Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0570/15.9BALSB
Data do Acordão:11/19/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:MINISTÉRIO PÚBLICO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE MAGISTRADO
INSPECÇÃO EXTRAORDINÁRIA
PRESCRIÇÃO
PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - A inspecção extraordinária não constitui um «meio de prova» cuja realização seja susceptível de ser pedida ao instrutor no âmbito da defesa em processo disciplinar;
II - O prazo para a instauração de procedimento de inquérito - cujo cumprimento se mostra legalmente necessário para a suspensão do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar - conta-se a partir do conhecimento dos factos pela entidade competente para o mandar instaurar;
III - No âmbito da escolha e determinação da medida da pena disciplinar, não cabe ao poder judicial substituir-se à competente entidade administrativa, caber-lhe-á apenas o controlo externo de legalidade, apreciando casos de erro grosseiro, desvio de poder, erro de facto, falta de fundamentação, e, de um modo geral, de compatibilidade do respectivo juízo condenatório com os direitos, liberdades e garantias e com princípios fundamentais cujo cumprimento se imponha à Administração.
Nº Convencional:JSTA000P26797
Nº do Documento:SA1202011190570/15
Data de Entrada:11/28/2019
Recorrente:A...............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. RELATÓRIO
1. A…………………. - Magistrada do Ministério Público, com a categoria de Procuradora-Adjunta, e devidamente identificada nos autos - intentou neste Supremo Tribunal contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [CSMP], a presente «acção administrativa especial» [AAE], pedindo a anulação do acórdão do respectivo Plenário, de 10.03.2015, que, confirmando o acórdão da Secção Disciplinar, de 27.01.2015, lhe aplicou a sanção disciplinar de 230 dias de suspensão do exercício de funções.

2. O demandado - CSMP - apresentou contestação na qual impugna, fundamentalmente, as ilegalidades imputadas pela autora ao acórdão do seu Plenário.

3. No despacho saneador foram considerados como verificados todos os indispensáveis pressupostos processuais, e, ainda, que os autos já continham todos os elementos que se mostravam necessários ao conhecimento do objecto da acção.

4. Notificada deste despacho saneador a autora arguiu nulidade processual consistente na omissão de prova sobre factos que considera controvertidos e essenciais para aferir da violação do dever de zelo, que lhe foi atribuída no procedimento disciplinar em causa, tendo tal arguição vindo a ser indeferida [despacho de folhas 202 e 203 dos autos].

5. Convidada a fazê-lo, a autora apresentou alegações que culminou assim:

1- O procedimento disciplinar [PD] enferma de nulidade insuprível por omissão de diligências probatórias essenciais requeridas pela defesa [artigos 204º do EMP, e 203º da LTFP], uma vez que por força da garantia de defesa constitucionalmente assegurada pelo nº3 do artigo 269º da Constituição as diligências de prova requeridas pelo arguido apenas podem ser indeferidas se não forem legalmente admissíveis ou não permitirem a prova dos factos a que se destinam [neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2ª edição, página 209; ainda os artigos 46º nº4, 53º nº1, do EDTFP de 2008, bem como artigo 213º, nº4, e 218º, nº1, da LTFP];

2- É a própria entidade demandada a reconhecer que a inspecção extraordinária requerida pela arguida tem por fim avaliar o desempenho e o mérito dos magistrados, o que denota que a prova requerida não era impertinente para prova dos factos alegados em sede de defesa, uma vez que sendo acusada da violação do «dever de zelo» nada melhor do que uma inspecção destinada a apurar o seu mérito para confirmar ou infirmar a violação desse dever;

3- Acresce que, a simples leitura do Estatuto do Ministério Público [EMP] e do Regulamento das Inspecções do Ministério Público [RIMP] comprovam claramente a propriedade da inspecção extraordinária para prover ou infirmar os factos pelos quais a arguida fora acusada, uma vez que tal inspecção se destina a «…obter informações sobre o serviço e o mérito dos procuradores-adjuntos e dos procuradores da República» [artigo 3º, RIMP], pelo que não só o meio de prova requerido em sede de defesa era legalmente permitido como era adequado a provar os factos alegados pela arguida, designadamente que não violara o dever de zelo, razão pela qual a recusa da produção de tal prova viola o disposto na lei [artigos 46º nº4, e 53º nº1 do EDTFP/2008, bem como o 213º nº4, e 218º nº1 da LTFP] e atenta contra o direito constitucional de defesa que é assegurado a todo e qualquer arguido em sede disciplinar [artigo 269º nº3, CRP], determinando a nulidade do PD por «omissão de diligências essenciais», conforme é jurisprudência assente deste próprio Supremo Tribunal [AC STA de 05.05.1983, AC STA de 04.05.1989; AC STA de 30.11.1993; e AC STA de 24.10.02, bem como jurisprudência nele citada];

4- Mais notória se torna essa «nulidade insuprível» quando se sabe que depois de recusar a produção da prova a entidade demandada acaba por punir sem ter a certeza sobre a ocorrência de determinada realidade - como o demonstra o emprego do termo «…não terá sido excessivo...», que denota claramente que não se tem a certeza se o foi o não - e por dar por provados factos exactamente opostos - por exemplo que todas as magistradas tinham um volume de trabalho idêntico - ao que se pretendia provar com a realização da diligência de prova cuja realização foi indeferida;

5- O PD enferma igualmente de nulidade insuprível por a acusação se limitar a formular meras conclusões, desprovidas de qualquer suporte factual - por exemplo «graves ineficiências na gestão do serviço», «...atitude funcional desvaliosa…», «...práticas ineficientes e ineficazes...» - quando a lei, a doutrina e a jurisprudência são inequívocas ao considerar que a garantia constitucional de defesa implica que a acusação mencione as concretas circunstâncias de modo, lugar e tempo em que ocorreu a infracção, e impede que da acusação constem imputações vagas, factos imprecisos ou arguições genéricas [por todos, M. CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 9ª edição, páginas 845 e 846];

6- Ora, uma simples leitura da acusação permite concluir que ela nada mais tem do que «fórmulas passe-partout» desprovidas de qualquer suporte factual - não referindo nem o número dos processos onde se considerava terem ocorrido atrasos nem a data em que os mesmos foram conclusos ou acabaram por ser despachados -, o que, aliás, é reconhecido pela entidade demandada quando na sua contestação vem defender que é nos apensos A e B que essas referências se encontravam;

7- Contudo, não é o arguido que tem de andar à procura de apensos ou anexos para saber os concretos factos de que é acusado e de que se deve defender, antes sendo a acusação que tem de descrever os factos [não meras conclusões] imputados com suficiente precisão para que o arguido deles se aperceba e possa, sem mais, rebater esses mesmos factos, pelo que é adulterar as obrigações emergentes da lei dizer-se que na acusação basta formularem-se conclusões genéricas por os factos que as alicerçam estarem dissimulados em anexos a que se faz referência na acusação, como se fosse o arguido a ter de procurar esses mesmos factos ou a ter de demonstrar a sua inocência;

Por último.

