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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01615/14.5BESNT
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REGIME EXCEPCIONAL
REGULARIZAÇÃO DA DÍVIDA
IRS
PAGAMENTO POR CONTA
Sumário:I - O dec.lei 151-A/2013, de 31/10, veio instituir um regime excepcional de regularização de dívidas de natureza fiscal (RERD) e à segurança social cujo prazo de legal de cobrança tenha o termo final até 31 de Agosto de 2013 (cfr.artº.1, nº.1, do diploma).
II - Sendo esta a intenção primordial do legislador – o de arrecadação de receita – não se compreenderia que excluísse da previsão do mesmo diploma legal as situações de pagamento por conta do imposto devido a final, como as previstas em sede de I.R.S. (cfr.artº.102, do C.I.R.S.). E recorde-se que os pagamentos por conta do imposto devido a final consubstanciam entregas pecuniárias antecipadas que são efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário (cfr.artº.33, da L.G.T.). Revestem a natureza de prestações adiantadas do tributo devido a final, assim produzindo os seus efeitos se couberem dentro da concreta dívida de imposto a determinar no momento da liquidação. Mais se dirá que pelo facto de as entregas por conta do imposto serem exigidas num momento de formação do facto tributário, não podem deixar de possuir a natureza de imposto. A natureza tributária desta imposição pode vislumbrar-se, igualmente, no facto de o incumprimento da obrigação dos pagamentos por conta consubstanciar uma contra-ordenação fiscal.
III - Enquanto elemento sistemático de interpretação, deve recordar-se que na infracção prevista no artº.114, nº.5, al.f), do R.G.I.T., o legislador equipara a falta de pagamento por conta a "falta de pagamento da prestação tributária".
IV - Deve o aplicador da lei considerar que as situações de pagamento por conta estão abarcadas, nomeadamente, na previsão do citado artº.3, nº.4, do RERD, quando o legislador menciona o "incumprimento de obrigações tributárias de pagamento" e "que o pagamento do imposto que originou a infração ocorra até 20 de dezembro de 2013" (igualmente levando em consideração o princípio de hermenêutica jurídica "ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus").
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27222
Nº do Documento:SA22021021701615/14
Data de Entrada:01/11/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra que julgou procedente a presente oposição, intentada pelo ora recorrido, A……….., e visando a execução fiscal nº.1554-2014/105930.0, a qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Oeiras, sendo instaurada para a cobrança de dívidas provenientes de coimas fiscais, no montante global de € 15.432,78.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.172 a 174 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida, e em consequência, declarou extinto o processo de execução fiscal n.º 1554201401059300;
B-O artigo 4.º, n.º 2 do DL n.º 151-A/2013 reporta-se a coimas associadas ao incumprimento do dever de pagamento de imposto e, o que está em causa nos presentes autos, não é o pagamento de um imposto, mas sim um pagamento por conta do imposto devido a final, em que a obrigatoriedade dos pagamentos por conta não está dependente da existência de um imposto a pagar no final;
C-Atente-se que pela falta de entrega de pagamento por conta ocorre uma omissão de um comportamento, por via da inexistência de um pagamento temporalmente estipulado na lei, sendo esta actuação que o legislador visa censurar com esta disposição legal do RGIT e não a efectiva entrega da prestação tributária a final;
D-A falta de entrega de pagamento por conta não está associada ao conceito de falta de entrega de prestação tributária porquanto a obrigatoriedade da realização dos pagamentos por conta não está dependente da existência do imposto a pagar a final nesse ano;
E-Por todo o descrito e ressalvando sempre o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, relativamente à questão controvertida;
F-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
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O opoente e ora recorrido produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.177 a 181-verso do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-O âmbito do presente recurso - tal como recortado pelas alegações da Fazenda Pública - delimita-se em torno questão decidenda de saber se o regime excecional de regularização de dívidas tributárias aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, é (como entende o recorrido), ou não (conforme defende a Fazenda Pública), aplicável às coimas devidas pela falta de realização de pagamentos por conta sempre que o pagamento do imposto devido a final tenha sido realizado no âmbito do RERD;
