Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01527/02
Data do Acordão:09/23/2003
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RESPONSABILIDADE PRE-CONTRATUAL.
CONTRATO INEFICAZ.
CONDIÇÃO SUSPENSIVA.
DEVER DE INDEMNIZAR.
DANO NEGATIVO.
Sumário:I - Se um contrato nunca entrou em vigor, por se não ter verificado uma condição suspensiva de toda a sua eficácia, a parte a quem a não verificação da condição for imputável tem obrigação de indemnizar o outro contraente.
II - Este contraente tem direito a ser indemnizado pelos danos resultantes, não do incumprimento, mas da ineficácia do contrato, ou seja os danos emergentes da responsabilidade pré - contratual.
III - Na responsabilidade pré - contratual, o lesado tem direito a ser indemnizado apenas pelos danos negativos (dano da confiança), isto é, pelos danos que não teria se não tivesse celebrado o contrato, não se incluindo, na medida do dano ressarcível, o lucro esperado com o cumprimento do contrato.
Nº Convencional:JSTA00059675
Nº do Documento:SA12003092301527
Data de Entrada:10/04/2002
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC PORTO.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - PRE-CONTRATUAL.
Legislação Nacional:CCIV66 ART227 N1 ART898 ART908 ART910 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC03B1334 DE 2003/05/22.; AC STJ DE 2001/05/10 IN CJ ANOIX T2 PAG71.; AC STA PROC46227 DE 2001/05/16.; AC STA PROC46919 DE 2001/05/31.
Referência a Doutrina:ANA PRATA NOTAS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL PRE-CONTRATUAL PAG174.
MENEZES CORDEIRO TRATADO DE DIREITO CIVIL PARTE GERAL 1999 PAG346.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A..., identificado nos autos e MUNICÍPIO DE CASTELO DE PAIVA, recorreram para este Supremo Tribunal da sentença proferida no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto que condenou o réu, Município de Castelo de Paiva a pagar ao autor, A..., no montante que venha a apurar-se em execução de sentença, correspondente ao ganho que o demandante esperava obter com a realização da empreitada.
1.1. recurso do autor, A...:
a) o recorrente propôs a presente acção para obter uma indemnização pelos prejuízos causados com o facto de uma obra que lhe tinha sido adjudicada, no âmbito de um concurso público, ter sido dada sem efeito pela ré – recorrida, em virtude de o Tribunal de Contas ter vindo a recusar o respectivo visto;
b) na acção estão peticionados os custos directos efectivamente realizados, com vista e em consequência da celebração do contrato, nomeadamente, levantamento da proposta e emolumentos da escritura com a preparação da obra, bem como o ganho que o recorrente esperava auferir com a realização da obra que lhe havia sido adjudicada e que calculou, na elaboração da sua proposta, em 10% do custo total dos trabalhos;
c) entende a douta sentença recorrida que a recorrente cumulou pedidos de indemnização pelo interesse contratual positivo ou de incumprimento – ao pedir o ganho que deixou de auferir pela não realização da obra – e pelo interesse contratual negativo ou de confiança – ao pedir os custos directos que suportou com a preparação da obra (não com a sua realização);
d) a tese da sentença recorrida não pode ser, todavia, mantida porque parte de uma errada interpretação do conceito de margem de lucro e, em consequência, de uma incorrecta qualificação de interesse contratual negativo e de interesse contratual positivo;
e) a margem de lucro, tal como foi peticionada, é o montante líquido que o recorrente auferiria, no exercício da sua actividade, com a realização da obra – ou seja, aquilo que, realizada a obra, corresponderia ao ganho do executante, equivalente ao excedente da receita sobre a despesa;
f) se o recorrente tivesse realizada a obra adjudicada teria sido paga por todos os custos que teria ao longo de toda a realização da obra, nomeadamente com a celebração do contrato e preparação da obra, com pessoal, material e máquinas, e ainda receberia a sua margem de lucro – que seria o seu efectivo ganho;
g) o interesse contratual positivo consubstanciado no montante que o recorrente deixou de auferir pelo facto de a empreitada não se ter realizado, não pode deixar de incluir, para além da margem de lucro, as despesas realmente incorridas com a celebração do contrato e com a preparação da obra, pois estas, em caso de cumprimento normal do contrato, viriam a ser reembolsadas à recorrente por estarem naturalmente incluídas no preço a pagar pelo Município (no preço constante da proposta do recorrente aceite pelo Município);
h) a douta decisão recorrida enferma, assim, de um vício de raciocínio quanto ao conceito de ganho ou margem de lucro, violando assim o disposto no art. 801º do Código Civil.
