Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0340/19.5BEALM
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:REQUISITOS
ARRESTO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
TERCEIRO ADQUIRENTE
BENS
Sumário:I - Não é oponível ao arrestante a venda a terceiros de bens arrestados, antes do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto;
II - Não constitui requisito do arresto em bens de terceiro adquirente dos bens arrestados que a reversão esteja concretizada ou que a verificação dos pressupostos respetivos já tenha sido apurada no procedimento próprio;
Nº Convencional:JSTA000P26223
Nº do Documento:SA2202007150340/19
Data de Entrada:04/01/2020
Recorrente:A... LDA E OUTROS
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A…………, Lda., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ………, com sede na Avenida da ………, n.º ……, ……, 4430-…… Vila Nova de Gaia e B…………, S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ………, com sede na Rua ………, n.º ……, ……, 1150-…… Lisboa, recorrem da douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a oposição ao arresto requerido pelo Representante da Fazenda Pública para garantia de dívida cobrada nos processos de execução fiscal n.ºs 2240201701173146 e 2240201701177176, que o Serviço de Finanças de Sesimbra move contra C…………, Ltd., nipc ………, para cobrança coerciva de dívidas de imposto municipal sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……… sob o artigo 1102, referentes aos anos de 2013 a 2016, e respetivos acréscimos legais, no montante total de € 657.549,71.

Com a apresentação do recurso juntaram alegações, que remataram com as seguintes conclusões: «(…)

a) Atendendo à alienação do imóvel objeto do presente arresto, ocorrida em 14 de agosto de 2019, verifica-se que o arresto do referido imóvel não poderá manter-se, na medida em que o imóvel, em virtude da sua transmissão, já não poderá constituir garantia patrimonial para a Autoridade Tributária;

b) Com a apresentação, pelas Recorrentes, da oposição ao arresto, constata-se que o decretamento do arresto sobre imóvel não transitou em julgado e que, como tal, não se consolidou na ordem jurídica;

c) O disposto n.º 1 do artigo 622.º do Código Civil - que determina que os atos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto – não é aplicável ao caso sub judice porquanto esta consequência jurídica apenas será aplicável e terá efeito quando se esteja perante uma situação em que o arresto decretado pelo Tribunal já tenha, por força da inércia dos requeridos ou de decisão judicial, transitado em julgado e, consequentemente, já tenha sido convertido em penhora (cfr. artigo 214.º do CPPT e artigo 622.º do Código Civil), i.e. produzindo todos os seus efeitos;

d) Verificando-se que, à data da alienação do imóvel, o presente procedimento cautelar de arresto ainda estava em “curso” - porquanto a (i)legalidade do arresto foi devidamente contestada pelas Recorrente -, conclui-se que o decretamento do arresto não transitou em julgado e, como tal, não se consolidou na ordem jurídica, não podendo, assim, beneficiar da prorrogativa prevista no n.º 1 do artigo 622.º do Código Civil;

e) No caso vertente, não existe qualquer crédito tributário (nem mesmo provável ou aparente) da Autoridade Tributária sobre as Recorrentes, desde logo porque não se encontram verificados os pressupostos para a reversão fiscal a operar contra as Recorrentes, o que, aliás, foi expressamente reconhecido pela Autoridade Tributária na decisão relativa ao projeto de reversão contra as Recorrentes, ao entender que deveria proceder-se à “extinção da reversão, por não se verificarem, actualmente, todos os pressupostos de imputação da responsabilidade subsidiária na qualidade de terceiro adquirente de bens”;

f) Não existindo, à data da apresentação do presente arresto, um crédito tributário - atual - da Autoridade Tributária sobre as Recorrente - nem tão pouco a existência de uma reversão, a qual, como se viu, embora tenha sido iniciada, foi extinta por iniciativa da própria Autoridade Tributária -, não estão reunidos os pressupostos para decretar/manter o presente arresto;

