Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:027/10.4BECTB 0850/17
Data do Acordão:02/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:AUDIÊNCIA PRÉVIA
IMPUGNAÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
Sumário:I - O facto de a impugnante ter deduzido reclamação graciosa da liquidação só por si não degrada sempre em não essencial o vício de não audição prévia em sede do procedimento de liquidação, não havendo em tais situações lugar ao funcionamento do princípio do aproveitamento do acto.
II - Com efeito, no caso concreto dos autos, a preterição da audiência prévia da contribuinte em sede de liquidação do IRS, teve efeitos invalidantes não obstante a sua posterior audiência em sede de reclamação graciosa, cuja petição inicial se mostra claramente desfocada quanto à causa de pedir o que é revelador da ignorância absoluta da contribuinte dos motivos atinentes à questão da residência que para a AT foi o fundamento essencial determinativo da liquidação ora impugnada.
Nº Convencional:JSTA000P24240
Nº do Documento:SA220190220027/10
Data de Entrada:07/12/2017
Recorrente:A................
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – RELATÓRIO
A………………….., melhor identificada nos autos vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a impugnação por ela deduzida conta a liquidação de IRS do ano de 2005, no valor de 9.287,30€
Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«1. A Mm.ª Juiz a quo decidiu pela improcedência da presente impugnação, tendo entendido, além do mais, que agora não se discute, não se verificar o invocado vício de preterição de formalidade legal — omissão de audição prévia, conforme previsto no art. 60º da LGT;
2. A recorrente não se conforma com tal decisão, antes entende que desta forma, foram violados os art. 267º da CRP e 60º da LGT;
3. A AT, ao proceder à liquidação oficiosa de IRS, desconsiderando as declarações da contribuinte que iam no sentido de beneficiar da exclusão de tributação de mais valias, sem antes ter apurado - ou ter dado oportunidade à contribuinte de explicar -, qual o seu local de residência, omitiu o dever de notificação para audição prévia.
4. O qual, in casu, não está dispensado por não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no n.º 2 do art. 60º da LGT.
5. Mesmo considerando que a liquidação oficiosa teve por base as declarações da contribuinte/impugnante, não tendo a liquidação sido efectuada em sintonia com a posição do contribuinte, sempre teria este que ser chamado a pronunciar-se previamente à tomada de decisão da AT, só assim se dando verdadeiro cumprimento ao princípio da participação nas decisões.
6. Até porque, estamos em crer que a decisão teria efectivamente sido diferente, a contribuinte/impugnante teria tido oportunidade de apresentar provas e factos que justificariam a alteração da residência, apesar de tal facto não ter sido comunicado à AT, o que, como supra já se referiu, de modo nenhum impede a aplicação do art. 10º n.º 5 do CIRS, como era pretendido pela contribuinte/impugnante;
7. A omissão daquele dever, sendo obrigatório, gera anulabilidade da liquidação em causa (art. 135.° CPA).
Termos em que e nos melhores que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que anule o acto de liquidação em causa nos presentes autos, assim se fazendo JUSTIÇA.»

Não foram apresentadas contra alegações.
O Ministério Público a fls. 144 dos autos, emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Recurso interposto por A………………., sendo recorrido o representante da Fazenda Pública:
A única questão controvertida é relativa a se ocorreu preterição de formalidade legal do direito de audição prévia, por não ser caso de dispensa.
Esta última foi o fundamento utilizado na sentença recorrida por referência à norma contida no art. 60.º n.º 2 aI. a) da L.G.T., ou seja, por a liquidação ter sido efetuada “com base na declaração do contribuinte”.
O decidido assenta em factos segundo os quais o declarado perante o notário e o constante quanto ao domicílio fiscal da contribuinte que não alterou a sua residência fiscal, a qual deve coincidir com o da residência habitual, nos termos do art. 19º. n.º 1 da L.G.T..
Contudo, a utilização efetuada do anexo G implica declaração da intenção de residência habitual noutro local, nos termos do art. 10.º n.º 5 al. a) do C.I.R.S..
Para além disso resulta comprovada até a realização de reinvestimento nos 2 anos seguintes.
