Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0578/16
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:DECISÃO DA CAUSA PRINCIPAL NA PROVIDÊNCIA
JUIZ SINGULAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
TRIBUNAL COLECTIVO
Sumário:Mantendo-se a tutela principal concedida ao abrigo do artigo 121º do CPTA no âmbito do processo cautelar, cuja competência originária é do «juiz singular», não lhe pode ser aplicado o regime do artigo 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA, que supõe que o tribunal funcione em formação de três juízes.
Nº Convencional:JSTA00069801
Nº do Documento:SA1201607130578
Data de Entrada:06/14/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:MAI
Recorrido 2:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC.
Legislação Nacional:ETAF02 ART40 N3.
CPTA02 ART27 N1 I N2 ART112 ART114 ART120 ART121 N1 N2 ART123 ART147 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC03/12 DE 2012/06/05.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A……………………., identificado nos autos, interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 10.03.2016, que decidiu rejeitar o recurso de apelação que ele para aí interpôs da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], de 16.03.2015, porquanto dela caberia reclamação para a conferência, que foi considerada extemporânea.

Tal «sentença» foi proferida pela Exma. Juíza titular do processo, e mediante a mesma foi antecipado, no processo cautelar, ao abrigo do artigo 121º do CPTA, a decisão da respectiva acção administrativa principal, em que é demandado o Ministro da Administração Interna [MAI].

O recorrente conclui as suas alegações de revista da forma seguinte:

1- Salvo o devido respeito, que é muito, entende o recorrente que o acórdão procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo o Supremo intervir, pois que se verificam os pressupostos previstos na lei para o efeito;

2- Nestes autos foi rejeitado o recurso jurisdicional interposto pelo recorrente da sentença do TAC de Lisboa de 16.04.2015, por ali se ter entendido ser aplicável ao caso, em que estava em causa uma acção administrativa especial de anulação de acto administrativo, a alínea i) do nº1 do artigo 27º do CPTA;

3- Em consequência do que se decidiu que o meio adequado a esse fim, deveria ter sido a «reclamação» nos termos do nº2 do artigo 27º, do CPTA e não tal recurso jurisdicional, tendo este sido rejeitado por intempestividade;

4- A questão relevante controvertida nestes autos consiste, essencialmente, em saber se nas circunstâncias do caso, numa sentença proferida numa acção administrativa especial, por juiz singular, o TCA, procedeu ou não à correta aplicação do direito, o que, salvo o devido respeito, não ocorreu;

5- Pormenorizando, o que se pretende essencialmente saber, é se ao caso competia reclamação para a conferência ou não, e se a reclamação foi interposta intempestivamente;

6- A questão enunciada é fundamental para garantir uma correta e melhor aplicação do Direito, numa matéria em constante aplicação nos tribunais;

7- Impõe-se reconhecer, in casu, a importância jurídica da questão e sua relevância excepcional com vista a uniformizar as decisões e a permitir segurança no domínio do acesso à justiça, situação em que a revista é essencial;

8- O STA, embora de carácter excepcional, prevê 2 situações para a aceitação da revista: que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental; e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

9- No caso sub judice verificou-se uma demora incompreensível, em desrespeito de direitos e princípios constitucionais de que se destaca o artigo 20º da CRP, ao preceituar que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e que para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos;

10- Os factos que deram origem a este processo remontam ao ano de 1999 do século passado, ou seja, há cerca de 17 anos, e o processo disciplinar demorou desde o seu início, até à sua conclusão, cerca de 10 anos, de 2003 a 2013, quando, de acordo com o nº1 do artigo 92º do RDGNR, o processo deveria ter sido ultimado em 45 dias, prazo este que, embora ordenador, foi largamente excedido com os prejuízos materiais e morais para o recorrente e para muitos outros militares da GNR envolvidos no processo que ficou conhecido por «…….…..» e daí a sua importância pela sua relevância social;

11- Nos tribunais administrativos decorrem diversas acções cuja estrutura [pedido e causa de pedir] são semelhantes ou iguais, considerando o universo dos militares da GNR potencialmente abrangidos pelas referidas medidas de aplicação de penas disciplinares idênticas às do recorrente, no âmbito do referido processo «………….»;