1.2. recurso do réu, Município de Castelo de Paiva
a) a presente acção situa-se no âmbito da responsabilidade contratual;
b) o senhor Juiz “a quo” julgou parcialmente provada e procedente provada e procedente acção e condenou a Câmara Municipal “ao pagamento ao autor (...) do montante da verba a apurar-se em execução de sentença, correspondente ao ganho que o demandante esperava obter com a realização da empreitada”;
c) todavia, o Senhor Juiz “a quo” na sua aliás, douta decisão, não tomou em consideração um facto que se encontra plenamente provado na escritura pública do contrato de empreitada e que foi junta aos autos com a petição inicial;
d) documento plenamente e reciprocamente aceite pelo autor e ré.
f) na referida escritura pública a clausula nona do mesmo diz expressamente: “o presente contrato entra em vigor após o visto do Tribunal de Contas”.
g) foi, sem dúvida, subordinada a entrada em vigor do contrato de empreitada “sub judice” à condição suspensiva do referido visto;
h) é, assim, evidente a vontade dos contratantes em que o contrato só produzia efeitos a partir do visto;
i) assim sendo, o contrato em causa não entrou em vigor;
j) consequentemente à Câmara Municipal não se pode atribuir um incumprimento dum contrato que não entra em vigor;
l) não há, assim, atenta a condição suspensiva referida, responsabilidade contratual da recorrente, na medida em que não produziu qualquer efeito – violando-se assim, o disposto nos artigos 398º, 401º e 790º do Código Civil.
1.3 O M.P. emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pelo Município de Castelo de Paiva.
1.4. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento dos recursos.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos:
a) por edital de 31/5/96, a Câmara Municipal de Castelo de Paiva, abriu um concurso público para a consignação da empreitada da obra de construção do auditório Municipal da Quinta do Pinheiro, ao qual concorreu, entre outros, o autor – al. a) da matéria assente;
b) em 24-9-96, foi comunicado pela CMCP ao autor que a obra lhe foi adjudicada, na condição de este aceitar a minuta do contrato, tendo-lhe sido fixado um prazo para prestar caução para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações que assumiria com a celebração do contrato de empreitada – al. b) da matéria assente;
c) por carta de 4-10-96, dirigida ao Presidente da CMCP, o autor aceitou expressamente a minuta do contrato de empreitada e remeteu os documentos para a celebração da escritura pública, incluindo uma garantia bancária prestada pelo Banco ... ” – al c) da matéria assente;
d) no dia 8/10/96 foi celebrada a escritura do contrato de empreitada – al. d) da matéria assente;
e) em 15-10-96, foi feito o auto de consignação dos trabalhos, nos termos do art. 135º do Dec. Lei 405/93, de 10 de Dezembro, tendo sido dada posse ao adjudicatário dos terrenos necessários à execução da empreitada – al. e) da matéria assente;
f) por carta de 17-10-96, o autor como adjudicatário, solicitou autorização ao Presidente da CMCP para ocupar a construção existente junto à implantação do edifício para ser utilizado como estaleiro, autorização esta que lhe foi concedida por carta de 23 do mesmo mês – al. f) da matéria assente;
g) em 29 de Outubro, o autor como empreiteiro – adjudicatário, comunicou à CMCP, ao Gabinete de Apoio Técnico do ... (entidade nomeada pela Câmara para fiscalização da obra) e à sociedade “...” a quem tinha adjudicado o movimento de terras, para implantação das cotas do projecto de empreitada, que os trabalhos se iniciariam a 4 de Novembro – al. g) da matéria assente;
h) entretanto, a CMCP, via telefone, comunicou ao autor, em 31 de Outubro de 1996, que os trabalhos da empreitada não poderiam começar no dia 4 de Novembro, pelo que este, de imediato, solicitou indicação de nova data – al. h) da matéria assente;
