Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0103/13.1BEAVR
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:Nos casos em que o valor da causa excede 275.000,00 € a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se, nos termos do art. 06.º, n.º 7, do RCP, se, na situação, ocorrer boa conduta processual da parte e quanto às questões jurídicas ali decididas inexista uma elevada especialização ou uma complexidade superior à comum.
Nº Convencional:JSTA000P29360
Nº do Documento:SA1202205050103/13
Data de Entrada:12/16/2021
Recorrente:AEDL-AUTO-ESTRADAS DO DOURO LITORAL, S.A, NO SEU LEGAL REPRESENTANTE
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS, REPRESENTADO PELO DIGNÍSSIMO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1. A……… e AEDL - AUTO ESTRADAS DO DOURO LITORAL, SA, devidamente identificados nos autos e uma vez notificados do acórdão deste Supremo, datado de 07.04.2022, que negou total provimento ao recurso jurisdicional de revista interposto, vieram, ao abrigo do art. 616.º, n.º 1, do CPC/2013 [redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], peticionar a reforma do mesmo quanto a custas, dispensando-os do pagamento da totalidade do «remanescente da taxa de justiça em sede de primeira instância», tudo em conformidade com o disposto no art. 06.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais [RCP] [cfr. fls. 1969/1971 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário].

ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO

2. Constitui objeto de apreciação nesta sede o pedido de reforma deduzido ao abrigo do art. 616.º do CPC quanto à decisão relativa às custas no segmento em que na mesma as partes [A. e RR.] não foram dispensadas expressamente do pagamento do remanescente da taxa de justiça pela decisão do TAF de Aveiro, alegando, em suma, que nos autos sub specie, aos quais foi fixado o valor de 430.000,00 €, não envolvem especial complexidade quanto aos temas em discussão, inexistindo quaisquer atos ou comportamentos julgados inaceitáveis, dado as partes haverem procedido com lisura e em respeito dos seus direitos.

3. O n.º 1 do art. 616.º do CPC, aplicável ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA, permite às partes requererem ao tribunal que proferiu a decisão a sua «reforma quanto a custas e multa», sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo preceito «[c]abendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação» [relativo às situações em que caiba recurso da decisão que haja condenado em custas ou multa].

4. Se a decisão proferida pelo julgador quanto a custas e multa, ou só quanto a custas ou quanto a multa, for ilegal no entendimento da parte, isto é, se esta considera que a decisão interpretou ou aplicou erradamente a lei pode a mesma pedir que seja reformada.

5. Decorre do n.º 7 do art. 06.º do RCP que «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

6. Resulta do n.º 1 do art. 527.º do CPC que «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito» e abrangendo as custas processuais a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte [cfr. arts. 529.º, n.º 1, do CPC e 03.º, n.º 1, do RCP], temos que, nos termos do art. 530.º do CPC, a taxa de justiça «é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais» [n.º 1], sendo que «[p]ara efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: … a) Contenham articulados ou alegações prolixas; … b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou … c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas» [n.º 7].

7. A taxa de justiça traduz o preço do serviço judicial prestado ou desenvolvido pelo Estado ao garantir, através do exercício, por si, da função jurisdicional, cometida aos tribunais, o proferimento das decisões judiciais que caibam ser aplicadas nos diferendos que sejam presentes a juízo pelos utentes daquela função [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo Tribunal de 03.12.2015 - Proc. n.º 0413/14, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0817/16, de 19.11.2020 - Proc. n.º 02398/09.6BEPRT in: «www.dgsi.pt/jsta»].

8. A mesma corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente [cfr. arts. 529.º, n.º 2, do CPC, e 06.º, n.º 1, do RCP] e o seu pagamento é devido pela parte que intervenha na demanda [vide art. 530.º, n.º 1, do CPC], sendo que a é fixada em função do valor e complexidade da causa [cfr. art. 06.º, n.º 1, do RCP].

