Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01382/16
Data do Acordão:03/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Nº Convencional:JSTA000P23005
Nº do Documento:SA22018030701382
Data de Entrada:12/09/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, vem, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 7 de Julho de 2016, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade “ A……., LDA” contra liquidação oficiosa de IRS (retenções na fonte) e respectivos juros compensatórios relativa ao exercício de 2008.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1. No acórdão recorrido decidiu-se que o regime jurídico do adiantamento por conta de lucros se encontra vertido no art. 297.º do CSC e que esse artigo pressupõe a transferência da sociedade para o sócio de disponibilidades financeiras geradas em resultado de exercício.

2. Com base nesse entendimento, o aresto em apreço conclui que a AT não tinha feito prova de que a verba depositada em conta bancária do seu sócio-gerente tinha tido origem em resultados de exercício, julgando, em consequência, procedente a impugnação.

3. O art. 297.º do CSC apenas é aplicável às sociedades anónimas e não às sociedades por quotas e outras.

4. Em relação a estas últimas, o Código das Sociedades Comerciais proíbe absolutamente o adiantamento por conta de lucros.

5. No entanto, seja qual for a posição que se adote sobre a aplicabilidade do art. 297.º do dito diploma às sociedades por quotas, a verdade é que a solução da questão é irrelevante para a presente hipótese.

6. Na verdade, o conceito contabilístico e fiscal de “adiantamento por conta de lucros” é diverso do vertido no Código das Sociedades e não obriga à existência de um lucro de exercício, ainda que provisório ou intercalar.

7. A tributação do “adiantamento por conta de lucros”, a título de rendimento de capitais, teve origem no extinto Código de Imposto sobre Capitais.

8. Nele previa-se que estavam sujeitos ao citado imposto “os adiantamentos por conta de lucros, fosse qual fosse a sua natureza, espécie ou designação”.

9. A tributação dos adiantamentos manteve-se no art. 5.º, 2 h) do CIRS com a mesma amplitude

10. O SNC e, anteriormente, o POC reconhecem a distinta natureza do “adiantamento por conta de lucros” versus “dividendo antecipado” previsto no art. 297.º do CSC, prevendo contas distintas e distintos lançamentos para as duas realidades.

11. A nível contabilístico, o “adiantamento por conta de lucros” corresponde a um crédito da sociedade sobre o sócio, a regularizar numa próxima distribuição de lucros, que implica apenas uma alteração qualitativa do património social.

12. E o dividendo antecipado a uma atribuição a título definitivo, que gera uma redução do património social, que deve ser reconhecida no balanço social como rúbrica negativa do capital próprio.

13. O conceito fiscal e contabilístico de “adiantamento por conta de lucros” não depende, portanto, da existência de um resultado de exercício.

14. Ainda que assim não se entendesse, mostra-se provado nos autos que as verbas em apreço resultaram de pagamentos de clientes.

15. Isto é, mostra-se provado nos autos que as verbas atribuídas aos sócios tiveram origem em operações que deviam ter contribuído para o resultado de exercício.

16. Claro é ainda que o objectivo assumido pela sociedade foi reduzir o imposto sobre o seu lucro e ainda aquele que incidiria sobre o lucro a distribuir aos sócios.

17. Em face do que se refere, o acórdão em recurso não pode manter-se e deve ser revogado.

18. A presente revista é admissível uma vez que o presente acórdão, ao estabelecer uma conexão entre o “adiantamento por conta de lucros” fiscalmente relevante e o lucro de exercício, introduziu dúvidas e perplexidades quanto ao regime legal aplicável, cujo esclarecimento exige a intervenção clarificadora desse Venerando Tribunal.

Termos em que deve ser admitido e dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências.

2 – Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 217 a 226 dos autos, sustentando a rejeição do presente recurso, por inadmissibilidade em razão de não estarem preenchidos os respectivos pressupostos legais e, caso assim não se entenda, o seu não provimento.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 235/236 dos autos, nele suscitando a questão da inconstitucionalidade dos artigos 150.º, n.º 1, art. 2 al. c) e art. 2.º al. e) todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, na interpretação segundo a qual, por via da aplicação supletiva as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários e do Código de Processo Civil, o recurso de revista é admissível no contencioso tributário.

