Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02048/20.0BELSB
Data do Acordão:06/23/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO
Sumário:Justifica-se deferir a dispensa do pagamento em 90% do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º nº 7 do R.C.P., se, não obstante as questões apreciadas e decididas não se afigurarem de complexidade inferior à comum, tal dispensa parcial, ponderada a conduta das partes, se mostrar necessária para ajustar, em termos de proporcionalidade, o montante da taxa de justiça ao concreto serviço judiciário prestado.
Nº Convencional:JSTA000P29632
Nº do Documento:SA12022062302048/20
Data de Entrada:02/07/2022
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:B....., S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal
Administrativo:

Requerimento de reforma de Acórdão quanto a custas

I – Relatório

1. Notificada do Acórdão proferido por este STA, nos presentes autos, no passado dia 7/4, vem a Recorrente/Contrainteressada “A……, S.A.”, a fls. 3979 e segs. SITAF, requerer a reforma do mesmo, quanto a custas, solicitando que, ao abrigo do disposto no art. 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça relativa às instâncias recursivas, alegando que se encontram preenchidos os devidos pressupostos e recordando que já pagou pelos dois recursos jurisdicionais - de apelação para o TCAS e de revista para este STA - 816€ por cada um (para além de 204€ com a apresentação da contestação em 1ª instância).

Foi ouvido o Ministério Público junto deste STA, que se pronunciou pela extemporaneidade do requerimento, em todo o caso apenas apreciável relativamente ao remanescente da taxa de justiça devida nesta instância de revista, e subsidiariamente pelo indeferimento do requerido ou, sem prescindir, por dispensa não superior a 50% relativamente à presente instância e à Recorrida (cfr. fls. 4004 e segs. SITAF).

A Requerente/Recorrente respondeu à pronúncia do MºPº, rebatendo a sua argumentação e as suas conclusões (cfr. fls. 4035 e segs. SITAF).

II - Apreciação

2. Como refere Salvador da Costa ("As Custas Processuais”, 7ª edição, Set./2018, Almedina, págs. 141): «(…) verificados aqueles pressupostos, é no final da sentença ou do acórdão que o juiz ou o coletivo dos juízes deve declarar aquela dispensa, sem prejuízo da faculdade do requerimento de reforma do decidido. Com efeito, vistos os mencionados pressupostos, a indispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pelo juiz ou pelo coletivo de juízes justifica legalmente o pedido pelas partes da reforma da sentença ou do acórdão, nos termos dos artigos 616º nº 1, 666º e 679º do CPC, extensivamente interpretados».

E como é entendimento deste STA (v.g., Ac. de 29/10/2014 (0547/14):
«I - A decisão jurisdicional a conhecer da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6º, n.º 7 do RCP, deve ter lugar na decisão que julgue a ação, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no artigo 527º, n.º 1 do CPC;
II - Apenas pode ocorrer posteriormente, nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene nas custas, cfr. artigo 616º do CPC, mas sempre antes da elaboração da conta».

E como resulta do Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2022, de 10/11/2021, publicado no DR 1ª Série de 3/1/2022 «A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo».

Assim, é de concluir que o requerimento em apreço, apresentado antes do trânsito em julgado do Acórdão de 7/4/2022, cuja reforma peticiona, o foi tempestivamente.

3. A Requerente, como visto, peticiona a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida relativamente às duas instâncias recursórias (TCAS e STA).

Embora o requerimento tenha apenas sido apresentado na sequência da decisão proferida neste STA, sem que, nas alegações do recurso de revista (isto é, na sequência da decisão do TCAS), tenha questionado o remanescente da taxa de justiça devido pelo recurso de apelação, entendemos que nada obsta a que seja apreciado o requerimento, tal como vem apresentado, relativamente às duas instâncias recursivas.

É que, tal como explanado na decisão singular do Relator (Abrantes Geraldes) de 20/12/2021 (proc. 2104/12.8TBALM.L1.S1) do STJ, disponível em “dgsi.pt”:
«(…) IV. A condenação em custas por decisão de que seja interposto recurso de apelação ou de revista assume sempre natureza provisória, na medida em que a sua efetivação fica condicionada pelo resultado que vier a ser declarado pela Relação ou pelo Supremo que, podendo consistir na confirmação da decisão recorrida, pode também traduzir-se na sua anulação, revogação ou alteração, com efeitos que se projetam na determinação ou na amplitude da responsabilidade tributária e ainda na exigibilidade ou não da taxa de justiça remanescente».