12- Neste enquadramento, o recorrente considera, nos termos do artigo 20º da CRP, que a importância da consagração e definição do direito a uma decisão em prazo razoável, atendendo à sua inegável relevância social e jurídica, se encontra suficientemente demonstrada, devendo, portanto, considerar-se preenchido o 1º pressuposto de admissibilidade do presente recurso;

13- Em abono do referido, veja-se o entendimento acolhido pelo douto acórdão desse STA, proferido no processo nº1360/13, de 12.09.2013, que, atenta a sua bondade manifesta, damos como reproduzido, salientando-se aqui que, como aí se refere: «A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, […]»;

14- Termos em que se conclui estar verificado o 1º dos pressupostos referidos;

15- O processo em análise, no entanto, sai da esfera normal de aplicação da alínea i) do nº1 e nº2 do artigo 27º do CPTA quer porque o mesmo não obedece aos pressupostos habituais para aplicação da reclamação e não do recurso, quer quanto à intempestividade da apresentação da reclamação, caso à situação correspondesse reclamação para a conferência;

16- Quanto à intempestividade, o recorrente, na sequência da sentença de 1ª instância, interpôs recurso para o TCAS, e no caso de se entender que o recurso não era o meio idóneo para impugnar a dita decisão judicial, pedia-se que o recurso fosse convolado para reclamação para a conferência;

17- O TCAS, no entanto, não admitiu o recurso, alegando, que o requerimento de interposição do mesmo devia ter sido convolado em reclamação, e que o recorrente deveria ter respeitado o prazo legal de 5 dias para a sua apresentação [e não 10 dias como afirma o recorrente] - artigo 147º do CPTA «[…] porquanto o processo não perdeu natureza urgente pela circunstância de se ter antecipado o conhecimento do mérito da acção»;

18- O recorrente continua a defender o princípio de ao caso se aplicar o recurso jurisdicional e não a reclamação para a conferência;

19- Sem conceder, e admitindo, por mera hipótese, que ao caso corresponde reclamação para a conferência, e não recurso, o prazo para a apresentação da reclamação deveria ser o de 10 dias e não de 5, pelas seguintes razões:

20- Refere a douta decisão recorrida que «... O processo não perdeu natureza urgente pela circunstância de se ter antecipado o conhecimento do mérito da acção»;

21- A douta decisão, no entanto, não fundamenta tal entendimento e o recorrente põe mesmo em dúvida que possa haver fundamento para tal;

22- Se analisarmos a sentença do TAC, nada a este respeito se diz, a não ser que «foi decidido antecipar o conhecimento do mérito da causa»;

23- Nenhum dos pedidos da providência cautelar foi analisado ou decidido; não há qualquer referência aos pressupostos da concessão da providência, nada se referindo, nomeadamente, quanto ao fumus boni iuris/fumus non malus iuris; periculum in mora; ponderação de interesses públicos e privados, etc.

24- A decisão pronunciou-se única e exclusivamente quanto ao objecto da acção principal;

25- Pronunciar-se, nesta fase, sobre a providência cautelar, não teria, aliás, qualquer utilidade, pois que os fins de uma providência cautelar, baseando-se na celeridade e provisoriedade, seriam inúteis, em função da decisão de mérito da acção principal;

26- Pode mesmo dizer-se que a acção em causa, de providência cautelar, só tem o número do processo e nada mais;

27- Esta subtileza, que na prática se traduz em apreciar um único processo [tipo 2 em 1] é ofensivo dos princípios da confiança e boa-fé [artigo 8º do CPTA];

28- Como foi referido, o Tribunal de 1ª instância antecipou a decisão do mérito da causa para o momento em que lhe competia decidir o processo cautelar, «[…] com o que se produz um fenómeno de convolação do processo cautelar em processo principal» - no entendimento dos conceituados Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, em análise ao artigo 121º, folha 620;

29- Com a referida convolação, de providência cautelar em processo principal, não há qualquer razão para se invocar [como invocou o TCAS] que os prazos a ter em conta deveriam ser os do processo urgente [providência cautelar] mas sim os da acção principal pelo que, o requerimento teria sido, em qualquer das hipóteses, apresentado dentro do prazo legal; com a convolação, a providência cautelar deixou de ter existência jurídica: convolar significa modificar, substituir, se a providência cautelar foi substituída pela acção principal, é pelas regras da acção principal que o processo se deve reger;