Quanto a esta questão prévia, diga-se desde já que não deixaremos de acompanhar a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, entretanto sancionada pelo Tribunal Constitucional – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 610/16, de 15 de Novembro de 2016, cujo entendimento vem sendo reiterado em Decisões Sumárias e Acórdãos posteriores (cfr. o recente Acórdão n.º 35/18, de 31 de Janeiro) - no sentido na admissibilidade no contencioso tributário do recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA (cfr., por todos o Acórdão de 8 de Outubro de 2014, rec. n.º 772/14 e numerosa jurisprudência nesse sentido aí citada), não se nos afigurando ocorrer a invocada inconstitucionalidade , porquanto, como tem considerado a jurisprudência deste STA, tal competência encontra fundamento legal na expressa remissão para o CPTA operada pelo artigo 2.º alínea c) do CPPT e bem assim na alínea e) do mesmo preceito legal, que opera remissão idêntica para o Código de Processo Civil, diploma este que desde as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, passou também a prever recurso excepcional de revista para o STJ de acórdãos de tribunais da Relação, não havendo, pois, razão para tal recurso se ter apenas por excluído no contencioso tributário e suscitando tal solução, ao invés, dúvidas quanto à sua conformidade à lei fundamental por atentatória do direito à tutela jurisdicional efectiva e ao princípio da igualdade (artigos 13.º e 268.º n.º 4 da CRP).

Julga-se, pois, não haver obstáculo de ordem constitucional à admissibilidade do presente recurso, preenchidos que estejam os respectivos pressupostos legais.

4 – É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:

A. A sociedade A…………, LDA., N.I.P.C…………, encontra-se coletada em IRC pelo exercício da atividade de “Construção de Edifícios (residenciais e não residenciais)”, CAE 041200, estando enquadrada no regime de contabilidade organizada e, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal – cfr. fls. 1 do relatório de inspeção tributária;

B. Com base na Ordem de Serviço n.º 28/2010, de 05.01.2010, a Impugnante foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial (IVA, período de 0905), que decorreu entre 11.01.2010 a 22.07.2010 – cfr. fls. 1 do relatório de inspeção tributária;

C. Na sequência dos fatos apurados no procedimento mencionado na al. imediatamente anterior, foi emitida a Ordem de Serviço n.º 544/2010, de 10.02.2010, determinando a sujeição da Impugnante a um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral (exercícios de 2007 e 2008), que decorreu entre 02/03/2010 a 22/07/2010 – cfr. fls. 1 do relatório de inspeção tributária;

D. No âmbito da ação inspetiva foi elaborado o Relatório Final que consta de fls. 20 a 36 do processo administrativo, cujas conclusões se dão por reproduzidas;

E. No exercício de 2008, ocorreram movimentos financeiros entre a Impugnante e o sócio gerente B……….., que se encontram descritas no item III, do Relatório mencionado na al. anterior;

F. No Relatório mencionado na al. D., consta que a AT considerou que os movimentos referidos na al. E., tratavam-se de um adiantamento que a Impugnante fez ao referido sócio por conta do lucro no montante de € 80.000,00 não justificados por suprimentos ou qualquer outro crédito perante a Impugnante, os quais estão sujeitos a retenção na fonte em sede de IRS, nos termos do art. 71.º, n.º 1 e 3 (atual 71.º, n.º 1, al. c)) art. 98.º, n.º 3 e 102.º, n.º 2, al. a) do CIRS;
G. Em 06/01/2010, 18/01/2010 e 12/02/2010, foram depositados na conta bancária de que a Impugnante é titular do Banco Santander Totta, 3 (três) cheques nos valores de € 20.000,00, € 45.000,00 e € 20.000,00, respetivamente, sacados sobre a conta titulada por B………..;

H. Na sequência da inspeção ordenada e descrita em C., foram efetuadas correções à matéria tributável, constantes do relatório final de inspeção, que deu origem à liquidação oficiosa n.º 2010 6410002234 relativa a IRS, do exercício de 2008, aqui impugnada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –


5 – Apreciando.

