Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0554/18.5BECTB
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Sumário:I – O prazo de quatro anos previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro conta-se da data da prática da irregularidade ou da data em que a mesma cessou, no caso de irregularidade continuada ou repetidas.

II – O prazo de quatro anos entre as irregularidades para que estejamos perante uma “irregularidade continuada ou repetida” é o que separa cada uma das consideradas irregularidades da irregularidade imediatamente anterior.

III – Estando em causa aferir da prescrição ou não de um procedimento de reembolso, carece de sentido jurídico estar a levar em conta, para efeito de qualificação das respectivas irregularidades como repetidas ou continuadas, infracções ocorridas numa outra campanha de exportação e cuja reposição de valores foi tramitada num outro procedimento de reposição.
Nº Convencional:JSTA000P25935
Nº do Documento:SA1202005210554/18
Data de Entrada:03/12/2020
Recorrente:ASFOALA - ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES FLORESTAIS DO ALTO ALENTEJO
Recorrido 1:IFAP- INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS- IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RELATÓRIO

1. ASFOALA – Associação de Produtores Florestais do Alto Alentejo intentou, no TAF de Castelo Branco, providência cautelar de suspensão de eficácia contra a decisão do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP — Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, que determinou a alteração do contrato de financiamento da decisão do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, que ao abrigo das competências delegadas através da Deliberação nº 747/2017, determinou a alteração do contrato de financiamento nº 02009023/0, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000017454, designada por Área Agrupada de ………. e de …….., e a devolução do valor de € 188.434,93, recebido pela Requerente a título de subsídio de investimento, notificada à Requerente através do ofício 019649/2018 DAI-UREC, de 12-09-2018 e recepcionado em 13-09-2018, requerendo então a junção aos autos do PA, a prestação de declarações de parte e a inquirição de testemunhas aí identificadas.
Em 17.07.2019 o TAF de Castelo Branco emitiu um despacho de indeferimento das requeridas declarações de parte e prova testemunhal, e, deferiu o pedido de antecipação do conhecimento do mérito pelo Requerente e aceitação expressa do Requerido, dando como verificados os pressupostos previstos no art. 121º CPTA, seguindo-se a prolação da sentença, que culminou com a decisão de improcedência da ação.
A A. interpôs recurso do referido despacho, bem como da sentença proferida para o TCAS.
Por acórdão de 07.11.2019 o TCAS decidiu a inadmissibilidade do recurso quanto ao despacho de antecipação da decisão da causa por a A. não ter ficado vencida nesse pedido; e, indeferiu o pedido de produção de prova por não ter havido qualquer erro decisório e, no respeitante ao mérito da ação manteve a sentença recorrida, negando provimento ao recurso.
Inconformada, ASFOALA – Associação de Produtores Florestais do Alto Alentejo vem interpor recurso para este STA, ao abrigo do art. 150ª CPTA.

2. Para tanto alegou em conclusão:
“1° A admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, em matérias de relevância jurídica que justificam a intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo (cfr. artº 150° nº 1 CPTA);
2° Ao aplicar aos restantes vícios imputados ao ato requerido, o pedido de antecipação da causa apresentado pela Requerente com fundamento na caducidade do procedimento da decisão, à luz do nº 6 do artº 168° CPA, o acórdão "a quo" erra nos pressupostos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão;
3° O douto acórdão "a quo" interpreta e aplica erradamente o disposto no artº 121 ° CPTA, na medida em que é manifesto que não se verificam nos autos os pressupostos legais para a antecipação do juízo da causa principal;
4° O douto acórdão" a quo" devia ter revogado a sentença com fundamento na violação do dever da boa gestão processual consagrado nos artºs 7°-A e 118° nºs 1 e 5 CPTA, e da violação do princípio contraditório, do princípio da igualdade das partes consagrado nos artºs. 3 ° e 4° CPC, e do princípio do processo equitativo;
5° O douto acórdão "a quo" interpretou e aplicou erradamente o art° 640° CPC;
6° No caso "sub judice" a Recorrente não tinha que indicar os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, porquanto o fundamento da sua impugnação sobre o julgamento da matéria de facto é o incumprimento do ónus de impugnação que recaía sobre o Requerido, quanto à matéria de facto articulada no requerimento inicial da providência;
7° Os factos articulados no requerimento inicial que não foram impugnados pelo Requerido devem ser julgados como aceites e provados, à luz do disposto nos artºs. 118° nº 2 CPTA e 574° nºs 1 e 2 CPC;
8° Ao assim não entender, o acórdão "a quo" violou o disposto nos artºs. 118° nº 2 CPTA e 574° nºs. 1 e 2 do CPC;
9° Ao decidir que a matéria constante dos artºs. 52° a 55°; 63° a 68°; 75°; 83° a 89°; 95° a 99°; 104° a 106°; 111° a 114°; 119° a 122°; 126° a 128°; 131° a 133°; 136° a 138°; 141° a 145°; 148° a 151°; 155° a 159° e 179° a 202° da p.i. era irrelevante para a boa decisão da causa o acórdão "a quo" faz uma errada interpretação e aplicação dos artºs. 5°, 552° nº 1 d) e 607° nºs. 3 e 4 CPC;

10° Ora porque aquela factualidade é manifestamente relevante para a decisão da causa, à luz do art° 118° nº 2 CPTA e do artº 574° nºs. 1 e 2 CPC, devem ser levados à matéria assente nos autos a factualidade alegada pela Recorrente nos artºs 52° a 55°; 63° a 68°; 75°; 83° a 89°; 95° a 99°; 104° a 106°; 111° a 114°; 119° a 122°; 126° a 128°; 131° a 133°; 136° a 138°; 141° a 145°; 148° a 151°; 155º a 159° e 179° a 202° da p.i.;

11° O douto acórdão "a quo" devia ter revogado a sentença com fundamento na violação da regra do ónus da prova, consagrado no artº 342° CC;

12° O douto acórdão "a quo" devia ter revogado a sentença com fundamento na violação do art° 33° do Regulamento (UE) nº 65/2011, de 27-1;

13° Isto porque, a sentença da 1ª instância, em lugar de avaliar a pista de controlo dos pagamentos feitos pela Requerente aos seus fornecedores, e que constam do PA da operação, o Juiz procedeu a essa avaliação relativamente aos contratos e pagamentos daqueles fornecedores com outros seus subcontratados, avaliação que está fora do âmbito da exigência legal prescrita no art. ° 33° do Regulamento (UE) nº 65/2011, de 27-1;

14° O acórdão "a quo" ao decidir que o prazo de prescrição do procedimento previsto no artº 2° do Regulamento (CE/EURATOM) nº 2988/95 do Conselho, de 18-12, conta-se a partir do momento em que o pedido de pagamento é deferido, e não do momento em que é submetido a aprovação o pedido de pagamento, faz uma errada interpretação e aplicação do artº 3°, 1° parágrafo, do identificado Regulamento;