30- Mesmo que não se considerasse a convolação referida, o que não se concede, os prazos a considerar deveriam ser os da acção principal e não da providência cautelar, pois, de acordo com o princípio «pro actione», interligado ao princípio do acesso à justiça [artigo 7º do CPTA] os tribunais têm o dever de interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas;

31- Resultam ainda do processo elementos suficientes para que in casu se considere que esta questão não é pacífica, que é o facto de não ter havido unanimidade na decisão tomada pelo TCAS, tendo havido um «voto de vencido», sinal evidente, uma vez mais, de que o recurso de revista se justifica;

32- No voto de vencida, a Exma. Senhora Juíza Desembargadora diz que, em seu entender, a competência para decidir a causa ao abrigo do artigo 121º do CPTA mostra-se atribuída ao juiz singular, e que da mesma cabe recurso jurisdicional e não reclamação para a conferência;

33- Também o TAC teve o mesmo entendimento, fazendo subir como recurso o requerimento apresentado pelo recorrente, em detrimento da sua aceitação como reclamação para a conferência;

34- De acordo com o nº2 do artigo 147º do CPTA, normativo invocado no acórdão recorrido, o prazo para a reclamação deveria ser de 10 dias, pois que, só nos recursos, os prazos a observar durante os mesmos, são reduzidos a metade;

35- Em face do que fica referido, encontra-se preenchido o segundo pressuposto, concluindo-se, desta forma, que se encontram verificados ambos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no artigo 150º do CPTA;

36- Impondo-se, assim, a intervenção deste STA, conhecendo da revista, para que a pronúncia que venha a emitir sobre esta concreta questão possa servir como orientação para os tribunais de que é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito;

37- Refere-se no douto acórdão recorrido, «que a decisão em crise era, e é, insusceptível de recurso imediato, mas susceptível de reclamação para a conferência, como estabelece o nº2 do citado artigo 27º, pelo que não se pode conhecer do recurso, o qual, aliás, nem deveria ter sido admitido como tal»;

38- O acórdão recorrido, no entanto, não tem em conta o que é referido no artigo 142º do CPTA, que depois de analisar as situações das decisões que admitem recurso, com base no valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre [nº1], admite excepções no seu nº3, e dentre elas, algumas que servem os interesses do recorrente, nomeadamente: proferidas em matéria sancionatória, contra jurisprudência uniformizada pelo STA;

39- 1ª: o objecto do processo de primeira instância é a impugnação duma pena disciplinar de reforma compulsiva na sequência de um processo disciplinar que oportunamente lhe foi instaurado, logo, matéria sancionatória e, consequentemente, recorrível;

40- 2ª: decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo STA no processo é invocada uma nulidade insuprível por omissão de formalidade essencial, pela falta de notificação do Advogado constituído pelo arguido para poder estar presente à inquirição de testemunhas, tendo-se pronunciado a este respeito o STA no sentido de concordância com tal nulidade como consta de vários acórdãos;

41- Dentre eles, refere-se o AC de uniformização de jurisprudência, Processo nº0548/05, de 17.10.2006, que decidiu: com base no disposto no artigo 32º, nºs 3 e 10 e artigo 18º da CRP, constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a falta de notificação do Advogado constituído pelo arguido para poder estar presente à inquirição de testemunhas;

42- Havendo Jurisprudência do STA quanto a esta matéria, o TCAS, em obediência a este órgão jurisdicional, e por se tratar de excepção não deveria ter alegado que ao caso cabia reclamação para a Conferência, mas que cabia, sim, recurso;

43- Caso a decisão recorrida prevaleça, ficará o recorrente completamente impossibilitado de exercer o seu direito de reagir à sentença do TAC de 16.03.2015 onde estão patentes diversos erros na apreciação da matéria de direito que põem em causa a possibilidade de efectiva concretização dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, bem como os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artigo 2º, e 20º, nº 2 e nº4, da CRP, sendo, por isso, uma interpretação violadora da Constituição;

