Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01528/16.6BELSB
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:Deve admitir-se revista de acórdão do TCA sobre a questão de saber se é legalmente possível aceitar uma proposta contratual com apelo a documentos (cuja junção era exigida sob pena de exclusão) que ainda não existiam na data da apresentação da proposta.
Nº Convencional:JSTA000P23836
Nº do Documento:SA12018110901528/16
Data de Entrada:10/12/2018
Recorrente:A..........
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………. SA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 11 de Julho de 2018, que confirmou a sentença proferida pelo TAC de Lisboa, que por seu turno julgou improcedente ACÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ - CONTRATUAL por si intentada contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA e a contra – interessada B………… LDA, onde pedia a anulação do despacho praticado no âmbito do concurso para aquisição de equipamento para a segurança rodoviária para a Guarda Nacional Republicana (lote 6, relativo a radares de controle de velocidade), bem como a anulação do contrato respectivo.

1.2. Fundamenta a admissão da revista por entender que as questões suscitadas são de alcance geral e ser clara a necessidade de intervenção do STA para melhor aplicação do direito.

1.3. A contra – interessada pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.3. O acórdão recorrido depois de julgar não verificadas as nulidades imputadas à decisão da primeira instância apreciou a questão, que considerou, “central, objecto do recurso”. Essa questão reconduzia-se a saber - diz o acórdão - se a proposta da contra-interessada deveria ter sido excluída, por violação do art. 13º, n.º 2, al. c) e n.ºs 5 e 6 do Programa do Procedimento. Depois de transcrever as referidas regras do Programa do Procedimento, transcreveu a parte da sentença que apreciou essa questão, isto é, saber se a proposta da contra-interessada violou ou não aquelas regras e concordou com a decisão da primeira instância.

A controvérsia suscitada emergia da circunstância do programa do concurso exigir, sob pena de exclusão, que a proposta deveria ser constituída por vários documentos, entre os quais os documentos de homologação e certificação pela entidade competente e documento que contenha a marca, modelo e características, especificações e requisitos técnicos do bem a fornecer, de acordo com o previsto no caderno de encargos; documento comprovativo da aprovação por Despacho da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Acontece que a contra - interessada (B……..) apresentou com a sua proposta a publicação no DR do despacho do Presidente do Conselho Directivo do Instituto Português da qualidade de aprovação do Modelo n.º 111.2414.3.19, onde consta, além do mais, a descrição sumaria de onde decorre que o mesmo se destina a medir “velocidades de veículo automóveis, em diferentes faixas, num único sentido”.

O júri do concurso perante esta referência ao analisar a pretensão da ora recorrente no âmbito do direito de audiência, no decorrer do procedimento referiu expressamente que: “ Tal limitação, não implica que a mesma o seja ao nível técnico e funcional, conforme se exige no Caderno de encargos".

Entretanto, a publicação no Diário da República, 2ª Serie (…) 14 de Abril de 2016, do Despacho n.º 5101/2016 correspondente à Aprovação Complementar do modelo 111.24.16.3.13, aprovou o equipamento TraffiStar S350 para operar na “medição de velocidades de veículos automóveis, em diferentes faixas, nos dois sentidos de circulação, que se baseia numa medição de distância aos veículos por impulsos de laser, entre 10 Km/h e 300 Km/h…veio habilitar a sua utilização legal, comprovando, deste modo, a característica técnica do equipamento referido pelo concorrente .º 5 – B………, Lda”.

Entenderam as instâncias que esta aprovação complementar não se traduzia na apresentação de um novo equipamento. O equipamento proposto pela contra - interessada TraffiStar S350 não foi alterado em momento algum, não havendo assim alteração nem da proposta, nem do equipamento. Daí que tenha concluído: “Pelo que, não vindo concretamente demonstrado que a mera actualização de software implica uma alteração do modelo do próprio equipamento global em que o software está instalado, não pode proceder o recurso cuja tese central se alicerça precisamente nesse argumento. E tanto basta para o julgar improcedente, com a manutenção da sentença recorrida que assim concluiu.

3.4. A questão central suscitada no recurso emerge de particularidades deste concreto concurso. Contudo, sua discussão jurídica implica a análise de questões de interesse geral, no domínio da contratação pública.

O caderno de encargos exigia aparelhos de medição com determinados atributos (controlo de velocidade nos dois sentidos) e o programa do procedimento exigia, sob pena de exclusão, que fosse apresentado um modelo “de acordo com o previsto no caderno de encargos” e documento da homologação e certificação emitido pela entidade competente.

A contra interessada, quando apresentou a sua proposta juntou documento da homologação e certificação relativo ao aparelho proposto, mas apto apenas a medir a velocidade em um sentido. Mais tarde, depois das propostas serem apresentadas mas antes da decisão final é publicado no DR um despacho onde é referida a sua capacidade daquele tipo de aparelho para medir a velocidade “nos dois sentidos de circulação”.

A questão de saber em que medida a aprovação complementar é ou não admissível, traduz-se em saber quais os documentos que, afinal deveriam ser juntos com a proposta, sob pena de exclusão e quais os documentos, ou esclarecimentos, que podem ser juntos mais tarde.

A nosso ver a questão tem relevância jurídica bastante para justificar a admissão da revista, até porque a mesma foi apreciada em torno da questão de saber se estávamos ou não perante o mesmo aparelho de mediação, quando também deveria ser enquadrada no âmbito em que a recorrente a pretendeu colocar, ou seja, saber se era ou não admissível recorrer a documentos que não existiam ainda na data em que foi apresentada a proposta pela contra-interessada.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Porto, 09 de Novembro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.