i) no mesmo dia 31 de Outubro, o autor comunicou às entidades referidas em g) que não poderia dar início às obras no dia 4 de Novembro, esclarecendo que tal acontecia a pedido da Câmara Municipal – al. i) da matéria assente;
j) em 20 de Novembro o autor solicitou à CMCP que o informasse sobre a data provável do início dos trabalhos, para poder programar a sua actividade – al. j) da matéria assente;
l) em 27 de Novembro seguinte o autor recebeu um ofício da CMCP comunicando-lhe que, em virtude do Tribunal de Contas ter recusado o visto ao contrato, ficava sem efeito a adjudicação da obra – al. l) da matéria assente;
m) a recusa do visto por parte do Tribunal de Contas teve por fundamento uma irregularidade do programa do concurso derivada de erro na contagem do prazo para apresentação das propostas, isto é, tinha sido concedido uma dia menos aos concorrentes para essa apresentação – al. m) da matéria assente;
n) nessa mesma comunicação, a CMCP informou que tinha deliberado abrir novo concurso público para execução da mesma empreitada – al. o) da matéria assente;
o) em 30-12-96, a CMCP comunicou a abertura do novo concurso, bem como as alterações ao programa do concurso relativamente ao anterior – al. p) da matéria assente;
p) o autor voltou a concorrer, mas a obra foi adjudicada a outro concorrente (B...) – al. q) da matéria assente;
r) com o levantamento da proposta do concurso despendeu o autor a quantia de 60.000$00 – resposta ao quesito 1º;
s) a preparação do terreno e a elaboração da proposta inicial implicou 10 dias de trabalho de um técnico de engenharia e de dois funcionários administrativos, em que despendeu quantia que não foi possível apurar – resposta ao quesito 3º;
t) o custo da garantia bancária prestada em consequência da adjudicação da obra, ascendeu a 108.638$00 – resposta ao quesito 4º;
u) em despesas administrativas, incluindo custos para preparação e arranque da empreitada, tais como telefonemas, fax, deslocações à Câmara Municipal, à EDP, ao terreno, ao SMAS (6 x 70 km), reuniões e consultas despendeu o autor quantia que não foi possível apurar – resposta ao quesito 5º;
v) o custo do próprio contrato de adjudicação da obra ascendeu a 457.010$00, quantia que foi paga à CMCP e nunca foi devolvida ao autor, apesar de o contrato ter ficado sem efeito – resposta ao quesito 6º e 7º;
x) a empresa do autor esteve absorvida em percentagem não apurada da sua actividade com a preparação desta obra, desde a comunicação da adjudicação da empreitada (24-9-96) até, pelo menos, à data da comunicação de que o concurso ficou sem efeito (29-11-96) – resposta ao quesito 8º-A;
z) por não ter realizado as obras que lhe haviam sido adjudicadas o autor deixou de auferir um ganho cujo montante não foi possível apurar – resposta ao quesito 10º;
2.2. Matéria de direito
2.2.1. decisão recorrida, objecto dos recursos e ordem de apreciação destes.
A decisão recorrida condenou o réu a pagar ao autor o montante que se vier a apurar em execução de sentença, a título de indemnização pelo incumprimento de um contrato de empreitada. O autor pedia uma indemnização que abrangesse os danos correspondentes aos gastos com a preparação do contrato de empreitada (danos negativos) e resultantes do incumprimento (danos positivos). A sentença recorrida entendeu que a indemnização não englobava os danos negativos isto é aqueles que o “... autor deixou de auferir pelo facto da empreitada não se ter realizado, uma vez que pelos termos em que se formularam os pedidos, se afigura mais vantajoso para ele a obtenção do correspondente montante (o lucro esperado é sempre superior às despesas tidas com a preparação e execução das obras)
No seu recurso o autor insurge-se contra a sentença, por entender que esta deveria ainda mandar pagar os danos tidos com a preparação do contrato. Por seu turno o réu insurge-se contra a sentença por entender que nada deve pagar, uma vez que o incumprimento do contrato não lhe é imputável.
