Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0126/11
Data do Acordão:03/10/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ARRESTO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
REVERSÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário:I - O indeferimento liminar deve ser cautelosamente decretado justificando-se, nomeadamente, em casos em que a continuação do processo constitua manifesto desperdício da actividade judicial, o que não se verifica no caso em que a julgada contradição entre o pedido e a causa de pedir respeita apenas à devedora originária e pode ser interpretado como destinando-se a fundamentar o pedido de arresto relativo aos bens do responsável subsidiário.
II - O arresto de bens do responsável subsidiário pode ter lugar em momento anterior à reversão da execução fiscal (cfr. os artigos 9.º n.º 3 e 136.º n.º 1 do CPPT) desde que seja feita prova, não apenas dos requisitos próprios do arresto previstos no n.º 1 do artigo 136.º do CPPT, mas igualmente de que o responsável reúne as condições de ser chamado à execução por via da reversão, o que implica, a prova da gerência de facto e da (fundada) insuficiência de bens da devedora originária.
Nº Convencional:JSTA00066854
Nº do Documento:SA2201103100126
Data de Entrada:02/14/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2010/12/06 PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC96 ART193 N2 B.
LGT98 ART22 N3 ART23 N2.
CPPTRIB99 ART9 ART136 N1 ART153 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC27073 DE 1999/01/13.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, de 6 de Dezembro de 2010, que, por ineptidão da petição inicial fundada na contradição entre o pedido e a causa de pedir – art. 193º, n.º 2 alínea b) do CPC, indeferiu a providência cautelar de arresto de bens pertencentes a A… e seu administrador, B…, ambos com os sinais dos autos, concluindo as suas alegações de recurso nos termos seguintes:
a) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Exmo. Sr. Juiz do Tribunal “a quo”, que indeferiu liminarmente a providência cautelar de arresto por ineptidão da petição inicial, fundada na contradição entre o pedido e a causa de pedir.
b) Salvo o devido respeito pela opinião sufragada pela decisão ora recorrida, entendemos que o Meritíssimo Juiz fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, porquanto:
c) O arresto de bens pode ser requerido verificando-se mera insuficiência de bens.
d) O requerente inicia o seu pedido, requerendo o arresto dos bens da responsável originária e do responsável subsidiário.
e) O facto de se requer o arresto dos saldos das contas bancárias eventualmente existentes nas entidades bancárias sediadas em território português, não implica qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.
f) Os factos e as alegações que substanciam o pedido, além do mais, destinam-se a fundamentar e demonstrar os pressupostos do arresto, nomeadamente, a diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários.
g) Há pois um nexo lógico entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão. (Ac RC, 06.01.1994, BMJ, 433, p. 630).
h) Não havendo qualquer contradição intrínseca ou substancial insanável entre o pedido e a causa de pedir. (Ac. STJ0707.1988, BMJ, 379, p. 592).
i) Ao decidir como decidiu, o Digníssimo Juiz “a quo” fez uma errada interpretação da lei aplicável e em consequência erro de julgamento.
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás anunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta decisão recorrida, assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Alega a recorrente que o arresto de bens pode ser requerido verificando-se mera insuficiência de bens.
E que o facto de se requerer o arresto dos saldos das contas bancárias eventualmente existentes nas entidades sedeadas em território português, não implica qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Mais alega que os factos e as alegações que substanciam o pedido se destinam a fundamentar e demonstrar os pressupostos do arresto, nomeadamente, a diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários, não havendo qualquer contradição intrínseca ou substancial entre o pedido e a causa de pedir.
Afigura-se-nos que carece de razão.
Nos termos do artº 136º nº1 do Código de Procedimento e de processo tributário são requisitos da providência cautelar de arresto as circunstâncias seguintes:
a) Haver fundado receio de diminuição de garantia de cobrança de créditos fiscais;
b) O imposto estar liquidado ou em processo de liquidação.
Como bem se nota na decisão recorrida a existência de justo receio da perda da garantia patrimonial só faz sentido no entendimento de que ainda sobram bens da requerida e há perigo de dissipação.
Ora no caso subjudice a recorrente alegava na petição inicial que a sociedade responsável originária não era detentora de qualquer património e no pedido solicitava o arresto de quantias, títulos ou direitos depositados em nome da mesma nas entidades bancárias sedeadas em território português.
Trata-se de manifesta contradição lógica determinante de ineptidão da petição inicial.
Como referem José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, no seu Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, pág. 325, «Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada. Compreende-se, por isso, que a lei declare inepta a petição inicial cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir».
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, se justifica o indeferimento liminar da providência cautelar de arresto de bens requerida pela Fazenda Pública por ineptidão da petição inicial fundada na contradição entre o pedido e a causa de pedir.
5 – Apreciando
5.1 Da julgada ineptidão da petição inicial de arresto por contradição entre o pedido e a causa de pedir
A decisão recorrida, a fls. 327 e 328 dos autos, indeferiu o requerido arresto de bens pertencentes a A… e B…, seu administrador e responsável subsidiário por dívidas desta, por se verificar ineptidão da petição fundada na contradição entre o pedido e a causa de pedir – artº 193º, nº2 alínea b), do CPC, fundamentando o decidido nos termos seguintes:
«(…) No requerimento inicial, pede o arresto de bens da executada sociedade e do responsável subsidiário.
