Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01010/10
Data do Acordão:09/14/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
PRAZO
INTERRUPÇÃO DE PRAZO
SUSPENSÃO DE PRAZO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A sucessão dos prazos de prescrição de dívidas tributárias contidos no CPT e na LGT resolve-se pela aplicação do artigo 297.º do Código Civil, dele decorrendo a necessidade de analisar, em cada caso concreto, se em 1 de Janeiro de 1999 faltava menos tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto no CPT do que o de 8 anos previsto na LGT, tomando sempre em consideração todos os factos a que a lei atribui efeito suspensivo ou interruptivo em conformidade com a regra contida no artigo 12º do Código Civil.
II - Uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de efeito interruptivo da prescrição.
Nº Convencional:JSTA000P13228
Nº do Documento:SA22011091401010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença que nos autos de impugnação judicial foi proferida em 28/06/2010 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, na qual se declararam prescritas as dívidas tributárias resultantes das liquidação de IVA que, com referência ao ano de 1996, foram efectuadas à impugnante A…, e se julgou, por força dessa prescrição, extinta a instância de impugnação judicial por inutilidade superveniente da lide.
1.1. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
A. A douta sentença julgou prescrita a dívida de IVA do ano de 1996, por terem decorrido mais de 10 anos, e extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, fazendo, salvo o devido respeito, errada interpretação e aplicação da lei;
B. Não se questiona nenhuma da factualidade fixada na douta sentença recorrida, sendo a discordância que motivou o presente recurso uma pura questão de direito;
C. De acordo com a opinião do Tribunal a quo, a aplicação da LGT seria de afastar no caso concreto, já que, “segundo a lei antiga haviam-se completado precisamente 2 anos do respectivo prazo de prescrição, não faltando mais tempo para o prazo se completar do que o fixado pela lei nova.”
D. Ora, salvo o devido respeito, não se concorda com tal interpretação;
E. De acordo com o disposto no art.º 297° do Código Civil, a lei antiga só é de aplicar se, à data da entrada em vigor da nova lei, faltar menos tempo para o prazo se completar (e não se “não faltar mais tempo”, como é dito na sentença);
F. No caso concreto, e concordando com decisão recorrida de que, em 01-01-1999, tinham decorrido 2 anos do prazo, faltando exactamente o mesmo tempo para o prazo se completar quer aplicando a lei antiga, quer aplicando a lei nova, é de aplicar ao caso concreto a lei nova, ou seja, a LGT;
G. Em 28-01-2000 foi deduzida a presente impugnação (ainda antes da citação para a execução fiscal), pelo que, nesta data, de acordo com o n.º 1 do art. 49.° da LGT, se interrompeu o prazo de prescrição, quando havia decorrido o período de 1 ano e 27 dias;
H. Mas, tal como também resulta da douta sentença, porque a impugnação esteve parada por mais de um ano, sem culpa do contribuinte, desde 04-02-2000 até 24-07-2001, nos termos do n.º 2 do artigo 49.° da LGT, na redacção ao tempo, cessou o efeito interruptivo, recomeçando o prazo a correr um ano após a paragem, somando-se-lhe o tempo que havia decorrido anteriormente;
I. No que já não se concorda, com todo o respeito, com a douta sentença recorrida é com a afirmação de que nos autos não ocorreu nenhuma causa de suspensão da prescrição;
J. Na verdade, de acordo com o então n.º 3 (actual n.º 4) do art. 49.° da LGT, “O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (...) impugnação (…)”, sempre se tendo entendido que haveria tal suspensão desde que o processo estivesse garantido;
K. O que significa que, no caso concreto, e uma vez que existia garantia prestada desde 24-03-2000 (cfr. ponto 5 do probatório), logo que cessou o efeito interruptivo, ou seja, em 05-02-2001, o prazo de prescrição ficou suspenso;
L. E tal suspensão do prazo vai durar até haver decisão transitada em julgado que puser termo ao presente processo;
M. Pelo que, e ao contrário do decidido, quanto ao IVA do ano de 1996 ainda não ocorreu a prescrição de tal dívida;
N. Não existindo inutilidade da lide, não deve, por conseguinte, ser extinta a presente instância.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a sentença ser revogada, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.