8- O procedimento disciplinar é ainda nulo pela circunstância de se ter punido a arguida com uma pena superior à que constava da acusação - desta constavam a suspensão por 220 dias e foram aplicados 230 dias - sem que previamente se lhe tenha permitido pronunciar-se sobre o agravamento da pena disciplinar, o que mais uma vez traduz uma clara violação do direito de audiência constitucionalmente consagrado [neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 2014, página 589];

Na verdade.

9- Tal como a lei exige que da acusação conste a sanção disciplinar aplicável [213° nº3 da LTFP] para que a arguida sobre ela se possa pronunciar, também qualquer posterior agravamento da medida constante da acusação tem de ser levada a novo e posterior contraditório do arguido, decorrendo esta posterior audição quer do princípio geral do contraditório, quer do direito constitucional de defesa dos interessados;

Acresce que,

10- O «direito de instaurar o procedimento disciplinar já estava prescrito em 08.08.2014», uma vez que a prévia instauração de processo de inquérito só logra suspender o prazo de prescrição para a instauração do processo disciplinar se o processo de inquérito for instaurado nos 30 dias seguintes «...à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis» [artigos 6º, nº5, alínea a), do EDTFP/2008, e 178º, nº4, alínea a), da LTFP];

Ora,

11- Se a Procuradoria-Geral Distrital tinha conhecimento das infracções imputadas à autora em, ao menos, 04.10.2013 - o que veio a ser reforçado em 05.12.2013, data em que foi elaborado o relatório - é inquestionável que em 30.01.2014 já havia decorrido o prazo previsto na lei para que fosse reconhecido à instauração do processo de inquérito o efeito suspensivo do prazo de prescrição do direito de instaurar o PD;

Por outro lado,

12- Foi aplicada uma sanção superior à prevista na lei, uma vez que mesmo à luz das «formulas passe-partout» constantes da acusação é notório que a arguida apenas teria cometido duas condutas ilícitas - atrasos processuais e não comparência a horas a uma sessão de julgamento -, pelo que ao punir a arguida pela prática de três ilícitos «o acto impugnado não só enferma de erro nos pressupostos» - pois só há duas condutas, as quais violam simultaneamente três diferentes deveres, não podendo, portanto, uma conduta que viole dois deveres ser punida como traduzindo a prática de duas infracções - como aplica uma sanção superior à permitida por lei, a qual apenas permite que por cada infracção seja aplicada uma pena de suspensão máxima de 90 dias, o que determina que a autora apenas pudesse ser punida com 180 dias de suspensão;

13- A pena aplicada viola claramente os «princípios do justiça e da proporcionalidade» consagrados nos artigos 185º do EMP, e 20º do ED de 2009, uma vez que sendo a qualidade de um magistrado um factor tão importante como a sua celeridade, é claramente desproporcional que se puna com uma pena de 230 dias, num máximo de 240, quem não viu ser questionada a sua qualidade e apenas viu ser beliscada a sua celeridade, pelo que a pena só não seria desproporcional se e na medida em que atendesse apenas à celeridade e não à qualidade - o que é proibido pelos referidos artigos 185º do EMP e 20º do ED de 2009;

Por outro lado,

14- Aplica-se a pena de suspensão «quase no máximo» da moldura permitida a quem se reconhece que, com sacrifício para a sua vida familiar, passava mais de 9 horas por dia no Tribunal - para onde voltava pelas 19 horas, mesmo depois de ir buscar a sua filha de seis anos -, pelo que também por este prisma se revela a «pena desproporcional», pelo menos para quem admita que os magistrados do Ministério Público também têm direito à família e o dever de educar os seus filhos;

15- Se a isto se acrescentar que da acusação «não consta qualquer concreto e relevante prejuízo para o interesse público» - não havendo sequer referência a um só processo onde o pretenso atraso tenha colocado em causa de forma irreversível qualquer direito dos administrados que recorrem à justiça - e que está provada a existência de «períodos com volumes anormais e excessivos de trabalho», mais notória se apresenta a desproporcionalidade da pena aplicada, a qual atende apenas a um desiderato - a celeridade processual - e esquece todas as demais circunstâncias envolventes, designadamente o excesso de processos e o direito à vida privada dos magistrados do Ministério Público, os quais, «ao entrarem para tal instituição deveriam perder toda a esperança de usufruírem dos direitos dos demais cidadãos» [para aludir a célebre expressão de Dante];

Por fim,

16- O acto punitivo padece do «vício de violação de lei por erro nos pressupostos» seja por a existência de eventuais atrasos processuais - e volta-se a referir que da acusação nem um só concreto processo é indicado - serem fruto de um volume claramente excessivo de trabalho - o que está comprovado - ou da complexidade de alguns processos - e a acusação é omissa nessa matéria, como se todos os processos fossem iguais e de igual complexidade e exigissem o mesmo tempo de dedicação -, pelo que não só não há qualquer violação do «dever de zelo» como a eventual existência de atrasos processuais não é imputável à arguida a título de culpa;

17- Acresce que a violação do «dever de zelo» não se pode dar por provada por mera presunção, pelo que a circunstância de outros magistrados terem despachado mais celeremente os processos que lhe foram confiados não prova que a arguida não seja zelosa, pois para que a violação do dever de zelo pudesse ser dada por provada era necessário que se começasse por indicar os concretos processos em que ocorreram atrasos e se demonstrasse que os processos que as colegas da arguida despacharam atempadamente eram de igual complexidade;

Por fim.

18- Reconhecendo a acusação que a arguida dedica ao seu trabalho mais de 9 horas diárias e devendo-se presumir que os trabalhadores do Ministério Público têm direito à vida privada e igualmente o dever de não abandonarem os seus filhos, naturalmente que só haveria lugar à violação do dever de zelo se se tivesse dado por provado que os magistrados do Ministério Público tinham de trabalhar mais do que 9 horas por dia - e tal não foi feito - ou que com a prestação de trabalho ao longo dessas nove horas um magistrado normalmente diligente teria despachado todos os processos que foram conclusos à arguida - prova essa que também não foi feita;

19- Se a isto se acrescentar que, apesar da distribuição excessiva de volume processual, a arguida ainda conseguiu diminuir o número de processos em atraso e que só em momentos de clara distribuição excessiva de processos é que tal número sofreu aumentos - veja-se que no mês de Maio de 2012 o número de pendências em atraso diminuiu de 45 para 35 [artigos 41.1 e 41.2 da acusação], tendo aumentado para 68 e 207 em Julho e Setembro [artigos 41.3 e 41.4 da acusação] por força do volume excessivo reconhecido nos artigos 95 e seguintes da acusação; em Novembro de 2013 já só havia 20 processos em atraso [artigo 41.5 da acusação], o que significa que, para além de responder atempadamente a todo o trabalho que lhe foi distribuído diariamente, a autora ainda conseguiu pôr em prazo 187 processos que em Setembro estavam atrasados; em Janeiro de 2013, por força do número excessivo de processos que a acusação reconhece serem distribuídos algumas vezes ao longo do ano, as pendências com atraso passaram para 160 [artigo 41.6 da acusação], o que a arguida conseguiu diminuir para 101 logo em Abril [artigo 41.7 da acusação] - naturalmente que a aplicação de uma pena por violação do dever de zelo enferma de claro «erro nos pressupostos de facto» traduzindo uma punição de quem se presume inocente sem que haja prova concreta e suficiente da violação do dever de zelo;

20- Salvo o devido respeito, punir atrasos processuais sem que da acusação constem os processos em que tais atrasos ocorreram, sem que da acusação conste a natureza do processo e a sua complexidade ou simplicidade, sem que da acusação conste o número de horas que um magistrado deve trabalhar ou qual o número mínimo de processos que deve despachar no período em que se considera que está obrigado a trabalhar, é aplicar uma punição que só é possível se não se respeitarem as menores garantias de um Estado de Direito e se se presumir como culpado quem se deve presumir inocente.

Termina pedindo que a sua pretensão seja «julgada procedente» e, em consequência, seja anulada a decisão disciplinar punitiva impugnada, com as legais consequências.

6. Também o demandado - CSMP - correspondeu ao convite para apresentar alegações, das quais retirou as conclusões seguintes:

A) O impugnado acórdão do Plenário do CSMP, de 10.03.2015, que indeferiu a reclamação da autora e confirmou o acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 27.01.2015, que lhe aplicou a pena disciplinar de 230 dias de suspensão de exercício de funções, não enferma de nenhum dos vícios atribuídos;

B) O procedimento disciplinar não enferma da alegada nulidade insuprível [artigo 204º do EMP] por pretensa «omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade» pelo facto de ter sido indeferido o seu requerimento de realização de uma inspecção extraordinária;

C) Pois o procedimento de inspecção extraordinária é um meio excepcional, que só pode ser determinado pelo CSMP ou pelo Procurador-Geral da República [artigos 6º, alínea a), do RIMP, 12º nº2, alínea f), 27º, alínea g), e 35º do EMP] e tem sempre a finalidade específica inscrita na avaliação do desempenho, previamente definida pela entidade que a determina e conformadora do seu objecto;

D) Não se trata, obviamente, de uma diligência de prova em processo disciplinar, pelo que o requerimento da autora não tinha qualquer suporte legal, e o despacho, que o indeferiu, não viola qualquer norma legal ou constitucional, designadamente as normas indicadas pela autora;

E) O PD também não enferma da alegada nulidade por violação das garantias de defesa, pois a acusação contém indicação dos factos que constituem as infracções disciplinares, além das circunstâncias de tempo, lugar e modo da prática das mesmas, e das que integram atenuantes e agravantes, bem como a indicação dos preceitos legais aplicáveis, tal como se exige no artigo 48º, nº3, do EDTFP;

F) Pelo que foram levados ao conhecimento da autora todos os factos que integram ilícitos disciplinares, para deles se poder defender, e tanto assim que resulta claramente da defesa apresentada pela autora, que através da acusação ficou com conhecimento de todos os processos em que se verificou que existiram atrasos constitutivos de infração disciplinar, sendo-lhe, assim, asseguradas todas as garantias de defesa;

G) Não tem qualquer cabimento a alegação de que a acusação não explica como é que devia ter actuado um magistrado normalmente diligente para lhe servir de tertium comparationis, pois é um dado objectivo que o magistrado normalmente diligente é aquele que despacha no prazo fixado por lei os processos de que é titular e que lhe são apresentados;

H) O procedimento disciplinar também não enferma da terceira pretensa nulidade invocada pela autora sob alegação de que foi punida com uma pena disciplinar superior àquela que constava da acusação, sem que previamente lhe tivesse sido permitido pronunciar-se «sobre o agravamento da pena disciplinar», e desde logo porque na verdade não houve agravamento com a aplicação da pena de 230 dias de suspensão de exercício, uma vez que da acusação consta que deverá ser aplicada a «pena unificada de suspensão de exercício por período não inferior a 220 dias»;

I) E também porque a acusação formulada em processo disciplinar de magistrados do Ministério Público rege-se directamente pelo disposto no artigo 197º, nº1, do EMP, que não exige que nela seja indicada a pena aplicável, não havendo lugar à aplicação subsidiária do artigo 48º, nº3, do EDTFP, invocado pela autora;

J) E ainda porque, contrariamente ao por ela alegado, em processo disciplinar não há lugar à audiência dos interessados consagrado à data no artigo 100º do CPA/91, pois em matéria de audiência do arguido em processo disciplinar não se aplicam as normas do CPA, mas sim as normas próprias do processo disciplinar, que asseguram garantias de defesa muito mais reforçadas;

K) Também não procede a invocada prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, pois o dies a quo do prazo para instauração do inquérito, previsto no artigo 6º, nº5, alínea a), do EDTFP, é o do conhecimento dos factos pelo «Procurador-Geral da República» ou pelo «CSMP», sendo irrelevante o conhecimento da «Procuradoria-Geral Distrital», pois carece de competência disciplinar [artigos 12º nº2, alínea f), 27º, alínea a), e 214º, do EMP];

L) E no caso o conhecimento dos factos ocorreu em 14.01.2014, quando o expediente com a comunicação dos mesmos foi apresentado ao Senhor Vice-Procurador-Geral da República - em substituição da Senhora Procuradora-Geral da República - que ordenou instauração do inquérito por despacho de 30.01.2014, assim, dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 6º, nº5, alínea a), do EDTFP;

M) Contrariamente ao alegado pela autora, a pena de 230 dias de suspensão de exercício, que lhe foi aplicada, não é uma sanção superior à prevista na lei, desde logo porque os factos que praticou integram três infracções disciplinares, pelo que, mesmo que fosse aplicável o artigo 10º, nº4, do EDTFP, a pena máxima aplicável seria de 240 dias;

N) Mas a autora também não tem razão quando pretende que na determinação da medida da pena seja aplicado o EDTFP, pois é matéria regulada no EMP, que no artigo 170º nº2 diz que «A pena de suspensão de exercício pode ser de 20 a 240 dias»;

O) Por isso, as penas concretas, parcelares e a pena unitária, aplicadas, são legais, porque respeitam os limites fixados no EMP [artigo 170º nº2], e não ocorreu nenhuma violação do artigo 10º, nº4, do EDTFP, porque simplesmente não há lugar à sua aplicação subsidiária, mas ainda que houvesse também não teria sido violado;

P) E também não procede a alegação da autora de que pena de 230 dias de suspensão viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 266º, nº2, da Constituição, e com expressão no artigo 5º, nº2, e 6º, do CPA/91, já revogado mas ainda aplicável;

Q) Com efeito, no acórdão impugnado procedeu-se a uma ponderação criteriosa da gravidade da conduta da autora na violação dos deveres de «zelo» e de «prossecução do interesse público», do concurso da circunstância agravante da reincidência e dos prejuízos efectivos resultantes da conduta da autora para a boa e célere administração da justiça, e para a imagem desta junto dos cidadãos, e foram tidas em conta as circunstâncias atenuantes de natureza pessoal e funcional, entendendo-se que seria de dar uma última oportunidade à autora, optando ainda por uma pena não expulsiva que a sua conduta até justificaria;