44- Um dos erros é o desrespeito do TAC ao acórdão de uniformização de jurisprudência, do STA, no referido processo nº0548/05, de 17.10.2006, do Pleno do CA;

45- A Meritíssima Juíza até deu como provada a falta da notificação do Advogado do recorrente para estar presente às diligências de inquirição de testemunhas, mas entendeu não ser relevante tal facto, dado que a falta disciplinar se considerava provada, uma vez que se tinha baseado na prova do Tribunal Judicial;

46- Ora, no AC de uniformização de jurisprudência não se faz qualquer restrição à aplicação do mesmo, e, sendo os processos crimes distintos dos disciplinares, não havia qualquer justificação para o não cumprimento do referido acórdão;

47- Mantendo-se a decisão recorrida, manter-se-á o recorrente ainda impossibilitado de exercer o seu direito de reagir à sentença do TAC de 16.03.2015 por omissão de pronúncia quanto à prescrição invocada em articulado superveniente relativamente à aplicação do nº7 do artigo 46º do RDMGNR que preceitua: «A prescrição do procedimento disciplinar tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade»;

48- Dos autos consta que o processo disciplinar se iniciou em 07.02.2003 - facto provado; em 25.02.2003, foi suspenso - facto provado; em 06.06.2011 terminou a suspensão [folha 273] do PA; donde se conclui que o processo esteve suspenso durante 8 anos, 3 meses e 11 dias;

49- O prazo de prescrição, de acordo com o nº1 do artigo 46º do RDGNR é de 3 anos; somando este prazo mais metade [1 ano e 6 meses] mais o tempo que esteve suspenso [8 anos, 3 meses e 11 dias] dá um total de 12 anos, 9 meses e 11 dias; somando este valor à data em que teve início o processo disciplinar [07.02.2003] dá como resultado a data de prescrição: 18.11.2015 - dezoito de Novembro de 2015;

50- Na data em que foi proferido o acórdão recorrido [10.03.2016] já tinha ocorrido a prescrição do procedimento disciplinar, constituindo a prescrição uma excepção ocorrida em data posterior à interposição da acção e do recurso/reclamação, deve ser julgada ainda que oficiosamente;

DO ERRO DE JULGAMENTO

51- De acordo com o referido, ficou demonstrada a verificação dos pressupostos constantes do nº1 do artigo 150º do CPTA, para a interposição da revista do acórdão recorrido;

Referiram-se ainda diversas situações correspondentes a outras tantas violações de lei substantiva e/ou processual que constituem o fundamento da revista [nº2 do artigo 150º do CPTA] e, consequentemente a erro de julgamento, destacando dentre essas situações:

- Violação das alíneas b) e c) do artigo 142º do CPTA, que referem que é sempre admissível recurso de decisões proferidas em direito sancionatório [como é o caso] e proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo STA [como é o caso do AC de uniformização de jurisprudência, do STA, no referido Processo nº0548/05, de 17.10.2006, do Pleno do CA] referente à obrigatoriedade de notificação ao Advogado constituído para estar presente à audição de testemunha arrolada pela defesa em processo disciplinar;

- Erro de direito na interpretação da alínea i) do nº1 e nº2 do artigo 27º do CPTA, na medida em que a competência para a decisão ali referida é do juiz singular, o que, naturalmente conduz a erro de julgamento, decisão que não mereceu a unanimidade de votos dos Juízes Desembargadores;

- Erro de direito na interpretação do artigo 121º do CPTA na medida em que ao antecipar-se a decisão da causa principal, a providência cautelar convola-se em processo principal [no entender de Mário Aroso e Fernandes Cadilha] devendo, por conseguinte aplicar-se os prazos da acção principal e não da providência cautelar;

- Erro de direito na interpretação do artigo 147º, nºs 1 e 2, na medida em que a redução a metade dos prazos ali referidos só se aplicam aos recursos e não a reclamações para a conferência, caso se entenda que ao caso deveria corresponder reclamação e não recurso, pelo que o acórdão recorrido enferma de manifesto erro de julgamento.

Termina pedindo a «admissão» do recurso de revista, bem como o «provimento do mesmo», com todas as consequências legais.