Aí mais se discorreu, a esse propósito:
«(…) Mais problemática é a verificação da amplitude da intervenção judicial, ou seja, se nos casos em que a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente é apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça (ou, noutros casos, pela Relação), a decisão está circunscrita à taxa ou taxas de justiça remanescentes correspondentes à tramitação que ocorreu nesse grau de jurisdição ou se deve ser alargada a toda a tramitação processual.
(…) parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt.
Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art. 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxas de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado.
Por exemplo: o R. que na sentença de 1ª instância tenha sido absolvido do pedido não tem qualquer ónus de suscitar a questão da dispensa da taxa de justiça remanescente, a não ser que no posterior recurso de apelação interposto pelo A. a Relação revogue ou modifique a sentença e acabe por julgar a ação total ou parcialmente procedente. O mesmo ocorre, a respeito do A., nos casos em que na 1ª instância a ação é julgada totalmente procedente, sendo revogada ou modificada pela Relação. Resultados que ainda podem ser modificados pelo Supremo se acaso for interposto recurso de revista, pois só então cada um dos sujeitos, em função do resultado definitivo, será confrontado ou não com a obrigação de pagamento da taxa de justiça remanescente
Acresce ainda que a possibilidade de diferir a apreciação da dispensa ou da redução da taxa de justiça remanescente para a decisão do recurso na Relação ou no Supremo é a que melhor garante que sejam ponderados de uma “forma fundamentada” os fatores previstos no nº 7 do art. 6º, procedendo a uma avaliação global da “especificidade da situação”, tendo em conta designadamente a complexidade da causa, a conduta processual das partes, os resultados que foram alcançados e todos os demais aspetos relevantes.
É, ademais, a solução que melhor se conjuga com os arts. 29º, nº 1, e 30º do RCP, segundo os quais, a “conta é elaborada depois do trânsito em julgado da decisão final” sendo “efetuada de harmonia com o julgado em última instância”. Com efeito, sendo a conta elaborada apenas depois de o processo ser remetido ao tribunal de 1ª instância, deve ser seguido na sua elaboração o que decorra do que foi definitivamente decidido, atendendo designadamente à dispensa automática prevista no nº 9 do art. 14º relativamente à parte que seja totalmente vencedora.
Por isso, mesmo nos casos em que a questão da dispensa ou da redução da taxa de justiça seja apreciada na sentença de 1ª instância, o que acerca dessa questão for decidido acabará por ficar dependente do resultado final que só se estabiliza com o trânsito em julgado, o que tanto pode ocorrer na 1ª instância, como na Relação ou no Supremo».

4. A Requerente diz que já pagou, aquando da apresentação do recurso de apelação para o TCAS, a quantia de 816,00€, e outros 816,00€ com a revista para este STA (para além dos 204,00€ que se verifica ter pago com a contestação da ação no TAC de Lisboa). Para além dos pagamentos efetuados pela Ré/Entidade Demandada e pela Autora/Recorrida.

Foi fixado à ação o valor de 2.059.216,87€ (cfr. sentença de 1ª instância, de 21/5/2021, a fls. 3511 e segs. SITAF).

Assim sendo, está em causa um remanescente de taxa de justiça no montante de 22.032€ - isto é, 11.016€ por cada um dos dois recursos jurisdicionais interpostos, quantia correspondente a 72, por arredondamento, x 1,5 UCs (153,00€), em resultado da divisão de 1.784.216,87€ - valor da causa que excede 275.000€ - por 25.000€, como determinado na Tabela I anexa ao RCP («Para além dos 275 000€, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada 25 000€ ou fracção, (…), 1,5 UC no caso da col. B (…)».

Para além de idêntico remanescente relativamente à Recorrida/Autora “B….., S.A.”.

Ora, efetivamente, concorda-se com a Requerente em que o montante de 22.032€ a pagar como remanescente da taxa de justiça por cada parte recursiva se afigura claramente desproporcional ao serviço judiciário prestado, pelo que se justifica a sua dispensa (sem deixar de se considerar as quantias já pagas ao longo da tramitação dos autos).

No entanto, entendemos não se justificar, “in casu”, uma dispensa total, atendendo à natureza da ação e à sua tramitação concreta em face dos parâmetros legalmente fixados (designadamente, complexidade da causa, em processo volumoso, com peças relativamente extensas, e às questões jurídicas colocadas), sendo de concluir que a “complexidade da causa”, ainda que não superior ao normal para este tipo de ações (de contencioso pré-contratual), se afigura como não especialmente inferior à comum.

Aliás, como se disse no Acórdão deste STA, proferido nestes autos em 13/1/2022 (cfr. fls. 3929 e segs. SITAF), que admitiu a revista: «(…) A questão da verificação ou não de interesse em agir quando, no âmbito do contencioso pré-contratual, é invocada pela autora uma situação de ilegalidade derivada, porquanto o seu ataque ao acto impugnado, de «adjudicação», emerge de ilegalidades pretéritas, e respeitantes, nomeadamente, a peças do procedimento, visando apenas obter uma nova oportunidade para apresentar proposta diferente, mostra-se complexa, e carente de alinhamento com a jurisprudência do TJUE (..)» (sublinhados nossos).

Ora, tendo como pressuposto que, nos termos legais, a dispensa (designadamente, total) só se justificará por forma excecional – não sendo, pois, a regra –, só uma complexidade claramente inferior à comum permitirá uma dispensa integral do pagamento do remanescente – o que, como dissemos, não é o caso.

Assim sendo, tudo ponderado, será de fixar a solicitada dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em 90% (mantendo-se, pois, a obrigação do seu pagamento em 10%), relativamente às duas instâncias recursivas e quanto a ambas as partes.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

- Deferir, parcialmente, o requerimento de reforma do Acórdão proferido nos presentes autos em 7/4/2022 quanto a custas, dispensando em 90% o pagamento do remanescente da taxa de justiça (relativamente às duas instâncias recursivas e quanto ambas as partes).

D.N.

Lisboa, 23 de junho de 2022. - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) - José Augusto Araújo Veloso - Maria do Céu Dias Rosa das Neves.