Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0551/14.0BEBRG 0811/17
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28481
Nº do Documento:SA2202111100551/14
Data de Entrada:07/05/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
1.1. A representante da Fazenda Pública, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por A…………., identificado nos autos, interpôs recurso, concluindo da seguinte forma as suas alegações (corrigidas na sequência do despacho de página 191):
A. Vem o presente recurso apresentado pela FP, aqui recorrente, da douta decisão proferida pelo (TAF) Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou totalmente procedente a presente Oposição, anulando o despacho de reversão, proferido no PEF identificado na al. A. dos factos provados, contra o aqui Oponente, por dívidas de IVA, relativas aos períodos de 201203T e 201206T, da sociedade comercial “B…………., LDA”.
B. Salvo melhor opinião, para a recorrente, pelos motivos que se irão expor, a douta decisão em recurso violou a alínea b), do n°1, do artigo 24°, da LGT (Lei Geral Tributária), dando origem à nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea d), do n° 1, do artigo 615° do CPC, ex vi, alínea e) do artigo 2° do CPPT.
C. O Oponente, aqui recorrido, foi considerado responsável subsidiário na execução fiscal contra ele revertida, por dividas de IVA, dos 1° e 2° trimestres de 2012, instaurada em nome da sociedade - devedora originária “B………., LDA”.
D. Relativamente a esta dívida, o recorrido responde subsidiariamente pelo seu pagamento, ao abrigo da alínea b), do n°1, do artigo 24°, da LGT, porquanto,
E. A referida disposição legal contempla as situações em que a gerência foi exercida simultaneamente em dois momentos, a saber:
A) No momento em que o tributo se constitui, isto é, se formou,
B) No momento em que, caso todas as obrigações tivessem sido cumpridas, aquele tributo devia ser, voluntariamente, liquidado e pago.
F. Com efeito, para ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, in LGT Anotada, Editora Reis dos Livros, 2001, página 142, as dívidas abrangidas pela disposição legal em referência “C..) são as legalmente vencidas no período de administração ou gerência. São, assim, as que deveriam ter sido pagas no período compreendido pela responsabilidade, independentemente de terem sido efetivamente liquidadas ou postas à cobrança nesse espaço de tempo. Solução contrária beneficiaria injustamente os administradores ou gerentes que, por motivo de incumprimento dos seus deveres legais de cooperação com a administração fiscal, inviabilizassem o pagamento das obrigações tributárias legalmente vencidas no período do exercício do seu cargo, em detrimento dos que os vieram substituir. Assim, para efeito da alínea b), do n° 1, do artigo 24° da LGT, o prazo legal de pagamento corresponde àquele que resulta da lei todas as obrigações tivessem sido correta e voluntariamente cumpridas, sendo irrelevante o facto desse tributo ter sido adicional ou oficiosamente liquidado e colocado o pagamento em momento posterior.
G. Da douta decisão em recurso, constam os concretos pontos de facto com interesse para o presente recurso:
A) AT instaurou o processo de execução fiscal n° 0148201201136038, instaurada originariamente contra a sociedade “B…………., LDA”, NIPC. ………….., e contra si revertida na qualidade de gerente e responsável subsidiário, por dividas, provenientes de IVA, referente a períodos do ano de 2012, no montante de 15.734,90€.
B) A execução mencionada em A) reverteu contra o aqui Oponente A…………., NIF. ………..
C) Do despacho de reversão, com interesse para a decisão, consta nos campos dos fundamentos de Reversão:
«Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis subsidiários/solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (artigo 23°, n° 2, da LGT);