2. O recorrido MAI «contra-alegou», mas sem formular quaisquer conclusões, e reagindo, apenas, à pretensão do recorrente na admissão da revista.

3. O recurso de revista foi admitido por acórdão deste STA [«formação» a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA], nos termos seguintes:

[…]

«2.3. O presente recurso de revista centra-se no regime de impugnação das decisões do juiz de tribunal administrativo e fiscal nas quais houve decisão da causa principal no quadro do disposto no artigo 121º do CPTA.

O acórdão recorrido, ao rejeitar o recurso, invocou especialmente diversa jurisprudência relacionada com o conhecimento de decisões em acções administrativas especiais. Ora, coloca-se a questão de saber se essa jurisprudência, que teve em conta o artigo 40º, nº3, do ETAF, entretanto revogado, é aplicável às decisões tomadas no âmbito do dito artigo 121º do CPTA.

E, se bem que em virtude daquela revogação, o problema tenda a perder significado, ele ainda mantém relevo como o próprio presente caso manifesta.

Ao rejeitar a possibilidade de convolação do recurso em reclamação o acórdão considerou, também, que o prazo geral de reclamação se reduzia a metade, por se tratar de processo urgente, tendo invocado para o efeito o artigo 147º do CPTA que, literalmente, só se reporta a recursos. Ora, coloca-se a questão de saber se existe essa redução de prazo. Esta questão é relevante para muitas situações.

Assim, e sem prejuízo de várias outras questões que vêm suscitadas, bastam as duas acabadas de enunciar para justificar a sua admissão, atenta a sua importância fundamental.

3. Pelo exposto, admite-se a revista.»

[…]

4. Sem vistos, por se tratar de processo de natureza urgente [36º, nº2, do CPTA/2004], cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

Os factos, colhidos dos autos, e com pertinência para apreciação deste recurso de revista são os seguintes:

1- Em 05.01.2013, A………………. intentou no TAC de Lisboa processo cautelar contra o MAI pedindo a suspensão de eficácia da pena disciplinar de reforma compulsiva que lhe tinha sido aplicada [folhas 1 a 26 dos autos];

2- Em 22.01.2013, o requerido MAI deduziu oposição, advogando o indeferimento da solicitada providência cautelar [folhas 74 a 96 dos autos];

3- Em 19.02.2013 foi proferido despacho judicial determinando a audição das partes quanto à «antecipação do conhecimento do processo principal, em virtude de a prova existente ser suficiente para a apreciação do mérito da causa – artigo 121º nº1 do CPTA» [folha 141 dos autos];

4- Ambas as partes manifestaram o seu acordo quanto à referida antecipação de conhecimento [folhas 151 dos autos];

5- Em 16.03.2015 foi proferida sentença, pela Exma. Juíza titular do processo, que, ao abrigo do artigo 121º do CPTA, julgou totalmente improcedente a «acção administrativa especial», e absolveu o réu do pedido [folhas 153 a 183 dos autos];

6- Por ofício datado de 17.03.2015 foram as partes notificadas da sentença [folhas 187 e 188 dos autos];

7- Em 06.04.2015 A………….. interpôs «recurso» dessa sentença para o TCAS [folhas 195 a 225 dos autos];

8- Em 27.10.2015 o recurso de apelação foi admitido pelo TAC de Lisboa «por tempestivo e legal e com efeito devolutivo da decisão recorrida» [folha 292 dos autos];

9- Em 10.03.2016 foi proferido acórdão pelo TCAS a «rejeitar o recurso jurisdicional» por ser devida «reclamação» para a conferência, a qual foi considerada extemporânea por ser aplicável um prazo de 5 dias e não de 10 dias [folhas 325 a 330 dos autos].

III. De Direito

1. A…………… intentou «procedimento cautelar» contra o MAI, solicitando a suspensão de eficácia da pena disciplinar de reforma compulsiva, que aquele lhe aplicou.

O TAC de Lisboa, considerando verificados os requisitos do artigo 121º do CPTA, antecipou o juízo sobre a causa principal, e, por sentença, julgou improcedente a respectiva acção administrativa especial [AAE].