g) No caso em análise não se está perante uma situação em que a Autoridade Tributária ainda está a ponderar a eventual reversão contra os responsáveis subsidiários, mas sim perante uma situação em que a Autoridade Tributária já ponderou (e notificou) esses responsáveis subsidiários para a reversão, tendo, em despacho fundamentado e notificado validamente aos mesmos, concluído que não tinha fundamentos para os responsabilizar (in casu, as Recorrentes);

h) Perante a constatação, por parte da Autoridade Tributária, de que não se verificavam os pressupostos para responsabilização (subsidiária) das Recorrentes, terá, forçosamente, de se concluir que as mesmas não poderão ser responsabilizadas nos termos do artigo 157.º do CPPT e, consequentemente, o direito de sequela a que alude o referido preceito legal não poderá operar contra as mesmas, concluindo-se, ainda, que não podendo ser acionado o direito de sequela a que alude o artigo 157.º do CPPT, também não poderá ser o imóvel arrestado à luz do disposto no artigo 136.º do CPPT;

i) Não se encontrando preenchidos os requisitos de que depende o decretamento do arresto (in casu, a existência de um crédito tributário), deverá a decisão recorrida ser revogada por Vossas Excelências e, em consequência, ser revogada a medida cautelar decretada, ordenando-se o seu levantamento;

j) Em face do exposto, deve a sentença sufragada pelo Tribunal a quo ser revogada por Vossas Excelências, e, em consequência, deverá a mesma ser substituída por nova decisão que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão das Recorrentes.

Pediram fosse o presente Recurso jugado procedente, fosse revogada a decisão recorrida e fosse a mesma substituída por outra que julgasse procedente a oposição ao arresto, em virtude da falta dos pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar, ordenando-se o imediato levantamento do arresto, tudo com as legais consequências.

Mais pediram que, em virtude de o valor da causa no presente Recurso ser superior a € 275.000,00, fosse ainda determinada a dispensa de pagamento das custas acima do referido valor.

O Recorrido não apresentou contra alegações.

A Mm.ª Juiz lavrou o despacho a que alude o artigo 282.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi aberta vista ao Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto, o qual emitiu douto parecer, que a seguir transcrevemos parcialmente:

«No caso em análise parece certo que se verificam os pressupostos do arresto.

De facto, como resulta do probatório, a devedora originária, C………, LDA, após a conclusão da ação inspectiva, em Dezembro de 2016, que esteve na génese das liquidações de IMI de 2013 a 2015, cujos montantes, mais o referente à liquidação de IMI de 2016, estão em cobrança coerciva, em Outubro de 2017 procedeu à alienação dos imóveis de sua titularidade, incluindo o imóvel arrestado, colocando-se na situação de não dispor de património para garantir a pagamento da obrigação exequenda e acrescido.

O prédio arrestado por sentença de 08/05/2019, foi vendido às recorrentes, em 20/10/2017, sendo certo que, em 10/08/2018, o mesmo prédio foi objecto de contrato-promessa de compra e venda e, efetivamente, vendido em 14/08/2019.

Os tributos mostram-se liquidados, foram colocados à cobrança em 10/2017, e posteriormente em cobrança coerciva, sendo certo que a dívida em execução se reporta, maioritariamente, ao prédio arrestado.

Entendemos que se verificam os pressupostos da reversão contra as recorrentes, enquanto terceiros adquirentes do bem, nos termos do disposto no artigo 157.º do CPPT.

Na verdade, como resulta do probatório, a devedora originária não tem bens susceptíveis de garantir o pagamento da obrigação exequenda e acrescido, sendo certo que se trata de dívida com direito de sequela sobre o prédio transmitido às recorrentes e por estas posteriormente alienado.

Esta solução legal está em plena consonância com o estatuído nos artigos 750.º e 751.º do CC, estipulando este último normativo que os privilégios imobiliários especiais (desde que constituídos anteriormente ao direito dos terceiros) são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele.