Afigura-se que a liquidação efetuada implica matéria de facto e de direito que extravasa o declarado e relativamente à qual importava garantir o direito de audição, nos termos do art. 60.º n.º 1 da L.G.T., não sendo o ato de liquidação válido por “a AT ter concluído pela inadmissibilidade da sua intenção de reinvestir”.
A jurisprudência mais recente do S.T.A. tem entendido que “a dispensa de audição referida no n.º 2 do mesmo normativo apenas tem lugar quando a liquidação for efectuada em sintonia com a declaração do contribuinte, nos aspectos tanto factual como jurídico”- assim se decidiu no ponto IV do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. de 2-12-2015, e foi reiterado posteriormente, nomeadamente, no acórdão de 10-5-17, proferido no processo 049/17, acessíveis em www.dgsi.pt.
E tal o que se impõe no presente caso, cautelosamente, face a estar em causa o exercício de um princípio constitucional com assento no art. 267.º n.º 5 da C.R.P..
Concluindo:
O recurso não poderá deixar de proceder, sendo de revogar o decidido e anular a liquidação por preterição do dito direito de audição prévia, o qual não se encontrava dispensado, face (também) ao declarado pelo contribuinte em sede de I.R.S..»
2 - Fundamentação
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto:
a) A 21/10/2002, a aqui habilitada compareceu como procuradora da impugnante, perante notária, no primeiro Cartório Notarial de Castelo Branco, perante quem declarou receber, por partilha de herança dos pais da sua representada, o prédio urbano, sito na …………., na freguesia de ……………, composto por um prédio de rés do chão, primeiro andar e logradouro, destinado à habitação, inscrito na matriz predial sob o n.°249, com o valor patrimonial e declarado de 135,46€, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco, sob o número mil trezentos e quarenta e quatro, da freguesia da …………. (cfr. cópia de escritura de fls. 13 e ss. do PAI);
b) Na escritura a que se refere a alínea anterior, a morada da impugnante foi indicada como sendo: ………., n°……….., ………., ………., Loures (cfr. cópia de escritura de fls. 13 e ss. do PAI);
c) A 22/12/2005 compareceu a aqui impugnante perante notária, declarando vender pelo preço de 65.000,00 euros, o prédio urbano, sito na ……………., na freguesia de …………., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 249, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil trezentos e quarenta e quatro, da mesma freguesia (cfr. cópia de escritura, de fls. 19 e ss. do PAI);
d) A 22/12/2005, perante a notária, a impugnante declarou residir no ………., ………. …………, na freguesia de ………….., Loures (cfr. cópia de escritura, de fls. 19 e ss. do PAI);
e) A 18/12/2006 compareceu a aqui impugnante perante notária, declarando comprar, pelo preço de 30.000,00 euros, o prédio urbano, sito na ………., na freguesia de …………., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1116.°, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil trezentos e oitenta e um, da mesma freguesia (cfr. cópia de escritura, de fls. 25 e ss. do PAI)
f) A 18/12/2006, perante a notária, a impugnante declarou residir no ………, ………….., …….., na freguesia de …….., Loures (cfr. cópia de escritura, de fls. 25 e ss. do PAI);
g) No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes a impugnante manteve durante o ano de 2005 o seu domicílio fiscal na morada “……….. — ……., ………..., ………., 2680-….. ……….., Loures (cfr. documentos de fls. 40 a 43 do PAI);
h) A 17/06/2009 foi emitida liquidação de IRS n.º 20095003196963, relativa ao ano de 2005, em que se apurou um rendimento global de 52.983 euros, e um valor a pagar de 9.287,30 euros (cfr. documento de fls. 15 dos autos);
i) A 29/09/2009 a impugnante reclamou graciosamente contra a liquidação identificada na alínea anterior, onde alega (cfr. documento de fls. 3 do PAI):
“a) No ano 2005 foi declarada a intenção de reinvestimento no anexo G no montante de 65 000,00 €;
b) No ano 2006 foi reinvestido na aquisição e reconstrução para habitação própria e permanente do sujeito passivo a quantia de 46 940,00 €;
c) No ano 2007 foi reinvestido na construção para habitação própria e permanente do sujeito passivo a quantia de 16.335,00 €, mas por lapso foi indicada a quantia de 163,35 €;
d) Foi feita declaração de substituição do CIRS 2005;
e) Foi feita declaração de substituição 2007 para corrigir o valor do reinvestimento.”