Verifica-se, assim, que a decisão recorrida é, toda ela, posta em causa pelo réu – o provimento do seu recurso implica a absolvição do réu do pedido – e, posta em causa penas parcialmente pelo autor – o provimento do seu recurso apenas implicaria a condenação do réu também nos danos negativos (danos decorrentes da participação no concurso público e na celebrado o contrato). Deve apreciar-se, em primeiro lugar, o recurso do réu uma vez que coloca em questão a constituição da obrigação de indemnizar na sua totalidade. Apreciar-se depois o recurso do autor, tendo em conta já as conclusões a que se chegar sobre o âmbito do referido dever de indemnizar.
2.2.2. recurso do réu
O réu entende que a pretensão indemnizatória se enquadra na responsabilidade pelo incumprimento do contrato, e que tal incumprimento lhe não é imputável, pelo que deve ser absolvida do pedido. São, portanto três questões que o seu recurso levanta: (i) enquadramento da causa de pedir e do pedido no âmbito da responsabilidade civil (responsabilidade contratual ou pré contratual); (ii) a imputação do facto causador dos danos face ao tipo de responsabilidade civil aplicável (iii) medida do dever de indemnizar.
i) enquadramento do dever de indemnizar - responsabilidade emergente da ineficácia do contrato
Apesar do autor ter qualificado a sua pretensão no domínio da responsabilidade extra - contratual, ou por factos ilícitos, cuja ilicitude radicava na violação dos deveres de lealdade e confiança na celebração dos negócios (culpa in contraendo) - cfr. artigos 17º e seguintes da petição inicial- a sentença enquadrou a questão de forma diversa. “Por isso – concluiu, nesta parte a sentença – nos presentes autos está em causa a apreciação da responsabilidade contratual e não, como configura o autor, uma culpa in contraendo”.
Pensamos que a qualificação feita na sentença não está correcta.
A causa de pedir, nestes autos, tal como o autor a configurou, traduzia-se na imputação ao réu de factos que impediram (impossibilitaram) o visto do Tribunal de Contas o qual implicou inelutavelmente a ineficácia do contrato (cfr. art.º 19º da petição inicial). E tem toda a razão. A responsabilidade pré contratual tanto se dá no caso de ruptura das negociações, como no caso de o contrato se concluir e vier a ser declarado nulo ou ineficaz – MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3º Edição, pág. 443 e GALVÃO TELES, Obrigações, 3ª Edição, pág. 50. O que se compreende e aceita. Como a recorrente diz, e bem, não pode falar-se em incumprimento de um contrato que nunca entrou em vigor, por a sua vigência estar dependente da verificação de uma condição que nunca se verificou.
Assim a responsabilidade do réu deve ser apreciada, perante o regime do art. 227º do Código Civil, sendo a esta luz que passaremos a analisar a 2ª questão levantada no recurso do réu.
ii) imputação do facto causador dos danos.
O réu insurge-se contra a imputação que lhe é feita do incumprimento do contrato. Diz o réu que a falta de visto do Tribunal de Contas corresponde, ao fim e ao cabo, à não verificação de uma condição suspensiva aposta ao contrato na clausula nona. Dizia tal clausula:
o presente contrato entra em vigor após o visto do Tribunal de Contas”.
Logo, conclui o réu, se o contrato não entrou em vigor não pode falar-se em incumprimento de obrigações dele decorrentes.
