Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01507/12
Data do Acordão:02/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
INEXIGIBILIDADE
DÍVIDA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
ACTO
RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS
APOIO
CPPT
Sumário:I - Invocando o recorrente que nunca foi notificado de qualquer liquidação ou existência de dívida e tendo invocado na sua petição inicial de oposição que nunca foi informado de nada, pode concluir-se, com alguma benevolência atento o princípio “pro actione”, que invocara também a inexigibilidade da dívida por falta de notificação do acto administrativo que ordenou a restituição dos apoios concedidos pelo IEFP, o que constitui indubitavelmente fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
II - Assim, não pode manter-se a decisão de indeferimento liminar da oposição com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P15375
Nº do Documento:SA22013022701507
Data de Entrada:12/27/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:INST DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-

1 – A…., com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 28 de Setembro de 2010, que, nos termos do artigo 209.º n.º 1 alíneas b) do CPPT, rejeitou liminarmente a petição inicial de oposição por si apresentada contra a execução fiscal n.º 0388200601013211, instaurada no Serviço de Finanças de Celorico de Basto para cobrança coerciva de dívida ao Instituto de Emprego e Formação Profissional IP – Delegação Regional do Norte – no montante de € 95.608,28, absolvendo da instância a Fazenda Pública.

O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) A douta sentença sob recurso decidiu “absolver o R. da instância”, por haver entendido que: “…verificando-se a situação prevista no referido artigo 209.º, n.º 1, al. b) do CPPT, existe um obstáculo ao conhecimento do mérito do pedido, pelo que deve absolver-se o R. da Instância.”
B) Salvo o devido respeito, não pode o recorrente conformar-se com o doutamente decidido.
C) Uma vez que, o indeferimento liminar da oposição à execução deve ter lugar como “ultima ratio”, isto é, quando o pedido do autor for evidentemente inútil.
D) E não quando não estão preenchidos os requisitos do art. 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT, como decidido na sentença ora sob recurso.
E) Contudo, o Tribunal “a quo” limitou-se a referir que “…tendo em conta o alegado pelo oponente no seu requerimento de fls. 144 e ss., não são alegados factos reconduzíveis, ainda que remotamente, à alínea b) do supra-transcrito n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e processo Tributário…2.
F) Pelo que, não podia aquele ter absolvido o recorrente da instância nos termos em que o fez.
G) Devia antes verificar se os fundamentos da oposição cabiam em alguma das alíneas do art. 204.º do CPPT.
H) Segundo Jorge Lopes de Sousa, no CPPT anotado e comentado, de 2007, ponto 11. “O que é relevante para apreciar se o oponente invoca um fundamento de oposição à execução são os factos invocados e não a sua qualificação jurídica, pois o tribunal não está vinculado pelo alegado pelas partes quanto à aplicação do direito (art. 644.º do CPC).
Por isso, se os factos invocados se enquadram nalguma das situações previstas no n.º 1 do art.º 204.º deste Código, não se poderá rejeitar a oposição com fundamento na não invocação de um dos fundamentos admissíveis, mesmo que a qualificação que, erradamente, é dada aos factos invocados não preencha qualquer das situações referidas.”
I) Ora, através de uma simples leitura do articulado do recorrente verificava-se que nada mais restava aquele que não fosse deitar mão do instituto da oposição à execução.
J) Pois, não pode aceitar-se que alguém que desconhecia a existência de qualquer financiamento,
K) Nunca esteve na posse do montante em causa, bem como, nunca foi notificado de qualquer liquidação ou existência de dívida.
L) Possa ser considerado devedor e obrigado á restituição de tal verba.
M) Tanto mais, que na sua oposição foi junto documento que prova tudo o por si alegado, ou seja, o facto de ser vítima de um crime de burla, e relativamente ao qual procedeu à competente denúncia, cfr. Participação junta aos autos.
N) Também a própria Administração Tributária tem conhecimento que o caso do ora recorrente não é único.
O) Tanto assim é, que nos distritos de Braga e Porto existem casos similares e relativamente aos quais as entidades envolvidas têm conhecimento.
P) A execução em causa resultou de uma inspecção judicial ao Instituto de Emprego e Formação Profissional de Felgueiras, o órgão que atribuiu o subsídio melhor identificado nos presentes autos ao recorrente, onde se verificou a existência de irregularidades que levaram ao pedido de reembolso.
Q) Assim, existem fundamentos suficientes para se admitir a petição/oposição à execução apresentada pelo recorrente nos termos do disposto no art. 204.º do CPPT.
R) Também o Ac. do STA de 04/11/2004 referiu que “… O indeferimento liminar, com fundamento em manifesta improcedência, só tem justificação em casos extremos, ou seja, quando essa inviabilidade seja irremediavelmente evidente.”
S) Assim, não existindo essa evidência irremediável não podia o Tribunal “a quo” ter decidido nos termos em que o fez.
Nestes termos e em tudo quanto V.ªs Ex.ªs mui doutamente suprirão, requer-se a revogação da douta sentença a quo, atenta a sua fundamentação.