R) E dessa ponderação resulta que a escolha da pena de suspensão de exercício, e o quantum de 230 dias em que foi fixada, mostra-se uma sanção adequada, justa, necessária e proporcional, pelo que não assiste a razão à autora quando diz violado o princípio da proporcionalidade ínsito nas normas dos artigos 185º, do EMP, e 20º, do EDTFP;

S) Finalmente, no acto punitivo impugnado também não ocorreu qualquer erro nos pressupostos, nem de facto, nem de direito;

T) Pois os factos recolhidos no processo disciplinar, descritos e demonstrados no respectivo relatório, e acolhidos na decisão punitiva, correspondem à realidade, sem que exista a menor desconformidade entre tal relato e a concreta situação de facto da actuação da autora em violação dos seus deveres funcionais;

U) E também não colhe a alegação da autora de que não ficou demonstrado que os atrasos no despacho dos processos a seu cargo lhe são censuráveis a título de culpa, pois a ilicitude da conduta da autora resulta demonstrada de não ter despachado os processos em prazo legal, agravada pelos longos períodos de atraso;

V) E a culpa infere-se dessa conduta, da atitude revelada pela autora na sua relação com os factos, por ter agido como agiu, podendo e devendo agir doutro modo como faz o magistrado normalmente diligente, aquele que despacha os seus processos nos prazos legais;

W) Em suma, o acto punitivo impugnado não enferma de nenhum dos vícios que lhe são atribuídos, antes se mostrando de acordo com a lei, pelo que deverá ser mantido na ordem jurídica, na total improcedência da alegação da autora.

Termina pedindo que a acção administrativa seja julgada totalmente improcedente com a sua consequente absolvição do pedido.

7. Colhidos que foram os vistos legais, importa apreciar e decidir a acção administrativa.

II. DE FACTO

Resultam provados nos autos os seguintes factos pertinentes:

I. A autora é magistrada do Ministério Público, com a categoria de Procuradora-Adjunta, desde 04.09.2006, tendo exercido funções nas Comarcas de ……….. - de 04.09.2006 a 31.08.2007 -, …………. - de 07.09.2007 a 11.09.2008 -, ……….. - de 11.09.2008 a 13.04.2009 -, …………. - de 15.04.2009 a 01.09.1010 -, ………….. - de 06.09.2010 a 01.09.2014 - e, por fim, na ……. [cível e criminal] - de 02.09.2014 até 16.03.2015 [data do afastamento do serviço em virtude da aplicação da «pena disciplinar de suspensão»] - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver Nota Biográfica, de folhas 575 a 576 do processo instrutor [PA, que integra o Apenso A - CD contendo o suporte digital do «PA nº ………... da Direcção do Ministério Público da Comarca do …………», de análise ao desempenho funcional da autora - o Apenso B - CD contendo o suporte digital do «PA ……… da Procuradora da República Coordenadora da Comarca do ………», para acompanhamento do desempenho funcional da autora - e os volumes I, II, III e IV que integram o Processo Disciplinar [PD] …………-RMP-PD];

II. Em 30.01.2014, por despacho do Vice-Procurador Geral da República, foi mandado instaurar «processo de inquérito» à actuação da autora - Inquérito Disciplinar …….. - Lº RMP I -, perante o aumento de processos pendentes que já havia sido constatado pela Procuradoria-Geral Distrital, em 04.10.2013 - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver folhas 2 do PA, volume I, e Informação [Processo nº………..] do Procurador-Geral Distrital de Coimbra, de 17.01.2014, a folhas 3 a 6 do PA, volume I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

III. Em 08.08.2014, por despacho do Vice-Procurador-Geral da República - com base no «Relatório de Inquérito Disciplinar [artigo 213º do EMP], de 21.07.2014, elaborado pelo Instrutor designado - aquele inquérito foi convertido no processo disciplinar ……….-RMP-PD - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver o documento nº2 junto à petição inicial, a folhas 39 e 40 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido; ver Relatório de Inquérito Disciplinar …….-Lº RMP I, a folhas 330 a 368 do PA, volume II, e despacho do Vice-Procurador-Geral da República, de 08.08.2024, a folhas 567 do PA, volume III, cujo teor aqui se dá, igualmente, por reproduzido;

IV. Em 05.09.2014, foi deduzida «Acusação» no âmbito do «PD ………-RMP-PD», sendo imputada à autora a violação dos deveres gerais de zelo, de pontualidade e de prossecução do interesse público da administração da justiça, e proposta «em função do concurso de infracções, a aplicação da pena unificada de suspensão de exercício de funções por 220 dias, com efectiva transferência […] nos termos do artigo 175º, 3, b), do EMP» - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver Acusação junta à petição inicial como documento nº3, a folhas 42 a 81 dos autos, e a folhas 577 a 616 do PA, volume III, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

V. Esta «Acusação» reporta-se ao desempenho profissional da autora no período compreendido entre Abril de 2012 a Maio de 2014 - ver Acusação junta à petição inicial como documento nº3, a folhas 42 a 81 dos autos, e a folhas 577 a 616 do PA, volume III, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

VI. Em 09.09.2014 - pelo ofício nº111/2014, de 08.09.2014, dos Serviços de Inspecção dos Ministério Público - foi a autora notificada da Acusação contra si deduzida para, querendo, «apresentar a sua defesa por escrito […] apresentar o rol de testemunhas […], juntar documentos ou requerer diligências em ordem à sua defesa» - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver ofício nº111/2014, de 08.09.2014, junto à petição inicial como documento nº3, a folhas 41 dos autos, e a folhas 617 do PA, volume III, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

VII. Em 29.09.2014, a autora apresentou a Defesa, em que suscitava nulidade do procedimento disciplinar e requeria, como diligência probatória, a realização de uma inspecção extraordinária - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver Resposta à Nota de Culpa, a folhas 633 a 644 do PA, volume IV, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

VIII. Em 06.11.2014, por despacho do Instrutor, aquela diligência probatória foi indeferida, «por se apresentar manifesta e concomitantemente como impertinente e como desnecessária» - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; despacho do Instrutor designado, de 06.11.2014, junto à petição inicial como documento nº4, a folhas 83 a 88 dos autos, e a folhas 653 a 657 do PA, volume IV, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

IX. Não sendo tal diligência realizada, nem mesmo na sequência de «recurso hierárquico» que, contra tal indeferimento foi interposto pela autora, recurso gracioso julgado improcedente por deliberação da Secção Disciplinar do CSMP, de 25.11.2014 - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver recurso hierárquico de folhas 668 a 672 do PA, volume IV, e acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 25.11.2014, a folhas 680 a 681 verso do PA, volume IV, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

X. Em 18.12.2014, foi elaborado o «Relatório» [artigo 202º, EMP], tendo o Inspector considerado que a conduta da autora consubstanciaria a violação, em concurso efectivo, de três infracções disciplinares por violação dos deveres gerais de zelo, de pontualidade e da prossecução do interesse público da administração da justiça, propondo, pelo concurso de infracções [artigo 188º, nº2, do EMP], «seja aplicada a pena unificada de suspensão de exercício por período não inferior a 220 dias com sua efectiva transferência nos termos do artigo 175º, nº3 alínea b), do EMP» - Relatório, a folhas 684 a 735 do PA, volume IV, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