O IMI em causa nos autos goza de privilégio imobiliário especial, nos termos do disposto nos artigos 122.º/1 do CIMI e 744.º/1 do CC e, como tal, o respectivo crédito goza do direito de sequela sobre o prédio transmitido às recorrentes e por estas, posteriormente, transmitido, já depois de o arresto ter sido decretado e executado.

Em nosso entendimento e ressalvado melhor juízo, o facto de, por despacho de 15/04/2019, ter sido extinta a intenção de reverter as dívidas contra os recorrentes, como deflui do probatório, não tem qualquer relevância para a decisão da causa.

De facto, para o decretamento do arresto não se mostra necessário que já exista despacho de reversão contra os responsáveis subsidiários, mas apenas que se mostrem verificados os pressupostos da reversão que, no, caso, a nosso ver, em consonância com a decisão recorrida, nos termos da lei, se verificam.

Note-se que, como deflui do probatório, o OEF, em 01/08/2019, proferiu novos despachos a ordenar a notificação das recorrentes sobre a intenção de contra si reverter as dívidas.

Portanto, temos como assente que as recorrentes, à data do decretamento do arresto, respondiam pelo IMI relativo ao imóvel que lhes foi transmitido, nos termos do disposto no artigo 157.º do CPPT.

Por outro lado, a posterior venda do imóvel é ineficaz em relação à FP, requerente do arresto.

Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 622.º/1 do CC os atos de disposição de bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora.

Com todo o respeito por opinião contrária, o normativo atrás referido tem aplicação mesmo nos casos em que a decisão que decreta o arresto não se mostra transitada, pelo facto de ter sido deduzida oposição ao arresto, nos termos do disposto no artigo 372.º do CPC.

Embora seja certo que, no caso, a decisão que decreta o arresto é uma “decisão provisória” até que seja posteriormente mantida, reduzida ou revogada, o decretado arresto mantém todos os seus efeitos úteis, nomeadamente, para efeitos de ineficácia dos atos de disposição do bem arrestado relativamente ao requerente do arresto até que seja judicialmente revogado, uma vez que o arresto subsiste durante esse período.

Como resulta do probatório e dos autos, uma vez decretado o arresto e em cumprimento do decidido, foi o mesmo executado através de comunicação emitida pelo OEF em 14/05/2019, à competente Conservatória do Registo Predial (artigo 391.º/2 do CPC ex vi do artigo 139.º do CPPT e artigo 231.º deste último compêndio legislativo).

A aceitar-se a interpretação que as recorrentes fazem da norma do artigo 622.º do CC, o arresto deixaria de ter qualquer efeito útil, pois bastaria ao arrestado, depois de notificado do arresto, deduzir oposição e alienar o bem arrestado a terceiros, que deixariam de responder pela dívida.

O legislador não poderia ter sancionado esta solução.

Em suma, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, verificam-se os pressupostos do arresto, nos termos dos artigos 136.º, 157.º e 214.º do CPPT.

O arresto foi registado em 14/05/2019 e a venda do imóvel foi registada em 14/08/2020, sendo certo que o terceiro responde pelo IMI relativo ao imóvel transmitido.

Portanto, não havia como não manter o decretado arresto.

A sentença recorrida não merece, assim, censura.

3.CONCLUSÃO.

Deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

1.3. Por despacho do relator, foram Recorrentes e Recorrido notificados para se pronunciarem quanto à incompetência hierárquica do Supremo Tribunal Administrativo para apreciar o presente recurso.

Ambas as partes apresentaram requerimentos, mas nenhuma delas se pronunciou quanto à questão que especificamente lhes foi colocada.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.

2. Da competência em razão da hierarquia

Como é sabido e decorre do disposto nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e bem assim do artigo 280.º, n.º 1, este do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito. O que constitui uma exceção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos.

Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.