B-Ora, conforme se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 151- A/2013, de 31 de outubro, através do RERD, o legislador pretendeu conferir «aos contribuintes uma derradeira oportunidade de regularizar a sua situação tributária e contributiva, e que permita recuperar uma parte significativa das dívidas de natureza fiscal e à segurança social»;
C-Foi, pois, neste contexto, que, depois de estabelecer os benefícios decorrentes da regularização integral ou parcial do capital em dívida, o legislador estipulou diversos benefícios aplicáveis às coimas associadas às obrigações tributárias total ou parcialmente regularizadas, estabelecendo, no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, que «às infrações praticadas até 31 de agosto de 2013, respeitantes ao incumprimento de obrigações tributárias de pagamento, é aplicada uma coima correspondente a 10% do montante mínimo legal, desde que o pagamento do imposto que originou a infração ocorra até 20 de dezembro de 2013, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar»;
D-Por conseguinte, ao utilizar a expressão «obrigações tributárias de pagamento» o legislador terá pretendido abranger o conjunto de obrigações relacionadas com o cumprimento (regularização) da obrigação tributária em falta, incluindo, nomeadamente, a obrigação de antecipação do seu pagamento, como sucede com os pagamentos por conta em sede de IRS;
E-De resto, compreende-se que assim seja, na medida em que a infração decorrente da não realização de pagamentos por conta em sede de IRS só se verificará no caso de os pagamentos por conta omitidos serem devidos, o que sucederá somente se existir imposto a pagar a final (cf. artigo 114.º do RGIT e 102.º, n.º 4, do Código do IRS);
F-Com efeito, como é sabido, o pagamento por conta de IRS consubstancia - como o próprio nome indica - uma antecipação do cumprimento da obrigação principal de pagamento do imposto que vier a ser apurada a posteriori: neste preciso sentido, o artigo 33.º da LGT prescreve que «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por conta do imposto devido a final»;
G-De resto, no caso específico do IRS, é unânime que o pagamento por conta tem por único e exclusivo propósito o de antecipar o pagamento do imposto que vier a ser apurado no final do ano, de tal forma que o sujeito passivo de IRS pode cessar a realização dos pagamentos por conta caso deixe de auferir rendimentos da categoria B, ou caso verifique que as retenções na fonte já sofridas e os pagamentos por conta eventualmente já realizados são iguais ou superiores ao imposto que será devido a final (cf. artigo 102.º, n.º 4, do Código do IRS);
H-Consequentemente, tendo em consideração que o recorrido regularizou, ao abrigo do RERD, o imposto que originou a infração sancionada com a coima em apreço (já que, como se indicou, se não fosse devido o imposto pago a final, o recorrido não se encontraria obrigado a realizar o pagamento por conta em falta), impor-se-á concluir, em conformidade com a sentença recorrida, que tal coima beneficia do regime prescrito pelo n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, sendo a presente execução, por essa razão, ilegal;
I-Em sentido totalmente convergente pronunciou-se o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, sufragando que «O regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal e de dívidas à segurança social, instituído pelo Dec. Lei nº 151-A/2013, de 31 de Outubro, é aplicável ao pagamento de coima fixada em processo de contraordenação instaurado por incumprimento do dever de pagamento por conta se o imposto foi pago antes da entrada em vigor do referido diploma, como resulta do n.º 2 do seu artigo 4.º» (cf. acórdão datado de 04/02/2016, proferido no processo n.º 09222/15, disponível em www.dgsi.pt);
J-Em face do que fica exposto, impõe-se concluir, portanto, que os argumentos avançados pela Fazenda Pública em sede de recurso deverão ser considerados improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida e, em consequência, a extinção do processo de execução fiscal n.º 1554201401059300 nos termos previstos no artigo 176.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPPT.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.211 a 213), no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso.