XI. Em 03.02.2015, a autora e seu mandatário judicial, foram notificados do acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 27.01.2015, que lhe aplicou - em cúmulo jurídico - a pena disciplinar única de 230 dias de suspensão de exercício de funções, não determinando a transferência da arguida - como vinha proposto - por se entender que não resultavam dos autos elementos suficientes que justificassem a sua aplicação, atentas as finalidades das penas - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver o ofício de nº2120/2015, PD ………….-RM-PD, de 29.01.2015, do Secretário da Procuradoria-Geral da República, a folha 89 dos autos, e acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 27.01.2015, a folhas 90 a 133 dos autos, juntos à petição inicial como documento nº5, e que integra folhas 761 e 739 a 760 verso do PA, volume IV, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; ver ofício de nº2122/2015, PD ……..-RM-PD, de 29.01.2015, do Secretário da Procuradoria-Geral da República, a folha 761 do PA, volume IV;

XII. Em 23.02.2015 a autora apresentou reclamação desse mesmo acórdão para o Plenário do CSMP - aceite pelo réu no artigo 1º da contestação; ver «Reclamação» junto à petição inicial como documento nº6, a folhas 134 a 159 dos autos, e que integra folhas 789 a 813 do PA, IV volume, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

XIII. A 10.03.2015, foi proferido acórdão pelo Plenário do CSMP que, aderindo aos fundamentos do acórdão da Secção Disciplinar, de 27.01.2015, desatendeu a reclamação e decidiu manter na íntegra esta decisão - aceite no artigo 1º da contestação; deliberação do Plenário do CSMP de 10.03.2015, junto à petição inicial como documento nº1, a folhas 29 a 38 dos autos, e que integra as folhas 819 a 823 verso do PA, IV volume, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

XIV. A autora impugnou este acórdão do Plenário do CSMP junto deste STA através da presente acção administrativa especial [AAE] nº570/15.9BALSB;

XV. As circunstâncias da vida pessoal da autora - descritas na Acusação a que se alude no ponto IV supra - principalmente entre meados do ano de 2012 a meados do ano de 2013, prejudicaram a sua concentração e capacidade de trabalho - ver Acusação junta à petição inicial como documento nº3, a folhas 42 a 81 dos autos, páginas 34 e 35, pontos 106 a 113, e que integra as folhas 577 a 616 do PA, volume III, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

XVI. O serviço prestado pela autora foi classificado de Suficiente, por acórdão do CSMP, de 28.01.2013, proferido no âmbito do Processo de Inspecção Ordinária nº ……..-Lº RMP, tendo por referência o seu desempenho profissional na [antiga] Comarca de ……….. - entre 11.09.2008 e 24.02.2009 -, nos Juízos de ……… da Comarca do ………. - entre 19.10.2009 a 01.09.2010 -, e nos Juízos de …….. da mesma comarca - entre 02.09.2010 a 31.03.12. - ver Nota Biográfica, a folhas 75 a 76 do PA, volume I, e folhas 575 e 576, do PA, volume III, cujo teor aqui se dá por reproduzido; ver Acusação junta à petição inicial como documento nº3, a folhas 42 a 81 dos autos, e que integra as folhas 577 a 616 do PA, volume III, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; ver acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 27.01.2015, a folhas 90 a 133 dos autos, junto à petição inicial como documento nº5, e que integra as folhas 739 a 760 verso do PA, volume IV, cujo teor se dá, igualmente, por integralmente reproduzido;

XVII. À autora foram aplicadas duas sanções disciplinares, ambas em penas de multa - uma de 15 dias, e a outra, de 30 dias, esta como reincidente - uma e outra pela comissão de infracções decorrentes da violação do dever de zelo, impostas nos acórdãos do CSMP, de 16.04.2008 - PD ………..-RMP-PD - reportada a factos ocorridos na Comarca de ……… - entre 07.09.2007 a 11.09.2008 - e de 10.01.2012 - no PD nº ………-RMP-PD - reportada a factos ocorridos na [antiga] Comarca de ……. - entre 11.09.2008 e 24.02.2009 - nos Juízos de ……… da Comarca do ……… - entre 19.10.2009 e 01.09.2010 - e nos Juízos de ……….. da mesma comarca - entre 02.09.2010 e Julho de 2011 - ver Nota Biográfica a folhas 75 a 76 do PA, volume I, e a folhas 575 e 576, do PA, volume III, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; Acusação junta à petição inicial como documento nº3, a folhas 42 a 81 dos autos, e que integra as folhas 577 a 616 do PA, volume III, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 27.01.2015, a folhas 90 a 133 dos autos, junto à petição inicial como documento nº5, e que integra folhas 739 a 760 verso do PA, volume IV, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

III. De Direito

1. A autora pediu a este Supremo Tribunal que anulasse a «decisão do Plenário do CSMP de 10.03.2015» [XIII do provado] que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções por 230 dias.

Como «causa» desse pedido anulatório apontou ao acto impugnado os seguintes vícios: a) Nulidade do procedimento disciplinar [PD] por omissão de «diligências probatórias essenciais» requeridas pela defesa [artigos 32º, nº10, 269, nº3, da CRP; 46º, nº4, 53º, nº1, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas aprovado pela Lei 58/2008, de 09.09 [EDTFP/2008]; 218º, nº1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei 35/2014, de 20.06 [LGTFP]; e 204º do Estatuto do Ministério Público [EMP];

b) Nulidade do PD por violação das garantias de defesa [invoca o artigo 269º, nº3, da CRP];

c) Nulidade do PD por falta de audiência da arguida acerca do agravamento da pena disciplinar [artigos 32º, nº10, 269º, nº3, da CRP, 100º do CPA em vigor na altura];

d) Prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar [artigos 216º do EMP; 6º, nº2, nº5 alínea a), do EDTFP/2008; 178º, nº4 alínea a), da LGTFP];

e) Aplicação de uma sanção superior à prevista na lei [artigo 10º, nº4, do EDTFP/2008];

f) Violação do princípio da proporcionalidade das penas [artigos 185º do EMP; 20º do EDTFP/2008;

g) Violação de lei por erro nos pressupostos [artigos 3º do EDTFP/2008, e 183º do EMP].

Passemos, pois, a apreciar cada uma destas ilegalidades assacadas pela autora ao acto sancionatório impugnado.

2. Por se encontrarem interligadas, abordaremos em bloco as ilegalidades acabadas de submeter às alíneas a), b) e g) do ponto anterior.

Confrontada com a acusação deduzida no PD [pontos IV e V do provado] e notificada para dela se defender [ponto VI do provado], a aí arguida, ora autora, requereu ao respectivo instrutor, além do mais, que fosse realizada uma diligência de prova consistente numa «inspecção extraordinária» à sua pertinente prestação funcional [ponto VII do provado], o que acabou por ser indeferido pelo instrutor [ponto VIII do provado], tendo esta decisão sido confirmada pela Secção Disciplinar do CSMP na sequência de recurso hierárquico interposto pela arguida [ponto IX do provado].