1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, concluindo do seguinte modo:
1. Apesar de referir que o que motivou o recurso é uma questão de direito, a Fazenda Pública (sobretudo nas suas conclusões) não indica nem especifica as normas jurídicas que a sentença recorrida supostamente teria violado, como impõe a lei adjectiva (art. 690.º do CPC), pelo que deve ser rejeitada a apreciação do presente recurso.
2. Havendo sucessão de leis no tempo, temos que a lei nova (LGT) veio diminuir o prazo de prescrição e, à data da sua entrada em vigor (1/01/1999), segundo a lei antiga haviam-se completado pelo menos 2 anos do respectivo prazo de prescrição,
3. sendo assim evidente que não falta mais tempo para o prazo se completar do que o fixado pela lei nova, pelo que bem decidiu a douta sentença recorrida ao aplicar o CPT — neste sentido, Ac. deste STA de 11/04/2007, no proc. n.º 01252/06.
4. Mas, ainda que por absurdo assim não se entendesse, sendo o IVA um imposto de obrigação única, o prazo de prescrição sempre se teria de começar a contar a partir da data do surgimento do facto tributário.
5. Pelo que em 1/01/1999 já tinham decorrido mais de dois anos do prazo de prescrição, pois que o prazo se iniciou, pelo menos, em 31/12/1996 — neste sentido, Ac. do STA de 08/06/2004, no processo n.º 01766/03.
6. Ainda que por absurdo se considerasse ser de aplicar a LGT aos presentes autos, a verdade é que mesmo assim já decorreu igualmente o prazo de prescrição — cfr. recente Ac. do STA de 09/09/2009, tirado no proc. n.º 0571/09.
7. A sentença recorrida considerou correctamente inexistir, nos presentes autos de impugnação, qualquer causa de suspensão da prescrição.
8. Porquanto, apesar de haver impugnação e garantia, tal garantia foi prestada em sede da execução fiscal e, desse modo, apenas releva para a suspensão da execução fiscal, não produzindo efeitos quanto à prescrição das dívidas ora em crise, ou seja, não determina a suspensão da prescrição das mesmas.
9. Na verdade, estando as dívidas prescritas à luz do CPT, como vimos, tal questão da aplicação do art. 49.º, nº. 3 da LGT, nem sequer se deve equacionar.
10. No entanto, ainda que assim não se considerasse, o facto de a impugnante ter sustado a execução fiscal, não explica, nem poderia explicar, que a administração fiscal tenha deixado o processo de impugnação sem qualquer tramitação processual durante mais de um ano, pelo que se extinguiu o efeito interruptivo da prescrição, não podendo, paralelamente, aquele facto prejudicar a contribuinte, determinando a suspensão da prescrição — v.g. com as devidas adaptações, os Acórdãos do STA, de 23/03/2005 no âmbito do processo 085/05, de 11/04/2007, no proc. 01252/06.
11. Mas ainda que se entendesse não se verificar a prescrição (que in casu efectivamente se verifica), o que apenas se equaciona por mera hipótese académica, a verdade é que, mesmo em relação ao mérito ou fundo da questão, a presente impugnação sempre deveria proceder, como inclusivamente já disse o ilustre Magistrado do Ministério Público junto do TAF de Coimbra — cfr. processo a fls. 71 a 73.
1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. Em 28/01/2000, deu entrada na Repartição de Finanças a petição inicial referente à presente impugnação, versando sobre quatro liquidações adicionais de IVA, relativas ao ano de 1996, sendo a primeira respeitante ao imposto, no montante de Esc. 4.000.430$00 e as restantes respeitantes aos respectivos juros compensatórios, nos montantes de Esc. 115.278$00, Esc. 797.805$00 e Esc. 626.339$00.
2. No período compreendido entre 04/02/2000 a 24/07/2001 não foi realizada qualquer diligência no processo de impugnação, por facto não imputável ao contribuinte.