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:

1. A factualidade alegada pelo Recorrente está totalmente fora do alcance do regime previsto no art. 204º do CPPT, já que não é subsumível a nenhum dos fundamentos que, de forma taxativa, ali se encontram enunciados e que sempre implicaria a discussão da legalidade concreta da dívida exequenda, o que, nos termos do disposto nas alíneas h) e i) do n.º 1 do mesmo preceito legal, está vedado no processo de oposição à execução fiscal.
2. O que o recorrente invoca como fundamento de oposição à execução é na verdade um vício procedimental que não pode ser apreciado em processo de oposição à execução, mas antes através de uma acção administrativa especial.
3. Pelo que, a legalidade do acto do IFEP, I.P. teria de ser apreciada na impugnação (através da interposição da competente acção administrativa), não podendo sê-lo em sede de oposição que não consente tal fase anulatória, a não ser que a “lei não assegure meio judicial de impugnação”, nos termos da al. h) do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que não é o caso.
4. O despacho de conversão em reembolsável do apoio concedido sob a forma não reembolsável e o vencimento imediato da totalidade da dívida é contenciosamente impugnável, nos expressos termos do art. 6º nº 2 do decreto-Lei nº 437/78, de 28 de Dezembro “A impugnação contenciosa, nos termos gerais do processo administrativo, do despacho de declaração do vencimento imediato da dívida…”.
5. Não é possível convolar a oposição em Acção Administrativa Especial por esta se mostrar intempestiva, face ao prazo de caducidade previsto no art. 58.º nº 2 al. b) do CPTA.
6. O Despacho impugnado tem pleno suporte de facto e de direito, não violando, consequentemente, qualquer norma ou disposição legal.
7. Pelo que, bem andou a douta sentença, quando julgou pela ocorrência da questão prévia suscitada pelo Recorrente IEFP, IP no que tange à rejeição liminar da oposição nos termos do att. 209.º nº 1 al. b) do CPPT.

3 – Por Acórdão de 23 de Novembro de 2012 (a fls. 190 a 198 dos autos) o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do objecto do recurso, indicando como competente para o efeito este Supremo Tribunal, para o qual os autos foram remetidos precedendo requerimento do recorrente nesse sentido (fls. 204 dos autos).

4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal remeteu para o parecer do Ministério Público no TCA-Norte, a fls. 183 dos autos, no qual se entendeu que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

5 – Questão a decidir

É apenas a de saber se bem andou a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a petição de oposição.

6 – Apreciando.

6.1 Do indeferimento liminar da petição de oposição

A decisão recorrida, a fls. 146 a 148 dos autos, rejeitou liminarmente a oposição deduzida pela ora recorrente, com fundamento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º do CPPT, fundamentando o decidido nos seguintes termos (fls. 147):

“No processo de oposição à execução fiscal, regulado nos arts. 203.º e ss. do CPPT, a causa de pedir pode ser – mas tem de ser – qualquer uma das previstas no artigo 204.º daquele Código.

Ora, na petição inicial não vem alegada qualquer daquelas situações.

Designadamente, e tendo em conta o alegado pelo oponente no seu requerimento de fls. 144 e ss., não são alegados factos reconduzíveis, ainda que remotamente, à alínea b) do supra-transcrito n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na medida em que tal alínea tem como pressuposto:

a) não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor;

b) sendo o que nele figura, não ter sido durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram;

c) ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida.

Ora, in casu, o oponente é quem figura no título, pelo que a sua situação não se reconduz manifestamente quer à situação elencada na alínea a) quer à elencada na alínea c).