Vem ela, agora, aliás como já o fez em sede do recurso hierárquico acabado de referir, e em sede de reclamação para o Plenário do CSMP [ponto XII do provado], defender que o PD padece de nulidade insuprível decorrente da omissão de diligência de prova essencial para efectivar o seu direito de defesa [artigo 204º, nº1, do EMP, 32º, nº10, e 269º, nº3, da CRP], porquanto a requerida inspecção extraordinária se mostra útil, até indispensável, para demonstrar que não lhe poderão ser subjectivamente imputáveis, a título de negligência, os atrasos processuais que subjazem à alegada violação dos deveres de zelo e da prossecução do interesse público da administração da justiça, pois antes se devem a uma desmesurada pendência processual, ou seja, a um excessivo e anormal volume de processos.

Sublinha que a requerida diligência de prova apenas poderia ser indeferida no caso de se mostrar impertinente ou desnecessária [artigos 46º, nº4, 53º, nº1, do EDTFP/2008, e 218º, nº1, da LGTFP], o que, a seu ver, não acontece.

A verdade é que tanto o instrutor do PD como a própria Secção Disciplinar do CSMP a consideraram impertinente e desnecessária, indeferindo a sua realização. E consideramos que o fizeram de forma perfeitamente acertada, essencialmente por três razões.

Em primeiro lugar, porque a inspecção extraordinária não pode ser tida como diligência probatória, como comum meio de prova, tratando-se, antes, de procedimento «votado a fins de avaliação de desempenho», que apenas terá lugar quando o CSMP, ou o PGR, entendam dever ordená-lo, fixando para cada caso o seu âmbito e sua finalidade [artigo 6º do RIMP]. Logo por aqui se constata que não está na disponibilidade do instrutor do PD determinar que se proceda à inspecção extraordinária, sendo que este poder/dever subjaz às normas legais que lhe conferem competência para decidir os requerimentos de prova feitos pela defesa.

Em segundo lugar porque, no caso, o PD foi instaurado na sequência de «inquérito» ao serviço desenvolvido pela ora autora nomeadamente entre Abril de 2012 e Maio de 2014, e, muito embora um procedimento de inquérito não se confunda com um procedimento de inspecção extraordinária nem na natureza, nem na forma, nem nos fins, o certo é que no presente caso o inquérito efectuado visou averiguar a suspeita de eventual relevância disciplinar das elevadas pendências e múltiplos atrasos processuais atribuídos à aí arguida, o que se desmultiplicou na investigação de pendências, sua gestão e atempado despacho, de modo a ponderar da existência de indícios sérios de violação de deveres funcionais.

Ora, a inspecção extraordinária requerida pela arguida, e que resultaria ordenada pela mesma entidade que ordenou o inquérito [artigos 12º, nº2 f), e 27º, g), do EMP], acabaria por se traduzir, na prática, numa duplicação da mesma averiguação acerca do serviço prestado pela arguida, para além de que se arrastaria no tempo ao arrepio dos prazos do PD.

Impõe-se admitir, sem cair em exageros identificativos, que no presente caso estamos perante uma certa equivalência pragmática entre a finalidade visada com o inquérito e a pretendida pela arguida com a inspecção extraordinária, embora a causa final de uma e outra seja, obviamente, bem diferente.

Em terceiro lugar, porque a factualidade a investigar e provar através do requerido meio de prova já se encontra suficientemente adquirida e provada nos autos disciplinares. É que a aí arguida, ora autora, pretendia provar através do dito «meio de prova», que os atrasos processuais que lhe são imputados não derivam da sua negligência mas antes de um excessivo e anormal volume processual.

Mas a verdade é que da matéria factual provada no âmbito do PD já constam as tarefas e pendências que lhe estavam atribuídas no período considerado - Abril de 2012 a Maio de 2014 - bem como as respectivas paralisações e acumulações de processos ocorridas durante esse período, sendo certo que, como decorre dos elementos que integram os PA’s para os quais a factualidade provada regularmente remete - PA nº ………. e PA ………. - dando-os como reproduzidos, se pode facilmente constatar que o acervo processual atribuído à arguida, e aqui autora, era quantitativamente idêntico ao das outras magistradas que com ela trabalhavam e tinham as respectivas pendências controladas [ver pontos 15 a 23, 38 a 41, 44 e 45 da matéria de facto provada no acórdão de 27.01.2015 da Secção Disciplinar do CSMP].

Concluímos, assim, pela não verificação da nulidade insuprível alegada pela ora autora, e consistente na «omissão da realização» da inspecção extraordinária que ela requereu no âmbito da sua defesa.

Mas ainda no âmbito das suas garantias de defesa, e passamos à ilegalidade acima sob a alínea b), alega a autora, invocando o artigo 269º nº3 da CRP - «Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa» - que o PD enferma de nulidade insuprível [artigos 37º, nº1, do EDTFP/2008, e 203º, nº1, da LGTFP], por a acusação se limitar a formular meras conclusões desprovidas de qualquer suporta factual, referindo-se ao que chama de fórmulas passe-partout contidas nos artigos 24 a 28, 36, 39, 42, e 114 da mesma, o que não lhe permite, diz, conhecer os atrasos concretos que lhe são imputados, para deles se defender, como é garantia constitucional.

Mas de novo carece de razão, e desde logo porque as ditas fórmulas conclusivas surgem suportadas por factos tradutores das diversas e localizadas situações de acumulações e atrasos processuais, sem embargo de, numa espécie de fechar de círculo, conter ainda essas esporádicas apreciações ou afirmações de cariz mais subjectivista ou conclusivo. E isso mesmo pode ser constatado mediante a ponderação dos artigos 40, 41, 44, 45 a 57, 65 a 67, 71 a 73, 75 e 76, 78 e 87, e 130, da acusação, e que correspondem, excepto o último, aos respectivos pontos da factualidade provada no acórdão de 27.01.2015 da Secção Disciplinar do CSMP. Neles, não só se referem as acumulações e atrasos, como se remete e dão por reproduzidos mapas, informações, comunicações e ordens de serviço com referência à sua localização nos PA´s, de modo a serem facilmente consultáveis. O que significa que a arguida dispunha de todos os elementos indispensáveis à sua defesa efectiva e esclarecida.

Indicadas as acumulações e atrasos, com «dias contabilizados», tal como foi feito, com «específica remissão para os processos identificados nos PA´s», mostra-se cumprida a obrigação de «concretização de modo, tempo e lugar», que impende sobre o acusador, sobretudo nestes casos em que o número das acumulações e atrasos é desmesurável.

Alega também a autora que o acórdão punitivo padece de erro nos seus pressupostos, porque os atrasos processuais que lhe são apontados não lhe podem ser censuráveis a título de culpa, pelo que sempre faltaria um elemento integrador do conceito de infracção disciplinar [artigo 163º do EMP]. E assim entramos na ilegalidade supra referida sob a alínea g) [ver anterior ponto 1].

Suporta esta alegação na circunstância de as acumulações e atrasos terem a ver com o volume excessivo de trabalho que lhe foi distribuído, bem como com o seu direito a ter vida privada e familiar, e não com negligência sua.