Interposto recurso de apelação do assim decidido, o TCAS rejeitou-o, através do acórdão ora recorrido, por não haver lugar a recurso mas antes a «reclamação» para a conferência [artigos 40º nº3 do ETAF/2004, e 27º nº1 alínea i) e nº2 do CPTA/2004], e por esta reclamação ter sido deduzida para além do prazo de cinco dias [artigo 147º, nº1 e nº2, do CPTA/2004].

É sobre este acórdão do TCAS que incide o presente recurso de revista, no qual o requerente cautelar, ora recorrente, lhe imputa erro de julgamento de direito, já que, a seu ver, não procedeu à correcta interpretação e aplicação dos artigos 40º, nº3, do ETAF, 27º, nº1, alínea i), e nº2, 121º, e 147º, todos do CPTA [neste acórdão, sempre que nos referirmos ao ETAF ou ao CPTA, sem mais, deverá entender-se a sua versão de 2004].

São duas, pois, as questões que se nos impõem apreciar e decidir: primo, saber se nos casos de tutela final urgente permitida pelo artigo 121º, do CPTA, deverá ter aplicação a regra de funcionamento do tribunal prevista no artigo 40º, nº3, do ETAF, e consequentemente a faculdade prevista no artigo 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA; - secundo, saber se, caso afirmativo, o prazo geral de dez dias, para reclamar, deverá ser reduzido a metade nos termos do artigo 147º nº2 do CPTA.

2. As providências cautelares estão umbilicalmente ligadas ao respectivo processo principal, proposto ou a propor, cuja «utilidade final» visam assegurar e de cuja interposição e probabilidade de êxito «dependem» a sua vigência e procedência [artigos 112º a 114º, e 123º, do CPTA/2004]. Mas cabe ao julgador cautelar o poder e o dever de avaliar, ainda que em termos sumários, como é próprio da natureza urgente do processo, a pretensão deduzida pelo requerente, ponderando, para o efeito, os requisitos exigidos por lei para a sua procedência [artigo 120º do CPTA/2004].

Apesar desta relativa autonomia do processo cautelar face ao processo principal, o artigo 121º do CPTA vem estipular, no nº1, que quando a «manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo período de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal». E acrescenta, no nº2, que «A decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal é passível de impugnação nos termos gerais.

O artigo 121º do CPTA consagra uma «técnica jurídica», sobretudo em nome da tutela jurisdicional efectiva, que permite o tratamento prioritário da questão de fundo visando salvaguardar uma situação de urgência qualificada, isto é, de uma situação em que se revele insuficiente o decretamento da providência cautelar, designadamente atendendo aos limites resultantes da sua natureza provisória e aos valores e interesses em causa. Essa técnica envolve duas decisões judiciais: - a decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal, passível de impugnação nos termos gerais [artigo 121º nº2 CPTA]; - e a decisão antecipada da causa principal, sendo que é esta última que integra o objecto desta revista.

Esta solução legal, inspirada, como dissemos, no princípio da tutela jurisdicional efectiva, vem permitir que o julgador cautelar, ouvidas as partes, se declare, de forma fundamentada, apto a antecipar o juízo sobre o mérito da causa principal, e, nessa sequência, a proferir decisão sobre a causa principal em vez de proferir decisão cautelar.

Trata-se de uma «convolação» de decisões - principal em vez de cautelar - e não de uma «convolação» de processos - cautelar em acção principal - já que a antecipação do juízo sobre a causa principal é feita no âmbito do processo cautelar e não do processo principal. O juiz profere, «no processo cautelar», juízo sobre o mérito da causa principal, julgando-a procedente ou não.

Que assim é decorre, desde logo, do enquadramento sistemático do artigo 121º do CPTA, situado no título V - «Dos Processos Cautelares» - capítulo 1 - «Disposições Comuns» - sob e epígrafe «Decisão da Causa Principal». E resulta, obviamente, da lógica jurídica dessa convolação, virada para a salvaguarda de uma situação de urgência qualificada.

Mas, sobretudo, porque a decisão antecipada do processo principal é proferida no momento processualmente adequado à prolação da decisão cautelar, e não vice-versa, porque tal não faria qualquer sentido.

