Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01479/17
Data do Acordão:02/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO
CPPT
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário:I - Os requisitos para o conhecimento do mérito do recurso das decisões dos tribunais tributários com fundamento em oposição de julgados, previsto no art. 280° n°5 CPPT, são idênticos aos requisitos globais para o conhecimento dos recursos interpostos com fundamento em oposição de acórdãos.
II - Assim, para que exista oposição, é necessário que se verifique identidade da questão fundamental de direito, ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, identidade de situações fácticas e antagonismo de soluções jurídicas.
III - A oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados.
IV - Não é de admitir o recurso se não se verifica a existência de julgamento contraditório sobre as questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal recorrido e nos acórdãos fundamento.
Nº Convencional:JSTA000P22896
Nº do Documento:SA22018020701479
Data de Entrada:12/21/2017
Recorrente:CONDOMÍNIO DO PRÉDIO URBANO DENOMINADO "A....."
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Condomínio do prédio urbano denominado “A….…..” melhor identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a reclamação por si interposta contra o despacho emitido pelo Serviço de execuções Fiscais que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia em sede do processo de execução nº 55/2017.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1º-. A redação do n° 4 da artº 52° da LGT foi alterada, com efeitos contados a partir do dia 1 de janeiro de 2017, pela Lei n°42/2016, de 28 de dezembro, tendo, a partir de então, deixado de ser requisito ou pressuposto da isenção da prestação de garantia que “a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do interessado.”
2º - Tendo o requerimento do Executado de isenção de prestação de garantia sido apresentado em 30 de maio de 2017, a norma aplicável era e é na redação dada pela Lei n° 42/2016.
3º- De modo que a sentença recorrida, ao, na fundamentação da decisão, ter usado a versão do nº 4 do artº 5º da LGT na redação anterior à Lei n° 42/2016, de 28 de dezembro, é nos termos do nº1 do art.º 125º do CPPT, nula.
Sem prescindir,
4º - O Executado, no requerimento inicial alegou que não possui bens e também não tem rendimentos que lhe permitissem garantir a pagamento da quantia exequenda e seus acrescimentos e, para sua prova, juntou documentos e requereu a produção de prova testemunhal, tendo, para o efeito, arrolado três testemunhas.
5º - Efectivamente, a prova de falta de bens e ou rendimentos não é feita exclusivamente por via documental, podendo ser feita através de testemunhas, como, aliás, a estabelecem os Acórdãos fundamento, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.10.2013, in Processo: 06939/13 da Secção: CT-2°Juízo e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.02.2013, in Processo: 06372/13 da Secção: CT - 2.° Juízo.
6º- Não obstante, nos termos do artº. 170°, nº. 3, do C.P.P.T., o pedido de dispensa da prestação de garantia dever ser instruído com a prova documental necessária, esta exigência de instrução do pedido com prova documental não pode ter o alcance de restringir os meios de prova à documental.
7º- Desde logo, porque no procedimento e processo judicial tributários, quando se estabelecem limitações probatórias (as quais revestem carácter excepcional, como se infere do art°. 72°, da L.G.T., e dos art°s. 50° e 115°, n°. 1, do C.P.P.T.), o legislador utiliza uma referência explícita nesse sentido (cfr. art°s. 146º, nº 3, 204º, n°.1, al. i), e 246°, todos do C.P.P.T.), contrariamente ao que se verifica na norma em causa.
8º- Depois, em todo o caso, a entender-se que se pretendeu restringir aquela referência à exigência de prova documental como obstando à possibilidade de apresentação de outros meios de prova, essa restrição deve considerar-se materialmente inconstitucional, nos casos, como é a situação dos autos, em que outros meios probatórios se revelem imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo requerente da dispensa, visto que violadora do direito de acesso aos Tribunais e a um processo equitativo, consagrados no artº. 20º, da C.R.Portuguesa, tal como dos princípios da proporcionalidade e da tutela judicial efectivo (cfr. artºs. 13° e 18°, da C.R. Portuguesa).
9º De modo que, ao não ter sido ordenada a produção de prova testemunhal requerida no requerimento inicial de dispensa de prestação de garantia, foram, assim também violados o regime previsto nos artºs. 114°, 115°, n°. 1, e 170°, n°.°3, do C.P.P.T., tal como o princípio da investigação vigente no processo judicial tributário consagrado nos artºs. 99º, da L.G.T., e 13º, do C.P.P.T..
10º - Ao assim não ter sido entendido, a sentença recorrida violou, designadamente, as disposições legais citadas nesta alegação e conclusões.
11º - Deve, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por Douto Acórdão que admita a prova testemunhal e ordene a sua produção, com o consequente deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia.»