15° Ao decidir que a operação identificada nos autos está abrangida pelo conceito de "Programa Plurianual", previsto no art° 3°, 2° parágrafo, 2ª parte, do identificado Regulamento, o acórdão "a quo" faz uma errada interpretação e aplicação desta norma europeia;

16° Ainda que se entendesse que estávamos na presença de irregularidades continuadas ou repetidas, previstas no segundo parágrafo do nº 1 do art° 3° do Regulamento nº 2988/95, - o que só por hipótese académica se concebe - o prazo de prescrição corre desde o dia em que cessaram as irregularidades, isto é, 28-11-2012, data em que foi submetido à aprovação do Requerido o Último Pedido de Pagamento da Operação;

17° Ao assim não entender, o acórdão "a quo" violou o disposto no art° 3°, nº 1, 3° parágrafo, do regulamento nº 2988/95, do Conselho de 18-12;

18° Mostram-se prescritos os procedimentos de recuperação das quantias objeto dos pedidos de pagamento identificados nos autos;

19° Face à matéria de facto dada como provada, a análise e julgamento sobre a verificação do ''fumus boni iuris", da forma perfunctória que caracteriza o julgamento em sede de providência cautelar, deve ser feito de forma diametralmente oposta àquela que é adotada na sentença "a quo".

Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, com as devidas consequências legais.

Assim se cumprirá a Lei e fará Justiça.”

3. O Recorrido IFAP-IP apresentou contra-alegações, concluindo:

“1ª Tendo presente, por um lado o disposto no artº 150º do CPTA, e, por outro, a economia decorrente das Alegações da presente revista, de concluir, será que, com a presente revista, a ASFOALA apenas pretenderá, objectivamente, mais uma reapreciação jurisdicional dos vícios imputados à Decisão contenciosamente impugnada;

2ª Na presente revista não se acha suscitada qualquer questão de relevância jurídica e social que justifique a sua admissão, nem a sua admissibilidade se mostra justificada pela necessidade de uma melhor aplicação do direito;

3ª Como tal, o recurso de revista excepcional não se mostra admissível face ao disposto no artº 150º do CPTA;

4ª O julgamento antecipado da causa principal, efectuado na 1ª instância ao abrigo do disposto no artº 121º do CPTA, deveu-se, por um lado, ao acolhimento do requerido pela ASFOALA nesse sentido (no qual alegou constarem dos autos todos os elementos necessários à antecipação do juízo sobre a causa principal), e, por outro lado, ao reconhecimento pelo Tribunal de que dos autos já constavam todos os elementos que habilitariam o Tribunal a efetuar esse julgamento);

5ª Nessa medida, a decisão de antecipação do juízo sobre a causa principal, em conformidade com as posições das partes expressas no processo a tal respeito, pelo que, tal decisão, não violou o disposto no artº 121º do CPTA;

6ª A factualidade que a Recorrente pretende que seja aditada à Fundamentação de Facto é absolutamente irrelevante para infirmar a ausência de pista de controlo que se tornou necessária a partir da constatação de que entre ASFOALA e alguns dos seus “fornecedores” (designadamente a ……… LDA, a …… LDA e …………) existiam relações especiais em virtude de as mesmas pessoas dirigentes da ASFOALA também serem Administradores destes alegados “fornecedores”;

7ª Aliás, sobre a questão suscitada pela Recorrente nas primeiras 16 Conclusões do recurso, já exaustivamente se pronunciou o STA no Acórdão de 04/10/2017, prolatado no recurso de Revista tramitada sob o nº 550/17 (e no qual foi Recorrente o IFAP e Recorrida a ASFOALA em caso absolutamente análogo), com o seguinte Sumário:

I - É legítimo o IFAP considerar como não elegíveis, para efeito de financiamento pelo FEADER, despesas apresentadas pelo promotor, em pedido de pagamento, consubstanciadas em facturas emitidas por fornecedor subcontratado, naquilo em que tais despesas, sem correspondência real, ultrapassam o chamado preço de entrada, ou 1º preço.

II - O ato administrativo que exclui essas despesas está acobertado pelo regime comunitário e nacional no que respeita à elegibilidade de despesas.

8ª Tendo presentes as datas fixadas pelas instâncias para efeitos de conhecimento, apreciação e decisão sobre a prescrição do procedimento de recuperação de verbas (15/04/2011, 06/07/2011, 10/10/2011, 12/12/2012 e 30/11/2015), ter-se-á que entre as mesmas não decorreu qualquer prazo prescricional - isto é: nem decorreu o prazo de 4 anos previsto no nº 1 do artº 3º do R 2988/95, nem decorreu o «prazo mais longo» de 5 anos previsto no nº 4 do artº 168º do CPA/2015;

9ª Tendo presente, também, a natureza repetida das irregularidades em causa, ter-se-á que o início da contagem do prazo de prescrição do procedimento (quer do prazo de 4 anos previsto no nº 1 do artº 3º do R 2988/95, nem decorreu o «prazo mais longo» de 5 anos previsto no nº 4 do artº 168º do CPA/2015) teria tido lugar no dia seguinte ao da prática da última irregularidade repetida em conformidade com o disposto no 2º parágrafo do nº 1 do artº 3º do R 2988/95 – ou seja: a partir de 30/11/2015;

10ª Tendo, também, presente que em 18/01/2017, o IFAP notificou a ASFOALA da intenção da decisão a ser proferida no procedimento - cfr. o Facto Provado n.º 87 – resulta que nesta data (18/01/2017), não só, não tinha decorrido o prazo de prescrição do procedimento como, nesta data também se interrompeu a prescrição com a destruição do tempo de prescrição entretanto decorrido.

11ª Consequentemente, resultando também da factualidade tida por provada no Acórdão recorrido no Facto Provado 96 que em 13/09/2018 o IFAP, concluíra o procedimento mediante a prolação da Decisão Final impugnada e na qual a ASFOLA fora a notificada da mesma nessa data de 13/09/2018, igualmente resulta, que nessa data de 13/09/2018, não só:

• não tinha decorrido o prazo de prescrição do procedimento (quer o prazo de 4 anos previsto no nº 1 do artº 3º do R 2988/95, como também não tinha decorrido o «prazo mais longo» de 5 anos previsto no nº 4 do artº 168º do CPA/2015);

• como, ainda, não tinha sido atingido o dobro de qualquer um dos prazos de prescrição que se considerem aplicáveis in casu para tal efeito;

12ª Contudo, ainda importaria relevar a circunstância de que, curando o R 2988/95 da recuperação de verbas resultantes de irregularidades na acepção do nº 2 do arº 1º deste Regulamento - Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida. (sublinhados e negritos, nossos) – o mesmo não se mostra aplicável à recuperação das quantias referentes à comparticipação nacional no financiamento da Operação em causa, a cargo do Orçamento de Estado Português, pelo que, nessa medida, também não ocorreu qualquer prescrição do procedimento relativamente à recuperação da comparticipação nacional correspondente a 25% do financiamento da referida Operação, constantes dos PP’s em causa;