Quanto à situação supra-elencada na alínea b), “Esta situação de legitimidade está conexionada com as situações de reversão da execução contra possuidores, fruidores, e proprietários, previstas no artigo 158.º deste Código, podendo esta reversão ser uma consequência do julgamento que se fizer sobre a ilegitimidade referida nesta alínea b).” (Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e Processo Tributário – anotado e Comentado”, vol. II, Áreas Editora, 2007, p. 332).

Não é igualmente esta a situação relatada na petição inicial.

Assim, verificando-se a situação prevista no referido artigo 209.º/1/b) do CPPT, existe um obstáculo ao conhecimento do mérito do pedido, pelo que deve absolver-se o R. da instância”.

Discorda da decisão de indeferimento liminar o recorrente, porquanto o indeferimento liminar da oposição à execução deve ter lugar como “ultima ratio”, isto é, quando o pedido do autor for evidentemente inútil, e não quando não estão preenchidos os requisitos do art. 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT, como decidido na sentença ora sob recurso, alegando que o tribunal recorrido devia ter verificado se os fundamentos da oposição cabiam em alguma das alíneas do art. 204.º do CPPT, pois que através de uma simples leitura do articulado do recorrente verificava-se que nada mais restava aquele que não fosse deitar mão do instituto da oposição à execução e existem fundamentos suficientes para se admitir a petição/oposição à execução apresentada pelo recorrente nos termos do disposto no art. 204.º do CPPT.

Vejamos.

Atento ao teor da decisão recorrida, cuja fundamentação transcrevemos supra, resulta evidente que não é inteiramente correcta a alegação do recorrente de que a decisão de indeferimento liminar da petição de oposição se fundamentou exclusivamente no facto de os factos alegados na petição inicial não se reconduzirem à alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

A decisão recorrida consigna expressamente que na oposição a causa de pedir pode ser – mas tem de ser – qualquer uma das previstas no artigo 204.º daquele Código e que na petição inicial não vem alegada qualquer daquelas situações, para passar, de seguida, à explicitação das razões pelas quais entende que os factos alegados não se subsumem à alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

A explicação para este especial enfoque da decisão na alínea b) do artigo 204.º do CPPT compreende-se através da reconstituição, possível através da consulta do processo, do iter processual que culminou na decisão recorrida: colhe-se dos autos que, após promoção do Ministério Público em 1.ª instância no sentido de que fosse julgada inepta a petição de oposição, por ausência de causa de pedir (a fls. 140 dos autos), foi o oponente notificado para se pronunciar (fls. 141 dos autos), vindo este dizer (a fls. 144 dos autos) que: “Nos termos do disposto no art. 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT o oponente pretende que seja declarada a sua ilegitimidade.”

Por isso a decisão recorrida centrou a sua fundamentação na explicitação das razões pelas quais se não verificava a ilegitimidade do oponente, não deixando, contudo, de afirmar que “No processo de oposição à execução fiscal, regulado nos arts. 203.º e ss. do CPPT, a causa de pedir pode ser – mas tem de ser – qualquer uma das previstas no artigo 204.º daquele Código” e que “(…) na petição inicial não vem alegada qualquer daquelas situações”, o que justifica o indeferimento liminar desta, ex vi do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º do CPPT, por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º.

Sucede, que na parte final da alínea K) das conclusões das suas alegações de recurso o recorrente invoca que nunca foi notificado de qualquer liquidação ou existência de dívida, sendo que no artigo 8.º da sua petição inicial de oposição invocara que nunca foi informado de nada, donde se pode concluir, com alguma benevolência atento o princípio “pro actione”, que invocara também a inexigibilidade da dívida por falta de notificação do acto administrativo que ordenou a restituição dos apoios concedidos pelo IEFP, o que constitui indubitavelmente fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT (assim, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 499 – nota 38 b) ao art. 204.º do CPPT).

Impõe-se, pois, revogar a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente a petição de oposição, baixando os autos à 1.ª instância para que prossigam, designadamente para que depois de efectuada a necessária ampliação da matéria de facto conheça do mérito do fundamento invocado – inexigibilidade da dívida por falta de notificação do acto administrativo que ordenou a restituição do apoio concedido.

O recurso merece provimento.


- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, e ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância para que prossigam, se a tal nada mais obstar.

Custas a final.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.