2 – O Município de Cascais apresentou as suas contra alegações, com o seguinte quadro conclusivo:
«1° - De acordo com o disposto do n.º 2 do artigo 52º da LGT, o legislador pretende acentuadamente colocar o foco nas violações do dever de lealdade, o que compreende dado o superior valor das condutas desviantes, que o consubstanciam, pois incumbe ao requerente a alegação e prova dos requisitos de insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável e a prova do mesmo, não nos parece que tenha sido retirado o ónus de prova ao requerente, aqui recorrente, pois quem alega um facto deve prova-lo (n°. 1 do artigo 74º da LGT).
2° - No nosso entender, a sentença recorrida, materializou uma boa interpretação do disposto do n.º 2 do artigo 52° da LGT, ora a título de exemplo, aceitar pedidos de isenção de garantia, por mera atuação negligente do executado, e não aceitá-los caso fossem estes de atuação dolosa, pois o executado sabe qual a sua responsabilidade e não respeitando as regras de boa gestão empresarial e deveres profissionais exigidos por lei, alegando insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável, não lhe garante automaticamente a respetiva isenção. Assim, a intenção do legislador, como se depreende do n.º 4 do artigo 52° da LGT e artigo 13° do CPPT, foi a de evitar uma situação de benefício do infrator.
3° - Aliás no âmbito da sentença, a Meritíssima Juíza a quo fez valer da jurisprudência existente, que não afeta, de maneira nenhuma, o espírito do legislador no sentido de impedir uma situação que beneficia-se (sic) infratores.
4° - A responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais decidiu, por despacho em 11 de maio de 2017, que o teor da reclamação do órgão de execução fiscal, não contêm matéria de facto passível de produção de prova testemunhal, porquanto o executado funda a respetiva pretensão em conclusões jurídicas decorrentes do regime jurídico da propriedade horizontal, acrescida com a liberdade de, em cada caso concreto, decidir se tal meio de prova é ou não necessário à decisão do incidente, devendo fundamentar sempre a sua decisão.” - Acórdão do STA proferido no processo n°. 096/14, de 19 de fevereiro de 2014.
5º - Igualmente, o recorrente não apresentou qualquer documento comprovativo dos rendimentos disponíveis, nem concretizou as razões que indiciam a probabilidade de a prestação de garantia acarretar para o executado um prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos.
6º - O executado não forneceu ao órgão da execução fiscal quaisquer elementos demonstrativos dos valores disponíveis para fazer face às despesas do condomínio. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoque, sob pena de improcedência dos mesmos.
7º - No caso em apreço, trata-se de valores pecuniários e foi entendimento do órgão de execução fiscal que esses valores se provam com elementos contabilísticos.
8º - Apesar de a jurisprudência admitir que a prova de factos negativos terá de ser menos exigente, considerou-se que a prova testemunhal não é, por si, apta a alcançar o fim visado pelo executado, porquanto não existe matéria passível de prova por este meio — a matéria de facto alegada, por se prender diretamente com a (in)capacidade financeira do executado, só poderá ser provada através de documentos.
9º - Relativamente aos Acórdãos invocados pelo recorrente, parece-nos pelo teor dos mesmos, que os meios de prova documentais não foram suficientes para o órgão de execução fiscal decidir sobre a isenção da garantia, ao contrário dos presentes autos, em que os factos alegados nada comprovam sobre a situação financeira para alegar a insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável, pois a mera prova testemunhal não é garantia da validade de isenção da prestação da garantia.»

