Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01541/14.8BESNT
Data do Acordão:07/03/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:PENSÕES
PAGAMENTO INDEVIDO
REPOSIÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O artigo 40º do Dec. Lei nº 155/92, de 28 de Julho, inserido na Secção VI relativa à “Reposição de dinheiros públicos”, ao estabelecer que «A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento» refere-se a qualquer reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado, e não, como aconteceu no passado, unicamente à reposição por funcionários, agentes ou credores do Estado
II - Tal prazo especial de prescrição reporta-se a todos os créditos de que o Estado seja titular por força do pagamento de quantias indevidas e que, como tal, devam reentrar nos seus cofres, independentemente da qualidade do sujeito passivo da obrigação de restituição, sendo aplicável à reposição de pensões indevidamente pagas pela Caixa Geral de Aposentações através do depósito em conta bancária do pensionista, ainda que arrecadadas por um co-titular dessa conta.
Nº Convencional:JSTA000P24772
Nº do Documento:SAP2019070301541/14
Data de Entrada:10/24/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.........
Votação:COM 3 VOTE VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública recorre para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido por esta Secção em 6 de Junho de 2018 no âmbito do processo nº 01614/15, invocando oposição com o acórdão que na mesma Secção foi proferido em 17 de Abril de 2002, no processo nº 026676.

1.1. Apresentadas que foram as alegações previstas no nº 3 do art.º 284º do CPPT, o Exmo. Juiz Conselheiro Relator sustentou a existência da invocada oposição de julgados.

1.2. As subsequentes alegações sobre o mérito do recurso, apresentadas pela Recorrente em conformidade com o disposto no nº 5 do art.º 284º do CPPT, mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo:

A. Entre os acórdãos em causa, já identificados, o fundamento e o recorrido, existe oposição suscetível de servir de fundamento ao recurso vertente, pois verifica-se existir uma identidade substancial das situações fácticas e da questão de direito, entendida como a sua subsunção às mesmas normas legais, sobre que recaíram os arestos em confronto.

B. Como se viu, em ambas as situações se esteve em presença de pagamentos a um pensionista através de depósito da pensão na sua conta bancária e que, posteriormente, se verificou não serem devidos, e em ambos os casos se verificou o acesso a esses montantes por terceiros, co-titulares da conta bancária, que usaram esses montantes em benefício próprio, sem qualquer fundamento jurídico para o fazer.

C. Num primeiro caso, o do acórdão fundamento, o Supremo Tribunal Administrativo considerou como regime aplicável o prazo geral de prescrição previsto de vinte anos no artigo 323º do Código Civil e, ao contrário, no acórdão aqui recorrido foi considerado de aplicar o regime especial previsto no artigo 40º do DL 155/92 de 28 de Julho que estabelece um prazo de prescrição do direito ao reembolso de cinco anos.

D. A jurisprudência do STA, já consolidada, entende que há oposição de acórdãos quando entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento do recurso se verifica que perante idênticas situações de facto, num quadro de uma mesma regulamentação jurídica aplicável, vieram a ser objecto de um entendimento oposto entre si. Esclarece o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa que “Para se poder considerar que há oposição de soluções jurídicas terá de exigir que ambos os acórdãos versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas, como vem sendo jurisprudência do STA. Não é exigível, porém, uma total identidade dos factos, mas apenas que eles sejam subsumíveis às mesmas normas legais. [in, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, IV Volume, 2011, pág. 475].

E. E como não houve alteração substancial na regulamentação jurídica, perfilhando-se, nos acórdãos em confronto, solução oposta que decorre das decisões expressas já identificadas, encontra-se, na nossa opinião, preenchido, o condicionalismo previsto no nº 3 do art.º 284º do CPPT, e daí o presente recurso por oposição de acórdãos.

F. Aqui em causa está uma reposição nos cofres do Estado da uma parte restante de quantias depositadas pela Caixa Geral de Aposentações na conta bancária da qual era titular um pensionista entretanto falecido, cuja co-titular, a agora Oponente, que, por esse meio, teve acesso aos respectivos montantes, durante o período de 01.07.2002 a 30.11.2012.

G. De sublinhar que se encontra perfeitamente estabelecido que a Oponente não tinha qualquer direito às quantias pagas pela CGA e apenas teve acesso àqueles montantes pela circunstância de também ser titular da conta bancária de seu pai.

H. Sintetizando, no acórdão recorrido entendeu-se ser de aplicar o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art.º 40º nº 1 do DL nº 155/92 de 28/07, como norma de natureza especial que derrogaria a norma geral do Código Civil que estabelece o prazo de 20 como prazo geral de prescrição, enquanto no acórdão fundamento entendeu-se expressamente o seu contrário, isto é, que seria a regra geral a ser aplicável a este caso concreto. (cfr. citações em 10. e 11.).

