Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0602/13
Data do Acordão:10/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:CÓDIGO DA SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES
PRESCRIÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - De acordo com o artº 48º, nº 1 da LGT “As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário …”
II - O imposto de sisa e sobre as sucessões e doações sempre teve norma especial em matéria de prazo de prescrição (artº 180º do respetivo Código) – 20 anos no âmbito do CPCI, 10 anos no âmbito do CPT e 8 anos a partir da redação dada ao citado artº 180º do CIMSISSD pelo DL nº 472/99, de 13 de novembro), não lhe sendo, por isso, aplicável o prazo de 8 anos consagrado na LGT desde a entrada em vigor desta, mas apenas a partir da entrada em vigor da nova redação dada ao artº 180º citado.
III - Deste modo, se for caso de aplicação do disposto no artº 297º, nº 1 do Código Civil, a aplicação do novo prazo consagrado pelo artº 180º do CIMSISSD na redação dada pelo DL nº 472/99, de 13 de novembro, só começa a contar-se a partir da entrada em vigor deste diploma - 18.11.1999.
Nº Convencional:JSTA00068425
Nº do Documento:SA2201310230602
Data de Entrada:04/19/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual: REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BEJA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:DL 472/99 DE 1999/11/13
LGT98 ART48 N1 ART49 N1 N2
CPTRIB91 ART34 N2
CPCI63 ART27
CIMSISSD91 ART92 ART180
CCIV66 ART297 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A…………, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Beja que julgou improcedente a oposição por si deduzida conta a execução contra si instaurada para cobrança de imposto sobre as sucessões e doações por óbito de B…………, no montante de 43.912,06 euros, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

a) No seguimento da Lei nº 41/98 de 4 de agosto, em que a Assembleia da República, no uso dos seus poderes constitucionais autorizava o Governo a publicar uma lei geral tributária contendo as grandes linhas estruturantes do direito fiscal português, foi aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de dezembro, uma lei geral de caráter uniformizador, a Lei Geral Tributária (LGT), que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 1999.

b) O artº 2º do novo Decreto-Lei revogou expressamente o artº 34º CPT, que previa até então, por remissão do artº. 180º, nº 1 CIMSISSD, o prazo prescricional de dez anos para o direito a cobrar Imposto Sobre as Sucessões e Doações.

c) Por efeito dessa revogação expressa, passou, a partir de 1 de janeiro de 1999, a ser aplicável a norma do artº. 48º. nº. 1 LGT, que prevê um prazo prescricional de oito anos.

d) Prazo esse que, no caso do Imposto Sobre as Sucessões e Doações e de acordo com a mesma norma, iniciará o seu decurso na data em que o facto tributário ocorrer.

e) B…………, pai da ora oponente, faleceu no dia 22 de maio de 1999, verificando-se nesse momento, cumulativamente, os pressupostos de incidência real e de incidência pessoal do Imposto Sobre Sucessões e Doações e ficando a administração fiscal investida no poder/dever de liquidar e cobrar o tributo dentro dos prazos legais definidos pela legislação em vigor.

f) A administração fiscal não colheu, nem tentou colher o tributo daí decorrente nos oito anos que a lei lhe concede.

g) Completado o prazo prescricional tem a oponente a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação e ainda a de se opor ao exercício do direito prescrito.

h) Por todos, diz-nos o acórdão do T.C.A., Pº nº 01242/03 de 09/03/04, in Bases Jurídico Documentais http://www.dgsi.pt: “a lei reguladora do regime de prescrição das obrigações tributárias é o que vigorar à data em que tiver ocorrido o facto tributário”.

i) E essa lei é sem dúvida a LGT.

j) O artº 48º LGT ressalva os prazos fixados em lei especial e o CIMSISSD é-o em relação ao CPT.

k) O CIMSISSD não fixa ele próprio o prazo prescricional e de caducidade, antes remete para fora do seu próprio texto, por remissão para o artº 34º CPT.

l) Estando este dispositivo expressamente revogado pela LGT, não pode pois essa remissão continuar a operar tal qual, tendo forçosamente de passar a operar em relação à norma que na nova codificação a substitui.

m) O Decreto-Lei nº 472/99 de 8 de novembro não condiciona a validade e a aplicabilidade plena das normas da LGT, que aliás vigoraram sem condição ou reserva desde o dia 1 de janeiro de 1999.

n) É o próprio legislador, quem no preâmbulo deste último diploma assim o confirma, reconhecendo a prevalência, a partir de 1 de janeiro de 1999, das soluções da LGT sobre todas as normas em sentido contrário dispersas pela legislação tributária.

o) Preconizando mesmo a revogação tácita por incompatibilidade das normas que entrem em conflito com as da nova lei geral.

p) Quanto às normas expressamente revogadas, como foi o caso do artº. 34º. CPT nem é legítimo colocar quaisquer reservas quanto à prevalência ab initio das normas trazidas pela LGT.