3 – A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu bem fundamentado parecer a fls. 123 e seguintes a que, na parte relevante, se transcreve:
(…..) II. DOS ERROS DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
II. 1. Invoca, pois, o Recorrente que a decisão recorrida se encontra fulminada com a nulidade, por, na respetiva fundamentação jurídica, se ter socorrido da norma do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária (LGT), na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, versão que é inaplicável ao caso dos autos.
No despacho proferido ao abrigo dos artigos 617°, n.º 1 e 641°, n.º 1, ambos do CPC, a julgadora do TAF de Sintra veio reconhecer a ocorrência de lapso na determinação da redação do aludido preceito, mas enfatizou que se tratou de um mero erro de julgamento de direito, invocando, nesse sentido, a doutrina que emerge dos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tirados em 15/11/2012, no âmbito do Processo n.º 19996/97.ITDLSB-H.S1 e em 02/07/2015, no Processo n.º 5024/12.QTTLSB.L1.S1 (ambos disponíveis in www.dgsi.pt tal como os demais arestos a citar de futuro).
Sucede que assiste inteira razão à Mmª Juíza de Direito a quo, pelo menos, quanto a esta vertente.
Na verdade, é sabido que são taxativos os casos de nulidade da sentença, sendo que é ostensivo que o caso em presença não se subsume a qualquer uma das causas de nulidade prevista no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
A ser assim, cumprirá apurar se o detetado lapso, na eleição da redação da norma do citado n.º 4 do artigo 52.º da LGT, que, como foi assinalado supra, configura um erro de julgamento de direito, contaminou a análise da demais fundamentação jurídica da decisão recorrida, o que Ministério Público fará, de imediato.
II. 2. Decorre da lei tributária, maxime, do preceituado nos n.ºs 1 e 3 do art. 170.º do CPPT, que, com vista a beneficiar da isenção ou dispensa da prestação de garantia, o executado deve requerê-la ao órgão de execução fiscal, mediante apresentação de um pedido fundamentado de facto e de direito e instruído com as necessárias provas.
Resulta, outrossim, do n.º 4 do art. 52º, da LGT, na redação dada pela já citada Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que, para que o executado possa ser dispensado da prestação de garantia, imperativo se torna que essa prestação lhe cause prejuízo irreparável ou que patenteie manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que essa insuficiência ou a inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Sucede que, pese embora o alargamento das hipóteses de isenção, permitido pela nova redação, certo é que a prova da existência dos requisitos legais, aludidos na 1.ª parte do mencionado n.º 4, continua a recair sobre o executado, já que, por definição, o ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto de uma vantagem para o próprio.
Pelo que, da conjugação dos mencionados preceitos legais, resulta que a prova da verificação desses requisitos cumulativos incumbirá ao executado requerente, de harmonia, aliás, com o regime geral da repartição do ónus da prova, vazado no artigo 342°, n.º 1, do Código Civil, de que o artigo 74°, n.º 1, da LGT, constitui justamente um dos seus aforamentos.
Na verdade, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, cabendo, por seu turno, à contraparte fazer a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado.
Ademais, é esta a doutrina que promana do douto Acórdão do STA - Pleno da Secção do CT, tirado em 17-12-2008, no âmbito do 0327/08, donde extraímos o entendimento segundo o qual “É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. (…).
II. 3. Sucede que, no caso vertente, o pedido de dispensa de prestação da garantia requerido pelo Recorrente, alegadamente, alicerçou-se na inexistência/insuficiência de bens penhoráveis, na sua esfera patrimonial.
Todavia, no que tange ao alegado facto de que não disporia de bens susceptíveis de penhora com valor suficiente para satisfação do crédito exequendo e legais acréscimos, cingiu-se a alegações vagas e a generalidades, não concretizando ou densificando essa ilação, aparentemente por força e à luz do seu particular e erróneo entendimento da questão da repartição in casu do ónus da prova (assim, v. os factos constantes dos artigos 11.º a 17.º do requerimento a que alude a alínea D) dos factos assentes).
Efetivamente, na ótica do Ministério Público, a produção de prova testemunhal mostrar-se-ia inútil, porquanto nada foi articulado em concreto.
O que vale por dizer que a requerida dispensa da prestação de garantia não poderia deixar de improceder, desde logo, por esta via, por falta de adequada invocação, no requerimento onde formulou o pedido, da sua situação de manifesta insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis.
Efectivamente carece de fundamento o enfoque que o Recorrente conferiu à decisão reclamada, partindo do pressuposto de que veicularia o entendimento de que, face à norma do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, a prova testemunhal seria inadmissível.
Na verdade, o despacho reclamado foi bem assertivo quanto à desnecessidade da sua produção, no caso vertente, e já não quanto à sua inadmissibilidade, em termos gerais.
Pelo que acompanhamos a irrepreensível fundamentação da douta sentença recorrida, (i) quando questiona a materialidade em que se sustenta a invocação pela ora Recorrente da insuficiência de bens penhoráveis e, outrossim, (ii) quando afirma a inexistência de prova bastante que fosse de molde a legitimar a isenção da prestação da garantia.
Nesta conformidade, porque a Recorrente não alegou e comprovou que a prestação da garantia lhe causaria prejuízo irreparável e, bem assim, não invocou adequadamente e, daí, não demonstrou a sua manifesta falta de meios económicos para solver a dívida exequenda e acrescido, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, é seguro que falha, in casu um dos pressupostos cujo preenchimento é imprescindível à concessão do requerido beneficio.
Pelo que não merece censura a sentença impugnada também quanto a este segmento.
III. CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos acima sucintamente expostos, o Ministério Público emite o parecer de que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional mantendo-se, pois, inteiramente, a sentença recorrida.»

