Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0674/08.4BEBRG
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE CIVIL
HOSPITAL
NEGLIGÊNCIA MÉDICA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão de TCA se a pronúncia se mostra sustentada com fundamentação credível e que não aparenta erros lógicos ou jurídicos manifestos e os vícios acometidos pela recorrente carecem de credibilidade ou se mostrem inviáveis.
Nº Convencional:JSTA000P28809
Nº do Documento:SA1202201130674/08
Data de Entrada:12/21/2021
Recorrente:A...........
Recorrido 1:PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO HOSPITAL NOSSA SENHORA DA OLIVEIRA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……….. [doravante A.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista que interpôs do acórdão de 10.09.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 1622/1651 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso e manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante TAF/BRG] que havia julgado totalmente improcedente a ação administrativa comum deduzida por si contra CENTRO HOSPITALAR DO ALTO AVE, EPE [doravante R.] e na qual peticionara a condenação do R. «no pagamento de indemnização, no valor de 247.173,37€, por força dos danos patrimoniais e não patrimoniais, para si advindos, resultantes do atendimento/intervenções cirúrgicas a que foi sujeita nos serviços do Réu».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 1659/1711] na relevância jurídica e social das questões objeto de dissídio e do litígio [in casu: i) valor da prova pericial e dos poderes do julgador para a desconsiderar; ii) erro na integração da «factualidade nos conceitos de facto, ilícito, culpa, dano, nexo de causalidade facto/dano»; iii) ausência de consentimento informado e responsabilidade civil no plano médico/hospitalar; e iv) «alarme social» gerado com o facto de o R., sem responsável pelos danos provocados à A., poder «ficar impune»] e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito», sustentando a incorreta interpretação/aplicação, nomeadamente, do disposto nos arts. 482.º, 486.º, 496.º, 562.º 564.º e 566.º todos do Código Civil [CC], 05.º da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina/Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina [vulgo Convenção de Oviedo - doravante CDHBio - aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001], e 03.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE].

3. Devidamente notificado o R. não produziu contra-alegações em sede de revista [cfr. fls. 1714 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Como referido o TAF/BRG julgou totalmente improcedente a ação administrativa comum sub specie por entender, à luz da factualidade lograda apurar, não terem sido demonstrados/verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do hospital aqui R., absolvendo-o do pedido [cfr. fls. 1005/1019], juízo absolutório que o TCA/N manteve.

7. A ação administrativa comum sob apreciação foi proposta pela A. contra o R. para efetivação da responsabilidade civil extracontratual do mesmo e sua condenação a pagarem-lhe uma indemnização de 247.173,37 €, a título de danos morais e patrimoniais sofridos, fundada na atuação negligente, porquanto em e com violação das leges artis, por parte dos médicos, instrumentistas e ajudantes que tiveram intervenção nas várias intervenções cirúrgicas a que a mesma foi sujeita e que lhe causaram os danos e sequelas de que ficou a padecer/sofrer.

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar preliminar e sumariamente se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assuma «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal se apresenta como «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. Tal como repetidamente tem sido afirmado constitui questão jurídica de importância fundamental aquela que, tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjetivo, apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental uma questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que se revistam de particular repercussão na comunidade.

11. Se é certo que as matérias respeitantes à responsabilidade civil em saúde envolvem e assumem, por vezes, relevo jurídico e social temos, todavia, que, no caso vertente, tal não se evidencia e não se verifica.

12. Com efeito, em face da alegação produzida e daquilo que constituem os termos das questões colocadas na revista estas, no concreto e ante aquilo que, por um lado, na ação administrativa sub specie constitui a causa de pedir e na qual a A. estribou a sua pretensão indemnizatória e o que, por outro lado, constitui o objeto de discussão legalmente admitido para o recurso de revista [art. 150.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA], daí deriva que não só está afastada qualquer possibilidade de reapreciação do julgamento de facto [mormente, inverter as respostas negativas dadas (de não provado) em positivas (de totalmente provado) quanto aos itens 01.º, 04.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 53.º e 54.º da base instrutória], como irrelevante ou inoperante resulta, em face da factualidade apurada, a apreciação da questão colocada da alegada ausência de obtenção de consentimento informado e decorrente análise da verificação e preenchimento desta causa/fundamento para efetivação da responsabilidade civil extracontratual do R., tanto mais que por falta de aderência à aludida realidade factual a revista seria claramente inviável também nesse segmento.

13. E sendo que as demais questões colocadas não aportam ou reclamam um elevado labor interpretativo, ou se mostram revestir de elevada complexidade jurídica em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise venha suscitando na jurisprudência e doutrina dúvidas sérias, aliás não sinalizadas.

14. Também não se vislumbra uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso concreto e a sua singularidade, cientes de que a motivação expendida neste segmento se mostra desprovida de relevância quanto ao critério em crise.

15. Para além disso de igual modo não se descortina a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, pois, o juízo feito pelo TCA/N no acórdão sob censura, presente e à luz da concreta realidade factual que se mostra estabilizada pelas instâncias, não aparenta padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto nesse contexto o seu discurso mostra-se fundamentado numa interpretação coerente e razoável das regras e princípios de direito, o que torna desnecessária a intervenção do Supremo para melhor aplicação do direito.

16. Em suma, no presente recurso não se colocam questões de relevância jurídica e social fundamental, nem nos deparamos com uma apreciação pelo tribunal a quo que claramente reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, pelo que não se justifica admitir a revista.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da A./recorrente, tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
D.N..
Lisboa, 13 de janeiro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.