9. Tal como afirmado na jurisprudência atrás citada a decisão judicial de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente [a proferir na decisão final do processo, a pedido de uma das partes ou oficiosamente determinada como aceite doutrinária e jurisprudencialmente (cfr., entre outros, os Acs deste STA de 07.05.2014 - Proc. n.º 01953/13, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0817/16, de 19.11.2020 - Proc. n.º 02398/09.6BEPRT) - cfr. arts. 06.º, n.º 7, 13.º, 14.º, n.º 9, todos do RCP] assenta «numa norma de natureza excecional» relativamente à qual o legislador impôs «fortes condicionalismos» mediante a exigência expressa da «sua fundamentação e enumerando mesmo (ainda que de forma não taxativa), razões a considerar, suscetíveis de a legitimar».

10. E entre os fatores que devem ser relevados no caso concreto para emissão dum tal juízo importa, como sustentado na aludida decisão, ter em consideração, designadamente, i) complexidade da causa e ii) conduta processual das partes, referindo-se a propósito do primeiro que «(… sem prejuízo das particularidades que devam ser atendidas em cada processo), o próprio legislador indica elementos jurídicos de que podemos e devemos partir, por exemplo, articulados ou alegações prolixas; questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso ou, ainda, causas que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas [cfr. art. 530.º, n.º 7, als. a), b) e c) do CPC]», sendo que «serão de qualificar como questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, aquelas cuja apreciação e decisão exigem do julgador “uma intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Serão questões jurídicas de âmbito muito diverso as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados”» e quanto ao segundo «releva em especial o dever de boa-fé processual com a dimensão que lhe confere o art. 8.º do CPC, a saber, terem as partes atuado ao longo do processo na busca da verdade, cooperando para o alcance desta e para a decisão justa do litígio, sem prejuízo da defesa da sua pretensão» [cfr., neste sentido, também o anterior Ac. deste Supremo de 22.04.2015 - Proc. n.º 099/14 consultável no mesmo sítio].

11. Cientes e reiterados aqui os considerandos antecedentes e revertendo ao caso em presença temos que os autos têm, como aludido, o valor de 430.000,00 €, valor este superior ao valor que consta do n.º 7 do art. 06.º do RCP, sendo que, em decorrência do disposto nos n.º 1 do mesmo preceito em articulação com a Tabela I anexa ao RCP, o valor da taxa de justiça remanescente em dívida naquela instância para cada uma das partes e que acresce ao já liquidado pelas partes [1.468,80 €] corresponderá a cerca de mais 1.897,20 €, montante esse que mais que duplica os custos e que importa depois ser considerado no quadro do que constitui o vencimento/decaimento de cada uma das partes e o da responsabilidade pelo pagamento pelas custas de parte.

12. Para além disso temos que não se vislumbra que a tramitação processual e instrução probatória havidas e a conduta assumida por qualquer uma das partes se possa qualificar ou considerar como reprovável, já que a discussão das questões jurídicas e das posições pretensivas por parte das partes foram feitas no quadro duma defesa adequada e conforme com os ditames da boa-fé processual, sem que revelasse um qualquer comportamento censurável.

13. Ressalta, por outro lado, que as questões discutidas e apreciadas nos autos não envolvem especial e particular complexidade jurídica, conclusão essa que se infere e se extrai do teor da decisão proferida.

14. Em decorrência, vistos os autos e presente os considerandos e quadro normativo atrás expendidos, considera-se, tudo ponderado, ser de conceder a solicitada dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, juízo este consonante com os princípios da proporcionalidade e de promoção e garantia de acesso à justiça previstos nos arts. 02.º, 18.º e 20.º da CRP.

15. Pelo exposto, na procedência do que se mostra requerido, importa concluir pelo deferimento da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, reformando-se, nesse segmento, tal decisão em conformidade.

DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em reformar e deferir o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos peticionados.
Não são devidas custas do incidente.
Notifique-se. D.N..

Lisboa, 5 de maio de 2022. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Ana Paula Soares Leite Martins Portela.