Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0712/10 |
Data do Acordão: | 11/03/2010 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANTÓNIO CALHAU |
Descritores: | CADUCIDADE DE GARANTIA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO |
Sumário: | A garantia prestada, e não caducada, de harmonia com o disposto no artigo 183.º-A do CPPT, em 1/1/2007, data em que aquele normativo foi revogado pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, só poderá ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado quando no processo que a determinou tenha transitado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida, nos termos do n.º 2 do artigo 183.º do CPPT. |
Nº Convencional: | JSTA000P12306 |
Nº do Documento: | SA2201011030712 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – A representante da Fazenda Pública, não se conformando com o despacho do Mmo. Juiz do TAF do Porto que julgou verificada a caducidade da garantia prestada pela impugnante A…, para suspender o processo de execução fiscal relativo ao imposto a que se reportam os presentes autos, dele vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: 1. Julgou a douta decisão recorrida verificada a caducidade da garantia prestada para pagamento da dívida emergente da liquidação impugnada nos autos; 2. O decidido baseia-se na consideração de que, à data da prolação do despacho, já se encontra decorrido o prazo de três anos referido no art.º 183.º-A do CPPT, determinando, em consequência, o cumprimento do previsto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 53.º da LGT e o imediato conhecimento do despacho ao Serviço de Finanças de Matosinhos 1; 3. O assim sentenciado fez errada interpretação do direito porquanto o art.º 183.º-A do CPPT já não se encontra em vigor por ter sido revogado pelo art.º 94.º da Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro (que aprovou o Orçamento de Estado para 2008), o que acarreta como consequência lógica o facto de deixarem de caducar as garantias prestadas cujo prazo não se completou no período da respectiva vigência, como é o caso; 4. Não tendo sido preenchidos os requisitos de que dependia a verificação da caducidade da garantia antes da revogação da disposição legal que a previa, não podia julgar-se, como foi, verificada a caducidade da garantia prestada (neste sentido aponta o ac. STA de 31/01/08, processo 021/08); 5. Deve ser revogado o douto despacho sob recurso, mantendo-se válida a garantia prestada no processo de execução fiscal tendente à sua suspensão até à decisão a proferir na presente impugnação; 6. A douta sentença recorrida violou as disposições legais supracitadas. Não foram apresentadas contra-alegações. O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – É do seguinte teor o despacho recorrido: «Fls. 34 a 36: Veio a impugnante A…, em conformidade com o preceituado no artigo 183.º-A do CPPT, requerer a declaração da caducidade da garantia bancária prestada para suspender o processo de execução fiscal relativo ao imposto a que se reportam os presentes autos. Nos termos do artigo 183.º-A, n.º 4 do CPPT, a competência para a verificação da caducidade da garantia prestada cabe ao tribunal tributário de 1.ª instância onde estiver pendente a impugnação judicial. O citado preceito estabelece no seu n.º 1 que “A garantia prestada para suspender a execução em caso de … impugnação judicial … caduca se … na impugnação judicial … não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação” e, no seu n.º 2, que “Os prazos referidos no número anterior são acrescidos em seis meses quando houver recurso a prova pericial”, sendo que o n.º 3 do mesmo preceito mais determina que “O regime do n.º 1 não se aplica quando o atraso resulta de motivo imputável … ao impugnante …”. Ora, compulsados os autos, verifico que a presente impugnação judicial foi apresentada no Serviço de Finanças de Matosinhos 1 em 30 de Agosto de 2004, conforme carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls. 2 dos autos, não tendo sido requerida a realização de prova pericial. Assim, nesta data, já se encontra decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 183.º-A, n.ºs 1, parte final, e 2 do CPPT, sendo que o atraso na prolação da respectiva decisão não resulta de motivo imputável à impugnante. Nestes termos, julgo verificada a caducidade da garantia prestada para pagamento da dívida emergente da liquidação impugnada nos presentes autos, com as legais consequências previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 53.º da LGT ex vi do n.º 6 do artigo 183.