Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0620/11
Data do Acordão:11/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:INDEMNIZAÇÃO
GARANTIA
EXECUÇÃO FISCAL
PRAZO
EXECUÇÃO DE JULGADO
Sumário:I – O exercício do direito à indemnização pela prestação de garantia indevida com vista à suspensão da execução fiscal, não fica precludido pelo facto de não ter sido peticionado na oposição à execução ou nos trinta dias após a prestação da garantia.
II – Apesar de se tratar de indemnização por prejuízos causados por acto ilícito, o nº 3 do artigo 53º da LGT não afasta a possibilidade de tal direito ser exercido no processo de execução de sentença.
Nº Convencional:JSTA00067221
Nº do Documento:SA2201111020620
Data de Entrada:06/17/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART52 N1 ART53 N1 N3 ART102
CPPTRIB99 ART169 N1 N5 ART171 ART204 N1 N2
CPTA02 ART166 ART173 ART178
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. A…, com sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional do despacho que rejeitou o pedido de indemnização pelos encargos decorrentes da garantia bancária indevidamente prestada no processo de execução fiscal contra si revertida nos Serviços de Finanças de Coimbra.
Nas alegações, conclui o seguinte:
1) Vem o presente recurso apresentado do douto despacho que rejeitou o pedido de execução de julgado por manifesta extemporaneidade do mesmo, tendo-se considerado que o pedido deveria ter sido apresentado no prazo de 30 dias contados da data de 7/7/2006.
2) Todavia, no âmbito do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, da conjugação do disposto nos arts. 171° do CPPT e 53°, 100º e 102° da LGT resulta que, não tendo sido exercido tal direito através de pedido apresentado no procedimento ou processo tributário, pode ainda formular-se esse pedido em execução coerciva do julgado anulatório da respectiva liquidação.
3) Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os seguintes artigos: 171° do CPPT e 53°, 100° e 102° da LGT.
2. Na decisão recorrida considerou-se a seguinte matéria de facto:
a) Em 31/10/10 foi proferida sentença na oposição 672/06.2 BECBR, transitada em julgado;
b) Na oposição oponente no seu articulado conclui pela procedência da oposição e extinção da execução revertida contra o oponente;
c) A sentença julga a oposição procedente e declara o oponente parte ilegítima para a execução, extinguindo-se a execução quanto a ele;
d) O oponente requereu junto do órgão de execução fiscal que lhe fosse fixada uma indemnização decorrente com os encargos tidos com a garantia a fim de suspender a execução;
e) Tal pedido veio a ser indeferido por despacho de fls. 20 com os fundamentos aí expostos e enunciados na informação prestada pelo órgão de execução.
3. Em execução da sentença proferida nos autos de oposição à execução fiscal contra si revertida, o recorrente pediu uma indemnização, no montante de 993.57€, pelos encargos que teve com a garantia bancária que prestou para que a execução fosse suspensa.
Pela sentença recorrida o pedido foi indeferido, pelo facto de não ter sido deduzido, no processo de oposição, no prazo de 30 dias após a prestação da garantia, tal como dispõe o nº 2 do artigo 171º do CPPT.
O recorrente não se conforma com a decisão, argumentando que, nos termos do nº 2 do artigo 53º da LGT, a indemnização por garantia indevida pode ser deduzida autonomamente, nomeadamente através do processo de execução de julgados.
Impõe-se, pois, decidir se da interpretação conjugada dos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT resulta ou não a possibilidade da indemnização por garantia indevida ser peticionada em processo de execução da sentença que julga procedente a oposição à execução fiscal.
A jurisprudência deste Tribunal tem sido uniforme no sentido de que é possível efectivar o direito à indemnização por garantia indevida através do processo de execução de sentença anulatória do acto de liquidação. Considera-se que o facto de o lesado não ter exercido o direito à indemnização pela prestação de garantia indevida, previsto no artigo 53.º da LGT, dentro do processo tributário de impugnação judicial, e de não dispor, assim, de decisão que condene a Administração Tributária ao pagamento dessa indemnização, não obsta à formulação desse pedido em execução coerciva do julgado.