É claro que esta alegação da autora está ligada às anteriores, e sobretudo à primeira, já que com a inspecção extraordinária pretendia provar isso mesmo, que as acumulações e atrasos processuais não derivavam de negligência sua. Mas esta sua defesa assenta no pressuposto de que os factos provados no PD não permitem concluir pela sua culpa nas condutas que lhe são apontadas, e isso não é verdade.

Efectivamente, no acervo factual provado no acórdão de 27.01.2015, e confirmado pelo acórdão do Plenário de 10.03.2015, refere-se todo um acompanhamento do desempenho funcional da ora autora por parte da hierarquia, com alertas, exortações, redistribuições e reorganizações de serviço [ver os pontos 34 a 37, 46 a 57 e 85 do aí provado], tudo fundamentalmente provocado pelas deficiências detectadas no seu desempenho, sendo que, apesar disso, as acumulações e atrasos continuavam a verificar-se. Este lastro factual é bastante para suportar um juízo de censura ao respectivo desempenho funcional, não sendo a invocação da vida privada e familiar, comum a todos, susceptível de o arredar.

Devem, portanto, ser julgados improcedentes os vícios apontados ao acórdão impugnado e elencados supra sob as alíneas a), b) e g), do ponto 1 da parte III deste acórdão.

3. Outro grupo de ilegalidades, invocadas pela autora, e que, por interligadas, também abordaremos em conjunto, é o constituído pelos «vícios identificados sob as alíneas c), e) e f)» que supra indicamos.

Alega a ora autora, invocando o seu «direito de audiência e defesa» [artigos 32º, nº10, 269º, nº3, da CRP, 100º do CPA então em vigor], que embora o instrutor do PD tivesse proposto a pena disciplinar unificada de «220 dias de suspensão de exercício de funções» [penas parcelares de suspensão de exercício de funções de 200 dias, pela infracção do dever de zelo + 120 dias, pela violação do dever de prossecução do interesse público da administração da justiça + e pena de multa não inferior a 20 dias, pela infracção disciplinar do dever de pontualidade], acabou por lhe ser aplicada a pena disciplinar unificada de «230 dias de suspensão do exercício de funções» [penas parcelares de suspensão de exercício de funções de 200 dias, pela infracção do dever de zelo + 120 dias, pela violação do dever de prossecução do interesse público da administração da justiça + e pena de multa não inferior a 8 dias, pela infracção disciplinar do dever de pontualidade].

A seu ver, porque a lei exige que da acusação conste a «sanção disciplinar aplicável» - artigo 213º, nº3, da LGTFP -, qualquer «agravamento posterior» da aí indicada, como no caso ocorreu, devia ter sido sujeito a novo contraditório da arguida, o que não aconteceu, com isso se violando desde logo o direito de audiência constitucionalmente consagrado.

Além disso, alega que lhe foi aplicada uma sanção disciplinar única superior à permitida pela lei, já que o artigo 10º, nº4, do EDTFP/2008, aplicável ao caso, estipula que a pena de suspensão varia entre 20 e 90 dias por cada infracção, num máximo de 240 dias por ano. O que significa que, no máximo dos máximos, apenas lhe podia ser aplicada, pela prática das duas infracções disciplinares sancionadas com suspensão do exercício de funções, a pena única de 180 dias. Acrescenta, ainda, que a conduta alegadamente violadora de dois deveres - zelo e prossecução do interesse público - é uma só, razão pela qual só lhe poderia ser aplicada - relativamente a eles - uma única pena parcelar que teria como limite «90 dias de suspensão de funções».

E por último, relativamente a este grupo de ilegalidades, alega a autora que a sanção unificada que lhe foi aplicada - 230 dias de suspensão do exercício de funções - infringe o «princípio da proporcionalidade das penas», tendo em conta, como exige o artigo 185º do EMP, a gravidade do facto, a culpa do agente, a sua personalidade e as circunstâncias que deponham a seu favor e contra ele [ver também artigo 20º do EDTFP/2008].

Vejamos.

Relativamente à ilegalidade dita na alínea c) - nulidade do PD por falta de audiência da arguida acerca do agravamento da pena disciplinar - convém chamar a atenção, desde logo, para o facto de o artigo 197º do EMP não exigir que a acusação refira as «sanções disciplinares aplicáveis», como exige o nº3, do artigo 213º, da LGTFP, sendo certo que é essa norma estatutária a aplicável no presente caso. Aliás, mesmo a referida norma da LGTFP não exige que na «acusação» seja indicada, a título de proposta, uma determinada medida da sanção disciplinar a aplicar, mas apenas, repetimos, que sejam referidas as sanções disciplinares aplicáveis. O termo «aplicáveis» remete-nos com suficiente segurança para o âmbito da natureza das sanções cabíveis ao caso e não, necessariamente, para a concreta medida daquela que for seleccionada.

De todo o modo, no presente caso nunca se poderá concluir que a medida da pena que foi efectivamente aplicada à arguida supera a que foi, de facto, proposta pelo instrutor. Efectivamente, ele, ao propor a pena de suspensão do exercício «por período não inferior a 220 dias», está a propor uma pena disciplinar, dessa natureza, determinada entre 220 e 240 dias, já que este último número representa o máximo que se pode aplicar [artigo 170º, nº2, do EMP].

Isto significa que, no presente caso, a medida da pena disciplinar efectivamente aplicada à arguida pelo acórdão impugnado não constituía qualquer surpresa, ou novidade, que, na sua tese, impusesse uma nova abertura de contraditório e de defesa.

Subjaz à ilegalidade vertida sob a alínea e) - aplicação de uma sanção superior à prevista na lei - um duplo entendimento jurídico que consideramos ser incorrecto: - por um lado, que no caso é aplicável o artigo 10º, nº4, do EDTFP/2008, segundo o qual «a pena de suspensão varia entre 20 e 90 dias por cada infracção, num máximo de 240 dias»; - por outro lado, que o número de infracções disciplinares não se confunde com o número de condutas, devendo as penas aplicadas corresponder ao número de condutas e não ao número de infracções disciplinares.

Segundo decorre do artigo 216º do EMP, o disposto no EDTFP/2008 só é subsidiariamente aplicável aos magistrados do Ministério Público «em tudo o que não for contrário» às suas normas. Acontece que o artigo 170º, nº2, desse estatuto [EMP] estipula que «a pena de suspensão de exercício» - envolve o afastamento completo do serviço durante o respectivo período - «pode ser de 20 a 240 dias», não fixando, assim, qualquer limite «por cada infracção». Ora, ao aplicar ao caso este limite estaríamos a dizer o que a norma especial não diz, sendo certo que o legislador, da lei geral [EDTFP], não manifestou qualquer intenção inequívoca de que fosse de outro modo [artigo 7º, nº3, do CC].

Assim sendo, o acórdão impugnado, ao determinar as penas disciplinares parcelares em 200 dias - infracção ao dever de zelo - e em 120 dias - infracção do dever de prossecução do interesse público - não violou o artigo 10º, nº4, do EDTFP/2008, porque o fez, como devia, ao abrigo do artigo 170º, nº2, do EMP.