Porém, apesar de alegar no artº 12º e 18º da p.i., que a executada não detém qualquer património, Pede o arresto de “quantias, títulos ou direitos depositados nas entidades bancárias sediadas em território português em nome da sociedade supra identificada, até ao montante para garantir os créditos tributários”.
Ora, se alega que a sociedade não tem bens, é incongruente pedir o arresto de bens seus e, no pressuposto da sua insuficiência, de bens do responsável subsidiário.
De resto, sendo pressuposto do arresto, como alega “a existência do justo receio da perda da garantia patrimonial”, tal só faz sentido no entendimento de que, num quadro de dissipação, ainda sobram bens ao requerido (…)» (fim de citação).
No seu parecer junto aos autos e supra transcrito o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal defende o não provimento do recurso, aderindo ao julgado recorrido.
A recorrente alega, contudo, não haver qualquer contradição intrínseca ou substancial insanável entre o pedido e a causa de pedir, porquanto o requerente inicia o seu pedido, requerendo o arresto dos bens da responsável originária e do responsável subsidiário, o arresto de bens pode ser requerido verificando-se mera insuficiência de bens e o facto de se requer o arresto dos saldos das contas bancárias eventualmente existentes nas entidades bancárias sediadas em território português, não implica qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir, pois que os factos e as alegações que substanciam o pedido, além do mais, destinam-se a fundamentar e demonstrar os pressupostos do arresto, nomeadamente, a diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários, alegando, por isso, haver um nexo lógico entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão.
Vejamos.
Se o pedido de arresto requerido ao tribunal recorrido pela Fazenda Pública tivesse apenas por objecto os bens da devedora originária, dúvidas não haveria de que a decisão tomada no sentido da ineptidão da petição inicial se impunha.
De facto, a própria requerente peticiona que consta do relatório elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária, e posteriores diligências, que a sociedade responsável originária não é detentora de qualquer património (cfr. o n.º 12 da petição inicial, reiterado nos seus números 18 e 29, a fls. 5 e 6 dos autos), pelo que, não havendo bens a arrestar, o requerido arresto nada poderia ter objecto.
Sucede, porém, que a providência cautelar de arresto requerida pela Fazenda Pública ao tribunal recorrido não tem apenas por objecto (eventuais) bens da responsável originária – genericamente identificados como “quantias, títulos ou direitos depositados nas entidades bancárias sediadas em território português em nome da sociedade” -, mas também bens especificamente identificados sob os números 2 a 7 de fls. 6 da petição inicial (a fls. 8 dos autos) de B…, este na qualidade de responsável subsidiário (cfr. o respectivo intróito, a fls. 3 dos autos), não se verificando, pois, quanto a este recorrido, a julgada contradição entre pedido e causa de pedir justificante do indeferimento liminar decretado ao abrigo da alínea b) do n.º 2, do artigo 193.º do Código de Processo Civil, pois que se indicam bens sobre os quais poderá ser decretado o arresto.
Ora, atenta a natureza subsidiária da responsabilidade tributária dos administradores e o benefício da excussão de que gozam (cfr. os artigos 22.º n.º 3 e 23.º n.º 2 da LGT e 153.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), a requerente terá sentido necessidade de, desconhecendo embora a existência de bens da devedora originária, requerer previamente o arresto de quantias, títulos ou direitos depositados nas entidades bancárias sediadas em território português que eventualmente se encontrem em nome desta, para assim fundamentar o pedido de arresto de bens do seu administrador e, eventualmente, prevenir uma eventual oposição ao arresto requerido contra os bens do devedor subsidiário fundamentado na existência de uma qualquer quantia, título ou direito depositado em instituição bancária sediada em Portugal.
É que, embora o Código de Procedimento e de Processo Tributário admita o aresto de bens de responsáveis subsidiários antes da reversão contra eles da execução fiscal (cfr. os artigos 9.º n.º 3 e 136.º n.º 1 do CPPT), entende este Supremo Tribunal que tal arresto apenas deve ser decretado quando seja feita prova, não apenas dos requisitos próprios do arresto, mas igualmente de que o responsável reúna as condições de ser chamado à execução por via da reversão (cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Janeiro de 1999, rec. n.º 23.073, in Apêndice ao D.R. de 23/05/2002, pp. 141/146), o que implicará designadamente a demonstração da gerência de facto e da (fundada) insuficiência de bens da devedora originária.
Assim, impõe-se a conclusão de que, ao contrário do decidido, não se justifica o indeferimento liminar do requerido arresto, tanto mais que, como tem reiteradamente afirmado a jurisprudência deste Supremo Tribunal, o indeferimento liminar deve ser cautelosamente decretado justificando-se, nomeadamente, em casos em que a continuação do processo constitua manifesto desperdício da actividade judicial, o que não se verifica no caso em que a julgada contradição entre o pedido e a causa de pedir respeita apenas à devedora originária e mesmo nesse caso pode ser interpretado como destinando-se a fundamentar o pedido de arresto relativo aos bens do responsável subsidiário.
Deste modo, haverá que julgar não verificada a ineptidão da petição inicial de arresto, impondo-se a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que, uma vez fixados os factos relevantes (que ainda o não foram), decida do mérito do arresto requerido, se a tal não obstar outro motivo.
O recurso merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, baixando os autos ao tribunal “a quo” para que prossigam os seus termos, se a tal nada mais obstar.
Sem custas, pois os recorridos não contra-alegaram.
Lisboa, 10 de Março de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - António Calhau - Dulce Neto.