13ª Como tal, afigura-se ao IFAP que a questão da prescrição do procedimento de recuperação de verbas, suscitada pela ASFOALA na presente revista, deva ser julgada improcedente, ainda que com fundamentos diversos dos considerados pelas instâncias;

14ª Assim sendo, bem andaram as instâncias, ao julgar improcedentes todos os vícios invalidantes imputados pela Recorrente à Decisão impugnada pelo que se afigura ser de manter a decisão recorrida, ainda que com fundamentos diversos, designadamente no que tal respeite á improcedência da invocada prescrição do procedimento, tendo presente a jurisprudência do STA e do TCA Sul sobre a questão, atrás mencionada;

Termos em que, com o douto suprimento, deve ser rejeita a revista, por absoluta falta de fundamentos de que a lei faz depender a sua admissibilidade ou, subsidiariamente, no caso de assim se não entender, ser negado provimento ao recurso, tudo com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.”

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 20.02.2020.

5. Notificado o MP emitiu, nos termos e para efeitos dos arts. 146º, nº1 e 147º, nº2, ambos do CPTA, não foi emitido parecer.

6. Cumpre decidir, sem vistos.

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FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto fixada pelas instâncias nos termos dos arts 663º nº6 e 679º do CPC ex vi art. 140º nº3 do CPTA e que consta de págs 4 v a 41 verso do acórdão aqui recorrido.

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DO DIREITO

1.Começa a aqui recorrente por invocar que o acórdão recorrido interpreta e aplica erradamente o disposto no artº 121° CPTA, na medida em que é manifesto que não se verificam nos autos os pressupostos legais para a antecipação do juízo da causa principal.

A entidade recorrida responde que a decisão de antecipação do juízo sobre a causa principal, foi-o em conformidade com as posições das partes expressas no processo pelo que não foi violado o disposto no artº 121º do CPTA.

Então vejamos.

No acórdão recorrido entendeu-se ser inadmissível o recurso desta decisão de antecipação com os seguintes fundamentos:

“(...) Logicamente, esse art.º 121.º não consente que o Tribunal apenas conheça em antecipação uma parte da causa principal, deixando por resolver essa mesma causa. O mencionado artigo também não consente que o Tribunal apenas aprecie antecipadamente alguma das ilegalidades invocadas, deixando por julgar as restantes questões trazidas a litígio.

Portanto, quando o A. e Recorrente requereu a antecipação do conhecimento da causa principal ao abrigo do art.º 121.º do CPTA, não poderia pretender que o Tribunal apenas conhecesse a ilegalidade do ato impugnado por uma das causas que invocava, deixando todas as restantes para a apreciação no processo principal, cujo conhecimento se pedia para antecipar. Isso seria algo que não corresponderia ao preceituado no art.º 121.º do CPTA, seria ilógico e um contrassenso.

Portanto, malgrado a forma confusa como o A. e Recorrente formulou o seu pedido de antecipação da causa principal, é perfeitamente legítimo que o R. IFAP e o Tribunal tivessem entendido aquele pedido como correspondendo a um pedido de antecipação feito nos moldes que vêm permitidos no art.º 121.º do CPTA. Ou seja, ainda que se admita que o pedido que foi formulado pelo A. no req. 136200 era equívoco - pois apesar de requerer a antecipação do conhecimento da causa principal ao abrigo do art.º 121.º do CPTA, também apontava para uma antecipação meramente parcelar – não se pode entender que tenha requerido algo diferente daquele que foi conhecido.

O A. e Recorrente requereu a antecipação do conhecimento da causa principal ao abrigo do art.º 121.º do CPTA e teve provimento nesse pedido.

Quanto ao conhecimento antecipado parcelar, era algo que não vinha requerido em termos explícitos, correspondendo, antes, a um pedido implícito ou subentendido, que se alcança a custo a partir das suas alegações.

Em suma, o recurso não é admissível quanto ao despacho de antecipação do conhecimento da causa principal, pois o A. e Recorrente não ficou vencido nesse pedido, mas obteve vencimento - cf. art.ºs 141.º, n.º 1, do CPTA e 631.º, n.º 1, do CPC.”

Assim, não tendo a decisão recorrida admitido o recurso nesta parte não se pronunciou quanto à bondade da decisão de 1 ª instância de antecipação do conhecimento da causa principal.

Ora, no recurso interposto para este tribunal, a recorrente não vem impugnar a decisão na parte em que ela não se pronunciou quanto à bondade da decisão de 1ª instância na antecipação da causa, por entender que o recurso não era admissível nesta parte, mas antes na falta de pressupostos legais para a antecipação da causa à luz do art. 121º do CPTA.

Pelo que, não se tendo o TCAS pronunciado sobre a questão não o pode também este STA fazê-lo.

2. Impugna, também, a recorrente a factualidade tida por assente na decisão recorrida alegando existir erro de julgamento na fixação do probatório.

Para tanto alega que o tribunal "a quo" interpretou e aplicou erradamente o art° 640° do CPC e 342º do CC já que não tinha que indicar os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, porquanto o fundamento da sua impugnação sobre o julgamento da matéria de facto é o incumprimento do ónus de impugnação que recaía sobre o Requerido quanto à matéria de facto articulada no requerimento inicial da providência.

Conclui que os factos articulados no requerimento inicial que não foram impugnados pelo Requerido devem ser julgados como aceites e provados, sob pena de violação dos artºs. 118° nº 2 CPTA e 574° nºs. 1 e 2 CPC.

E que, esses factos, os artºs. 52° a 55°; 63° a 68°; 75°; 83° a 89°; 95° a 99°; 104° a 106°; 111° a 114°; 119° a 122°; 126° a 128°; 131° a 133°; 136° a 138°; 141° a 145°; 148° a 151°; 155° a 159° e 179° a 202° da p.i. , contrariamente ao decidido, são matéria relevante para a boa decisão da causa, o que implica a violação dos artºs. 5°, 552° nº 1 d) e 607° nºs. 3 e 4 CPC.

A este propósito extrai-se da decisão recorrida:

“(...) Igualmente, a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelo A. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1.ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.

Por último, estando em apreciação uma ação relativa a um ato administrativo, vale aqui o preceituado nos art.ºs 83.º, n.º 4, do CPTA, que determina que “a falta de impugnação especificada (…) não importa confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios.”

Logo, não há que invocar na presente ação – em que se conheceu em antecipação da causa principal – o determinado no art.º 118.º, n.º 2, do CPTA, por se aplicar, ao caso, o referido art.ºs 83.º, n.º4, do CPTA.

O R. IFAP apresentou a contestação que consta do processo principal – o P. 553/18.7BECTB – e aí impugnou a factualidade aduzida pelo A. A ...... O R. não fez uma impugnação especificada de toda a factualidade arguida na PI, limitando-se a contraditar, pontualmente, o que vinha alegado.

