Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0945/14.0BELRA
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
MÉTODOS INDIRECTOS
PEDIDO DE REVISÃO
MATÉRIA COLECTÁVEL
Sumário:I- A reclamação do ato de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, com fundamento em erro nessa fixação ou nos pressupostos da utilização destes métodos, constitui pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial com esses fundamentos, nos termos do artigo 117.º, n.º 1, do CPPT e do artigo 86.º, n.º 5, da LGT.
II- O erro na contabilização do CMVCM, tal como foi alegado pela Recorrente na petição inicial, tem reflexos diretos no modo como a administração tributária efetuou os cálculos para fixar a matéria tributável por métodos indiretos, pelo que a discussão desse erro implica a discussão da quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, e, assim, está sujeita ao regime dos artigos 117.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 5, da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P28731
Nº do Documento:SA2202112160945/14
Data de Entrada:06/12/2019
Recorrente:A……………., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A……………, Lda., identificada nos autos, interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que absolveu da instância Fazenda Pública por falta de um pressuposto processual ou condição de procedibilidade da ação (falta de apresentação do pedido de revisão da matéria coletável) da impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos juros compensatórios, do ano de 2010, no montante de €30.297,48, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«A) – Na p.i. a recorrente invocou como causa de pedir a “errónea contabilização do CMVMC de 2010”, a qual, no entanto, não foi objeto de conhecimento pela douta sentença recorrida, fato que configura nulidade de sentença.
B) - Com efeito, na p.i. a recorrente invocou que se dedica à suinicultura, tendo nas suas explorações dois tipos de animais, a saber: animais reprodutores que fazem parte do seu ativo imobilizado e as respetivas recrias que figuram no ativo da empresa como mercadorias, tendo alegado que no CMVMC de 2010 na quantia de € 649.357,32 estava incluída a verba de € 118.646,82 relativa ao custo da farinha consumida pelas reprodutoras e que o CMVMC de 2010 relativo às recrias perfaz apenas a quantia de € 530.710,50.
C) - Com efeito, a causa de pedir designada por “errónea contabilização do CMVMC de 2010” tem a natureza de uma questão técnica pura e nessa medida não está sujeita ao regime previsto nos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT.
D) - Por um lado, trata-se de uma componente essencial de determinação do resultado fiscal através do regime de contabilidade organizada, cuja fórmula se decompõe nomeadamente do seguinte modo: resultado líquido apura-se pela subtração aos proveitos dos custos, sendo que dos custos fazem nomeadamente parte o custo das matérias-primas vendidas e consumidas.
E) - Por outro lado, a aplicação de métodos indiretos não implicou no caso da recorrente qualquer desqualificação do referido CMVMC tal como assim melhor resulta da leitura do relatório de inspeção no âmbito do qual foi utilizada a aplicação dos métodos indiretos.
F) - Por último, importa referir que a recorrente formula o pedido de anulação da liquidação do IRC de 2010 nos termos e com os fundamentos apresentados na p.i., mais concretamente o pedido formulado pela recorrente consiste na anulação do IRC na parte em que foi utilizado o CMVMC de € 649.357,42 quando apenas poderia ter sido utilizado o CMVMC de € 530.710,50.
G) - Do exposto resulta que a causa de pedir designada por “errónea contabilização do CMVMC de 2010” constitui matéria que está fora do âmbito de aplicação do regime de obrigatoriedade de reclamação prévia dos métodos indiretos e como tal deveria ter sido conhecida pelo Tribunal “a quo”.
S) - A douta decisão recorrida fez incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa do processo para julgamento da causa de pedir designada por “errónea contabilização do CMVMC de 2010.

1.2. A Administração Tributária e Aduaneira (AT) não apresentou contra-alegações.

1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
A)
Pelo ofício n.º 5718 de 30-10-2012, da Direção de Finanças de Leiria, enviado por correio registado com aviso de receção, a Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária que procedeu a correções à matéria tributável, por métodos indiretos, referente a IVA e IRC, dos anos de 2008, 2009 e 2010. - (cfr. fls. 12 dos autos).
B)
Em 31-10-2012, a Impugnante assinou o aviso de receção referido na alínea antecedente. - (cfr. fls. 23 do processo administrativo apenso).
C)
Em 03-12-2012, a Impugnante remeteu à Direção de Finanças de Leiria, sob correio registado, pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do art.º 91.º da LGT. - (cfr. fls. 33 e 34 dos autos).

3. Fundamentação de direito
3.1. A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia ao não ter conhecido da causa de pedir designada na petição inicial de “errónea contabilização do CMVMC de 2010”.