5.1 Da admissibilidade do recurso de revista

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excecional, nos termos do art. 150.º do CPTA, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de Abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA-Norte do qual se solicita revista excepcional negou provimento ao recurso interposto pela AT da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade “ A…...., LDA” contra liquidação oficiosa de IRS (retenções na fonte) e respectivos juros compensatórios relativa ao exercício de 2008, no entendimento de que a liquidação impugnada é ilegal em virtude de a AT não ter demonstrado, como lhe incumbia, que a quantia de €80.000, alegadamente entregue pela Recorrida ao seu sócio-gerente B………., constituía adiantamento por conta de lucros a esse sócio e, como tal, não estarem verificados os pressupostos que preenchem a hipótese de incidência da norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRS – cfr. acórdão recorrido, a fls. 179, verso, dos autos.

Fundamentou-se o decidido nos seguintes termos (acórdão, a fls. 182/183 dos autos) – destacados nossos:

«(…) a questão que se coloca é a de saber se os factos recolhidos pela administração tributária permitem extrair a conclusão de que foram postos à disposição do seu sócio-gerente proveitos auferidos pela Recorrida, constituindo adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, devem ser qualificados como rendimento de capitais nos termos do artigo 5.º, n.º2, alínea h) do CIRS. Importa relembrar que era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos índices donde se pudesse extrair aquela conclusão (cfr. artigo 74º da LGT), impondo-se verificar se a argumentação constante do RIT e vertida no probatório contém factos objectivos susceptíveis de demonstrar que a quantia em causa foi colocada à disposição do sócio e se permite extrapolar a conclusão de que estamos perante adiantamento por conta dos lucros e, como tal, rendimento de capitais, categoria E, nos termos do estatuído no artigo 5º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do CIRS, para depois concluir que a Recorrida estava obrigada a reter na fonte a importância correspondente a essa quantia.

Como decorre dos autos e do probatório, a presente liquidação de IRS teve lugar por se ter apurado em sede inspectiva que o valor entrado numa conta pessoal do sócio-gerente correspondia, na sua quase totalidade, ao montante constante de um cheque emitido ao portador pela sociedade.

O Código das Sociedades Comerciais (CSC), no seu artigo 297.º, n.º1, prevê que nas sociedades anónimas sejam feitos aos accionistas adiantamentos sobre lucros, desde que observadas as seguintes regras:

«a) O conselho de administração ou o conselho de administração executivo, com o consentimento do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, resolva o adiantamento;

b) A resolução do conselho de administração ou do conselho de administração executivo seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que devem observar, no que seja aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efectuado;

c) Seja efectuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste;

d) As importâncias a atribuir como adiantamento não excedam metade das que seriam distribuíveis, referidas na alínea b).

2 - Se o contrato de sociedade for alterado para nele ser concedida a autorização prevista no número anterior, o primeiro adiantamento apenas pode ser efectuado no exercício seguinte àquele em que ocorrer a alteração contratual».
Embora o CSC não contenha disposição idêntica para as sociedades por quotas (caso da impugnante), o certo é que a admitir-se tal possibilidade também nesta modalidade societária, sempre haveriam de observar-se as regras a que está sujeito o adiantamento sobre os lucros nas sociedades anónimas – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 09/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 545/10.4BECBR.

E analisadas tais regras, logo se vê que o adiantamento por conta dos lucros supõe a transferência de disponibilidades financeiras geradas em resultados do exercício, da sociedade para os sócios.

Ora, os resultados das empresas decorrem da diferença entre os proveitos e os custos apurados no exercício.

Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

No caso dos autos, não está demonstrado ter ocorrido qualquer transferência da sociedade para o sócio de fundos próprios gerados em resultados. Apenas sabemos que saiu da conta da sociedade n.º 2682 – Outros Credores, o montante de €84.000,00 – cfr. anexo 13 ao relatório inspectivo, consubstanciado no “Extracto de Conta de Conferência”, por via da emissão do cheque n.º (…) 1872 ao portador – cfr. anexo 14. Sabemos, ainda, que esse cheque foi pago em 22/12/2008 – cfr. extracto da conta bancária à ordem da sociedade a fls. 50 do processo físico. E que, na mesma data, foi efectuado um depósito em numerário na conta particular de S…, no valor de €80.000,00 – cfr. extracto consolidado a fls. 51 (anexo 15). Assim, em rigor, somente com os elementos documentais juntos aos autos, não é possível dar por adquirido que o depósito de €80.000,00 na conta bancária particular do sócio-gerente teve como proveniência a impugnante, muito menos que consubstancie fundos próprios da sociedade gerados em resultados, segundo o citado artigo 17.º do CIRC.
Lembramos que o cheque de €84.000,00 emitido ao portador pela Recorrida foi lançado na sua contabilidade na conta “2682 – Outros Credores” e não em qualquer conta de “Sócios”, não podendo dar-se por adquirida a qualificação do depósito como “adiantamento por conta de lucros” (que, se assim fosse, seria contabilizado na “conta 2522”).
Assim, a qualificação como adiantamento por conta dos lucros, in casu, enferma de erro nos pressupostos, sendo irrelevante a discussão que se formou em torno da questão de saber se tal quantia retornou à sociedade (e em que medida), e se se tratava, afinal, de um eventual empréstimo da sociedade ao seu sócio-gerente. De todo o modo, o certo é que tal quantia foi contabilizada na “conta 2682 – Outros Credores” e que, cerca de dois anos depois, em 06/01/2010, em 18/01/2010 e em 12/02/2010, foram depositados na conta bancária de que a Recorrida é titular do Banco Santander Totta, 3 (três) cheques nos valores de € 20.000,00, de € 45.000,00 e de € 20.000,00, respectivamente, sacados sobre a conta titulada por S…– cfr. ponto G) do probatório.
Relembramos que à AT cabe o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, isto é, compete-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário. Ou seja, a Administração Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a qualificar a entrada de capital na conta particular do sócio-gerente como adiantamento por conta dos lucros da sociedade e, no caso, não se recolheram factos (índice) suficientes de que foi feito depósito pela sociedade na conta do sócio alicerçado nos resultados do exercício da sociedade.
Na falta de verificação desse requisito, inexiste para a sociedade impugnante qualquer obrigação de imposto fundada em facto tributário na esfera do sócio-gerente, o que inquina do vício de violação de lei a liquidação impugnada de IRS – retenção na fonte, determinante da sua anulação.
Nesta conformidade, porque a apreciação se quedou a montante, são irrelevantes os argumentos apontados nas alegações do presente recurso, impondo-se negar provimento ao mesmo, mantendo a sentença recorrida.» (fim de citação).
Pretende a recorrente a admissão da revista alegando que o presente acórdão, ao estabelecer uma conexão entre o “adiantamento por conta de lucros” fiscalmente relevante e o lucro de exercício, introduziu dúvidas e perplexidades quanto ao regime legal aplicável, cujo esclarecimento exige a intervenção clarificadora desse Venerando Tribunal.

Ora, decorre do acórdão cuja revista se requer, designadamente do transcrito excerto que aqui se reproduz, que a questão que na perspectiva da recorrente justificaria a revista é meramente lateral ou secundária para a decisão que o TCA-Norte tomou, pois que o cerne desta se centra da valoração da matéria de facto fixada e no funcionamento das regras de distribuição do ónus da prova.

Alega a recorrente que mostra-se provado nos autos que as verbas em apreço resultaram de pagamentos de clientes, (…) que as verbas atribuídas aos sócios tiveram origem em operações que deviam ter contribuído para o resultado de exercício, sendo ainda claro que o objectivo assumido pela sociedade foi reduzir o imposto sobre o seu lucro e ainda aquele que incidiria sobre o lucro a distribuir aos sócios - cfr, conclusões 14 a 16 das alegações de recurso -, quando no probatório fixado e supra reproduzido nada disto se encontra fixado e o TCA-NORTE concluiu, com base no probatório, que não é possível dar por adquirido que o depósito de €80.000,00 na conta bancária particular do sócio-gerente teve como proveniência a impugnante, muito menos que consubstancie fundos próprios da sociedade gerados em resultados, segundo o citado artigo 17.º do CIRC.

O que está, pois, em causa no recurso cuja admissibilidade se requer é, no essencial, a fixação e valoração da matéria de facto fixada.

Ora, resulta expressa e inequivocamente do n.º 4 do artigo 150.º do CPTA que O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é o caso dos autos.

Pelo exposto se conclui não ser de admitir a revista.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Março de 2018. - Isabel Marques da Silva (Relatora) - Dulce Neto - António Pimpão.