Porém, por aplicação do 83.º, n.º4, do CPTA, aquela não impugnação especificada não importa a confissão de quaisquer factos, mas fica sujeita ao princípio da livre apreciação da prova. Nessa mesma medida, cabia ao Tribunal atender a toda a prova produzida no processo – inclusive a junta com o PA – conjugando-a com a falta de impugnação especificada da contestação apresentada pela entidade demandada.

Feito o indicado enquadramento, verifiquemos, então, o alegado erro de julgamento de facto.

Quanto aos factos articulados nos art.ºs 52.º a 55.º, 63.º a 67.º, 75.º, 83.º a 89.º, 95.º a 99.º, 104.º a 106.º, 111.º a 114.º, 119.º a 122.º, 126.º a 128.º, 131.º a 133.º, 136.º a 138.º, 141.º a 145.º, 148.º a 151.º, 155.º a 159.º irrelevam na decisão a tomar, pois são relativos aos preços, pagamentos e trabalhos feitos pela A. e Recorrente e terceiros.

Mais se indique, que estes preços, pagamentos e trabalhos quando se relacionam com as despesas apresentadas em sede do projeto estão já vertidos na sentença recorrida, designadamente nos factos 43, 60.º a 79.º.

No demais, quanto a estes factos ficaram por cumprir os ónus do Recorrente, pois não foram especificados os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

No que concerne aos factos vertidos nos artigos 179.º a 202.º da PI, também irrelevam para a decisão a tomar, que é de antecipação da causa principal e não uma decisão cautelar.

Os factos vertidos nestes artigos da PI visavam a prova do requisito periculum in mora, que deixou de interessar para decisão judicial, que é agora, apenas, a que resolve o litígio no processo principal.

Vem o Recorrente dizer que está provado que existe uma pista de controlo das despesas da operação, pois o Recorrido aceitou como boas as correspondentes despesas, fiscalizou-as, validou-as e pagou-as. Mais diz o Recorrente, que a prova da inexistência desta pista cabia em termos procedimentais ao IFAP e só poderia ser feita em sede do processo principal, não no cautelar.

Como acima assinalamos, a decisão que antecipou o conhecimento da causa principal não é recorrível, pois o A. e Recorrente obteve vencimento nesse pedido.

Logo, a impugnação que vem feita relativamente à decisão que conheceu do pedido formulado no processo principal só pode ser entendida como correspondente a uma invocação de erro no julgamento da matéria de facto por não se ter dado por provada a existência da pista de controlo.

Ora, quanto à impugnação deste facto o Recorrente não dá mínimo cumprimento dos seus ónus, não indicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa.

No mais, as ilações que se retirem da entrega da candidatura do A., da entrega dos documentos de despesas e do seu recebimento pelo IFAP, ou das fiscalizações feitas por este organismo, não são matéria fáctica, mas de Direito.

Falece, pois, o invocado erro no julgamento da matéria de facto.”

Como sabemos e é jurisprudência uniforme, não é possível, no âmbito de um recurso de revista, sindicar o julgamento sobre a matéria de facto a não ser que esteja em causa a aplicação do direito.

Ora, a invocação de que os factos articulados no requerimento inicial não foram impugnados pelo Requerido em violação dos artºs. 118° nº 2 CPTA e 574° nºs. 1 e 2 CPC é precisamente uma questão de direito.

Na verdade, saber a quem pertence o ónus de impugnação para aferir da presunção dos factos alegados, por de falta de oposição, é uma questão de direito.

Mas, não procede.

É que, como está em causa o juízo antecipado da causa principal, e tratando-se da impugnação de um ato administrativo, aplica-se o nº 4 do art. 83º do CPTA que determina que «(…) a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa confissão dos factos articulados pelo autor (…)».

Por outro lado, vem a recorrente também invocar erro quando a decisão recorrida entende que não se podia ter dado por provada a matéria de facto impugnada, nomeadamente a existência da pista de controlo, por não terem sido indicados os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impusessem decisão diversa, quando o que estava em causa era o incumprimento do ónus de impugnação que recaía sobre o Requerido, quanto à matéria de facto articulada no requerimento inicial da providência.

Erro esse que se traduziu na violação do art. 640º do CPC.

Como reza este preceito:

“Artigo 640.º (art.º 685.º-B CPC 1961)

Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Ora, e face ao que já foi referiu quanto às consequências da falta de impugnação do Requerido quanto à matéria de facto articulada no requerimento inicial da providência, não há que aplicar o art.º 118.º, n.º 2, do CPTA face à livre apreciação do tribunal da prova produzida no processo e a sua conjugação com a falta de impugnação especificada da contestação apresentada pela entidade demandada.
A Recorrente tinha, assim, que indicar os meios probatórios que impunham decisão diversa da decisão que estava em causa sobre a matéria de facto até porque, como vimos, o motivo invocado na impugnação sobre o julgamento da matéria de facto não procedia.
Aliás, o ónus da prova era seu a partir do momento que colocou em causa a apreciação da prova feita pelo tribunal.

Assim, com as limitações deste tribunal de revista apenas à apreciação de matéria de direito, não nos merece qualquer crítica a decisão do TCAS que manteve, nesta parte, o decidido em 1ª instância.

3. Invoca a recorrente a violação pela decisão recorrida do dever da boa gestão processual consagrado nos artºs 7°-A e 118° nºs 1 e 5 CPTA, e da violação do princípio contraditório, do princípio da igualdade das partes consagrado nos artºs. 3 ° e 4° CPC, e do princípio do processo equitativo.

A recorrente já havia invocado a ocorrência destes vícios aquando do recurso para o TCAS da decisão de 1ª instância, tendo o acórdão recorrido se pronunciado nos seguintes termos:

“(...) Vem o Recorrente interpor recurso do despacho prévio à sentença, que indeferiu o pedido para a produção de declarações de parte e de prova testemunhal. Diz o Recorrente que tal despacho viola o dever de gestão processual, os princípios do contraditório, da igualdade, do direito à prova e ao processo equitativo, porque não se admitiu as declarações de parte e de prova testemunhal por si requeridas e, depois, não se deu procedência à ação, quando se aquela prova tivesse sido feita tal ação seria procedente.

A decisão recorrida considerou que a prova requerida era irrelevante porque os factos com interesse para a sentença a proferir já estavam provados através de documento e, ainda, porque entendeu que a pista de controlo não era passível de ser demonstrada por intermédio de outra prova que não a documental.

Neste recurso o Recorrente não aduz nenhuma razão concreta para sustentar a sua afirmação de que a prova que requereu era necessária para a decisão a proferir. Ou seja, o Recorrente não indica nenhum facto concreto que tivesse alegado na PI que relevasse para a decisão a proferir e que tivesse de ser provado por declarações de parte ou por prova testemunhal.