4 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra considerou como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
A). O reclamante é um condomínio de um prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal sito no Lugar …………, nos limites da ……….., designado por lote ……….., na freguesia e concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º 1975 da freguesia de Cascais e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da União de freguesias de Cascais e Estoril sob o artigo 013596 [cf. fls. 20 a 27 do PEP em apenso].
B). A 09.03.2017 foi instaurado no Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais, o processo n.º 55/2017, contra o CONDOMÍNIO DO PRÉDIO URBANO DENOMINADO “A………….”, pelo montante de €1.827,70, devido pela ocupação a título precário de parcela de terreno municipal com área de €2.611,00m2, referente ao ano de 2017 [cf. fls. 1 e 2 do PEF em apenso].
C). A 13.03.2017 foi o reclamante citado em sede do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior [cf. fls. 12 a 14 do PEP em apenso].
D). A 29.03.2017 foi pelo reclamante apresentado pedido de dispensa de prestação de garantia em sede dos processos de execução fiscal n°55/2017, 56/2017, 57/2017 e 58/2017, ao qual foi junto cópia das citações e cópia da escritura de constituição de propriedade horizontal e seu averbamento na Conservatória do Registo Predial, tendo arrolado três testemunhas [cf. fls. 15 a 29 vv. do PEF em apenso].
E). - A 21.04.2017 foi pelo reclamante apresentada oposição à execução fiscal n.º 55/2017, identificada em B) supra [cf. fls. 43 a 51 do PEF em apenso].
F). Por despacho de 11.05.2017 da responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais, foi determinado:
“(…)
Considerando que:
1. O executado apresentou pedido de dispensa de prestação de garantia, destinada a suspender os termos do processo de execução fiscal na pendência da oposição à execução;
2. O executado afirma que não possui bens nem rendimentos que lhe permitam garantir o pagamento da dívida exequenda o que, a par do elevado valor da dívida, constitui fundamento para a dispensa de prestação de garantia,
3. Não foi apresentado qualquer documento comprovativo das consequências que a prestação de garantia acarretaria para o executado, designadamente, prejuízo irreparável e manifesta falta de meios económicos;
4. O artigo 170º, do CPPT visa regulamentar o procedimento de isenção de prestação de garantia previsto no n.º 4, do artigo 52°, da LGT e prevê, no n.º 3, que o pedido de dispensa de prestação de garantia deve conter a indicação das razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e a prova documental necessária;
5. O executado não concretiza as razões que que indiciam a probabilidade de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos e não apresenta qualquer prova documental que permita aferir da veracidade das suas afirmações;
6. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74°, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoque,
Indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia, por falta de verificação dos requisitos, nos termos do nº 4, do artigo 52° e n.º, 1, do artigo 74º da LGT e do artigo 170°, n.º 3, do CPPT. Notifique-se o executado do teor do presente despacho e, ainda, da possibilidade de, não concordando com o teor do mesmo, reclamar nos termos do disposto no artigo 276°, do CPPT.
(...)“ [fls. 68 do PEF em apenso].
G). Através do ofício n.º 017389, de 15.05.2017, da Câmara Municipal de Cascais, recebido a 16.05.2017, foi o reclamante notificado do teor do despacho identificado no ponto anterior [fls. 69 a 72 do PEF em apenso].
H). A 30.05.2017 foi apresentada a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls. 5 dos autos em suporte papel].

5- Resulta dos autos que o recurso foi interposto ao abrigo do disposto no artº 280º nº 5 do CPPT, uma vez que o valor da causa (1.827,70 €. Cf. fls. 44) é inferior à alçada, invocando a recorrente que a sentença recorrida perfilhou solução oposta à acolhida nos acórdãos fundamento do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.10.2013, recurso 08939/13 e de 19.02.2013, recurso 06372/13.
O recurso viria a ser admitido ao abrigo do disposto no artº 280º, nº 5 do CPPT por despacho de fls. 105.