j) A 03/11/2009 foi proferido parecer onde, além do mais se lê (cfr. fls. 7 e 8 do PAT):
“Considerando que o S.P. no ano 2005, espaço temporal em que se situa a venda do imóvel, residia e tinha o seu domicílio fiscal no ………., ……. — 2680-………. ……, Concelho de Loures, distrito de Lisboa, conclui-se que o imóvel inscrito sob artigo 249 da freguesia de …………, Concelho de Castelo Branco, objecto de venda, não era sua habitação própria e permanente, não reunindo, por isso, as condições necessárias para que pudesse existir reinvestimento de acordo com o disposto no n.°5 do art.°10 do CIRS. Assim em face do exposto, parece-me não assistir razão ao contribuinte”
k) A 11/11/2009 foi proferido despacho de concordância com o parecer a que respeita a alínea anterior, dando-se por reproduzido o seu teor, sendo decidido indeferir a RG, e notificar a aqui impugnante para audição prévia (cfr. despacho de fls. 48 do PAT)
I) A 30/11/2009 a impugnante remeteu por fax requerimento, onde, além do mais, se lê:
“1.° Conforme se alcança dos fundamentos invocados na reclamação apresentada, a reclamante, até esta data, nunca teve conhecimento dos fundamentos invocados no presente despacho.
2.° Em vários contactos havidos com a administração fiscal, designadamente no Serviço de Finanças de Loures 4, quer por si, quer pela sua mandatária, quer pela técnica de contas que apresentou as declarações de IRS e anexos ali referidos, sempre foi referido que os montantes reinvestidos não eram suficientes
Ora,
3.° A administração fiscal notificou a reclamante da liquidação do imposto em causa, mas nunca a notificou dos respectivos fundamentos, violando assim o disposto no art. 36.º, n.º 2 do CPPT pelo que, não tendo sido validamente notificado, o acto tributário não pode produzir efeitos, tudo nos termos do art. 36.º, n.º 1. (...)”
m) A 27/12/2009 foi proferido parecer onde se lê (cfr. parecer de fls. 92 do PAT):
“Após notificação do projecto de indeferimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.° 60.º da LGT, veio a exponente exercer o direito de participação, face ao despacho proferido a fls. 48.
Na sequência do exposto pela reclamante, e analisado o seu conteúdo, verifica-se que o mesmo não apresenta qualquer dado novo com relevância para a defesa da sua posição, o que não altera o sentido da decisão ora proferida pelo despacho do Sr Chefe de Divisão em regime de substituição, datado de 2009-11-11, exarado a de fls. 48 da presente Reclamação Graciosa. Pelo que me parece que será de negar provimento ao pedido formulado, mantendo-se a decisão reclamada.”
n) A reclamação graciosa foi indeferida (cfr. despacho de fls. 61 do PAT);
Fundamentação de direito
A decisão recorrida julgou improcedente a impugnação com a seguinte fundamentação jurídica que se apresenta por extracto:
Vem a presente impugnação sindicar o acto de liquidação de IRS, n.°20095003196963 que apurou um valor a pagar de 9.287,30 euros com fundamento na omissão da sua audição prévia à liquidação, e na falta de fundamentação.
Mais invoca o erro nos pressupostos de facto, visto que, ao tempo da venda, residia no imóvel alienado.
(…) Como alega a impugnante foi por si declarado, quanto ao ano de 2005, a venda de um imóvel, pelo preço de 65.000, euros, sendo igualmente declarada a sua intenção de proceder ao reinvestimento da mais-valia alcançada com a alienação, sendo que para tanto remeteu declarações relativas aos anos de 2006 e 2007, tendo estas sido objecto de correcção, por parte da impugnante, através de declarações de substituição.