Dos administradores, diretores, ou gerentes ou outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artigo 24°, n° 1, alínea b) da LGT).»
H. O recorrido, aqui Oponente, exerceu a gerência da devedora originária (A…………., LDA) no período a que os tributos respeitam e foi chamado a reversão tendo em conta o disposto na alínea b) do n° 1, do artigo 24° da LGT.
I. O fundamento invocado na presente Oposição Judicial e a falta de demonstração por banda da AT, de que foi por culpa do Oponente, enquanto gerente da sociedade executada, que o património da executada principal se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores sociais, sendo que, na verdade, nunca o Opoente violou culposamente qualquer disposição legal destinada a proteção dos credores sociais, e nem tal violação - que se impugna - resultou a insuficiência patrimonial da sociedade para pagamento das dividas de terceiros (cfr. artigos 70, 8, 9, 10° da douta petição inicial).
J. A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, conforme de retira da fundamentação constante da sentença, sobre a qual lavrou a decisão, foi assim:” (...), o despacho de reversão aqui em crise limita-se a uma súmula do artigo 24° da LGT, em que, para além, de não imputado nenhum facto de onde resulte a gerência de facto do Oponente, e omisso quanto a fundada insuficiência de bens da devedora originária, e, portanto, o despacho de reversão aqui em causa não contem, em termo suficientes, a explicitação dos motivos fácticos que o motivaram e que constituíram a sua fundamentação”.
K. Ora, quando a reversão e baseada no citado artigo 24°, no i, alínea b) da LGT, a fundamentação devera consistir na indicação dos respetivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão (cfr.art°.23, n°4, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Seccão, 25/9/2012, proc.5370/1 2; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.441 6/10; ac.T.C.A.Sul 2ª.secção, 12/6/2014, proc.7634/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pag.66 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 42ª edição, 2012, Editora Encontro de Escrita, pag.223 e seg.; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pag.133 e 134).
L. Face a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, com a qual concordamos, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referencia a extensão temporal da responsabilidade subsidiaria que esta a ser efetivada (cfr.art°.23, n°.4, da L.G.T.) não se impondo, porem, que dele constem os factos concretos nos quais a Administração Fiscal fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido (cfr.Acórdão S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 16/10/2013, rec.458/13; ac.S.T.A.-2ª.Seccao, 12/2/2015, rec.1860/13; ac.S.T.A.-2ª.Seccão, 17/6/2015, rec.487/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/1 4).
M. Nesta sede, a Administração Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar a execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, a data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.
N. Dos elementos oficiais dos autos retiramos que o Oponente, enquanto Gerente da sociedade, veio confessar nos diversos requerimentos que apresentou e subscreveu, enquanto Gerente da devedora originária, afirmando que inexistiam quaisquer bens na esfera jurídica da devedora originária, solicitando, inclusivamente, numa primeira fase, a reversão contra si e a posterior emissão de guias de pagamento para efetuar o pagamento da execução sem custas e sem juros de mora, dispensando, inclusive, o exercício de direito de audição prévia a reversão.
O. O órgão de execução fiscal fundamentou a reversão tendo em conta a situação declarada pela devedora originária e pelo seu gerente (insuficiência e inexistência de bens na esfera da devedora originária).
P. Não trouxe o Oponente, porem, em sede de Oposição Judicial ou em sede de direito de audição prévia a reversão, elementos que afastassem a sua culpa, (nomeadamente, identificando bens propriedade da sociedade devedora originária suficientes para o pagamento da divida exequenda), o qual apenas se limita a assacar ao despacho de reversão a falta de demonstração da culpa pela insuficiência do património para solver as dívidas tributárias.
Q. A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.art°.23, n°.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.n°.4 do mesmo preceito).
R. Preceitua o n°.1, do art°.24, da L. G. Tributária, o seguinte:
“Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
S. Na previsão da alínea b) do preceito, o gerente e responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efetuou. (sublinhados nossos).
T. Donde, no caso dos autos, foi no decurso do exercício efetivo do cargo societário de gerente que se esgotou o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efetuou no prazo devido), o ónus da prova invertesse contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor esta obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Publica a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame).
U. Na alínea b), do n°1, do art°.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal esta dispensada de a provar, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, n°1, Janeiro de 2000, pag.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 48ª edição, Encontro da Escrita, 2012, pag.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pag.465 e seg.).
V. Logo, in casu, verificam-se os pressupostos do chamamento a execução do oponente, enquanto responsável subsidiário ao abrigo do art°.24, n°1, al. b), da L.G.T., mas não tendo, porem, o mesmo efetuado prova da falta de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade executada originária com vista ao pagamento dos créditos fiscais exequendos.
W. E pressuposto da responsabilidade subsidiaria o exercício de facto da gerência, o qual, não vem colocado em crise pelo Oponente, tendo admitido expressamente admitido no articulado inicial do presente processo. (sublinhados nossos).
X. Aqui chegados, fundando-se a reversão da execução no art°.24, n°1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso, o opoente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da divida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do n°1, do art°.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligencia de um bom pai de família, em face das circunstancias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-28. Secção, 8/5/2012, proc.5392/1 2; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14).
Y. A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.art°s.487, n°2, e 799, n°2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma atuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a atuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excecionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Z. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não atuou com a diligência de um “bonus pater famílias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do art°.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec. 1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul 2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/1 2; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, pag.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pag.121 e seg.).
AA. A sentença recorrida concluiu pela improcedência da oposição, sustentando-se na falta de fundamentação do despacho de reversão, sem sequer ter apreciado o fundamento invocado pelo Oponente - falta de culpa na insuficiência do património para solver o pagamento das dividas, e,
BB. Do exame da factualidade provada não se pode, manifestamente, retirar que o Oponente tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária B…….., LDA” se ficou a dever, exclusivamente, a fatores exógenos e que, no exercício da administração, usou da diligência de um “bonus pater familias”.
CC. Ou seja, compulsada a matéria de facto dada como provada na douta decisão em recurso, verifica-se que não existe qualquer circunstancialismo fáctico suscetível de afastar a culpa do recorrido pela falta de pagamento do IVA, dos períodos de 2012.
DD. Motivo pelo qual, ao abrigo da disposição legal em legal em referência, o Tribunal a quo não podia extinguir, quanto ao recorrido, a reversão a que respeita o PEF relativo a divida de IVA, do ano de 2012, com base na falta de fundamentação do despacho de reversão.
EE. Donde, há que concluir, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal ‘a quo”, que é imputável a título de culpa a atuação do oponente, enquanto administrador da mesma sociedade, a insuficiência patrimonial desta empresa, verificando-se assim todos os requisitos legais para a reversão contra si das dívidas exequendas no âmbito do processo de execução fiscal.
Nestes termos e nos mais de Direito, que serão doutamente supridos por Vs. Exas, devera ser dado provimento ao presente recurso interposto pela Fazenda Publica, por considerar que a M. Juíza do Tribunal a quo não se pronunciou sobre questão que devesse apreciar, verificando-se nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n° 1, do artigo 615° do CPC, ex vi, alínea e) do artigo 2° do CPPT, por violação do artigo 24°, nº 1, alínea b) da LGT.»