Numa análise preliminar dos autos, o relator concluiu que entre os fundamentos do recurso se encontrava o erro no julgamento de facto. Fundamentalmente, porque as Recorrentes invocavam ao longo das suas alegações um conjunto de factos que não constavam do elenco dos factos provados e que, seguindo o discurso lógico do articulado, se destinavam a demonstrar que não estavam verificados os pressupostos do decretamento do arresto.

A verdade, porém, é que nenhum desses factos ingressou nas fórmulas conclusivas alinhadas a final. E, como se sabe, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso.

Nas conclusões do recurso, as Recorrentes limitam-se a invocar a inexistência do crédito tributário por a Administração Tributária já ter decidido que não se encontravam reunidos os pressupostos da reversão [ver a conclusão “g)”]. Sendo que este facto (a decisão de extinguir «a intenção de reverter as dívidas exequendas») não é controvertido e consta dos factos provados na decisão recorrida (facto n.º 16).

Para a apreciação das questões que as Recorrentes selecionaram nas conclusões do recurso não se vislumbra agora a necessidade de formulação de quaisquer juízos de facto.

Razão porque decidimos agora assumir a competência para apreciar o recurso.

3. Dos fundamentos de facto

Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. A sociedade C………, tem sede em ………, nas Ilhas do Canal (facto que se retira do doc. de fls. 11 a 15 do doc. de fls. 40, numeração do SITAF);

2. A sociedade identificada no ponto anterior é uma entidade não residente em Portugal e sem estabelecimento estável (cfr. doc. junto a fls. 1 do doc. de fls. 127, numeração do SITAF);

3. D………… é a representante em Portugal da sociedade melhor identificada no ponto 1, desde 2005 até 2017 (cfr. doc. de fls. 1 do doc. de fls. 127, numeração do SITAF);

4. A sociedade melhor identificada no ponto 1, em 17/07/2007, constituiu sua procuradora D…………, com escritório na Rua do ………, nº ……, em Lisboa, conferindo-lhe, nomeadamente, poderes para comprar e vender bens da sociedade (cfr. doc. de fls. 11 a 15 do doc. de fls. 40, numeração do SITAF);

5. Em 28/12/2016 foi elaborado um Relatório Inspectivo decorrente da inspecção levada a efeito pelos serviços da AT à escrita da sociedade melhor identificada no ponto 1 e que teve como objecto o IMI pago pela sociedade (cfr. doc. junto a fls. 22 a 31 do doc. de fls. 40, numeração do SITAF, e doc. de fls. 1 a 6 do doc. de fls. 73 numeração do SITAF);

6. Em 28/10/2016, data de início do procedimento inspectivo, a sociedade C………… era proprietária dos seguintes prédios urbanos: o prédio urbano constituído em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua do ………, nºs 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46, 48 e 50 tornejando para a Rua ………, nºs 2 e 4, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Lisboa, sob o artigo 1102 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1102/20050725, prédio urbano designado por lote V5, sito em ………, freguesia e concelho de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 1835 e inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de ……… sob o artigo 7380, prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7400 da União de freguesias de ……… e o prédio urbano sito em Lisboa, freguesia de ………, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1130 (facto que se retira do relatório inspectivo junto a fls. 22 a 31 do doc. de fls. 40, numeração do SITAF, e doc. de fls. 1 a 6 do doc. de fls. 73, numeração do SITAF);

7. Na sequência do Relatório inspectivo melhor identificado no ponto 5, foram efectuadas as liquidações adicionais de IMI dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 (cfr. doc. juntos a fls. 1 dos docs. de fls. 129, 130, 131 e 132 numeração do SITAF);

8. Em data que não se consegue concretizar concretamente, foram instaurados os processos de execução fiscal n.º 2240201701173146 e n.º 2240201701177176, instaurados, para cobrança coerciva de dívidas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, colocado à cobrança em Outubro de 2017 (cfr. doc. de fls. 14 a 25 do doc. de fls. 13, numeração do SITAF)