E nesta linha vai também significativa doutrina. Mário Aroso de Almeida escreve que o dito artigo 121º admite «a convolação da tutela cautelar em tutela principal, através da antecipação, no processo cautelar, da decisão sobre o mérito da causa» [in Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, nas páginas 494 a 496]. Trata-se de antecipar, «em sede cautelar», a decisão de «processo principal não-urgente», quando seja de reconhecer a necessidade de uma rápida tutela de mérito.

Isabel Fonseca diz que se trata da «possibilidade de o juiz antecipar, no quadro do processo cautelar, a decisão de fundo, por considerar que a quaestio facti e a quaestio juris se encontram maduras para julgamento nesse momento processual» [Artigo 121º do CPTA, in Justiça Administrativa, nº67, 2008, páginas 52 a 70].

Cremos não restar dúvida razoável, pois, de que o artigo 121º do CPTA, ao dar ao juiz cautelar - que é simultaneamente o titular do processo principal [ver artigo 113º, nº2, do CPTA] - a possibilidade de antecipar o juízo de mérito sobre o «processo principal» no momento em que lhe cumpre decidir o processo cautelar, ele terá de fazê-lo no âmbito desse processo cautelar, e não no âmbito do processo principal, cuja tramitação pode estar mais ou menos adiantada.

Aliás, o processo principal sempre prosseguirá, autonomamente, no caso de ser concedido provimento à impugnação da decisão de antecipar o juízo de mérito ao abrigo do nº2 do artigo 121º do CPTA. De facto, neste caso, o tribunal ad quem deverá determinar que o tribunal a quo aprecie a pretensão cautelar requerida, ficando sem efeito o julgamento efectuado sobre o fundo da causa, que seguirá no processo principal [MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 619 a 625].

Ora, mantendo-se a tutela principal concedida ao abrigo do artigo 121º do CPTA no âmbito do processo cautelar, cuja competência originária é do juiz singular - artigo 40º, nº1, do CPTA - naturalmente que não lhe pode ser aplicado o regime do artigo 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA, que supõe que o tribunal funcione em formação de três juízes.

Estamos, pois, face a uma situação diferente da tratada na jurisprudência deste STA que é invocada no acórdão recorrido, nomeadamente a vertida no acórdão de uniformização de jurisprudência nº3/2012, de 05.06.2012 - segundo o qual das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27º, nº1 alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº2, não recurso… - e no acórdão de 05.12.2013, tirado com «julgamento em formação alargada» - segundo o qual das decisões sobre o mérito da causa proferidas pelo juiz relator, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal [cujo julgamento de facto e de direito cabe a uma formação de três juízes, nos termos do artigo 40º, nº3, do ETAF] cabe reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27º, nº2, do CPTA, quer tenha sido ou não expressamente invocado o disposto no artigo 27º, nº1 alínea i), do mesmo diploma legal.

Regulando o artigo 27º, do CPTA, os poderes do relator, a aplicação desta norma processual é desde logo afastada no âmbito dos processos, como os cautelares, em que o tribunal funciona com juiz singular e não em formação de três juízes.

Ressuma do exposto, destarte, que a sentença proferida pelo TAC de Lisboa era susceptível de recurso nos termos gerais, recurso que foi interposto, foi admitido e deveria ter sido recebido pelo TCAS. Ao rejeitá-lo, o TCAS errou no seu juízo de direito, e o acórdão em que plasmou esse julgamento deve ser revogado.

3. Porque da sentença de 1ª instância que antecipa, em sede cautelar, o «juízo de fundo» da acção principal, cabe recurso jurisdicional nos termos gerais, nem sequer fazendo sentido, em tais casos, apelar à reclamação do artigo 27º, nº1, alínea i), e nº2, do CPTA, resulta clara e totalmente prejudicado o conhecimento da segunda questão supra enunciada.

Efectivamente, só um «interesse meramente académico», cuja prossecução não cabe aos tribunais, podia justificar avançarmos no seu conhecimento. E mesmo este sempre partiria de uma hipótese viciada porque in casu não há reclamação.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento ao recurso de revista, e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido e determinar que o TCAS aprecie e decida o recurso para ele interposto, caso nada mais obste a tal.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 13 de Julho de 2016. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.