1.2. O Recorrido não contra-alegou.

1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de o Supremo Tribunal Administrativo ser incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso que não versa, defende, matéria exclusivamente de direito.

2. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida foi efetuado o seguinte julgamento de facto:
«A) A AT instaurou o processo de execução fiscal n.º 0418 2012 01136038, instaurada originariamente contra a sociedade “B…………., Lda”, NIPC …………., e contra si revertida na qualidade de gerente e responsável subsidiário, por dívidas provenientes de IVA referente a períodos do ano de 2012, no montante de € 15.734,90;
B) A execução mencionada em A. reverteu contra o aqui oponente A…………, NIF …………;
C) Do despacho de reversão, com interesse para a decisão, consta no campo dos FUNDAMENTOS DA REVERSÃO:


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3. Fundamentação de direito
Importa, desde logo, conhecer da exceção da incompetência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do recurso suscitada pelo excelentíssimo Procurador-Geral da República, matéria que não mereceu a concordância da Recorrente.

Vejamos.
A infração das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, é de conhecimento oficioso e pode ser arguida pelos interessados ou suscitada pelo Ministério Público ou pelo representante da Fazenda Pública até ao trânsito em julgado da decisão final – artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem competência para conhecer dos recursos interpostos de decisões de mérito dos tribunais tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito - artigos 26.º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), e 280.º, n.º 1 do CPPT.

Se o recurso versar matéria de facto, ou matéria de facto e de direito, a competência para dele conhecer cabe ao Tribunal Central Administrativo – artigos 38.º, alínea a) do ETAF, 280.º, n.º 1 do CPPT.

Para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, em princípio, haverá que atentar apenas no teor das conclusões da alegação do recurso, pois são elas que definem o objeto e delimitam o seu âmbito - cf. artigo 635.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC) -, não afastando a jurisprudência deste Tribunal a hipótese de se confrontar as conclusões com a própria substância das alegações do recurso, nomeadamente se nestas se afrontar expressamente a factualidade que suporta a decisão – acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20/05/2020, proferido no processo 01571/19.3BEPRT.
Suscitada qualquer questão de facto pelo recorrente fica afastada a competência do Supremo Tribunal Administrativo e definida a competência do Tribunal Central Administrativo para conhecer do recurso.

Sublinha-se que não compete ao Supremo Tribunal Administrativo avaliar a relevância, pertinência ou acerto da discussão da matéria de facto para a questão de direito a dirimir, pois tal juízo envolveria uma antecipação da solução de direito para a qual não tem competência.

Como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, o recurso versa exclusivamente matéria de direito quando as questões que nele se colocam se resolverem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respetivo recurso se suscitar questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (cf. entre outros, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16/12/2009, processo 0738/09, de 21/04/2010, processo 0189/10 e de 04/03/2020, processo 299/19.9BEMDL).
Ora, nas conclusões das respetivas alegações, a Recorrente pretende, além do mais, que este Tribunal retire da matéria de facto provada ilações ou juízos de facto relativamente à culpa do Recorrido na insuficiência do património da originária devedora para satisfação dos créditos tributários, designadamente nas conclusões N, O, P, T, CC e EE.

Assim, a questão controvertida, tal como a Recorrente a coloca, não se resolve mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, implicando, antes, a necessidade de dirimir uma questão de facto.

O recurso não versa, pois, apenas exclusivamente matéria de direito, o que determina a incompetência do Supremo Tribunal Administrativo para dele conhecer.

A competência para conhecer do recurso cabe, pois, à Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte – artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29/12.

4. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em declarar a incompetência do Supremo Tribunal Administrativo, em razão da hierarquia, para conhecer deste recurso.

Custas pela Recorrente fixando-se taxa de justiça em 1 (uma) UC (cf. artigo 7.º, nº.4, e Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais).

Após trânsito, remeta o processo ao Tribunal Central Administrativo Norte (n.º 1 do artigo 18.º do CPPT).

Diligências necessárias.

Lisboa, 10 de novembro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.