3. Em 13/03/2000, foi instaurado contra a ora impugnante A…, o processo de execução fiscal n.° 0809-00/100286.4, para execução coerciva das dívidas de IVA, ora impugnadas.
4. O montante dos impostos e juros compensatórios, ora impugnados não foram pagos voluntária nem coercivamente.
5. Em 24/03/2000, em sede do processo de execução fiscal, id. em 3., foi prestada garantia bancária, pela ora impugnante.
3. A única questão colocada no presente recurso jurisdicional é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da lei, ao considerar prescritas as obrigações tributárias que emergem dos actos de liquidação impugnados.
3.1. Todavia, antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, convém tomar posição sobre uma outra questão, prévia em relação à decisão de fundo, e que tem a ver com a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, porquanto a Recorrida defende que a Recorrente não especificou, nas respectivas conclusões de recurso, as normas jurídicas que a sentença recorrida terá violado e que, por isso, a apreciação do recurso deve ser rejeitada.
Segundo o disposto no artigo 690.º do Código de Processo Civil (CPC), o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (nº 1); e versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar «as normas jurídicas violadas» [nº 2, alínea a)], «o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas» [nº 2, alínea b)], e «invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada» [nº 2, alínea c)]. Por outro lado, se as conclusões faltarem, forem deficientes, obscuras, complexas ou não procederem às especificações a que alude o nº 2 do artigo 690.º do CPC, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso – nº 4 do artigo 690.º do CPC.
Deste modo, embora incumba ao juiz relator o poder-dever do convite em apreço – como uma das emanações dos princípios gerais de adequação e de cooperação estabelecidos nos artigos 265.º e 266.º do CPC – é à parte recorrente que incumbe o ónus de alegar e de formular conclusões, competindo-lhe ainda, e só a ela, levar às conclusões a questão ou questões abordadas no corpo alegatório que pretenda ver decididas pelo tribunal de recurso.
No caso em apreço, as conclusões formuladas pela Recorrente contém a indicação concisa e clara dos fundamentos desenvolvidos ao longo das alegações de recurso, com a indicação clara e expressa das normas jurídicas que ela considera violadas, e que são as contidas no artigo 297.º do Código Civil (conclusões 5º e 6ª) e no nº 3 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária (conclusões 9ª e seguintes), com especificação de todos os elementos a que alude o nº 2 do art. 690.º do CPC.
Daí que não seja caso, sequer, de dirigir à Recorrente o convite previsto no nº 4 do artigo 690.º do CPC, improcedendo a citada questão.
3.2. A sentença recorrida julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, em razão da prescrição das obrigações tributárias que emergem dos actos de liquidação impugnados – IVA referente ao ano de 1996.
Para assim decidir, julgou-se que o prazo de prescrição aplicável era, à luz da regra da sucessão de leis no tempo contida no artigo 297.º do Código Civil, o de dez anos previsto no CPT, e não o de 8 anos previsto na LGT, dado que «a lei nova veio diminuir o prazo de prescrição de 10 para 8 anos e, à data da sua entrada em vigor, segundo a lei antiga haviam-se completado precisamente 2 anos do respectivo prazo de prescrição, não faltando mais tempo para o prazo se completar do que o fixado pela lei nova.». Por outro lado, considerou-se que esse prazo se iniciara no início do ano seguinte àquele a que o imposto diz respeito, isto é, em 1/01/97, e que tendo a presente impugnação dado entrada na Repartição de Finanças em 28/01/00 se interrompeu, nessa data, o prazo de prescrição, recomeçando, porém, a sua contagem por virtude da paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, assim se concluindo pelo decurso integral desse prazo de prescrição.