Este seu raciocínio está correcto. Também nos parece que não pode haver incumprimento sem prévia eficácia da obrigação cujo incumprimento se invoca. Tal não invalida, porém, a nascimento da obrigação de indemnizar fundada na “culpa na formação dos contratos”, uma vez que também nesta fase surgem deveres de boa fé – cfr. art. 227º do C. Civil, cuja violação gera o dever de indemnizar.
Não há dúvidas, por outro lado, sobre a imputação ao réu dos factos de que resultou a inviabilização da verificação da condição suspensiva. O réu não cumpriu, no procedimento concursal prévio ao contrato de empreitada, os prazos legais e, com tal fundamento, o Tribunal de Contas recusou o visto- cfr. al. m) da matéria de facto.
Este comportamento do réu e é bastante para preencher os pressupostos da responsabilidade pré – contratual. O artigo 227º, 1 do C. Civil impõe “uma colaboração activa no sentido da satisfação das expectativas alheias” (ALMEIDA COSTA, Obrigações, 3ª Ed. 228/229), que não existiu no caso dos autos, na medida em que o réu agiu por forma a que o contrato viesse a ser totalmente ineficaz.
Também não há dúvidas quanto à existência da culpa do réu, uma vez que os seus serviços podiam e tinham obrigação de saber qual o prazo para a entrega das propostas, e assim evitar a evento destrutivo da eficácia do contrato.
Assim, parece-nos clara a imputação ao réu do facto causador dos danos que o autor pretende ver ressarcidos (incumprimento de um dos prazos do procedimento do concurso público prévio à escolha do contraente), e ainda que tal facto é culposo.
Vejamos, então, qual a medida dos danos causados por este facto.
iii) medida do dever de indemnizar
O réu entende que nada tem a indemnizar, por não lhe ser imputável o incumprimento do contrato. Já vimos, todavia, que a questão não se coloca no âmbito da responsabilidade pelo incumprimento do contrato, mas antes da responsabilidade decorrente da sua ineficácia, o que se reconduz à responsabilidade pré contratual..
Neste enquadramento, e tendo em atenção o disposto no art. 227º, 1 do Código Civil, a doutrina e a jurisprudência têm maioritariamente entendido que apenas são indemnizáveis os danos resultantes da não celebração do contrato: “...a responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-à em regra a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, por modo a colocar esta na situação em que ela se encontraria, se o negócio se não tivesse efectuado” – PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit. pág. 215.
Nestes casos protege-se a confiança e, por isso, os danos são aqueles que o lesado “não teria sofrido se não tivesse confiado na realização do contrato” – Revista de Legislação e Jurisprudência, 110º, 276, e, no mesmo sentido, M. BRITO, C. Civil anotado, 1º, 265 e GALVÃO TELES, Obrigações, 3ª edição, pág. 58. Este último autor refere concretamente a hipótese de um contrato concluído, ferido de invalidade, concluindo que “o lesado tem direito à indemnização dos danos negativos, ou seja, os danos que não teria sofrido se não entrasse em negociações ou não celebrasse o contrato nulo ou anulável”. Ou, como refere o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA “quem agir de má fé no âmbito dos preliminares do contrato sujeita-se a indemnizar a contraparte pelo interesse contratual negativo, ou seja, a reparar os danos que aquela não teria sofrido se não fosse a expectativa na conclusão do negócio frustado ou da vantagem que teria obtido se aquela expectativa se não tivesse gorado” – Ac. de 22-5-2003, rec. 03B1334 e de 10-5-2001, CJ, ano IX, Tomo 2, pág. 71, a referência à “vantagem que teria obtido se aquela expectativa se não tivesse gorado” refere-se aos lucros cessantes (perda da vantagem) decorrentes da não celebração do contrato. “Que a indemnização dos danos negativos compreende tanto os danos emergentes como os lucros cessantes é opinião pacífica na doutrina portuguesa...” - ANA PRATA – Notas sobre a Responsabilidade Civil Pré - contratual, pág. 174 e autores aí citados.