q) Esse conjunto de normas foi revogado, quer expressa, quer tacitamente pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de dezembro e pelo próprio corpo da LGT, não pelo Decreto-Lei nº 472/99 de 8 de novembro.

r) “A adaptação dos vários códigos e leis tributárias à LGT não é nem poderia ser, por isso mesmo, uma condição de eficácia ou aplicabilidade das suas normas”.

s) Situação contrária colidiria com o princípio da legalidade previsto no artº. 226º, nº 2 CRP.

t) Assim como, com o princípio da precedência de lei.


u) Fazendo da LGT um diploma legal perfeitamente inútil, porquanto desprovido de aplicabilidade prática desde o início da sua vigência e criando em alguns casos, como no da revogação expressa do artº 34 CPT, um vazio legal.

v) Indo ao encontro do que atrás se concluiu quanto à questão da prescrição do direito a cobrar o tributo, não poderá a previsão do artº 92º. CIMSISSD prevalecer sobre as normas de sentido contrário da LGT.

w) Nem teria sentido que o prazo de caducidade do exercício do direito a liquidar o tributo fosse superior em dois anos ao prazo de prescrição do exercício do direito a cobrá-lo, momento a partir do qual o cumprimento da obrigação deixa de ser exigível.

x) O Decreto-Lei nº. 472/99 de 8 de novembro limita-se a arrumar nos devidos lugares, as normas que a LGT trouxe ao sistema fiscal, constituindo-se como um diploma interpretativo e reunificador e não como um diploma inovador, papel que coube à LGT.

y) O prazo de prescrição do direito a cobrar o tributo completou-se em 22 de maio de 2007 e como tal, a prescrição deveria ser conhecida ex oficio pela administração fiscal e em consequência ser determinada a anulação total e incondicional do ato tributário em causa.

z) Devendo por esse facto ter procedido perante o Tribunal a quo, a oposição da ora recorrente, em prejuízo da posição da Fazenda Pública que mereceu acolhimento na douta sentença, que deverá inequivocamente ser revogada,

Só assim se cumprindo os fins da tributação, o princípio da legalidade e os demais princípios legais aplicáveis e se fazendo a tão costumada JUSTIÇA.

II. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 135/137 no qual defende a improcedência do recurso, uma vez que não ocorreu a prescrição da dívida exequenda.

III. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

IV. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes fatos:

A) Em 1999.07.19, no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém, foi instaurado o processo de imposto sucessório n° 13.168, por óbito de B…………, ocorrido em 1999.05.22 (cfr. fls. 12 a 13 do PA junto);

B) Por ofício datado de 2007.06.04, A…………, foi notificada da liquidação do imposto sobre as sucessões e doações no montante total de € 43.912,06, com prazo de pagamento de pronto ou da primeira prestação, no mês seguinte ao termo do prazo de oito dias para requerer de pronto ou em maior número de prestações semestrais (cfr. fls. 13 dos autos);

C) A contribuinte foi notificada desta liquidação em 2007.06.07 (cfr. artigo 190 da pi);

D) Em 2007.08.02, no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém, deu entrada reclamação da Oponente, constante de fls. 3 a 7 do processo administrativo (PA) junto, que aqui se dá por integralmente reproduzida, com fundamento em a notificação ter sido efetuada depois de decorrido o prazo de caducidade de notificação do tributo e em ter ocorrido a prescrição do imposto.

E) A reclamação foi indeferida, por despacho do Chefe de Finanças de 2007.10.15, notificado por carta registada com aviso de receção assinado em 2007.10.23 (cfr. fls. 18 a 18- v, e 20 do PA);

F) Em 2007.09.06, no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém, foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) n° 2216200701023012, contra A………… (cfr. fls. 15 dos autos);

G) Tem por base (cfr. fls. 16 dos autos);
a. Certidão de dívida n° 300/07, emitida em 2007.09.03, que atesta que C…………, residente no …………, nº ………, ………, em Lisboa, é devedora de € 43 912,06, proveniente dos conhecimentos [nº 18, no montante de € 34 883,71, n° 19, no montante de € 1.805,67, nº 20, no montante de € 1.805,67, nº 14, no montante de € 1 805,67, n° 21, no montante de € 1 805,67, n° 22, no montante de € 1 805,67 e n° 23, no montante de € 1 805,67], do ano de 2007, de imposto sobre as sucessões e doações, calculado sobre o [montante] de € 256 770,61, que recebeu por transmissão de B…………, residente que foi em …………, ocorrida em 1999.05.22, como consta do processo n° 13 168 e cujo prazo de pagamento da primeira prestação decorreu no mês de julho de 2007; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2007.08.01;

H) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2007.09.17, foi enviado à Oponente ofício normalizado de Execuções Fiscais - Citação (cfr. fls. 17 e 18 dos autos);

I) Em 2007.10.12, no Serviço de Finanças de Santiago do Cacém, deu entrada a presente oposição (cfr. carimbo aposto a fls. 5 dos autos);

V. A única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se, à data da citação da recorrente, a dívida exequenda já se encontrava ou não prescrita.