Não olvida assim a impugnante o facto da liquidação ora impugnada ser resultado directo do que declarou em sede de IRS, pelo que, tal como invocado pela FP não havia em concreto lugar a audição prévia, em face de se encontrar preenchida a norma vertida no artigo 60°, n.º 2 alínea a) da LGT, ainda que o apuramento de imposto não seja o que era esperado pela impugnante, por a AT ter concluído pela inadmissibilidade da sua intenção de reinvestir.
E releva igualmente o facto da liquidação ser resultado do declarado, no que tange à fundamentação do acto de liquidação, pois a nota de liquidação, ainda que de forma sumária, contém os elementos essenciais para se compreender o apuramento da matéria tributável e o tributo devido, como dispõe o artigo 77.°, n.º 2 da LGT, sendo certo que os rendimentos declarados foram os que foram objecto de liquidação, o que de resto não é contestado.
Improcedem assim os vícios de forma lançados contra o acto impugnado.
Invoca ainda a impugnante contra o acto impugnado o erro nos pressupostos de facto, alicerçando a sua tese no facto de, à data da venda do imóvel, aí residir.
A FP defende que não tendo ocorrido alteração do domicílio fiscal da impugnante, para aquela morada, em data anterior à da venda, não pode beneficiar da não sujeição prevista no artigo 10º nº 5 do CIRS.
(…)
Mas tanto não basta para concluir que deve proceder a presente impugnação, pois para tal havia que resultar provado que o imóvel sito na …………, na freguesia de ………., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 249, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil trezentos e quarenta e quatro, da mesma freguesia, era utilizado pela impugnante como sua residência própria e permanente, o que não ocorre nos autos.
É que para além de ao nível da alegação, não estar devidamente circunstanciada a conclusão jurídica — relativa à residência - que cabia ao tribunal retirar dos factos alegados, e que cumpriam estar mais densificados, no sentido de se alegar que a impugnante dormia no imóvel, aí tomava as suas refeições, aí recebia os seus familiares e amigos, se fosse caso disso, o certo é que não existem nenhuns elementos juntos aos autos aptos a permitir a conclusão que a impugnante pretendia, isto é que residia no imóvel já identificado.
E nem se diga que a falta de prova é resultado da decisão de não inquirir as testemunhas arroladas, pois os elementos presentes nos autos apontam de forma categórica para o sentido contrário, e sem alegação concreta de factos, não podiam as testemunhas depor.
Cumpre referir, quanto à prova feita nos autos, que a impugnante, perante oficial público, tanto em 2005, quando alienou o imóvel que gerou a mais-valia que aqui nos ocupa, como já em 2006, declarou residir no ………………., em Loures, sendo que tal declaração é coincidente com a morada da sua residência, que se encontrava à altura, registada no cadastro do contribuinte.
E mesmo em sede de reclamação graciosa, no requerimento destinado à audição da impugnante, relativa ao projecto de indeferimento, esta vem dizer que se deslocou diversas vezes ao serviço de finanças para obter esclarecimentos, fazendo-o ao serviço de finanças de Loures.
Em conclusão não existe nos autos qualquer elemento capaz de sustentar a conclusão de que o imóvel alienado em 2005 era utilizado pela impugnante como sua habitação própria e permanente, pois para além de todos os elementos juntos aos autos apontarem para ser a sua residência localizada em Loures, não foram juntos quaisquer documentos capazes de contrariar esta conclusão, não foram juntas, por exemplo, facturas de consumos de água, de electricidade, ou outros documentos aptos a tal, pelo que, perante os factos provados, não pode proceder a presente impugnação.
(…)
DECIDINDO NESTE STA
A única questão que importa decidir, atentos os limites que as conclusões de recurso nos impõem, é a de saber se na situação concreta dos autos ocorreu preterição de formalidade legal do direito de audição prévia, por não ser caso de dispensa.