Finalmente, este Supremo Tribunal também tem entendido que os danos resultantes da responsabilidade pré – contratual são apenas os danos negativos: “A responsabilidade civil por lesão da confiança é restrita à reparação do interesse contratual negativo, ou da confiança, isto é, do prejuízo resultante da frustração das expectativas de conclusão do negócio, estando excluída a reparação do interesse positivo, ou seja pelo benefício que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada nas suas expectativas” – Ac. de 31-5-2001, rec. 46919 ; cfr. ainda o Ac. de 16-5-2001, rec. 46227 onde também se excluem do âmbito de protecção das regras que protegem a confiança aquilo que a parte prejudicada “... deixou de ganhar em consequência de não ter podido construir um prédio com as características que pretendia...”.
Desviando-se deste entendimento tradicional MENEZES CORDEIRO reconduz a medida do dano na responsabilidade civil extracontratual “às regras gerais da responsabilidade civil” – Tratado de Direito Civil, I Parte Geral, 1999, pág. 346.
Tratando-se da confiança, diz o referido autor, teremos de ver o âmbito desta, designadamente ponderando o círculo do investimento da confiança. Se por via da confiança suscitada, uma parte perdeu uma ocasião de negócio, a indemnização deve abranger o interesse positivo” – ob. cit. pág. 346.
Note-se, todavia, que a perda de uma ocasião de negócio ainda cabe na categoria dos danos negativos (são os lucros cessantes dentro dos danos negativos): se o empenho na celebração do negócio frustado impedir a celebração de qualquer outro, o dano negativo tem a medida da perda da vantagem esperada (Cfr. BAPTISTA MACHADO, que inclui este tipo de dano nos danos negativos in Resolução por incumprimento, Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro, pág. 395, nota 60). Note-se, ainda, que é possível a indemnização de danos decorrentes de um “mau cumprimento” ao abrigo da responsabilidade pré - contratual, sempre que, o contrato seja válido e eficaz, mas com um âmbito que prejudica uma das partes e o dano seja imputável à violação dos deveres inerentes à fase prévia ao acordo (este tipo de danos não se incluem na categoria dos danos negativos, como é evidente, dado que o contrato foi válida e eficazmente celebrado)– cfr. o acórdão de 29 de Janeiro de 1973, anotado por ANTUNES VARELA na Revista de Legislação e Jurisprudência, onde o comprador de um imóvel o adquiriu na convicção, criada pelo vendedor, de que o mesmo poderia ser afecto ao comércio ou ao exercício de profissões liberais, e tal não era verdade. O dano, nestes caso, não pode ser o dano decorrente da não celebração do contrato, porque o contrato se celebrou válida e eficazmente.
Pensamos que o dano indemnizável deve ter, e nisto tem toda a razão MENEZES CORDEIRO a medida da lesão sofrida com o acto ilícito e com a expectativa ou confiança que foi violada. Também ANTUNES VARELA aceita esta orientação, quando nos diz:
Tal como na responsabilidade contratual e extracontratual, também na responsabilidade pré - negocial os danos indemnizáveis variam consoante as circunstâncias de cada caso. A indemnização terá sempre como objectivo, quer num quer noutro domínio colocar o lesado na situação patrimonial em que ele se encontraria se não fora o facto ilícito praticado” – Anotação ao Acórdão do STJ de 29-1-73, acima citado.
Porém, esta visão, apenas implica que se determine a indemnização pela dimensão do facto lesivo. Por isso, quando o facto lesivo redunde na não celebração do contrato é este o facto principalmente determinante na conformação do dano. Nestes casos, em que o contrato não chega a ser celebrado (ou não é válido, ou não é eficaz) o lesado continua a poder celebrar outros contratos, com a sua capacidade negocial apta a obter o lucro que obteria com a celebração do negócio frustrado. A detenção da capacidade de obter o lucro (noutros negócios) é que determina, em termos de razoabilidade e justiça, que - em regra - o dano negativo não compreenda o “lucro esperado” naquele contrato. Na verdade na esfera jurídica do lesado com a não celebração do contrato e sem a afectação dos meios necessários ao seu cumprimento, permaneceu a capacidade de ganho inalterada, sem ter corrido quaisquer riscos.