3.2. Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº. 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras "razões" ou "argumentos") que devesse apreciar. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

3.2. A Impugnante, ora Recorrente, na petição inicial, distinguiu duas causas de pedir para sustentar o pedido de anulação da liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios do ano de 2010, a qual teve origem em ação de fiscalização levada a cabo pela administração tributária, que aplicou os métodos indiretos na determinação da matéria tributável: a primeira, a ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão da matéria coletável; a segunda, a errónea contabilização do valor do CMVMC.

3.3. O Tribunal recorrido absolveu a Fazenda Pública da instância por falta de um pressuposto processual ou condição de procedibilidade da ação, a falta de apresentação do pedido de revisão da matéria coletável, abrigando-se no disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º do CPC ex vi, artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

3.4. A Recorrente não põe em causa que a discussão na impugnação judicial do erro na quantificação da matéria tributável ou na aplicação dos métodos indiretos depende da prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável nos termos dos artigos 86.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária (LGT) e 117.º, n.º 1, do CPPT. Nem discute o julgamento efetuado pelo Tribunal recorrido quanto à intempestividade do pedido de revisão da matéria tributável. O que defende é que o erro na contabilização do CMVMC de 2010, invocado na petição inicial como segunda causa de pedir, não está sujeito ao regime previsto nos artigos 117.º do CPPT e 86.º, n.º 5 e 91.º e seguintes da LGT.

3.5. Vejamos. É certo que a reclamação do ato de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, com fundamento em erro nessa fixação ou nos pressupostos da utilização destes métodos, constitui pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial com esses fundamentos, nos termos do artigo 117.º, n.º 1, do CPPT e do artigo 86.º, n.º 5, da LGT – cf. entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-05-2017, proferido no processo 01662/15. Também é certo que se a liquidação objeto da impugnação judicial tiver origem não só da aplicação dos métodos indiretos na determinação da matéria tributável (nos termos do disposto no artigo 91.º e 92.º da LGT), mas também noutras correções, designadamente aritméticas, apenas as primeiras têm a sua discussão contenciosa dependente da prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributária tributável. E, ainda assim, nesta última hipótese, essa dependência respeita apenas ao erro na quantificação da matéria tributável e aos pressupostos na determinação da matéria tributável, mas já não quanto a outros eventuais vícios – cf. entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-01-2020, proferido no processo 02753/12.4BEPRT.

3.6. Acontece, como defende o Ministério Público, a errónea contabilização do valor do CMVMC integra o vício de “erro na quantificação da matéria tributável”. O que resulta da própria alegação da Impugnante, ora Recorrente na petição inicial, no artigo 38.º, ao afirmar: o “Erro de contabilização do CMVMC, nos termos supra-descritos, que tem reflexos diretos na aplicação dos métodos indiretos” (artigo 38.º da petição inicial), e depois desenvolvido nos seguintes, dos quais se destacam as seguintes asserções: “Ou seja, os Serviços de Inspeção englobaram no CMVMC do exercício de 2010 a quantia de € 118.646,82, ou seja, 649.357,32 – 530.710,50, que diz respeito ao custo da ração utilizado para os animais reprodutores (artigo 42.º da petição inicial),Erro de contabilização da quantia de € 118.646,82 no CMVMC de 2010 que os Serviços de Inspeção Tributária tinham obrigação de ter expurgado do valor que tinha sido contabilizado pela impugnante no exercício de 2010, ou seja, € 530.710,50” (artigo 43.º da petição inicial). Ou seja, o erro na contabilização do CMVCM, tal como foi alegado pela Impugnante, ora Recorrente, tem reflexos diretos no modo como a administração tributária efetuou os cálculos para fixar a matéria tributável por métodos indiretos, pelo que a discussão desse erro implica a discussão da quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, o que depende, como se viu, da prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.

3.7. Assim sendo, tendo o Tribunal recorrido considerado verificada exceção que contende com a impugnabilidade do ato, não se lhe impunha o conhecimento daquela causa de pedir, pelo que a sentença sindicada não padece da nulidade apontada.
Sempre será, no entanto, de observar, tal como refere o Ministério Público, que a forma como o vício vem invocado configura antes um erro de julgamento, por contender com uma adequada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 117.º, n.º 1, do CPPT e artigo 86.º, n.º 5, da LGT, erro que, pelo que ficou dito, não se verifica.
O recurso não merece, pois, provimento.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 16 de dezembro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia.