adjudicante que, em fase de avaliação das propostas, desaplica uma norma concursal previamente estabelecida e considerada de cumprimento obrigatório pelas propostas dos concorrentes, prosseguindo o concurso e adjudicando proposta que viola abertamente tal norma» (da conclusão I).
A norma concursal em questão é a do artigo 11.º, n.º 4, do Caderno de Encargos (transcrevem-se outros números para mais fácil entendimento):
«Artigo 11.º
Pessoal
1. (…).
2. São da exclusiva responsabilidade do adjudicatário as obrigações relativas à aptidão profissional do pessoal utilizado nos trabalhos objecto do contrato a estabelecer.
3. O pessoal contratado pela Adjudicatário para a execução da prestação de serviço de vigilância deverá possuir experiência profissional para o desempenho das tarefas que lhe estão cometidas, devendo apresentar-se devidamente uniformizado e identificado, e apto física e psicologicamente para a função a desempenhar.
4. Face à complexidade da operação os vigilantes [sic] deverá a mesma ser garantida com os actuais vigilantes e as futuras necessidades deverão ser completadas por vigilantes com uma vasta experiência na função de vigilância na área dos transportes públicos.
5. A CP pode impor ao adjudicatário a retirada do pessoal que entender não possuir suficiente idoneidade profissional ou cuja permanência seja inconveniente para a disciplina ou para o bom andamento dos trabalhos a seu cargo ou para o serviço prestado pela CP.
[…]».

Assinale-se, desde já, que ambas as instâncias manifestaram a sua reserva quanto à legalidade do estatuído no artigo 11.º, n.º 4.
E o problema que afinal vem colocado é o da legalidade de acto que sob invocação de regime legal afasta (assim o alega a recorrente) a aplicação de regime regulamentar que editara através do respectivo caderno de encargos.
Deve notar-se, ainda, que logo que os contrainteressados se apresentaram ao concurso manifestaram a sua objecção à consideração do estatuído no Cadernos de Encargos como dever de assunção dos vigilantes então ao serviço.
O júri, e depois a entidade requerida, adoptaram, então, uma interpretação dita «restritiva» da cláusula.
A sentença manifestou a dificuldade jurídica da questão.
O acórdão recorrido foi do seguinte entendimento:
«Ora, é certo que o n.º 4 do artigo 11º do CE foi assumidamente violado pelos dois concorrentes que ficaram à frente da Requerente e pela E.R., mas a verdade é que não claro que tal n.º 4 seja lícito, como decorre legitimamente do discutido durante o procedimento, e atrás descrito, devido à séria complexidade reclamada pela legislação laboral e comercial ante o teor do cit. n. 4.
E, havendo dúvidas, que consideramos sérias, quanto à licitude da norma regulamentar concursal citada, que foi claramente violada, já não poderemos tutelar a pretensão cautelar com base nela, invocando a ostensividade do bom direito da Requerente».

Como decorre, o acórdão, não completamente no quadro fundamentador da sentença, considerou que a cláusula tinha sido violada, mas deparou-se com a interrogação sobre a licitude da mesma.
Ora, as consequências de uma cláusula ilícita ou ilegal, no quadro de um concurso, nomeadamente as consequências quanto ao devir desse concurso, não se pode dizer que sejam evidentes ou, até, uniformes.
Na circunstância, como se disse, as duas instâncias julgaram, de forma convergente, que a aplicação do artigo 11.º, n.º 4, do Caderno de Encargos é uma questão complexa que requer uma abordagem contextualizada não só em sede do procedimento concursal, mas também em sede do regime legal laboral susceptível de lhe ser aplicado.
E o que se passou durante o próprio procedimento concursal revelava já a discussão e variada visão da questão.
Nestas condições, não é claro, ao contrário do que alega a recorrente, que tenha havido erro de direito por parte do acórdão recorrido.
Em rigor, como se disse, o problema que vem apresentado reconduz-se à discussão sobre a legalidade do acto administrativo. Quer dizer, o que vem trazido à controvérsia não é, imediatamente, o que se deve entender como grau de manifestação da procedência da pretensão a formular no processo principal, para se considerar preenchida a previsão do artigo 120.º, n.º 1, a), do CPTA: não está directamente em discussão o que entender por «evidente procedência», prevenida no preceito.
O que está em discussão é o regime do concurso, tal como constante do caderno de encargos.
Ora, essa discussão só poderá ser travada de modo intenso e extenso, no processo principal.
No processo cautelar a discussão a travar contém-se nos seus próprios limites de apreciação provisória e necessariamente menos aprofundada.
Assim, neste recurso não só não vêm colocadas questões importantes respeitantes a normas específicas das próprias providências cautelares, como o que vem suscitado respeita a regime jurídico, exigindo, sim, aprofundada apreciação em sede de processo principal, denotando, por isso mesmo, a plausibilidade da solução a que chegou o acórdão.
E também não se descortina o preenchimento de outro requisito da admissão de revista: importância fundamental pelo relevo social.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2015. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.