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.156 e 157 do processo físico):
A-O Oponente, A……….., não efectuou pagamentos por conta de IRS, referente ao ano de 2012, no valor de € 99.586,80 (facto não controvertido);
B-Em 27.06.2013, o Oponente apresentou, em conjunto com a sua mulher, a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2012 (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial (p.i.), a fls. 74 a 82 dos autos);
C-Em 24.07.2013, foi emitida, em nome do Oponente e mulher, a liquidação de IRS n.º 2013 500523716, referente ao ano de 2012, com imposto apurado no montante de € 125.999,25, acrescido de juros compensatórios, no montante de € 2.660,13 (cfr. doc. 3 junto com a p.i., a fls. 83 dos autos);
D-Notificado da liquidação referida na alínea antecedente, o Oponente solicitou o pagamento da dívida em prestações, que foi indeferido, por despacho do Director- Geral da Administração Tributária e Aduaneira (AT), sendo notificado para efectuar o pagamento da obrigação tributária até 31.08.2013 (cfr. doc. 4 junto aos autos com a p.i., a fls. 84 dos autos);
E-Por ofício datado de 19.11.2013, o Oponente foi notificado da decisão de aplicação de coima, no valor de € 15.356,28, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 36542013016033962, instaurado pelo Serviço de Finanças de Oeiras - 2, por falta de pagamento por conta do imposto devido a final, em violação do art. 102.º do CIRS, punida pelo art. 114.º, n.º 2 e 5, f) do RGIT (cfr. doc. 5 junto aos autos com a p.i., a fls. 88 dos autos, que se dá por reproduzido);
F-Em 18.12.2013 (rectificação de erro de escrita, quanto à data - artº.249, do C.Civil)., o Oponente efectuou o pagamento da dívida referida na alínea C) supra, no valor de € 125.999,25, ao abrigo do regime excepcional de regularização de dívidas tributárias (RERD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro (rectificação de erro de escrita, quanto à data - artº.249, do C.Civil) (cfr. docs. 6 e 7 juntos com a p.i., a fls. 86 e 87 dos autos);
G-Depois de efectuar diligências, através do portal das finanças, para obter as guias para pagamento por conta com redução e não estando as mesmas disponíveis, por e-mail datado de 27.12.2013, o Oponente solicitou à AT a emissão de documento de cobrança para proceder ao pagamento da coima fixada no processo de contra-ordenação, referido na alínea E) supra, por 10% do valor aplicado, nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 1, b) do DL n.º 151-A/2013 (cfr. doc. 8 junto com a p.i., a fls. 89 a 90 dos autos);
H-Em 16.01.2014, o Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras - 2 informou o Oponente que:
“(...) quanto à mencionada coima (...) por falta de pagamento por conta de IRS de 2012, por não se verificar enquadramento para efeitos de redução/benefício no mencionado RERD em virtude dos pagamentos em causa nunca terem sido pagos (o que alegadamente foi pago terá sido o IRS devido a final - cf. liquidação identificada), a aplicação informática em 18/12/2013 não permitir o correspondente pagamento com redução e, dos esclarecimentos prestados pela Direção dos Serviços de Justiça Tributária da AT (em 13/12/2013) quanto a referido diploma não se referirem expressamente às infracções relacionadas com a falta de pagamentos por conta (ao esclarecer o que é abrangido pelo regime, omitindo os pagamentos por conta, parece excluí-los dos benefícios), este serviço de finanças pediu esclarecimento superior quanto à matéria em questão, em 23/12/2013, não tendo ainda obtido resposta. Face ao informado terá de se concluir que o identificado processo de contraordenação teve a sua evolução/tramitação normal e regular até à sua extinção em 19/12/2013, sem qualquer influência ou aplicabilidade de benefícios nos termos do referido DL. 151-A/2013, de 31 de Outubro (...).” (cfr. doc. 8 junto com a p.i.);
I-Em 20.02.2014, foi instaurado em nome do Oponente, no Serviço de Finanças de Oeiras - 1, o processo de execução fiscal n.º 1554-2014/105930.0 para cobrança coerciva de dívida proveniente de coimas fiscais, do ano de 2014, no valor de € 15.432,78 (cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso);
J-Através do ofício datado de 03.03.2014, a AT remeteu ao Oponente citação postal, no âmbito do PEF referido na alínea antecedente, para que, no prazo de 30 dias a contar da citação, procedesse ao pagamento de coima e encargos do processo de contra-ordenação, no valor total de € 15.556,34 (cfr. citação postal junta como doc. 1 com a p.i., a fls. 73 dos autos);