9. As dívidas que se encontram a ser exigidas nos processos de execução fiscal identificados no ponto anterior respeitam, maioritariamente ao prédio urbano constituído em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua do ………, nºs 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46, 48 e 50 tornejando para a Rua ………, nºs 2 e 4, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Lisboa, sob o artigo 1102 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1102/20050725 (facto que se retira dos docs. de fls. 14 a 25 do doc. de fls. 13, numeração do SITAF);

10. Por escritura pública de 20/10/2017 a sociedade C………… vendeu o prédio urbano constituído em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua do ………, nºs 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46, 48 e 50 tornejando para a Rua ………, nºs 2 e 4, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Lisboa, sob o artigo 1102 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1102/20050725 às sociedades A………… – LDA. e B…………, S.A. pelo valor de € 2.700.000,00 (cfr. doc. junto a fls. 7 a 12 do doc. de fls. 73, numeração do SITAF);

11. A sociedade C…………, melhor identificada no ponto 1, cessou actividade em 30/11/2017 (cfr. doc. de fls. 1 do doc. de fls. ---, numeração do SITAF);

12. Em 31/10/2017, a sociedade C…………, representada por D…………, vendeu à sociedade E…………, Unipessoal, Lda., pelo preço de € 565.000,00, os seguintes prédios urbanos sua propriedade: prédio urbano designado por lote V5, sito em ………, freguesia e concelho de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 1835 e inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de ……… sob o artigo 7380; o prédio urbano designado por lote V27, sito em ………, freguesia e concelho de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº1857, e inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de ……… sob o artigo 7400; e prédio urbano situado em ………, freguesia de ………, concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob o nº 426 da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1130 da União de freguesias de ………(cfr. doc. de fls. 1 a 7 do doc. de fls. 135, numeração do SITAF);

13. Por despacho de 30/07/2018 foi ordenado ouvir as sociedades A……… – LDA. e B…………, S.A. sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas relativas a IMI e que se encontram a ser exigidas no âmbito dos processos de execução fiscal nºs 2240201701173146 e n.º 2240201701177176 (cfr. doc. de fls. 16 a 26 do doc. de fls. 273, numeração do SITAF e 5 a 15 do doc. de fls. 349, numeração do SITAF);

14. Em 10/08/2018 foi registada a promessa de compra e venda com eficácia real sobre o prédio urbano constituído em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua do ………, nºs 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46, 48 e 50 tornejando para a Rua ………, nºs 2 e 4, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Lisboa, sob o artigo 1102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1102/20050725 (cfr. doc. de fls. 232 e 233 dos autos);

15. As sociedades A………… – LDA. e B…………, S.A. pronunciaram-se sobre a intenção das dívidas reverterem contra si (cfr. doc. junto a fls. 53 a 67 do doc. de fls. 273, numeração do SITAF e 46 a 60 do doc. de fls. 349, numeração do SITAF);

16. Por despacho de 15/04/2019 foi extinta a intenção de reverter as dívidas exequendas contra as sociedades A………… – LDA. e B…………, S.A. (cfr. doc. de fls. 70 a 73 do doc. de fls. 273, numeração do SITAF, e fls. 63 a 66, do doc. de fls. 349, numeração do SITAF);

17. Em 14/05/2019 foi registado o arresto sobre o prédio urbano constituído em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua do ………, nºs 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46, 48 e 50 tornejando para a Rua ………, nºs 2 e 4, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Lisboa, sob o artigo 1102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1102/20050725 (cfr. doc. junto a fls. 232 e 233 dos autos);

18. Em 01/08/2019 foram proferidos novos despachos a ordenar a notificação das sociedades A………… – LDA. e B…………, S.A. sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas exequendas (facto que se retira de fls. 1 dos docs. de fls. 549 e 551, numeração do SITAF);

19. Em 14/08/2019 foi registada a venda do prédio urbano constituído em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua do ………, nºs 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 46, 48 e 50 tornejando para a Rua ………, nºs 2 e 4, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Lisboa, sob o artigo 1102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1102/20050725 a favor da sociedade F…………, S.A. (cfr. doc. de fls. 27 do doc. de fls. 465, numeração do SITAF);

4. Dos fundamentos de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a oposição ao arresto decretado sobre o prédio urbano que adquiriram à executada “C………… Ltd”, com o número de identificação fiscal ……… e com sede nas Ilhas do Canal.