A decisão recorrida entendeu que a dívida não se encontrava prescrita por não ter ainda decorrido o respetivo prazo legal, pronunciando-se o MºPº no mesmo sentido.

A recorrente, por sua vez, defende que ocorreu a prescrição uma vez que, contado o prazo de oito anos previsto no artº 48º da LGT desde a ocorrência do fato tributário - 22.05.1999 - o prazo de prescrição se completou em 22.05.07, quando a citação da ocorrente ocorreu já em 17.09.2007. Refere ainda a recorrente que o DL nº 472/99 irreleva para o caso, uma vez que a LGT prevalece sobre todas as normas em contrário desde o início da sua vigência, pelo que o prazo de oito anos não pode começar a ser contado a partir da entrada em vigor do citado Decreto-Lei, mas sim da verificação do fato tributário, conforme estipulado no nº 1 do artº 48º da LGT.

Vejamos então se a tese da recorrente colhe apoio legal.

VI. A LGT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de dezembro, que entrou em vigor em 01.01.1999 (v. o artº 6º daquele Decreto-Lei) veio estabelecer no seu artº 48º, nº 1 que “As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu,…”

Na data da entrada em vigor da LGT, em matéria de imposto sobre sucessões e doações, estabeleciam, respetivamente os artºs 92º e 180º do CIMSISSD, na redação dada pelo Decreto Lei nº 119/94, de 7 de maio:

“Só poderá ser liquidado imposto municipal sobre sisa ou imposto sobre as sucessões e doações nos dez anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito”.

“O Imposto municipal de sisa e o imposto sobre as sucessões e doações prescrevem nos termos do artº 34º do Código de Processo Tributário”.

Esta norma, por sua vez, determinava que a prescrição ocorria no prazo de 10 anos contados da ocorrência do fato tributário (para o caso que agora nos interessa).

Temos então que a norma que estabelecia o prazo de prescrição do imposto de sisa foi sempre especial e remetia para norma de outro diploma.

Assim, por remissão do acima citado 180º, o prazo era de 20 anos na vigência do artº 27º do CPCI, passou a 10 anos por remissão para o CPT e, posteriormente, a 8 anos por remissão para a LGT.

Tendo o fato tributário ocorrido em 22.05.1999 com o óbito de B…………, nessa data vigorava o prazo de 10 anos, uma vez que, sendo prazo especial, apesar da remissão para o artº 34º do CPT que foi revogado, não pode considerar-se aplicável a LGT, pois esta ressalva os prazos especiais. Assim, e bem, a sentença recorrida considerou que seria de aplicar o prazo de dez anos.

Porém, dado que o DL nº 472/99, de 13 de novembro veio encurtar para oito anos o prazo de prescrição - equiparando tal prazo ao da LGT – ocorreu aqui a situação prevista no artº 297º, nº 1 do Código Civil que estabelece que “A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.

Estamos então perante sucessão de leis no tempo, pelo que há que apurar qual a lei aplicável em matéria de prescrição: se a redação anterior ao DL 472/99 ou a estabelecida por este diploma.

Ora, contando o prazo previsto de acordo com a lei antiga a prescrição consumar-se-ia em 01.01.2010 (dez anos contados desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário).

Todavia, é preciso não esquecer as causas de interrupção da prescrição previstas na lei (artº 34º, nº 2 do CPT - a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução) que inutilizam todo o tempo anteriormente ocorrido.

Assim, e desde logo, a instauração da reclamação em 02.08.2007 (facto da D) do probatório supra) interrompeu a prescrição, passando esta a contar-se novamente a partir dessa data
Deste modo, quando ocorreu a citação da recorrente em 17.09.2007, havia decorrido apenas um mês e meio do novo prazo de prescrição.

Aplicando o prazo de oito anos da lei nova, dúvidas não restam de que este prazo tem de ser contado a partir de 18.11.1999 - data da entrada em vigor do DL nº 472/99 - por força do nº 1 do artº 297º do Código Civil, não tendo apoio legal a tese da recorrente de ver contado tal prazo a partir da entrada em vigor da LGT.

De todo o modo, também o prazo de prescrição não se completou porque a citação da recorrente, ocorrida em 17.09.2007 (v. fato da alínea H) do probatório), interrompeu a prescrição (v. artº 49º, nº 1 da LGT). Aliás, a interrupção também havia já até ocorrido anteriormente com a reclamação deduzida em 02.08.2007 (V. facto da D) do probatório e artº 49º, nº 2 da LGT).

Temos então que, quer o prazo de prescrição fosse de dez, quer de oito anos, a prescrição da dívida não ocorreu ainda dada a ocorrência em 2007 de causa interruptiva da prescrição, o que determinou a contagem de novo prazo.

Improcedem, pelo exposto, as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.

VII. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de outubro de 2013. - Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.