K-Em 12.03.2014, o Oponente pagou, no âmbito do PEF referido na alínea antecedente, o valor de € 1.666,28, correspondente a 10% do valor da coima em execução, acrescido de custas do processo de execução (cfr. doc. 9 junto com a p.i., a fls. 93 dos autos);
L-Em 16.04.2014, o Oponente apresentou garantia bancária destinada a suspender a execução fiscal referida na alínea I) supra (cfr. fls. 14 a 16 do PEF apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não se provaram outros factos que importe registar como não provados…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, juntos aos autos e ao PEF apenso, não impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar a presente oposição procedente e, em consequência, declarou extinto o processo de execução fiscal nº.1554-2014/105930.0 instaurado contra o opoente e identificado na al.I) do probatório supra.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que o artº.4, nº.2, do dec.lei 151-A/2013, de 31/10, reporta-se a coimas associadas ao incumprimento do dever de pagamento de imposto e, pelo contrário, o que está em causa nos presentes autos não é o pagamento de um imposto, mas sim o pagamento por conta do imposto devido a final. Que a falta de entrega de pagamento por conta não é equivalente à falta de entrega de prestação tributária, porquanto, a obrigatoriedade da realização dos pagamentos por conta não está dependente da existência do imposto a pagar no final do mesmo ano. Que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente (cfr.conclusões A) a F) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O citado dec.lei 151-A/2013, de 31/10, veio instituir um regime excepcional de regularização de dívidas de natureza fiscal (RERD) e à segurança social cujo prazo de legal de cobrança tenha o termo final até 31 de Agosto de 2013 (cfr.artº.1, nº.1, do diploma).
Os artºs.3 e 4, do dec.lei 151-A/2013, de 31/10, têm a seguinte epígrafe e conteúdo:
Artº.3
(Infrações tributárias e redução de coimas)
1 - A atenuação a que se refere o n.º 2 do artigo anterior corresponde a uma redução da coima, consoante os casos, para:
a) 10% do mínimo da coima prevista no tipo legal, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar;
b) 10% do montante da coima aplicada, no caso de coimas pagas no processo de execução fiscal, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar.
2 - O pagamento da coima nos termos do número anterior determina a dispensa do pagamento dos encargos do processo de contraordenação ou de execução fiscal.
3 - Às infrações praticadas até 31 de agosto de 2013, respeitantes ao incumprimento de obrigações tributárias acessórias que deem origem a liquidação de imposto ou de contribuições para a segurança social, regularizado nos termos do presente regime, é aplicada uma coima correspondente a 10% do montante mínimo legal, desde que regularizadas até 15 de novembro de 2013, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar.
4 - Às infrações praticadas até 31 de agosto de 2013, respeitantes ao incumprimento de obrigações tributárias de pagamento, é aplicada uma coima correspondente a 10% do montante mínimo legal, desde que o pagamento do imposto que originou a infração ocorra até 20 de dezembro de 2013, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar.
(…)
Artº.4
(Dívidas de juros, custas e coimas)
1 - A subsistência, a 20 de dezembro de 2013, de qualquer processo de execução fiscal, ou de qualquer outra dívida de natureza fiscal ou à segurança social, que vise apenas a cobrança de juros e custas, encontrando -se regularizada a dívida associada, determinará a extinção da execução ou da dívida, sem demais formalidades.
2 - As coimas não aplicadas ou não pagas, associadas ao incumprimento do dever de pagamento de imposto cuja regularização ocorreu antes da entrada em vigor do presente decreto-lei, são reduzidas, consoante o caso:
a) 10% do mínimo da coima prevista no tipo legal, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar;
b) 10% do montante da coima aplicada, no caso de coimas pagas no processo de execução fiscal, não podendo resultar um valor inferior a 10,00 EUR, caso em que será este o montante a pagar.
3 - Para beneficiar da redução prevista no número anterior, o contribuinte deve proceder ao respetivo pagamento até 20 de dezembro de 2013 ou, até à mesma data, identificar o processo de contraordenação onde está a ser aplicada a coima.