Com aí se refere, «a impugnação esteve sem qualquer tramitação processual, por facto não imputável ao contribuinte, no período compreendido entre 04/02/2000 a 24/07/2001, pelo que, o efeito interruptivo iniciado com a instauração da impugnação cessou na data em que se completou um ano sobre a inactividade processual, isto é, em 05/02/2001»; e «somando o tempo, que decorreu desde o início do prazo da prescrição (ocorrido em 01/01/1997), até à data da instauração da presente impugnação, em 28/01/2000 (respectivamente 3 anos e 1 mês incompleto), com o tempo que decorreu desde a data da cessação da interrupção da prescrição, em 05/02/2001 até à presente data (9 anos, 4 meses e 23 dias), resta concluir que o prazo de prescrição de 10 anos já se completou relativamente à totalidade da dívida ora impugnada. Cabe ainda esclarecer que, nestes autos de impugnação não ocorre nenhuma causa de suspensão da prescrição (ainda que, em sede da execução fiscal tivesse sido prestada garantia em Março de 2000, pois que esta garantia releva apenas para a suspensão da execução mas não produz quaisquer efeitos quanto à prescrição das dívidas ora em crise, não sendo causa de suspensão da prescrição das mesmas).».
A Fazenda Pública não se conforma com este julgamento, sustentando, em síntese, que se incorreu em erro na interpretação das normas contidas nos artigos 297.º do Código Civil e 49.º n.º 3 da Lei Geral Tributária.
Vejamos.
O Código de Processo Tributário previa, no seu artigo 34.º, um prazo prescricional de dez anos (nº 1), cujo termo inicial se desencadeava no início do ano seguinte àquele em que os factos tributários tivessem ocorrido (nº 2), e não na data do surgimento do facto tributário como defende a Recorrida.
Porém, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT), em 1 de Janeiro de 1999, esse preceito do CPT foi expressamente revogado e a matéria da prescrição passou a estar regulada na LGT, sofrendo um encurtamento para oito anos (art.º 48.º). E o artigo 5.º do diploma que aprovou a LGT (Dec.Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro) estabeleceu que, com excepção dos impostos abolidos, se aplicava ao novo prazo de prescrição o disposto no artigo 297.º do Código Civil, o qual, por sua vez, determina, no que toca à aplicação no tempo de leis novas que vêm estabelecer prazos mais curtos do que os fixados nas leis anteriores, que o novo prazo é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
O que significa que embora o regime da prescrição positivado pela LGT seja o aplicável a partir da vigência deste diploma legal, já o prazo aí previsto pode não o ser, pois que havendo concorrência temporal de dois prazos com a virtualidade de se aplicarem, há que aplicar aquele que em primeiro lugar se completar (embora a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais não determine a aplicação de um ou outro regime em bloco, porquanto o artigo 297.º só manda aplicar o prazo prescricional mais curto, e não as disposições legais que regem os termos em que esse prazo se conta e/ou tudo o mais que releva para o seu curso) (Trata-se de jurisprudência consolidada no STA, conforme se pode ver pela leitura dos seguintes acórdãos desta Secção: de 6/02/2002, no recurso n.º 26296, de 28/05/2008, no recurso n.º 154/08, de 21/05/2008, no recurso n.º 7/08, de 07/09/2011, no recurso n.º ).
Deste modo, a lei antiga só é de aplicar se, à data da entrada em vigor da nova lei, faltar menos tempo para o prazo se completar, e não, como se julgou na decisão recorrida, quando à data da entrada em vigor da nova lei falte igual tempo pela lei antiga e pela lei nova para o prazo se completar.
Razão por que se impõe verificar se, no caso concreto, faltava em 1 de Janeiro de 1999 menos tempo para se completar o prazo de 10 anos previsto na lei antiga do que o prazo de 8 anos previsto na lei nova – única situação em que se deixará de aplicar este prazo contido na LGT.
Respeitando a obrigação tributária a IVA do ano de 1996, o prazo prescricional iniciou-se em 1/01/97 e decorreu sem detenção até à data da entrada em vigor da LGT, em 1/01/99, dada a inexistência de qualquer acto interruptivo ou suspensivo até essa data. Por conseguinte, em 1/01/99 faltavam precisamente 8 anos para se completar a prescrição, isto é, faltava exactamente o mesmo tempo para o prazo se completar quer aplicando a lei antiga, pelo que o prazo aplicável é, necessariamente, o fixado na nova lei.