6- Da admissibilidade do recurso
Importa antes do mais conhecer da questão prévia da admissibilidade do recurso.
Como é sabido e decorre do artº 641º, nº 5 do novo Código de Processo Civil, a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º.
O despacho de admissão de recurso não vincula assim o tribunal superior, o qual poderá não tomar conhecimento do recurso quando entenda que ele não é admissível.
É o que sucede no caso subjudice em que estamos perante um recurso interposto de decisão proferida em processo cujo valor é de 1.827,70 € e, julgamos, não se verificam os pressupostos de admissão do recurso de oposição de julgados previsto no artº 280º, nº 5 do CPPT.

Como se sabe, este tipo de recurso segue a tramitação dos recursos jurisdicionais previstos no art. 280º do CPPT, com a disciplina constante dos arts 281º e 282º desse diploma legal, e não a tramitação prevista no art. 284º do CPPT, pelo que nele não há, após o despacho de admissão do recurso, a fase processual de alegações (e conclusões) tendentes a demonstrar a existência da apontada oposição de julgados (prevista no nº 3 do art. 284º).
Todavia, dado que a decisão de admissão do recurso não vincula o tribunal superior, importa aferir, como se disse, se efectivamente existe a invocada oposição de julgados.
Entre os requisitos de admissibilidade deste recurso com fundamento em oposição de julgados inclui-se o de terem transitado em julgado as decisões invocadas como fundamento do recurso, pois, relativamente a decisões não transitadas, há a possibilidade de as questões que delas são objecto serem decididas diferentemente em recurso jurisdicional e, por isso, não se está ainda perante uma situação de tratamento desigual, que é a justificação deste recurso excepcional.
Por outro lado é pressuposto do recurso que a decisão recorrida perfilhe solução oposta, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
Os requisitos para o conhecimento do mérito do recurso das decisões dos tribunais tributários com fundamento em oposição de julgados (art.280° n°5 CPPT) são idênticos aos requisitos globais para o conhecimento dos recursos interpostos com fundamento em oposição de acórdãos (art.284° n°1 CPPT - neste sentido Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume IV p. 422 anotação 11 al. c) ao art.280° CPPT e p. 466 anotação 5 ao art.284° CPPT e ainda a jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário – Acórdãos 1270/13 de 02.02.2016, 1453/13 de 18.06.2014 e 1135/17 de 20.12.2017.
Assim são requisitos legais cumulativos do conhecimento do recurso por oposição de acórdãos:
- identidade da questão fundamental de direito ;
- ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica;
- identidade de situações fácticas e antagonismo de soluções jurídicas (art.284° CPPT; art.27° n°1 al. b) ETAF vigente; art.152° nº 1, al. a) do CPTA).

O objecto do recurso estará também circunscrito à apreciação das questões de direito sobre as quais a recorrente alega existirem decisões contraditórias.
De facto este n.º 5 do art. 280º veio dar concretização ao art. 105º da LGT (na redacção original) em que se estabelece que «a lei fixará as alçadas dos tribunais tributários, sem prejuízo da possibilidade de recurso para o STA, em caso de este visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito» e à alínea c) do nº 1 do art. 51º da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro, em que o Governo se baseou para aprovar o CPPT, que estabelece que "a fixação de alçadas não prejudicará a possibilidade de recurso para o STA, em caso de aquele visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito".
O recurso visa pois a uniformização de jurisprudência, estando circunscrito à apreciação da questão ou das questões de direito sobre as quais a recorrente alega existirem decisões contraditórias.

No caso em apreço essa questão diz respeito ao alegado erro de julgamento imputado à sentença recorrida ao não ter ordenado a produção de prova testemunhal requerida no requerimento inicial de dispensa de prestação de garantia, invocando a recorrente que foi violado o regime previsto nos artºs. 114°, 115°, n°. 1, e 170°, n°. 3, do C.P.P.T., tal como o princípio da investigação vigente no processo judicial tributário consagrado nos artºs. 99º, da L.G.T., e 13º, do C.P.P.T. e que, ao assim decidir, a sentença impugnada perfilhou solução oposta aos acórdãos fundamento: acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.10.2013, recurso 08939/13 e de 19.02.2013, recurso 06372/13.

Entendemos, porém, que em relação a esta questão não se verifica, nem tão pouco é demonstrada, a aventada oposição.
Vejamos.
A sentença recorrida apreciou a questão de saber se se verificavam os pressupostos legais para indeferimento do pedido de dispensa prestação de garantia formulado pelo reclamante, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 55/2017, instaurado para cobrança de dívida no valor de pelo montante de €1.827,70.