Com o assim decidido não se conformam as Recorrentes por duas razões fundamentais: porque o imóvel não constitui garantia patrimonial do crédito tributário; porque não existe o crédito tributário.

O imóvel não constitui garantia patrimonial do crédito tributário porque já não integra o património das Recorrentes. Porque foi, entretanto, vendido a terceiros (antes do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto).

O crédito tributário não existe porque, à data da apresentação do arresto, não se encontravam verificados os pressupostos para a reversão fiscal. O que, aliás, foi reconhecido pela Autoridade Tributária.

As duas questões de direito que são colocadas ao Supremo Tribunal são, por isso, as seguintes: a questão de saber se é oponível ao arrestante a venda do imóvel a terceiros, depois de decretado o arresto e antes do trânsito em julgado da decisão respetiva; a questão de saber se o arresto em bens de terceiro exige que, à data em que é apresentado, estejam verificados os pressupostos de reversão.

Delas nos ocuparemos nos pontos seguintes.

4.2. À primeira questão respondemos negativamente.

Isto é, a venda a terceiros de bens arrestados, antes do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto, não é oponível ao arrestante.

É o que resulta do artigo 622.º, n.º 1, do Código Civil. Que, de resto, já tinha sido convocado na douta sentença.

Resulta do seu teor literal, visto que a ineficácia dos atos de disposição é, ali, temporalmente delimitada pelo arresto propriamente dito e não pelo trânsito em julgado da decisão que o decretou.

E resulta da sua finalidade (garantir a realização de um direito) porque, se os efeitos do arresto dependessem do trânsito em julgado da decisão que o decretou, o arrestado poderia utilizar os seus meios de defesa processual para alienar os bens e assim frustrar a finalidade da própria providência. E o arresto não garantia, assim, coisa nenhuma. Aliás, nem faria sentido que o arresto fosse decretado antes de ouvir a contraparte.

Parece que as Recorrentes pretendem que este artigo 622.º deve ser interpretado de forma conjugada com o artigo 372.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Isto é, que quando a lei civil alude «[ao]s atos de disposição dos bens arrestados» tinha em vista os atos de disposição dos bens cujo arresto tenha sido decretado por decisão transitada em julgado.

Mas é entendimento que não tem o mínimo suporte legal. Os efeitos substantivos do arresto não são delimitados pela lei processual, a menos que a lei substantiva para ela remeta. E o artigo 622.º citado não remete para a lei processual, mas para as regras substantivas da penhora, isto é, para o artigo 819.º do Código Civil.

De resto, se – por absurdo – o legislador tivesse mesmo pretendido que o arresto não produzisse efeitos antes do trânsito em julgado da decisão que o decretou, a decisão favorável ao oponente nunca seria – como preceitua aquele n.º 3 do artigo 372.º do Código de Processo Civil – de «redução ou revogação da providência anteriormente decretada». Porque não tem que ser reduzida ou revogada a providência que nunca produziu efeitos na ordem jurídica.

E a razão porque, no atual figurino processual, a decisão da oposição ao arresto se considera complemento ou parte integrante da inicialmente proferida é exclusivamente processual: evitar o exercício simultâneo da oposição e do recurso quando estejam verificados os pressupostos de ambos estes meios processuais e que, por essa via, questões conexas estejam a ser apreciadas simultaneamente em duas instâncias.