A "ratio legis" (cfr.artº.9, nº.1, do C.Civil) do dec.lei 151-A/2013, de 31/10 (RERD), é exposta no preâmbulo do diploma em análise. Depois de assinalar os objectivos de intensificar e reforçar medidas de combate à fraude e evasão fiscal, antes da implementação de tais medidas, o legislador propõe-se a uma intervenção extraordinária e rigorosa do Governo que confira aos contribuintes uma derradeira oportunidade de regularizar a sua situação tributária e contributiva, permitindo recuperar uma parte significativa das dívidas de natureza fiscal e à segurança social. Tal regime veio, por um lado, permitir ao Estado arrecadar mais receita fiscal, e, por outro, possibilitar aos contribuintes a regularização das suas dívidas em condições mais vantajosas, desonerando-os, perante a Administração Tributária, pelo pagamento do valor do imposto em falta.
Sendo esta a intenção primordial do legislador – o de arrecadação de receita – não se compreenderia que excluísse da previsão do mesmo diploma legal as situações de pagamento por conta do imposto devido a final, como as previstas em sede de I.R.S. (cfr.artº.102, do C.I.R.S.). E recorde-se que os pagamentos por conta do imposto devido a final consubstanciam entregas pecuniárias antecipadas que são efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário (cfr.artº.33, da L.G.T.). Revestem a natureza de prestações adiantadas do tributo devido a final, assim produzindo os seus efeitos se couberem dentro da concreta dívida de imposto a determinar no momento da liquidação. Mais se dirá que pelo facto de as entregas por conta do imposto serem exigidas num momento de formação do facto tributário, não podem deixar de possuir a natureza de imposto. A natureza tributária desta imposição pode vislumbrar-se, igualmente, no facto de o incumprimento da obrigação dos pagamentos por conta consubstanciar uma contra-ordenação fiscal (cfr.artº.114, nº.5, al.f), do R.G.I.T.; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.166 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.290; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/04/2003, rec.1943/02; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/10/2019, rec.329/18.1BELLE; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9222/15).
Por outro lado, enquanto elemento sistemático de interpretação, deve recordar-se que na infracção prevista no citado artº.114, nº.5, al.f), do R.G.I.T., o legislador equipara a falta de pagamento por conta a "falta de pagamento da prestação tributária".
Nessa medida, existe, portanto, para o efeito em causa, ao contrário do que defende a entidade recorrente, uma correlação indissociável entre as duas figuras - a do pagamento por conta e a do respectivo imposto que é devido a final - não se vislumbrando, por isso, razão para afastar do âmbito de aplicação do RERD a coima associada à falta de pagamento de prestação tributária, a título de pagamento por conta.
Com estes pressupostos, deve o aplicador da lei considerar que as situações de pagamento por conta estão abarcadas, nomeadamente, na previsão do citado artº.3, nº.4, do RERD, quando o legislador menciona o "incumprimento de obrigações tributárias de pagamento" e "que o pagamento do imposto que originou a infração ocorra até 20 de dezembro de 2013" (igualmente levando em consideração o princípio de hermenêutica jurídica "ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus").
"In casu", tendo a dívida que deu origem à infracção contra-ordenacional sido regularizada em 18/12/2013 (cfr.al.f) do probatório supra), a coima aplicada beneficia da redução a 10% do montante aplicado, nos termos do mencionado artº.3, nº.4, do RERD, mais levando em consideração que a mesma infracção se considera praticada em 20/12/2012 (cfr.al.e) do probatório supra; teor do documento junto a fls.85 do processo físico), igualmente levando em atenção que o ora recorrido solicitou à A. Fiscal a emissão de documento de cobrança para proceder ao pagamento da coima fixada no processo de contra-ordenação, também em Dezembro de 2013 (cfr.al.g) do probatório supra).
Concluindo, a sentença do Tribunal "a quo" não padece do vício que lhe é assacado pelo recorrente.
Face à motivação supra expendida, impõe-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso – (relator) - Paulo José Rodrigues Antunes - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.