Em abono dessa posição argumenta-se que: (i) «segundo a Lei Geral Tributária, a pretensão indemnizatória tanto pode ser formulada no próprio procedimento ou processo tributário onde está a ser controvertida a legalidade da dívida garantida, como formulada autonomamente, isto é, de forma autónoma relativamente àquele tipo de processo ou procedimento»; (ii) «o artigo 171º do CPPT visou, tão só, regulamentar o modo de requerer a indemnização no próprio procedimento ou processo tributário, nos termos previstos na 1ª parte do nº 3 do artigo 53º da LGT e não regulamentar o modo de a requerer no meio processual autónomo ou independente previsto na 2ª parte do preceito» (iii) «a supremacia ou prevalência da LGT sobre o CPPT, não permite, sequer, sufragar uma interpretação do artigo 171.º do CPPT no sentido de que ele quis afastar ou eliminar a possibilidade de a indemnização poder ser requerida através do meio processual autónomo referido naquela Lei, pois essa exclusão implicaria a constitucionalidade orgânica do preceito»; (iv) «compreende-se a preocupação do legislador em estabelecer e regulamentar o exercício desse direito indemnizatório dentro do procedimento e do processo tributário, uma vez que este é um contencioso de mera anulação e não de plena jurisdição, destinado à mera defesa da legalidade, isto é, tendo por objecto, tão somente, a declaração de invalidade ou inexistência do acto impugnado, não constituindo, em princípio, meio idóneo para os particulares exercerem direitos indemnizatórios. Pelo que se não fosse expressamente instituída esta via do “enxerto” do pedido indemnizatório, ou de cumulação de um procedimento condenatório no contencioso de anulação, estaria vedado ao juiz apreciá-lo nessa sede»; (v) «resulta das normas contidas nos artigos 100.º e 102.º da Lei Geral Tributária, conjugados com as normas do CPTA sobre a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, aplicáveis por força daquele n.º 2 do artigo 102.º da LGT, o dever de reconstituir a situação (hipotética) que existiria à data do trânsito em julgado, como se o acto ilegal não tivesse sido praticado»; (vi) «no âmbito da execução de julgados, a indemnização de tais despesas, necessariamente assumidas pelo contribuinte para obter a suspensão de eficácia do acto que veio a ser eliminado da ordem jurídica por força da sua ilegalidade, traduz-se em operação necessária à reconstituição da situação económica em que aquele estaria se não tivesse sido praticado o acto ilegal» (cfr. Acs. do STA de 9/10/2002, rec nº 09/02, de 24/11/2010, rec nº 01103/09, de 24/11/2010, rec nº 0299/10, de 13/4/2011, rec nº 01032/10, de 29/6/2011, rec nº 0889/10. de 22/6/2011, rec nº 0216/11).
Concordando basicamente com esta interpretação, afigura-se todavia que o caso dos autos não é completamente igual aos julgados naqueles recursos. Com efeito, enquanto em tais processos a execução teve por base uma sentença anulatória do acto de liquidação, no caso dos autos a sentença que suporta a execução limita-se a julgar procedente a execução, por ilegitimidade do revertido, declarando extinta a execução.
Será que esta diferença inviabiliza o uso do processo executivo para efectivação do direito à indemnização por prestação de garantia indevida?
Tratando-se de sentença anulatória do acto de liquidação, pela remissão que o artigo 102º da LGT faz para o artigo 173º do CPTA, pode admitir-se que o dever de executar a sentença compreenda o «dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado». Para além do efeito constitutivo que se traduz na eliminação da liquidação do mundo jurídico, a sentença anulatória compreende um efeito repristinatório, que conduz ao ressurgimento do regime jurídico que teria vigorado se o acto não tivesse sido praticado.
Em princípio, a reconstituição da situação que existiria se a liquidação ilegal não tivesse sido praticada não passa pelo dever de indemnizar os danos emergentes e lucros cessantes resultantes do acto anulado, pois a indemnização pertence ao domínio da responsabilidade civil e não ao conteúdo do dever de executar a sentença de anulação. Só no caso de existência de “causa legítima de inexecução” é que existe indemnização por impossibilidade de executar a sentença anulatória (cfr. art. 166º e 178º do CPTA).
Mas, no caso da indemnização por garantia indevida prevista no artigo 53º da LGT, pode defender-se que a reparação faz parte das operações necessárias à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e, nessa medida, a execução da sentença pode constituir um meio próprio para a reparação dos encargos tidos com a garantia. Em favor desta tese pode argumentar-se que (i) apesar da impugnação judicial ter natureza de mera anulação, a lei admite que seja cumulado o pedido de indemnização pela garantia indevida, indicando que nesta situação excepcional o dever de executar a sentença compreende o dever de indemnizar; (ii) a lei liga a situação antijurídica à produção de danos ressarcíveis, ao considerar a garantia indevida quando a liquidação ocorre por “erro imputável” aos serviços de liquidação ou pela sua manutenção por prazo superior a três anos; (ii) os pressupostos da indemnização estão definidos, sendo a ilegalidade condição suficiente para a reparação dos prejuízos resultantes da prestação da garantia, os quais têm por limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios.
Afigura-se-nos, pois, que o legislador pretendeu que da revogação ou anulação da liquidação ou da extinção da execução, emergisse automaticamente a reparação dos danos causados com a prestação da garantia. Assim sendo, o dever de executar o efeito repristinatório da sentença pode facilmente estender-se à reparação dos danos causados com a prestação da garantia, sem necessidade de intervenção dos demais pressupostos da responsabilidade civil.