«Daí que, verificando-se os fundamentos da oposição, traduzidos na invocação de matéria nova, deva a parte começar por deduzi-la, aguardando a prolação da decisão que a aprecie, que se considera “complemento e parte integrante” da sentença inicialmente proferida: e abrindo-se, só neste momento, a via do recurso, relativamente a todas as questões suscitadas, quer pela decisão originária, quer pela que a completa ou altera» [cit. Lopes do Rego, in «Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina 1999, pág. 284].

Concluindo: ao contrário do que pretendem as Recorrentes, a sentença recorrida andou bem nesta parte. E, consequentemente, não ocorre a pretendida inutilidade superveniente da lide.

Pelo que o recurso não merece provimento por aqui.

4.3. À segunda questão respondemos que o arresto em bens de terceiro que garantam a dívida nos termos do artigo 157.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário depende, além do mais, do fundado receio da diminuição da garantia de cobrança do crédito tributário em bens do originário devedor ou de outros sujeitos que respondam pelo seu pagamento antes do terceiro adquirente desses bens, apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 136.º do mesmo Código.

E que o fundado receio da diminuição da garantia de cobrança do crédito tributário em bens destes sujeitos pressupõe, por sua vez a falta ou insuficiência desses bens para garantir a dívida.

Concretizemos.

É incontroverso que o arresto em bens do responsável subsidiário depende, além do mais, do fundado receio da diminuição da garantia patrimonial. É, de resto, o que expressamente resulta do artigo 136.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Havendo vários patrimónios que respondam pela dívida, o fundado receio da perda da garantia patrimonial pressupõe, em princípio, o perigo de diminuição da garantia patrimonial que confere o conjunto desses patrimónios.

Sucede que, nas situações de responsabilidade subsidiária, os patrimónios do responsável originário e do responsável subsidiário não respondem simultânea, mas sucessivamente.

O que significa que o risco de diminuição da garantia patrimonial também não pode ser avaliado simultânea, mas sucessivamente. O receio de perda da garantia patrimonial que confere o património do responsável subsidiário já pressupõe que o património do responsável principal seja insuficiente para garantir a dívida.

Sendo por esta razão que se diz que o arresto em bens do responsável subsidiário pressupõe a demonstração (em summaria cognitio) da insuficiência dos bens do devedor originário. Um juízo semelhante ao que o órgão de execução fiscal é chamado a fazer quando prepara a reversão contra o responsável subsidiário.

O que é bem diferente de dizer-se que para que possa haver arresto é necessário que a reversão esteja concretizada ou que a verificação dos pressupostos respetivos já tenha sido apurada no procedimento próprio.

Sendo este o nosso entendimento, vejamos como se lhe subsume o caso dos autos.

Não está em causa – não faz parte do âmbito do recurso – a existência do risco de perda de garantia patrimonial relativamente aos bens do responsável subsidiário. Não importa, por isso, indagar se, fundando-se a responsabilidade de terceiro no direito se sequela sobre os bens que lhe foram transmitidos, o risco de, por sua vez, os transmitir a outrem interfere com o âmbito da garantia do credor.

Também não está em causa a conclusão, tirada na decisão recorrida, de que o património da devedora originária se tornou insuficiente para solver as suas dívidas fiscais.

O que está em causa é, tão só, o facto de o Órgão de Execução Fiscal ter lavrado na execução fiscal um despacho onde extinguiu a intenção de reverter as dívidas exequendas contra as ora Oponentes (ponto 16 dos factos provados). Pretendem as Recorrentes que daqui deriva, por si só, que não estavam reunidos os pressupostos do decretamento do arresto.

Porque já tinha sido apurado no procedimento de reversão que que não estavam verificados os pressupostos respetivos.

Só que da extinção do procedimento de reversão não deriva, por si só, que não estejam verificados os pressupostos substantivos da reversão ou sequer que não exista a intenção de reverter as dívidas contra os responsáveis subsidiários. A extinção pode dever-se a múltiplas razões que não relevam para o arresto e para a verificação dos seus pressupostos, desde logo a necessidade de dar cumprimento a alguma formalidade preterida no procedimento respetivo.