E isto é assim porque nada impede que a mesma conduta - «exercício de funções deficiente» que conduziu a «acumulações e atrasos» desmesurados - possa violar mais do que um dever profissional, sendo que é esta violação, se culposa, a constituir a «infracção disciplinar» que é sujeita a sancionamento. Sublinhe-se, a este respeito, que, diferentemente do que acontece na área penal, é característica da responsabilidade disciplinar a atipicidade da conduta do agente, de modo que a «infracção disciplinar» é determinada pela «violação dos deveres profissionais». Donde resulta que a mesma conduta poderá ser objecto de uma punição cumulativa sem que ocorra a violação de princípios [nomeadamente do «non bis in idem»] ou de normas legais. Aliás, só este entendimento se mostra em sintonia com a circunstância de inexistir uma norma legal que preveja a precedência, ou prevalência, entre os diversos deveres profissionais, pois se gerariam sérias dificuldades sempre que uma determinada conduta, porque violadora de vários deveres, impusesse a opção por apenas um deles.

Como já se sumariou em aresto deste STA, «Infringir disciplinarmente é desrespeitar dever geral ou especial decorrente da função pública que se exerce. Este desrespeito é ilícito na medida em que consubstancia negação de valores inerentes ao exercício dessa função pública, isto é, negação de interesses superiormente protegidos com vista à boa e cabal realização da respectiva actividade pública; Os deveres, para tais fins disciplinares, colhem relevância e legitimidade sobretudo a nível da sua causa final, pois visam assegurar um bom e regular funcionamento dos respectivos serviços. Daí que o direito disciplinar encontre mais uma legitimidade teleológica do que ontológica, isto é, louva-se sobretudo na protecção da capacidade funcional dos respectivos serviços públicos e seu correcto exercício» [in AC STA de 16.03.2017, Rº0343/15].

Falece razão à autora, assim, ao pretender que com as condutas dadas como provadas terá praticado apenas duas infracções, ao invés de três, por entender que não se pode autonomizar a violação dos deveres de zelo e de prossecução do interesse público porque a conduta alegadamente ilícita é só uma.

No âmbito da alegada violação do princípio da proporcionalidade das penas - e passamos ao domínio da referida alínea f) - a autora invoca os artigos 185º do EMP e 20º do EDTFP/2008, o que significa que a sua discordância sobre a pena disciplinar única que lhe foi aplicada terá a ver com a operação jurídica de determinação da medida da pena através da atenção à gravidade do facto, culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor e contra ele.

A este respeito cumprirá sublinhar, e desde logo, que estamos num domínio fortemente marcado pelo poder discricionário atribuído, no caso, ao CSMP. A ele competirá, de facto, fazer os juízos de apreciação e avaliação necessários à escolha e determinação da pena disciplinar que, dentro do quadro legal permitido, deve ter lugar no caso concreto. E aí, onde o CSMP exerce essa prerrogativa de avaliação, os tribunais não devem entrar a não ser, e isso se lhes exige, através do «controlo externo sobre o correcto exercício desse poder discricionário» - discricionariedade imprópria - que lhe é atribuído.

Caberá ao tribunal, por conseguinte, e no âmbito desse controlo externo, apreciar casos de erro grosseiro, de desvio de poder, de erro de facto, de falta de fundamentação, e, de um modo geral, de compatibilidade do respectivo juízo condenatório com os direitos, liberdades e garantias e com os princípios fundamentais cujo cumprimento se imponha à Administração.

Ora, no presente caso, nada disso se divisa, ou sequer foi alegado pela autora, que se limita a pretender a substituição da apreciação e avaliação feitas pelo CSMP «a respeito da determinação concreta da pena disciplinar».

Resulta, portanto, que também deverão ser julgados improcedentes os vícios apontados ao acórdão impugnado e designados, supra, nas alíneas c), e) e f) do ponto 1 da parte III deste acórdão.

4. Cumpre, finalmente, apreciar e decidir a ilegalidade consubstanciada na prescrição do direito de instaurar o PD, invocada pela autora e levada à alínea d) acima elencada.

Segundo ela, quando, em 08.08.2014, o Vice Procurador-Geral da República converteu o inquérito em PD [III do provado], já estava prescrito o «direito de instaurar o procedimento disciplinar». E defende isto com base numa só razão: a de que o prazo de prescrição desse direito não foi suspenso com a instauração em 30.01.2014 do processo de inquérito [II do provado], porque este não foi instaurado «nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis», como deriva da lei [artigo 6º, nº5 alínea a), do EDTFP/2008 aplicável subsidiariamente ex vi artigo 216º do EMP]. E este último prazo não foi cumprido porque a suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis já existia desde pelo menos 04.10.2013, altura em que as infracções pelas quais veio a ser punida já eram do conhecimento do Procurador-Geral Distrital [folhas 3 a 6 do I volume do PA].

Tudo se reduz, pois, a saber se o conhecimento do Procurador-Geral Distrital de Coimbra, a 04.10.2013 - que resulta do ofício constante do PA -, releva para efeitos da contagem do prazo de 30 dias - para instaurar o «inquérito» -, e cujo cumprimento condiciona a suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.

Consultada a lei, constata-se que a competência para ordenar a realização de inquéritos pertence tanto ao CSMP [artigo 27º, alínea g), do EMP] como ao PGR [artigo 12º, nº2 alínea f), do EMP], de modo que só quando uma destas entidades tem conhecimento da referida suspeição - justificadora da abertura de processo de inquérito - é que se inicia a contagem do «prazo de 30 dias» referido na alínea a) do nº5 do artigo 6º do EDTFP/2008 aqui aplicável [ver ainda artigo 178º, nº4 alínea a), da LGTFP].

Obviamente, nos casos em que uma dessas entidades tenha delegado o exercício de tal competência no Vice Procurador-Geral da República - como acontece neste caso - é a partir do conhecimento por parte deste último que se inicia esse prazo. E assim, atento o que o que consta da matéria factual provada - ponto II, incluindo a Informação do Procurador-Geral Distrital de Coimbra, de 17.01.2014, cujo teor é dado por integralmente reproduzido - só a partir de 17.01.2014, com o conhecimento dos factos por parte do Vice Procurador-Geral da República, se iniciou a sua contagem, motivo pelo qual o despacho de 30.01.2014 o observou - ver, a propósito, AC STA/Pleno de 07.05.2020, Rº023/19.

Claudica, assim, a única razão alegada pela autora em prol da sua tese de prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar.

Concluindo: tudo visto e ponderado, entendemos que o acórdão impugnado, do Plenário do CSMP, não padece das ilegalidades que lhe foram apontadas pela autora desta acção, razão pela qual a sua pretensão de ver esse acto «declarado nulo, ou anulado», deverá ser julgada totalmente improcedente.

IV. Decisão

Nos termos do exposto, decidimos julgar totalmente improcedente a acção, e, em conformidade, absolver o demandado do pedido.

Custas pela autora.

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros FONSECA DA PAZ e MARIA DO CÉU NEVES - têm voto de conformidade.

Lisboa, 19 de Novembro de 2020.