O legislador, ao regular o contrato de compra e venda, toma clara posição por esta dimensão do dano quando nos diz que:
Em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada” - art. 908º C.C.
Se um dos contraentes houver procedido de boa fé e o outro dolosamente, o primeiro tem direito a ser indemnizado, nos termos gerais, de todos os prejuízos que não teria sofrido se o contrato fosse válido desde o começo, ou não houvesse sido celebrado, conforme venha ou não a ser sanada a nulidade” - art. 898º do C. Civil.
Há, porém, situações em que o legislador perante a não convalidação da invalidade impõe um regime mais gravoso, permitindo ao lesado a opção pelo tipo de lucros cessantes que pretende ver ressarcidos – cfr. art. 910º, 2 do C. civil: “... o comprador escolherá entre a indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos lucros cessantes pelo facto de não ser sanada a anulabilidade”. A indemnização deste artigo é cumulada com a prevista no art. 908º e justificação desta acumulação radica “na contumácia do vendedor inadimplente” (ANTUNES VARELA), uma vez que tinha a possibilidade de sanar o vício e salvar o contrato, e não o faz. A mesma razão de rigor no tratamento do contraente que, sem motivo e com possibilidade de salvar o negócio, o não faz, vamos encontrá-la no art. 234º do Dec. Lei 59/99, de 2 de Março – Regime jurídico das empreitadas de obras públicas -. Também aqui se prevê o ressarcimento dos lucros cessantes (positivos), pela rescisão do contrato, mesmo nos casos em que a obra não tenha ainda sido iniciada – cfr. art. 154º (a falta de consignação dos trabalhos é motivo de rescisão).
Daí que seja admissível a tese que imponha a obrigação de indemnizar os lucros cessantes positivos (lucro esperado com a realização do negócio, ou a execução do contrato) apenas quando o motivo gerador da ineficácia, ou da invalidade, seja um motivo transponível, e, apesar disso, a parte inadimplente o não remove. Como refere ANA PRATA (ob. cit. pág. 179 – defendendo, em geral, a regra da ressarcibilidade de todos os danos sem restrição aos negativos):
Nas hipóteses de invalidade ou ineficácia negocial, por seu turno, se há situações em que dada a intransponibilidade do obstáculo à validade ou eficácia, pode dizer-se que o dano que o lesado sofreu é o de ter concluído aquele negócio inválido ou ineficaz, não pode, muitas vezes...
Mesmo para quem defenda, como a autora citada, a desnecessidade da divisão entre danos negativos e positivos, e admita em geral que devem ressarcir-se todos os danos imputados ao facto ilícito, há situações em que, dada a impossibilidade técnica, jurídica ou outra, de tornar válido ou eficaz o contrato, o lesado é colocado na situação anterior à lesão, com a indemnização dos gastos com a realização desse contrato e vantagens perdidas (ou seja, danos emergentes e lucros cessantes, decorrentes da não celebração do contrato, com exclusão dos ganhos decorrentes do cumprimento do mesmo).
É precisamente esta a situação dos autos. A falta de visto do Tribunal de Contas e a impossibilidade de obter tornaram intransponível o obstáculo à eficácia do contrato. A confiança legítima e merecedora de tutela não compreendia assim a possibilidade de realização do contrato, e, portanto de obter o lucro esperado com tal execução. A autora teve, de resto, a possibilidade, como todos os demais, de concorrer a novo concurso público para adjudicação da mesma obra, não perdendo assim essa oportunidade de negócio. Também não existem, neste caso, razões para penalizar o réu, uma vez que mesmo que este quisesse afastar o obstáculo gerador da ineficácia do contrato não o poderia fazer.
No presente caso, a autora não ficou impossibilitada de concorrer a outras obras públicas (concorreu, de resto, à empreitada para a mesma obra), não suportou o risco, cujo lucro esperado era contrapartida, e ficou com disponibilidade para trabalhar durante o prazo da realização do contrato ineficaz. É, portanto, razoável que seja apenas ressarcida com os gastos com a preparação do concurso público e despesas posteriores tendentes à realização do contrato e à preparação da obra.
