Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0467/14
Data do Acordão:07/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:TABELA DO IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
Sumário:I – Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro por não ter carácter interpretativo não regula situações jurídicas que antecedem a sua entrada em vigor.
II – No ano de 2012 um terreno para construção não pode ser tributado em sede de Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA000P17745
Nº do Documento:SA2201407020467
Data de Entrada:04/15/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé
. 31 de Janeiro de 2014


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferido no âmbito do Processo de Impugnação n.° 6/13.0BELLE, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

a) A questão decidenda é a interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, em articulação com o art.º 6.º n.º 1 al. f) i) dessa mesma Lei;

b) Com a alteração introduzida pela citada Lei, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00 (vide verba n.º 28 da TGIS);

c) No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. art.º 67.º n.º 2 do CIS redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012);

d) O art.º 2.º n.º 1 do CIMI define o conceito de prédio e o art.º 6.º n.º 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção;

e) A noção de afectação do prédio urbano está subjacente à avaliação dos imóveis, corresponde ao valor incorporado ao imóvel em função da utilização a que está afecto, constituindo um facto de distinção determinante para efeitos de avaliação (coeficiente), porquanto;

f) Na avaliação dos terrenos para construção, o legislador optou pela aplicação da metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes previstos no art.º 38.º do CIMI, nomeadamente, o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º desse código;

g) E tal resulta da imposição legal prevista no n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno para construção (Vide Ac. do TCA do Sul, 2012/02/14, proc. 04950/11 e Ac. do STA, 2010/02/10, proc. 01191/09);

h) Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS não pode ser “desprezada”, já que;

i) Na aplicação daquele coeficiente deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos (cfr. art.º 6.º n.º 2 do CIMI), norma que estabelece como critérios a eleger, com base nessa classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento dos edifícios ou construções ou, na falta de licenciamento, o destino normal dos imóveis;

j) O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está previsto no art.º 45.º do CIMI e o seu modelo é semelhante ao dos edifícios construídos, embora tenha como suporte o edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto;

k) O valor do terreno para construção corresponde a uma expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor;

l) É essa expectativa consubstanciada na produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel passa a poder ser qualificado como terreno para construção;

m) O legislador, na avaliação dos terrenos para construção, separa 2 partes do terreno:

n) a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, cuja área de implantação se situa dentro do perímetro previsto de fixação do edifício a construir no solo. A determinação do valor dessa parte do terreno resulta da avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído, utilizando-se para tal o projecto de construção aprovado. Efectuada essa determinação do valor, reduz-se o valor apurado a uma percentagem entre 15% e 45% (cfr. art.º 45.º n.º 2 do CIMI) devido ao prédio ainda não estar concluído;

o) e a parte do terreno adjacente à área de implantação, o valor desta parte do terreno é apurado da mesma forma que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano, levando em consideração o disposto no art.º 40.º n.º 4 do CIMI;

p) Daqui ser forçoso concluir que, a utilização do coeficiente de afectação na determinação do VPT dos terrenos para construção deriva da lei, quando estabelece que o valor da área da implantação é determinado em função do valor das edificações autorizadas ou previstas, resultando tal da aplicação do sistema geral de avaliações de prédios urbanos ao projecto de construção em causa, na avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção;

q) Além disso, a indicação da afectação habitacional dos terrenos para construção decorre da iniciativa do contribuinte, nos termos do art.º 37.º do CIMI, ou decorre da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal;

r) O entendimento da AT é que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que,

s) O legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art.º 6.º n.º 1 al. a) do CIMI;

t) Por outro lado, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização espacial do território municipal;

u) Logo, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação;

v) Embora, a douta sentença tenha acompanhado de perto a fundamentação constante da decisão do CAAD de 02/10/2013, proc. 53/2013-T, que decidiu que um “prédio com afectação habitacional” não poderá ser apenas um prédio licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um “prédio habitacional”), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim”, consideramos que,

w) Salvo melhor opinião, tal entendimento não resulta nem do pensamento legislativo nem tem o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei aqui em causa;

x) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que um terreno para construção não implica uma afectação habitacional subsumível à verba n.º 28 da TGIS, violando, assim, o disposto nos art.ºs 41.º, 45.º, 37.º e 38.º todos do CIMI, art.º 9.º n.º 1 do CC e art.º 11.º n.º 1 da LGT.

Requereu que seja revogada a sobredita sentença e mantida a liquidação impugnada.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

1. A………………., SA, é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana de Vila Real de Santo António sob o artigo 8.214 – cfr. fls. 18 dos autos.

2. A Caderneta Predial Urbana do prédio referido em 1., que aqui se dá por integralmente reproduzida, tem, no que ora interessa, o seguinte teor:
“(…)
DESCRIÇÃO DO PRÉDIO
Tipo de Prédio: Terreno para Construção
(…)
DADOS DE AVALIAÇÃO
(…)
Tipo de coeficiente de localização: Habitação
(…)
Ca [Coeficiente de afectação]: 1,00
(…)”
– cfr. fls. 18 dos autos.

3. Em 8 de Novembro de 2012, foi emitida a liquidação de Imposto de Selo n.º 2012.001903629, no valor de € 14.654,42, relativa ao prédio identificado em 1., efectuada ao abrigo do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), ponto i), da Lei n.º 55-A/2012 (acto impugnado) – cfr. fls. 19 dos autos.

4. No dia 11 de Dezembro de 2012, a Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Faro indeferiu a Reclamação Graciosa que A…………………, SA, deduzira contra aquela liquidação – cfr. fls. 22 dos autos.

Questão objecto de recurso:

1- O conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção?

O acto de liquidação impugnado fez aplicação do disposto no artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, que aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo a verba n.º 28, com a seguinte redacção:
“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afectação habitacional — 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residente em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”
A impugnante entende que a Administração Tributária fez uma errada aplicação da lei ao considerar que o prédio urbano correspondente ao lote de terreno para construção, inscrito na matriz predial sob o artigo 008214 da freguesia de Vila Real de Santo António, deve ser tributado em Imposto de selo, pela verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, visto esta verba não compreender os prédios urbanos da espécie “Terreno para Construção Urbana”, por não lhes poder ser imputada uma afectação habitacional.
A sentença recorrida, por partilhar idêntico entendimento anulou o acto de liquidação de Imposto do Selo e condenou a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art.º 43º n.º 1 da Lei Geral Tributária.
Importa pois, definir se um prédio com afectação habitacional engloba um prédio urbano para construção.
A questão foi já diversas vezes apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo que tem vindo a adoptar posição unânime sobre a matéria, tendo em conta quer os trabalhos parlamentares na sequência dos quais veio a ser aprovada a Lei n.º 55-A/2012, quer o texto da lei.
Tal como claramente expresso no ac. nº 0270/14, de 23-04-2014, em que foi Relatora a Sr. Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA, a que se seguiram outros, no mesmo sentido, todos disponíveis em www.dgsi.pt, entendemos que não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
A tal não obsta a circunstância de, posteriormente o legislador vir a consagrar que os terrenos para construção hão-de ser tidos como prédios urbanos com afectação habitacional -Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro). Nesta alteração sem cariz interpretativo, estatuiu-se que, para o futuro, que os terrenos para construção, com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de euros, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
A liquidação impugnada reporta-se ao ano de 2012, pelo que lhe não é aplicável a alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

Improcedem, pois, todos os fundamento do recurso.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).
Lisboa, 2 de Julho de 2014. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.