Todas as alegações de recurso, nesta parte, são relativas a generalidades, abstrações ou a apreciações teóricas e doutrinárias acerca da violação dos indicados dever e princípios.

Não diz o Recorrente que tenha ocorrido um dado facto, que indique, que foi especificadamente alegado na PI, que era necessário para a decisão a proferir e que foi dado por não provado por não ter sido admitida a prova que requereu.

Não se vislumbra, atendendo à decisão que foi proferida, que a prova por declarações de parte ou por testemunhas fosse realmente necessária.

A sentença proferida considerou que não ficaram por provar quaisquer factos com interesse para a causa.

Portanto, neste enquadramento, não ocorreu nenhum erro decisório por se ter dispensado a prova por declarações de parte e testemunhal que foi requerida.

No restante, inexistindo factos controvertidos com interesse para a causa, é dever do juiz, em cumprimento do dever de gestão processual, indeferir a prova que tenha sido requerida, porque inútil.

Esse indeferimento não afronta os princípios do contraditório, da igualdade, do direito à prova e ao processo equitativo, já que não há factos que interessem provar e que permaneçam controvertidos.

Como já se disse, o Recorrente não indica nenhum facto concreto que tenha ficado por provar por não se ter recorrido à prova por declarações de parte e testemunhal.”

Ora, a violação destes princípios tem precisamente a ver com a livre apreciação da prova sendo que o princípio do contraditório no sentido em que foi invocado não se trata de uma questão de direito a conhecer por este STA já que na versão do tribunal a quo , e que aqui não é possível sindicar, não estavam em causa quaisquer factos que interessassem provar e que permanecessem controvertidos.

A decisão aqui recorrida não pôs, assim, em causa os princípios supra referidos.

4. Vem a recorrente invocar a violação pela decisão recorrida do art° 33° do Regulamento (UE) nº 65/2011, de 27-1, já que a sentença da 1ª instância, em lugar de avaliar a pista de controlo dos pagamentos feitos pela Requerente aos seus fornecedores, e que constam do PA da operação, procedeu a essa avaliação relativamente aos contratos e pagamentos daqueles fornecedores com outros seus subcontratados, avaliação que está fora do âmbito da exigência legal prescrita no art.° 33° do Regulamento (UE) nº 65/2011, de 27-1

É o seguinte o teor do artigo 33.º do Reg. n.º 65/2011, de 27-01, sob a epígrafe “Comunicação dos controlos aos organismos pagadores”:

1. Sempre que os controlos não sejam realizados pelo organismo pagador responsável, o Estado-Membro assegura que esse organismo receba informações suficientes sobre os controlos realizados e os seus resultados. Compete ao organismo pagador definir as suas necessidades em matéria de informação. As informações podem consistir num relatório sobre cada controlo realizado ou, se adequado, num relatório de síntese.

2. Deve ser mantida uma pista de controlo suficiente. Consta do anexo a descrição indicativa dos requisitos de uma pista de controlo satisfatória.

3. O organismo pagador tem o direito de verificar a qualidade dos controlos executados por outros organismos e de receber quaisquer outras informações de que necessite para o desempenho das suas funções.”

Consta do respectivo Anexo a “descrição indicativa das informações necessárias para uma pista de controlo suficiente”:

“Existe uma pista de controlo suficiente, como previsto no artigo 33.º, n.º 2, quando, para uma dada intervenção, essa pista:

a) Permite a conciliação entre os montantes globais declarados à Comissão e as facturas, os documentos contabilísticos e outros documentos comprovativos mantidos pelo organismo pagador ou por outro serviço relativamente a todas as operações objecto do apoio do FEADER;

b) Permite a verificação do pagamento das despesas públicas ao beneficiário;

c) Permite a verificação da aplicação de critérios de seleção às operações financiadas pelo FEADER;

d) Contém, na medida do necessário, o plano financeiro, relatórios de atividades, documentos referentes à concessão do apoio, documentos respeitantes aos procedimentos de concursos públicos e relatórios sobre os controlos executados.”

A nível de interpretação da lei e nos termos do art. 9º do CC, a interpretação a fazer do artigo 33º do Regulamento (EU) n.º 65/2011, de 27-01, há-de sê-lo em harmonia com os preceitos onde sistematicamente se insere.

E, não podemos olvidar o que se estipula no seu artigo 24º, sob a epígrafe «Controlos administrativos», nomeadamente que «[…] 2. Os controlos administrativos dos pedidos de apoio incluem, nomeadamente, a verificação: […] d) Do carácter razoável dos custos propostos, que são avaliados através de um sistema de avaliação adequado, tais como custos de referência, comparação de diferentes propostas ou um comité de avaliação; […] 3. Os controlos administrativos dos pedidos de pagamento incluem, nomeadamente, e tanto quanto seja adequado relativamente ao pedido em causa, a verificação: […] b) Da realidade das despesas declaradas; c) Da operação concluída, por comparação com a operação para a qual o pedido de apoio foi apresentado e concedido».

E é a interpretação que ao mesmo é dada no acórdão deste STA 550/17 de 10/04/2017 que, depois de aludir a uma série de legislação aplicável, conclui:

“(...) E dele ressuma, desde logo, a consagração pelo «direito comunitário» de um dever de proteção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade por parte de todos os Estados-Membros, aos quais cabe, respeitados determinados princípios gerais, estabelecer as regras sobre elegibilidade, designadamente, de despesas apresentadas nos pedidos de pagamento, mediante as necessárias «disposições legislativas, regulamentares e administrativas» e podem ser responsabilizados se não o fizerem. E ressuma o dever de respeito pelo princípio da boa-gestão financeira e pelos critérios de seleção de despesas fixados pelo organismo competente, não se podendo prescindir nem da verificação da realidade das despesas declaradas, nem da sua aferição segundo o critério da razoabilidade de custos.

Assim, do referido e citado artigo 24º, do Regulamento nº65/2011, mais do que a mera possibilidade, resulta o dever de o aqui IFAP, regido pelos princípios da boa gestão financeira e da eficaz defesa dos interesses financeiros da Comunidade, excluir, do financiamento pelo FEADER, despesas sem correspondência real, isto é, despesas que não obstante corresponderem a uma ação executada não lhes subjaz o correspectivo bem ou prestação, mostrando-se, por isso, irrazoáveis em termos de mercado concorrencial.

É esta, aliás, e ao que tudo indica, a razão de ser da consagração, no referido «Manual Técnico», do critério do «1º preço de venda/preço de entrada», aplicável no âmbito da subcontratação, e em sintonia com o DL nº37-A/2008, de 05.03, e com a Portaria 1137-D/2008, de 09.10, que exige a ponderação do «valor de mercado» - que é sempre valor de algo, nomeadamente de bens ou serviços - como necessária à elegibilidade das despesas comparticipadas.

E com esse decreto-lei, portaria, e manual técnico, o Estado Português, como Estado-Membro da União Europeia, está precisamente a dar «cumprimento» ao dever que emerge dos supra citados regulamentos comunitários, concretamente ao dever imposto no artigo 9º, nº1 alínea a) do Regulamento [CE] nº1290/2005, do Conselho, de 21.06 [ver, também, o citado artigo 74º, nº1, do O Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09], que determina a adopção, no âmbito da política agrícola comum, de todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à proteção eficaz dos interesses da Comunidade, mormente na linha de exigência de uma boa gestão financeira, gerindo e verificando de forma inteligente e arguta, a concessão e aplicação de recursos escassos, que, no fim da linha, encontram os bolsos de todos os cidadãos europeus.

8. Ora, a decisão administrativa tomada pelo «Presidente do Conselho Diretivo do IFAP», que determinou a alteração do contrato de financiamento referente à operação «Área Agrupada de ………» e a devolução do valor já recebido pela A……….., insere-se precisamente no âmbito de aplicação deste quadro normativo acabado de abordar.

Efetivamente, e logo na vanguarda normativa, porque se encontravam perante uma situação de despesas emergentes de subcontratação, impunha-se ao IFAP, para as poder considerar «elegíveis» para pagamento, a sua aferição de acordo com os preços de mercado, mas com o limite imposto pelo critério do «1º preço de venda/preço de entrada». Critério este oportunamente aprovado pelo Presidente do IFAP, e, ao que vimos, no exercício de competência perfeitamente legitimada no direito comunitário.

Mas, não só legitimada. É que a fixação desse «critério» está em sintonia com o dever imposto pelo «direito comunitário» aos Estados-Membros, de procederem a uma «boa gestão financeira» dos subsídios comunitários concedidos aos seus nacionais, o que impõe - como já dissemos - uma gestão inteligente, previdente, e arguta, que feche a porta a despesas irreais.

No caso, a A…………, enquanto «promotora» da operação subsidiada, instruiu os dois primeiros pedidos de pagamento com duas facturas - factura nº17/2013 e factura nº14/2014 - ambas emitidas pela B…………, nas quais esta empresa, enquanto fornecedora, adicionava uma margem de lucro ao preço dos bens e serviços que havia subcontratado, sem que lhe correspondesse qualquer mais-valia, qualquer valor acrescentado da sua parte.

Trata-se, portanto, da pura adição de um valor a que não corresponde qualquer contrapartida, sem correspondência real, que abre a porta a preços fictícios e à especulação, e que, nas referidas circunstâncias factuais e jurídicas, não poderá ser qualificado de razoável num mercado concorrencial. Na verdade, os terceiros que forneceram os bens adquiridos e prestaram os serviços solicitados fizeram-no, obviamente, com margem de lucro, pois para isso trabalham, de modo que os valores por eles cobrados já traduziam custos razoáveis, não tendo de ser os dinheiros comunitários a suportar novas, e irreais, margens de lucro.”

Daí que bem tenha andado a decisão recorrida ao entender que:

“Dos factos provados resulta que na sequência de fiscalização foi verificada a existência de despesas inelegíveis, por existirem documentos de suporte que não permitiam a devida conciliação, pois apresentavam-se incompatíveis, atendendo às indicações de datas, de fornecedores e de meios, ou que não podiam ser confirmados no modo de execução da despesa.

Como se indica no Ac. do TCAS n.º 305/16.9BECTB, de 21-09-2017 (referido na decisão recorrida, que estará erradamente publicado com a indicação BELSB), a pista de controlo, cuja existência é exigida pelo art.º 33.º do Reg. n.º 65/2011, de 27-01, visa “a conciliação entre os montantes globais declarados à Comissão e as faturas, os documentos contabilísticos e outros documentos comprovativos mantidos pelo organismo pagador ou por outro serviço relativamente a todas as operações objeto do apoio do FEADER’ não é passível de ser demonstrada por intermédio de qualquer outro meio de prova que não seja o documental.”

Assim, não foi errada a decisão tomada pelo R. e Recorrido quando entendeu que a margem de lucro que foi adicionada pelo A. e Recorrente ao preço dos bens e serviços que havia subcontratado não era elegível para efeito de financiamento.

Ademais, face à matéria provada nos autos não se pode concluir pela existência de qualquer mais-valia ou qualquer valor acrescentado pela intervenção da subcontratada, justificativa do acrescento de preço que faturou.”

Podemos, assim, concluir que da conjugação com os preceitos que o antecedem, resulta do art. 33º supra referido nomeadamente, e no que aqui diz respeito, que a avaliação da pista de controlo dos pagamentos feitos deva ter em considerar a relação contabilística entre a …-…, Lda e a …. com os seus subcontratados.

Não basta, pois que os trabalhos tenham sido executados mas também que exista prova documental da despesa feita com os mesmos.

5. Invoca a recorrente, também, que o acórdão recorrido faz uma errada interpretação e aplicação do artº 3°, 1° parágrafo do Regulamento (CE/EURATOM) nº 2988/95 do Conselho, de 18-12, ao decidir que o prazo de prescrição do procedimento previsto no artº 2° do Regulamento (CE/EURATOM) nº 2988/95 do Conselho, de 18-12, se conta a partir do momento em que o pedido de pagamento é deferido, e não do momento em que é submetido a aprovação o pedido de pagamento.

Invoca, também, que as instâncias erraram ao decidirem que a operação identificada nos autos está abrangida pelo conceito de "Programa Plurianual".

E que, ainda que se entendesse que estávamos na presença de irregularidades continuadas ou repetidas, previstas no segundo parágrafo do nº 1 do art° 3° do Regulamento nº 2988/95, - o que só por hipótese académica se concebe - o prazo de prescrição corre desde o dia em que cessaram as irregularidades, isto é, 28-11-2012, data em que foi submetido à aprovação do Requerido o Último Pedido de Pagamento da Operação.

Pelo que, quando em 19/01/2017 foi notificado da intenção de revogação dos pagamentos já o respetivo procedimento de recuperação estava prescrito.

Entendeu-se na decisão recorrida e citando a decisão de 1ª instância que quanto às três primeiras irregularidades devem as mesmas ter-se como praticadas no dia em que foram deferidos, previamente ao seu pagamento, os pedidos de pagamento e já que entre os tal mesmos e 15-04-2011, 06/07/2011 e 10/10/2011 e a data de 30/11/2015, deferimento dos pedidos de pagamento apresentados nas operações a que se referem os factos provados n.ºs 98, 99 e 102, correram mais de quatro anos.

Pelo que, não estão reunido um dos pressupostos da aplicabilidade do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95.

Quanto ao quarto dos pagamentos entendeu-se que entre a data de 12/06/2012 e a data de 30/11/2015, data em que foram deferidos, previamente ao seu pagamento, os pedidos de pagamento apresentados nas operações a que se referem aqueles factos provados n.ºs 98, 99 e 102 não correram mais de quatro anos.

E atendendo a que as operações incluídas em diferentes contratos de financiamento, não deixam de consubstanciar violações praticadas pelo mesmo operador «que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União».

Conclui que, e relativamente a estas duas últimas irregularidades, ocorreu uma irregularidade repetida ou continuada, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95.

E que, portanto, o prazo se iniciaria, relativamente a estas, no dia em que o último pedido foi deferido, ou seja, quanto aos pedidos deferidos em 12/06/2012 e 30/11/2015, seria esta última data a relevante.

Quanto às 3 tranches que se entendeu não constituírem infração repetida relativamente à última, as mesmas não foram consideradas prescritas porque se entendeu estar perante um programa plurianual.

A decisão recorrida e subscrevendo a decisão de 1ª instância partiu, assim, dos seguintes pressupostos:

_ A data relevante para o início do prazo prescricional é a data do deferimento do pedido de pagamento;

_ Como decorre do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 52, não podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, irregularidades separadas por um período superior ao prazo de prescrição de quatro anos previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 52), prazo esse a contar entre a primeira e a última irregularidade.

_ As operações incluídas em diferentes contratos de financiamento, não deixam de consubstanciar violações praticadas pelo mesmo operador para efeitos de infrações repetidas.

_Pelo que, entre o deferimento dos pedidos que ocorreram em 12/06/2012 e em 30/11/2015, porque não correram mais de quatro anos, estão reunidos os pressupostos da aplicabilidade do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, sendo este último o prazo relevante para o início do prazo prescricional relativamente a estes dois pedidos.

_ Contudo, entendeu estar-se perante um Plano plurianual pelo que o prazo apenas termina com o encerramento definitivo do programa [“projeto” ou “operação”] que ocorreu no dia 21/06/2017, relativamente a todos os pedidos de pagamento, não estando, por isso, nenhum prescrito.

Então vejamos.

5.1.Quanto à data relevante para início do prazo prescricional discordamos do veiculado na decisão recorrida não obstante tal não apresentar repercussão na decisão aqui causa.

Entendeu a decisão recorrida que o momento relevante seria o do deferimento do pedido de pagamento.

Estipula o referido Reg. 2988/95, nos seus arts. 1º e 3º nº 1:

“Art. 1º: ¯1. Para efeitos da proteção dos interesses financeiros [da União], é adoptada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito da União.

2. Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito [da União] que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral ou orçamento geridos, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta, quer por uma despesa indevida‖.:

¯1. (§1) O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.º 1 do artigo 1º. Todavia as regulamentações setoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

(§2) O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

(§3) A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

(§4) Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição – 8 anos – sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o no 1 do artigo 6º. 2. (...)

3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos n.ºs 1 e 2.”

A propósito, o Acórdão de 6/10/2015 (C-59/14) do TJUE explicitou que:

«(...) 23. Em conformidade com o artigo 3.°, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade. O artigo 1.°, n.º 2, desse regulamento define o conceito de «irregularidade» como qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos geridos por esta.

24. A prática de uma irregularidade, que faz correr o prazo de prescrição, pressupõe, por isso, o preenchimento de dois pressupostos, a saber, um ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União, bem como uma lesão ou uma lesão potencial ao orçamento da União.

25. Em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação do direito da União foi detetada após a concretização da lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir da prática da irregularidade, isto é, a partir do momento em que tenham ocorrido tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta.

26. Essa conclusão está em conformidade com o objetivo do Regulamento n.º 2988/95, que, de acordo com o seu artigo 1.°, n.º 1, visa a proteção dos interesses financeiros da União. Com efeito, o dies a quo situa-se na data do facto ocorrido em último lugar, ou seja, quer na data da concretização da lesão, quando esta ocorra após o ato ou omissão que constitua uma violação do direito da União, quer na data desse ato ou omissão, quando a vantagem em causa tenha sido concedida antes do referido ato ou omissão. A prossecução do objetivo de proteção dos interesses financeiros da União está, por conseguinte, facilitada.

27. Além disso, essa conclusão não é posta em causa pelo argumento do Governo grego, segundo o qual o dies a quo situar-se-ia no dia da descoberta da irregularidade pelas autoridades competentes. Com efeito, esse argumento colide com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a data em que as autoridades nacionais tomaram conhecimento de uma irregularidade é irrelevante para o início do prazo de prescrição (acórdão Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 67).

28. Aliás, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Administração tem um dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos que efetua e que estão a cargo do orçamento da União (acórdão Ze Fu Fleischhandel GmbH e Vion Trading, C-201/10 e C-202/10, EU:C:2011:282, n.º 44). Admitir que o dies a quo corresponde ao dia da descoberta da irregularidade em causa iria contra esse dever de diligência.

29. Em face destas considerações, há que responder à primeira questão que os artigos 1.°, n.º 2, e 3.°, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação de uma disposição do direito da União só foi detetada após a concretização de uma lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que ocorreram tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta. (...)”

Podemos, assim, concluir que quando esteja em causa a violação de uma disposição do direito da União que só foi detetada após a concretização de uma lesão, que é a situação dos autos, o início do prazo prescricional ocorre no momento em que ocorreram tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União.

Sendo que, o momento da lesão é o do pagamento ao beneficiário e não a data em que esse pagamento foi deferido.

5. 2. Quanto à questão de saber se as irregularidades são ou não repetidas diz-se na decisão recorrida que:

(...) iv. Termo inicial: irregularidades continuadas ou repetidas

Nos termos do disposto no segundo parágrafo do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95, o prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade.

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma irregularidade é «continuada ou repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, quando é cometida por um operador que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União (v. acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.º 41). Quando um operador, com o fim de retirar uma vantagem económica, efetua várias operações semelhantes que violam a mesma disposição de direito da União, há que considerar que essas operações formam uma única e mesma irregularidade continuada ou repetida (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 66).

As irregularidades não podem, no entanto, constituir uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, se estiverem separadas por um período superior ao prazo de prescrição de quatro anos previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 52).

Quanto ao termo inicial da contagem do prazo de prescrição, na hipótese de infrações continuadas ou repetidas, a expressão «cessou a irregularidade» prevista no segundo parágrafo do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95, deve ser interpretada no sentido de que se refere ao dia em que cessou a última operação constitutiva de uma mesma irregularidade repetida (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 66).”

Contudo, o TJUE no citado acórdão “Pfeifer & Langen”, de 11.06.2015, Processo C-52/14 pronunciou-se no seguinte sentido:

«(...) 48. Com a quarta e oitava questões, a analisar conjuntamente, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.°, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, é necessário que várias irregularidades tenham entre si uma estreita relação cronológica para serem consideradas constitutivas de uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, e, por outro, de que as irregularidades relativas ao cálculo das quantidades de açúcar armazenadas pelo fabricante, verificadas em campanhas de comercialização diferentes, que levaram a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante, e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem, podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição.

49. A título preliminar, há que recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma irregularidade é «continuada ou repetida», na aceção do artigo 3.°, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, quando é cometida por um operador que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União (v. acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.°41).