À primeira vista, o modelo processual que o artigo 171º do CPTT dita para o exercício do direito à indemnização por garantia indevida prece ser de aplicar exclusivamente aos processos em que «seja controvertida a legalidade da dívida exequenda», o que em regra acontece com a impugnação do acto de liquidação. No processo de oposição à execução fiscal apenas tal acontece residualmente, ou seja, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» (cfr. al. h) do nº 1 do art. 204º do CPPT). As oposições fundamentadas nas demais alíneas do nº 1 do artigo 204º estariam fora do alcance do artigo 171º, até porque o seu número 2 não lhe faz qualquer referência.
Parece-nos, em todo o caso, que as normas desse artigo devem ser interpretadas extensivamente, de modo a incluir nele também a oposição à execução. Apesar de, regra geral, esta forma processual não ter por causa de pedir a ilegalidade do acto exequendo, as razões que justificam a cumulação, inicial ou sucessiva, do pedido de indemnização por garantia indevida na impugnação administrativa ou judicial manifestam-se da mesma maneira no processo de oposição. No plano substantivo, num caso como no outro, a responsabilidade da administração tributária pela prestação de garantia indevida é a mesma; e no plano processual, as vantagens decorrentes da circunstância de se poder obter a fixação judicial da indemnização através de uma via expedita, são substancialmente idênticas. Neste sentido, a jurisprudência deste Tribunal acima referida, vê nesse “enxerto” a instituição, por razões de economia de meios, do “princípio da suficiência” do processo tributário, que naturalmente também deve abranger a oposição à execução fiscal.
Mas se a letra do artigo 171º deixa dúvidas quanto à inclusão da oposição no seu campo de actuação, o recurso a elementos de ordem sistemática facilmente as esclarecem: (i) se o artigo 171º se aplica expressamente aos processos referidos no nº 1 do artigo 169º, também se deve aplicar à oposição, uma vez que o nº 5 deste artigo manda aplicar-lhe o disposto no nº 1; (ii) o nº 1 do artigo 53º da LGT refere a oposição à execução como um dos processos que tem por objecto a dívida garantida e cuja manutenção da garantia por período superior a três anos dá direito a indemnização; (iii) o nº 1 do artigo 52º da LGT, ao incluir a oposição à execução nos processos que, acompanhados de garantia idónea, fazem suspender a execução fiscal, indica como objecto desses processos não só a «ilegalidade» como também a «inexigibilidade» da dívida exequenda.
Portanto, inexigibilidade da dívida exequenda alegada em processo de oposição à execução fiscal também é uma das causas que pode justificar o pedido de indemnização pela garantia bancária ou equivalente prestada com vista à suspensão da execução, caso se venha a revelar indevida.
Admitindo que a indemnização possa ser solicitada no próprio processo de oposição, se já prestada à data da sua instauração, ou nos trinta dias imediatos à data em que foi prestada, perante o que se dispõe no artigo 53º da LGT, e segundo a interpretação que a jurisprudência tem vindo a fazer, não se pode considerar que ficou precludida a possibilidade de fazer valer o direito de indemnização em acção autónoma. A parte final do nº 3 do artigo 53º da LGT, não só admite expressamente essa possibilidade, como até sugere que a expressão «autonomamente» se quer referir sobretudo à garantia indevida conexionada com a oposição à execução, uma vez que é a única referida no nº 1 que não está especificada no nº 3.
A questão mais complexa é saber se a “acção autónoma” referida nessa norma é a acção de responsabilidade da Administração por actos ilícitos ou se há abertura para a efectivação do direito no âmbito do processo de “execução de julgados”.
No processo de oposição, em que não se discute a legalidade do acto exequendo, a sentença que lhe dá procedência ou provimento não toca na validade do acto, mas apenas na sua exequibilidade. Não se trata de uma sentença anulatória da liquidação, mas de uma sentença que declara a ineptidão desse acto para ser executado contra o oponente.
Mas se bem repararmos, a ilegalidade manifesta-se no “acto de execução” da liquidação e não na liquidação. A cobrança da prestação tributária através da execução fiscal é ilegal porque o oponente, não sendo responsável subsidiário, não pode suportar quaisquer actos de execução material e jurídica da liquidação, Ora, a sentença que julga improcedente a oposição por ilegitimidade tem necessariamente implícita ou pressuposta a ilegalidade do acto de reversão. De modo indirecto, a sentença acaba por anular o acto de execução, no caso, consubstanciado no acto de reversão, o que implica também a obrigatoriedade de reintegrar a ordem jurídica violada, nos termos do art. 173º do CPTA.
Como acima referimos, essa reintegração passa excepcionalmente também pelo dever de indemnizar o oponente pelos prejuízos causados com a prestação da garantia. Neste caso, o dever de executar a sentença compreende também o dever de indemnizar, o que legitima o recurso ao processo executivo para o efeito.
4. Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo para apreciação do pedido.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Novembro de 2011. – Lino Ribeiro (relator) – Valente Torrão – Dulce Neto.