Sobre tal matéria e depois de realçar que «é sobre o reclamante, aquele que pretende a dispensa de prestação da garantia, que impende o ónus de provar que se verificam os pressupostos constitutivos do direito à referida dispensa» a decisão sindicada ponderou que a «falta de meios económicos deve ser revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, e apesar de terem sido alegados alguns elementos que podiam revelar tal falta de bens penhoráveis, certo é que os mesmos foram formulados de forma conclusiva, não tendo sido especificados factos concretos que permitissem comprovar a alega insuficiência».
Para afinal concluir que «uma vez que resulta da decisão reclamada justificada a insuficiência da prova documental apresentada, e não suprível pela apresentação de prova testemunhal para prova dos pressupostos da dispensa de prestação de garantia, não necessitaria a entidade decisora de ouvir testemunhas, quando tal prova não permitira dar como provado todos os factos de que depende a procedência do pedido, razão pela qual improcede o vício alegado pela Reclamante quanto à omissão da apreciação e valoração da prova testemunhal».

Ora em ambos os Acórdãos fundamento do Tribunal Central Administrativo Sul estava em causa a questão de saber se a exigência de instrução do pedido de dispensa de prestação de garantia com prova documental, ínsita no artº 170º, nº 3 do CPPT tem o alcance de restringir os meios de prova à documental, ou se, pelo contrário, admite a apresentação de outros meios de prova, mormente testemunhal.
E em ambos os arestos se decidiu que «Nos termos do citado artº.170, nº.3, do C.P.P.Tributário, o pedido de dispensa da prestação de garantia deve ser instruído com a prova documental necessária. No entanto, esta exigência de instrução do pedido com prova documental não pode ter o alcance de restringir os meios de prova à documental, desde logo, porque no procedimento e processo judicial tributários, quando se estabelecem limitações probatórias (as quais revestem carácter excepcional, como se infere do artº.72, da L.G.Tributária, e dos artºs.50 e 115, nº.1, do C.P.P.Tributário), o legislador utiliza uma referência explícita nesse sentido (cfr. artºs.146-B, nº.3, 204, nº.1, al.i), e 246, todos do C.P.P. Tributário), contrariamente ao que se verifica na norma em causa.»
E que «em todo o caso, a entender-se que se pretendeu restringir aquela referência à exigência de prova documental como obstando à possibilidade de apresentação de outros meios de prova, essa restrição deve considerar-se materialmente inconstitucional, nos casos em que outros meios probatórios se revelem imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo requerente da dispensa, visto que violadora do direito de acesso aos Tribunais e a um processo equitativo, consagrados no artº.20, da C.R.Portuguesa, tal como dos princípios da proporcionalidade e da tutela judicial efectiva (cfr. artºs.13 e 18, da C.R.Portuguesa)


Sucede que este mesmo entendimento é acolhido na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, quanto a tal questão de direito, como se constata da sua fundamentação, nomeadamente no segmento em que refere, citando o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19.02.2014, proferido no recurso 94/14, que «sob pena de inconstitucionalidade, por violação do artigo 20°, n.º 1 da CRP, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, o nº 3 do artigo 170º do CPPT deve ser interpretado no sentido de não conter uma proibição absoluta, e em abstracto, do executado produzir prova testemunhal no incidente de isenção de prestação de garantia» e ainda que «apesar de não existir uma proibição absoluta de se apresentar e produzir prova testemunhal, o órgão de execução fiscal tem a liberdade de em cada caso concreto decidir se tal meio de prova é ou não necessário à decisão do incidente, devendo fundamentar sempre a sua decisão».

Para depois concluir, e novamente sublinhar que «somente no caso da prova testemunhal ser rejeitada sem justificação para tal, verificar-se-ia a preterição de formalidade essencial à descoberta da verdade, determinando a sua anulação».

É assim manifesto que não é possível afirmar a existência de um efectivo antagonismo, quanto àquela questão fundamental de direito, entre a decisão sindicada e os identificados arestos, sendo que foi o enquadramento factual do caso subjudice, e a sua apreciação pelo Tribunal, que determinou o sentido decisório da sentença recorrida quanto à desnecessidade da produção de prova testemunhal no caso concreto, e já não quanto à sua inadmissibilidade, em termos gerais.

O que significa que não se verifica um dos pressupostos do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo previsto no artigo 280º, n.º 5 do CPPT: existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e os acórdãos fundamento, pelo que o presente recurso não deve ser admitido.


8- Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em não tomar conhecimento do presente recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – António Pimpão – Dulce Neto.