Assim, o dever de indemnizar, face ao exposto, apenas cobre os danos negativos, isto é, relativamente aos montantes constantes do pedido:
- 60.000$00 – levantamento da proposta – al. r) da matéria de facto;
- preparação do terreno e elaboração da proposta inicial, cujo custo não foi possível apurar – al. s) da matéria de facto;
- 108.638$00 – custo da garantia bancária – al. t) da matéria de facto;
- despesas administrativas, com a preparação do arranque da empreitada, referidas na al. u) da matéria de facto, que não foi possível apurar;
- 457.010$00 - custo do contrato – al. v) da matéria de facto;
- ocupação da empresa absorvida com a preparação do concurso em percentagem que não foi possível apurar – al. x) da matéria de facto.
O réu não tem, por outro lado, o dever de indemnizar o autor do ganho deixado de auferir por não ter realizado as obras – alínea z da matéria de facto.
Deste modo, o recurso do réu deve ser parcialmente provido, a sentença deve ser revogada, no que respeita ao tipo de responsabilidade civil aplicável e à medida do dever de indemnizar, devendo o réu ser condenado a pagar ao autor apenas os danos negativos.
2.2.3. recurso do autor
Da solução encontrada na análise ao recurso do réu decorre a solução para o recurso do autor. Na verdade, assente que os danos indemnizáveis são os resultantes da celebração do contrato ineficaz, o autor deve ser ressarcido por forma a que o seu património fique equivalente ao que se encontraria se não tivesse celebrado o contrato. Deste modo, torna-se evidente que o seu recurso deve ser provido - o autor, no recurso jurisdicional, pedia a alteração da sentença por forma a que os tais danos negativos fossem tomados em conta e, como vimos, deviam ser. Deste modo, pelas razões expostas no ponto anterior, o recurso do autor deve ser provido.
É certo que o montante da indemnização a que tem direito acaba por poder ser inferior ao que lhe fora arbitrado na sentença recorrida. Mas isso nada tem a ver com a procedência do seu recurso jurisdicional, mas sim com o provimento (parcial) do recurso que o réu interpôs dessa mesma sentença, e de ter logrado, nessa parte, a sua revogação.
2.2.4. conclusão
Da articulação do julgamento dos dois recursos resulta, em conclusão, que o autor sucumbiu no recurso do réu, relativamente aos danos positivos (ganho esperado no cumprimento do concurso) e o réu sucumbiu parcialmente no seu próprio recurso, relativamente aos danos negativos (danos decorrentes da não efectivação do contrato).
3. Decisão
Face ao exposto, os juizes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam:
a) conceder provimento ao recurso do recurso do autor, e, assim, considerar que o mesmo tem direito a ser indemnizado pelos danos negativos, isto é, os danos que não teria se não tivesse celebrado o contrato;
b) conceder parcial provimento ao recurso do réu, relativamente à pretendida indemnização por danos positivos, isto é, o ganho que o autor esperava obter com o cumprimento do contrato.
c) revogar a decisão recorrida, em conformidade com o exposto, e condenar o réu a pagar ao autor :
- a quantia de Esc. 60.000$00 - levantamento da proposta;
- a quantia de Esc. 108.638$00 – custo da garantia bancária;
- a quantia de Esc. 457.010$00 - custo do contrato;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, relativamente aos danos referidos, e cujo montante não foi possível apurar, nas alíneas s), u) e x) da matéria de facto.
d) absolver o réu do pedido, relativamente ao ganho de Esc. 22.000.000$00 que esperava obter com o cumprimento do contrato.
Custas por autor e réu, na proporção dos respectivos decaimentos, tomando como base o valor atribuído à acção pelo autor.
Lisboa, 23 de Setembro de 2003.
António São Pedro – Relator – Fernanda Xavier – João Belchior