50. À luz desta definição, o tribunal de reenvio interroga-se, antes de mais, sobre a necessidade de uma estreita relação cronológica entre duas ou mais irregularidades para estas constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95. No caso, segundo esse tribunal, algumas das operações imputadas à recorrente no processo principal ocorreram unicamente em campanhas de comercialização diferentes.

51. A esse respeito, há que recordar que, como se indica no n.º 24 do presente acórdão, o prazo de prescrição previsto no artigo 3.°, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95 destina-se a garantir a segurança jurídica dos operadores, devendo estes ter a possibilidade de determinar quais das suas operações estão definitivamente adquiridas e quais podem ainda ser objeto de um procedimento.

52. Ora, as irregularidades não podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, se estiverem separadas por um período superior ao prazo de prescrição de quatro anos previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. Com efeito, numa situação como essa, essas irregularidades distintas não apresentam uma relação cronológica suficientemente estreita. Na falta de um ato de instrução ou de abertura de procedimento da autoridade competente, um operador pode assim legitimamente considerar prescrita a primeira dessas irregularidades. Em contrapartida, essa relação cronológica existe quando o período que separa cada irregularidade da anterior é inferior a esse prazo de prescrição.

53. Seguidamente, quanto à qualificação das irregularidades em causa no processo principal, cabe ao tribunal de reenvio verificar se, à luz do direito nacional da prova aplicável ao processo principal e desde que não seja posta em causa a eficácia do direito da União, estão reunidos os elementos constitutivos de uma irregularidade continuada ou repetida, recordados no n.º 49 do presente acórdão (v., neste sentido, acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.°43). Contudo, o Tribunal de Justiça pode fornecer a esse tribunal, com base nos elementos contidos na decisão de reenvio, os elementos de interpretação suscetíveis de lhe permitir uma decisão.

54. A esse respeito, nomeadamente, verifica-se que as irregularidades imputadas à Pfeifer & Langen contribuem todas para o carácter errado das declarações prestadas por essa sociedade quanto à qualificação dada a uma parte da sua produção de açúcar branco, por cujos custos de armazenagem pedia o reembolso (quotas A e/ou B em vez de açúcar C). Assim, essas irregularidades podem constituir uma violação repetida do artigo 13.°, n.º 1, do Regulamento n.º 1998/78, que impõe ao fabricante de açúcar uma obrigação de declaração das existências elegíveis para o reembolso dos custos de armazenagem.

55. Não se pode, pois, excluir que as irregularidades imputadas à Pfeifer & Langen no processo principal constituem no seu conjunto uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o que, contudo, cabe ao tribunal de reenvio verificar.

56. À luz destas considerações, há que responder à quarta e oitava questões que o artigo 3.°, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, quanto à relação cronológica pela qual as irregularidades tenham de estar ligadas para constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, unicamente se exige que o período que separa cada irregularidade da anterior seja inferior ao prazo de prescrição previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. As irregularidades, como as que estão em causa no processo principal, relativas ao cálculo das quantidades de açúcar armazenadas pelo fabricante, que tenham ocorrido em campanhas de comercialização diferentes, tenham levado a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem constituem, em princípio, uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar (...)».

Daqui resulta que as irregularidades assumem a natureza de “irregularidade continuada ou repetida” na aceção do art. 3º nº 1 §2º, quando entre cada uma delas não decorra um prazo superior a 4 anos.

Ora, no caso sub judice, não decorreu esse prazo entre cada uma das irregularidades cometidas, pelo que o prazo inicia-se a contar da última irregularidade cometida.

5.3. Quanto ao entendimento veiculado na decisão recorrida de que não obsta à caracterização da “irregularidade continuada ou repetida” as irregularidades praticadas no âmbito de diferentes operações incluídas em diferentes contratos de financiamento, por não deixarem de consubstanciar violações praticadas pelo mesmo operador «que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União», deve o mesmo ser censurável.

Na verdade, e como resulta do Ac. do STA de 8/3/2018, 0480/17, que subscrevemos, «estando em causa aferir da prescrição ou não de um procedimento de reembolso, carece de sentido jurídico estar a levar em conta, para efeito de qualificação das respectivas irregularidades como repetidas ou continuadas, infracções ocorridas numa outra campanha de exportação e cuja reposição de valores foi tramitada num outro procedimento de reposição».

5.4 De tudo quanto afirmamos temos de concluir:

Cessando a irregularidade, no caso de irregularidades repetidas na data do pagamento da última, relativamente às quatro primeiras irregularidades cujos pagamentos ocorreram em 23/05/2011, 29/07/2011, 29/12/2011, 28/12/2012, a mesma cessou em 28/12/2012.

Quanto aos pagamentos ocorridos em 23/12/2015 é esta a data considerar por estarmos perante um contrato de financiamento diverso.

Sendo que, seja qual for a data a que se alude, o prazo prescricional se interrompe com a notificação, em 19/01/2017, da intenção de revogação dos pagamentos.

Pelo que, não podendo a irregularidade praticada em 23-12-2015 ser considerada repetida relativamente às outras 4 anteriores, apenas esta não está prescrita.

É que, e relativamente às irregularidades praticadas em 23/05/2011, 29/07/2011, 29/12/2011 e 28/12/2012 (data dos pagamentos das respetivas quatro tranches) já decorreu o prazo de 4 anos desde esta última, 28/12/2012 e a data da interrupção da prescrição com a notificação, em 19/01/2017, da intenção de revogação dos pagamentos.

5.3. Pretende o recorrente que o programa em que se integra a operação identificada nos autos, não refere quaisquer ações concretas a executar, estando antes pendente de concretas candidaturas que fossem formuladas.

E que, por isso, não estamos no caso “sub judice” perante um plano plurianual (CFR).

Para tanto sustenta o entendimento veiculado nos acórdãos STA, de 26/4 de 2018, in processos nº 249/16 e 1478/15, e de 17-05-2018 in processo nº 24/17.

Contudo, face ao que acabamos de supra expor, e face à prescrição das 4 irregularidades aqui em causa e à não prescrição da irregularidade praticada em 23/12/2015, independentemente de o plano ser ou não plurianual, torna-se irrelevante conhecer da questão.

*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência:

a) Considerar prescritas as irregularidades praticadas em 23/05/2011, 29/07/2011, 29/12/2011 e em 28/12/2012;

b) Considerar não prescrita a irregularidade praticada em 23-12-2015;

c) Julgar a ação procedente no que diz respeito à prescrição das irregularidades praticadas em 23/05/2011, 29/07/2011, 29/12/2011 e 28/12/2012 e em consequência anular o ato impugnado nesta parte;

d) Negar provimento ao recurso no restante.

Custas em 1/4 para o recorrente e ¾ para o recorrido.

Lisboa, 21 de Maio de 2020. - Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro - José Augusto Araújo Veloso.