A sentença recorrida decidiu ser um caso em que se justificava a dispensa de audição prévia por não olvidar a impugnante o facto da liquidação ora impugnada ser resultado directo do que declarou em sede de IRS, pelo que, tal como invocado pela FP não havia em concreto lugar a audição prévia, em face de se encontrar preenchida a norma vertida no artigo 60°, n.º 2 alínea a) da LGT, ainda que o apuramento de imposto não seja o que era esperado pela impugnante, por a AT ter concluído pela inadmissibilidade da sua intenção de reinvestir.
No reverso, como resulta das conclusões de recurso, a recorrente sustenta que a AT, ao proceder à liquidação oficiosa de IRS, desconsiderando as declarações da contribuinte que iam no sentido de beneficiar da exclusão de tributação de mais valias, sem antes ter apurado - ou ter dado oportunidade à contribuinte de explicar -, qual o seu local de residência, omitiu o dever de notificação para audição prévia o qual, in casu, não está dispensado por não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no n.º 2 do art. 60º da LGT e que mesmo considerando que a liquidação oficiosa teve por base as declarações da contribuinte/impugnante, não tendo a liquidação sido efectuada em sintonia com a posição da contribuinte, (que no anexo G à declaração de IRS do ano de 2007 indicou a sua residência como sendo no local/imóvel alienado) sempre teria esta que ser chamada a pronunciar-se previamente à tomada de decisão da AT.
Vejamos o conteúdo do preceito a que cumpre atender.
Artigo 60.º da LGT
Princípio da participação
1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
Redacção dada pelo seguinte diploma: Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro

Quid Juris?
A razão está com a contribuinte como muito bem sustenta o Senhor Procurador Geral Adjunto no seu parecer, supra destacado, cuja fundamentação para aqui se aporta.
Sustenta esta posição o decidido, quanto aos requisitos da exigência/dispensa de audição prévia, no acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524, onde além do mais se expressou:
“… por força do reconhecimento constitucional do direito de audiência, aquela fórmula “com base na declaração do contribuinte” deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico».
Como sublinha Pedro Machete in «Audição prévia do contribuinte, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999» pag. 324, «somente a liquidação efectuada exclusivamente com base na declaração do contribuinte e entendida com referência ao mesmo quadro jurídico em que tal declaração foi apresentada é que justifica dispensa da audiência. A consideração de quaisquer outros elementos para além da declaração do contribuinte ou um enquadramento jurídico diferente já obrigarão à sua audição».
Assim, quando se decidir em sentido divergente da posição do contribuinte e em sentido desfavorável em relação a esta posição, como sucede no caso em apreço, a audição, em princípio, não pode ser dispensada (cf. neste sentido, Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag. 508 e Acórdão desta Secção de 16.06.2004, recurso 1877/03.).
E dizemos que a audição, em princípio, não pode ser dispensada porque poderá ocorrer o caso de o interessado ter podido pronunciar-se em fase anterior do procedimento, não sendo invocados factos novos, hipótese em que o nº 3 do artº 60º da LGT prevê a possibilidade de dispensa do direito de audição.
(…) Efectivamente, a lei pretende que os contribuintes conheçam antecipadamente as razões dos actos desfavoráveis de que venham a ser destinatários a fim de que estes possam apresentar uma defesa antecipada dos seus interesses, chamando a atenção da Administração para eventuais erros ou omissões e que, por esta via, sejam prevenidos litígios entre a Administração e os contribuintes (Neste sentido, Pedro Machete, ob. citada, pag. 323.).
Ora a comunicação efectuada, sob a forma de "pedido de esclarecimento sobre a aquisição de imóveis" não constituiu um projecto da decisão e muito menos contém a sua fundamentação, não sendo apta a proporcionar uma defesa antecipada dos interesses do contribuinte, em termos que lhe tornem possível examinar criticamente os pressupostos e os argumentos em que a Administração Fiscal funda a sua intenção (de) considerar um valor tributável diverso do por si indicado…”.