E sucede até que os factos provados contém elementos que indiciam fortemente que, ao contrário do que pretendem as Recorrentes, a Administração Tributária não concluiu que «não tinha fundamentos para os responsabilizar» [ver alínea “h)” das conclusões do recurso]. Porque, poucos meses depois, desencadeou novo procedimento de reversão contra elas (ponto 18 dos factos provados).

Em boa verdade, que as Recorrentes pretendem dizer é que, enquanto não se encontrarem verificados os pressupostos da reversão na execução fiscal, o crédito tributário não existe. É o que resulta das conclusões do recurso tiradas nas alíneas “e)”, “f)” e “i)”.

No fundo, o que aqui está em causa é a própria natureza da responsabilidade subsidiária e a questão de saber se ela só se constitui com a reversão.

Questão a que também respondemos negativamente.

A natureza jurídica da responsabilidade tributária é muito discutida na doutrina, mas podemos assentar em que precede a reversão. Ou seja, a reversão não constitui alguém como responsável subsidiário, antes opera essa responsabilidade na execução. Ou, para utilizar uma expressão do n.º 1 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária, «efetiva» a reversão.

Na verdade, a reversão é um incidente declarativo enxertado na execução através do qual se chama à responsabilidade pela dívida exequenda quem como tal não figura no título executivo. A sua função não é constituir ou modificar a relação jurídica substantiva, mas tornar exequível no processo a responsabilidade que daquela deriva.

E que assim é resulta do facto de o responsável subsidiário só ficar isento de juros de mora e de custas se efetuar o respetivo pagamento no prazo da oposição. Se a responsabilidade não precedesse a reversão não haveria fundamento para responsabilizar o revertido pelo atraso no pagamento anterior à reversão.

Talvez por isso, se disse já que o vínculo de responsabilidade acompanha e garante em estado de latência a obrigação e que o incumprimento dessa obrigação apenas ativa essa responsabilidade [ver o acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de dezembro de 2010 (acórdão n.º 481/2010), no processo n.º 506/09].

A teoria do débito e da responsabilidade, que decompõe a relação obrigacional em duas subrelações (a do débito e a da responsabilidade) não tem cabimento na lei tributária porque o devedor originário e o responsável subsidiário são considerados sujeitos da mesma relação jurídica – artigo 18.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária.

No caso dos autos, o tribunal de primeira instância apurou que o imposto municipal sobre imóveis em causa já se encontrava liquidado e já se encontrava até em fase de execução – pontos 7 e 8 dos factos provados e alínea b) do n.º 1 do artigo 136.º supra citado. E as Recorrentes não impugnam estes factos, pelo que também não vem ao caso a certidão que juntaram como documento 1 da oposição ao arresto nem o seu relevo probatório para o efeito pretendido ou a falta dele. Certo é que, ao contrário do que também se alega no recurso (cfr. ponto 35.º das alegações) e no que para este efeito importa, a dívida existia.

O tribunal de primeira instância também apurou – e as Recorrentes não o põem em causa – que se tratava de uma dívida com direito de sequela sobre o imóvel a arrestar e que o mesmo foi vendido às Recorrentes. E que, por isso, já tinha ocorrido (até em data muito anterior ao requerimento do arresto) o facto acessório de que depende a atribuição da responsabilidade tributária a terceiros, previsto no artigo 157.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e a que acima aludimos.

Pelo que ao recurso deve ser negado provimento na totalidade.

5. Conclusões

5.1. Não é oponível ao arrestante a venda a terceiros de bens arrestados, antes do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto;

5.2. Não constitui requisito do arresto em bens de terceiro adquirente dos bens arrestados que a reversão esteja concretizada ou que a verificação dos pressupostos respetivos já tenha sido apurada no procedimento próprio;

6. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas solidárias pelas Recorrentes, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atenta a simplicidade da causa.

D.n.

Lisboa, 15 de Julho de 2020. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.