º-A do CPPT. Notifique. Dê, de imediato, conhecimento, remetendo cópia do presente despacho, ao Serviço de Finanças de Matosinhos 1. * (…)». III – Vem o presente recurso interposto do despacho do Mmo. Juiz do TAF do Porto que julgou verificada a caducidade da garantia prestada para pagamento da dívida emergente da liquidação impugnada nos presentes autos, com as legais consequências previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 53.º da LGT, ex vi do n.º 6 do artigo 183.º-A do CPPT, com o fundamento de que, tendo a presente impugnação judicial sido apresentada no Serviço de Finanças de Matosinhos 1 em 30 de Agosto de 2004, já havia decorrido o prazo de três anos previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 183.º-A do CPPT, sendo que o atraso na prolação da respectiva decisão não resulta de motivo imputável à impugnante. Contra tal entendimento se insurge a recorrente, alegando que o assim sentenciado fez errada interpretação do direito porquanto o artigo 183.º-A do CPPT já não se encontra em vigor, por ter sido revogado pelo artigo 94.º da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o que acarreta, como consequência lógica, o facto de deixarem de caducar as garantias prestadas cujo prazo não se completou no período da respectiva vigência, como é o caso. A questão que constitui o objecto do presente recurso é, assim, a de saber se o artigo 183.º-A do CPPT é aplicável, ou não, às garantias prestadas e ainda não caducadas no início da vigência da norma revogatória constante do artigo 94.º da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro. Vejamos. Com efeito, dispunha o n.º 1 do artigo 183.º-A do CPPT que a garantia prestada para suspender a execução em caso de impugnação judicial caducava se nesta não tivesse sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de três anos a contar da sua apresentação. Com a revogação deste artigo, operada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, deixaram de caducar as garantias prestadas em que não se tivesse completado o prazo necessário para ocorrer a caducidade, passando a aplicar-se às mesmas o disposto no n.º 2 do artigo 183.º do CPPT, que estabelece que as garantias poderão ser levantadas logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida. Como diz Jorge de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, volume II, a fls. 248, está-se perante uma situação jurídica em curso de constituição, pelo que, se no momento da entrada em vigor da lei nova não ocorreu ainda a caducidade, os requisitos para a sua ocorrência são regulados pela lei nova (neste sentido, relativamente à generalidade das situações em curso de constituição, pode ver-se Baptista Machado, in Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, páginas 150-152). Só relativamente às situações em que os requisitos para ocorrer a caducidade se preencheram antes da revogação deste artigo, continua a ser possível declarar a caducidade, uma vez que se trata de uma situação jurídica constituída à sombra da lei antiga. Neste sentido se vem pronunciando de forma pacífica a jurisprudência deste STA, como se pode ver nos acórdãos de 7/5/08, de 25/6/08, de 22/4/09 e de 9/6/10, proferidos nos recursos n.ºs 787/07, 317/08, 138/09 e 345/10, respectivamente. De acordo com a aplicação desta jurisprudência ao caso em análise, se conclui, pois, que, contrariamente ao decidido, não se verificou a caducidade da garantia, porquanto, em 1/1/07, ainda não tinha decorrido o prazo de três anos para julgamento em 1.ª instância da impugnação judicial apresentada em 30/08/2004. Na verdade, não tem fundamento legal algum o requerimento apresentado pela ora recorrida a solicitar a declaração de caducidade da garantia prestada no âmbito da impugnação judicial instaurada em 30/8/2004. Com efeito, em face da revogação do citado artigo 183.º-A do CPPT, a partir de 1/1/2007, passou a reger em tal matéria apenas o n.º 2 do artigo 183.º do CPPT, segundo o qual a garantia só poderá ser levantada quando no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida. E assim, como em 1 de Janeiro de 2007 não havia ainda caducado a garantia prestada, por não terem decorrido até então três anos desde a data de apresentação da respectiva impugnação judicial, o pedido de declaração de caducidade formulado pela ora recorrida só podia ser indeferido por falta de apoio legal. Razão por que o despacho recorrido que assim não entendeu se não possa, por isso, manter. IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se, assim, a decisão recorrida, e indeferir o pedido de declaração de caducidade formulado pela ora recorrida, por falta de apoio legal, mantendo-se válida a garantia prestada. Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC. Lisboa, 3 de Novembro de 2010. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale. |