Entende-se, face ao exposto, que não se encontrava dispensada a audição prévia dos impugnantes pois que ocorreu alteração dos fatos declarados pelos impugnantes.(…)”

No caso dos autos é certo que as declarações perante o notário quanto ao domicílio da contribuinte, prestadas pela própria, foram coincidentes com o declarado à Administração Tributária no que respeita à residência fiscal (número de contribuinte). Contudo, o conteúdo e a utilização efectuada do anexo G no ano de 2007 implica necessariamente declaração diversa e patenteia a intenção de residência habitual noutro local, nos termos do art. 10.º n.º 5 al. a) do C.I.R.S., o que a mesma sustenta em sede de impugnação para cuja prova indicou três testemunhas. Para além disso resulta comprovada a realização de reinvestimento nos dois anos seguintes à venda do imóvel.
Nestas circunstâncias cremos que a liquidação efectuada implica matéria de facto e de direito que extravasa o declarado, no que respeita à residência no imóvel vendido, pela ora impugnante e relativamente à qual importava garantir o direito de audição, nos termos do art. 60.º n.º 1 da L.G.T., consabido que é plausível a interpretação de que a efectiva alteração da residência, apesar de tal facto não ter sido comunicado à AT, não impede a aplicação do art. 10º n.º 5 do CIRS, como era e é pretendido pela contribuinte/impugnante. Este facto é sustentado pela contribuinte apesar de não ter densificado o conceito de residência na sua petição inicial de impugnação, devendo notar-se, no entanto, o uso generalizado deste conceito (que é jurídico) numa vertente factual interiorizada pela generalidade dos cidadãos, o que dispensa a sua discriminação para um perfeito entendimento da realidade factual, admitindo pois prova da sua verificação ou não num dado local.
Acresce referir que alegando como alega na petição de impugnação que nunca antes fora notificada dos fundamentos da liquidação (vide articulado 8º) então não se pode afirmar (como se fez no acórdão do Pleno deste STA de 26/09/2018 (que a nosso ver factualmente diverge do presente caso) que: “No caso sub judice, a ora Recorrente interpôs reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa teve a oportunidade de se pronunciar, como efectivamente se pronunciou, sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar previamente à liquidação. Por isso, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação”.
Ora sendo certo que o facto de a impugnante ter deduzido reclamação graciosa da liquidação só por si não degradou em não essencial o vício de não audição prévia em sede deste procedimento de liquidação, também consideramos que tendo havido um requerimento para reinvestimento mas cujo resultado foi diverso do pretendido pela impugnante então no caso concreto não há lugar ao funcionamento do princípio do aproveitamento do acto.
Por tais razões e na circunstância factual concreta revelada pelos autos entendemos não ser válido o acto de liquidação por a AT o ter concluído sem a audição/participação do contribuinte quando considerava ocorrer inadmissibilidade da sua intenção de reinvestir, com fundamento na não residência da contribuinte alienante do imóvel no mesmo, quando, quanto a este fundamento de indeferimento da pretensão de reinvestimento da contribuinte nunca antes da liquidação lhe fora dada oportunidade de o contraditar, sendo que mesmo em sede de reclamação graciosa a respectiva petição revela, através dos fundamentos ali invocados, que a referida questão da não residência obstativa do reinvestimento era desconhecida da impugnante o que a mesma afirma/revela no ponto 4) da sua pronúncia para efeitos do artº 60º da L.G.T., a fls. 56 e 57 da reclamação graciosa apensa.
Aqui chegados, entendemos que no caso concreto dos autos a preterição da audiência prévia da contribuinte em sede de liquidação do IRS teve efeitos invalidantes não obstante a sua posterior audiência em sede de reclamação graciosa cuja petição inicial se mostra claramente desfocada quanto à causa de pedir o que é revelador da ignorância absoluta da contribuinte dos motivos atinentes à questão da residência que para a AT foi o fundamento essencial determinativo da liquidação ora impugnada.
Assim sendo deve ser concedido provimento ao recurso.
4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e anulando o acto de liquidação impugnado.

Custas a cargo da recorrida Fazenda Pública mas sem taxa de justiça neste STA uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Francisco Rothes. (Vencido. Entendo que, como bem decidiu a sentença, não havia lugar à audiência prévia à liquidação, atento o disposto na al. a) do nº 2 do art. 60º da LGT).