Pelo que assiste razão à Recorrente quanto ao erro de interpretação do artigo 297.º do Código Civil e quanto à inaplicabilidade do prazo de prescrição previsto no CPT.
Definido que o prazo de prescrição aplicável é de oito anos previsto na LGT, contado a partir da entrada em vigor desta Lei, vejamos, então, se ele já decorreu perante a ocorrência de factos com efeito interruptivo ou suspensivo previstos na lei vigente à data da respectiva ocorrência, de harmonia com o disposto do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, sabido que a solução do problema da aplicação da lei no tempo nesta matéria depende do momento em que o facto interruptivo ou suspensivo ocorreu e não da eventualidade de, à face das regras do artigo 297.º do Código Civil, ser aplicável o regime do CPT ou da LGT no que concerne ao prazo da prescrição.
A Recorrente aceita estar correcto o julgamento tanto no que toca à interrupção do prazo de prescrição em 28/01/2000 por força da instauração da impugnação judicial, como no que toca ao recomeço desse prazo por virtude da paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao contribuinte (ponto 2. do probatório), como, ainda, no que toca à necessidade de somar a esse prazo o tempo decorrido até à data da instauração da impugnação, de harmonia com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção então vigente (Tendo em conta que a revogação do nº 2 do artigo 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não se aplica ao caso dos autos, porque na data da entrada em vigor desta já se havia completado prazo de paragem superior a um ano (cfr. artigo 91º daquela Lei).).
Defende, porém, que a sentença incorreu em erro ao julgar que não ocorrera nenhuma causa de suspensão da prescrição, desconsiderando em absoluto o facto de ter sido prestada garantia para suspender a execução fiscal e a norma contida no nº 3 do artigo 49.° da LGT.
No que lhe assiste total razão.
Na verdade, da matéria de facto provada consta que a presente impugnação foi apresentada em 28/01/00 e que em 24/03/00 a impugnante prestou garantia bancária para suspender a execução fiscal. Por sua vez, das normas contidas nos artigos 169.º n.º 1 do CPPT e 49.º nº 3 da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda «desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido» e que o «prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso».
O que significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição (Trata-se de jurisprudência consolidada no STA, conforme se pode constatar pela leitura, entre outros, dos acórdãos proferidos em 4/03/2009, em 26/1/2011 e em 25/05/2011, nos recursos n.ºs 160/09, 1/11 e 465/11, respectivamente.).
Como se deixou sumariado nos acórdãos proferidos por este Tribunal em 5/05/2010 e em 7/12/2010, nos processos nº 0140/2010 e nº 0490/2010, respectivamente, “A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação (nºs 1 e 2 do artigo 49.º da LGT). Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de prestação de garantia ou de penhora de bens que garantam a totalidade da dívida e do acrescido, ao abrigo do artº 169º do CPPT, a paragem do processo não releva para efeitos de prescrição, uma vez que, em face do disposto no nº 3 do artº 49º da LGT, a prescrição se suspende também com a paragem da execução”.
O que significa que, no caso concreto, existindo garantia prestada desde 24/03/2000, logo que cessou o efeito interruptivo, em 05-02-2001, o prazo de prescrição ficou suspenso, e esta suspensão do prazo vai durar até haver decisão que ponha termo ao presente processo.
Deste modo, se o efeito suspensivo do prazo de prescrição ainda não cessou, por ainda não ter sido apreciada e decidida a presente impugnação judicial, não podem estar prescritas as dívidas emergentes dos actos de liquidação impugnados.
Consequentemente, não pode concluir-se, como decidido, ser a lide de impugnação supervenientemente inútil em virtude da prescrição das dívidas impugnadas, pois que o não estão, havendo que revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para conhecimento do mérito da impugnação.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para conhecimento do mérito da impugnação, se a tal nada mais obstar.
Custas pela Recorrida, que contra-alegou, fixando-se em 40% a procuradoria.
Lisboa, 14 de Setembro de 2011. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Francisco Areal Rothes - Casimiro Gonçalves