I. Na nossa opinião, parece-nos de particular relevância a circunstância particular da recorrente que, embora tenha tido acesso aos montantes pagos pela Caixa Geral de Aposentações, o foi apenas de uma forma fortuita, apenas por ser co-titular de uma conta bancária com um pensionista, nunca tendo sido sujeito de qualquer relação jurídica com a entidade pública, não tendo sido, para o que aqui nos interessa, sujeito, credora, pensionista a qualquer título da entidade pública.

J. E porque se trata de montantes que a Oponente teve acesso, mas sabia que não lhe eram destinados, sem qualquer relação jurídica de natureza administrativa (ou outra de qualquer outra natureza) que suportassem a sua apropriação, o acórdão fundamento qualifica a situação como tendo a oponente “levantado” tais importâncias, não as tendo efectivamente “recebido”.

K. A situação é qualitativamente diferente do caso em que se trate de um sujeito de uma relação jurídica administrativa já construída, como claramente se reconhece no próprio acórdão recorrido que, em resposta à questão da alegada inconstitucionalidade entendeu que: “É que, cumpre sublinhar, não estão aqui em causa actos constitutivos de direitos, está em causa, sim, a reposição de quantias que indevidamente foram creditadas na conta de que a recorrente era co-titular, que a mesma sabia que não lhe eram devidas. Não há, pois, aqui legítimos interesses ou expectativas do particular a acautelar e a exigir a intervenção dos princípios da confiança ou da segurança jurídica” (fls. 6).

L. Distinguindo, se bem interpretamos, das situações previstas “(...) no regime da administração financeira do Estado regulado pelo Decreto-Lei 155/92 (onde) se prevê um prazo de prescrição de cinco anos quer para obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos, quer para o direito de restituição de receitas, o que bem se compreende e a que não será, seguramente, alheia a ponderação de valores como a segurança e certeza jurídicas.” (fls. 10 do acórdão recorrido).

M. Por isso, na nossa opinião, o regime especial do DL 155/92, como regulamentação de natureza especial, será o aplicável em situações de desconformidade com a lei nos casos de relações jurídicas administrativas já anteriormente constituídas, como os casos de pagamentos não devidos recebidos por um funcionário público, um agente ou a um pensionista.

N. E não o será neste caso em que, como se viu, nos encontramos perante uma situação qualitativamente diferente, por aqui se tratar de um terceiro que, por ter um acesso fortuito, sem qualquer relação jurídico-administrativa subjacente, às quantias pagas a outra pessoa, delas se apropria em benefício próprio.

O. Assim sendo, a situação presente merece, por isso, na nossa opinião, um tratamento distinto de uma relação jurídico-administrativa à qual é perfeitamente estranha, não sendo de aplicar o regime especial previsto no Decreto-Lei 155/92, mas, pelo contrário, deverá funcionar a norma geral, o regime geral da prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil, conforme a jurisprudência anterior já entendeu.



1.3. A Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

O prazo prescricional aplicável no caso dos autos, não obstante a Recorrida não haja embolsado as importâncias referidas no processo enquanto funcionária pública ou pensionista nem “o respectivo destinatário” das disponibilizações de fundos feitas pela Caixa Geral de Aposentações, é estatuído no artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, que é de cinco anos.

A oposição de julgados que se verifica há de ser resolvida, por isso, através do reconhecimento e prevalência da tese propugnada no douto acórdão ora em recurso.

Assim, o douto acórdão recorrido deve ser integralmente confirmado, sendo negado provimento ao recurso da Fazenda Pública.



1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da existência de oposição de acórdãos, devendo, na sua óptica, ser acolhida a doutrina vertida no acórdão recorrido e, por consequência, ser negado provimento ao recurso.

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.

2. No acórdão recorrido consta como provada a seguinte matéria de facto:

1) B…, pai da oponente, faleceu em 12.06.2002 [cf. fls. 56 dos autos].

2) Durante o período compreendido entre 01.07.2002 a 30.11.2012, foi pela Caixa Geral de Aposentações depositado na conta sob o NIB…, constituída na Caixa Geral de Depósitos, pensões em nome de B…, no total de € 103.675,00 [cf. fls. 6 do PEF em apenso].

3) A executada oponente era co-titular da conta de depósito à ordem identificada no ponto anterior [cf. fls. 8 a 11 dos autos).

4) Por ofício nº 2488, de 07.11.2012, da Direcção de Finanças de Leiria dirigido à CGA foi-lhe comunicado o falecimento de B..., ocorrido em 12.06.2002 [cf. fls. 56 dos autos].

5) Após conhecimento do óbito de B… a CGA promoveu a restituição da quantia depositada indevidamente, tendo recuperado € 78.485,21 [cf. fls. 4 do PEF em apenso].

6) Por carta datada de 24.01.2013 em nome da oponente, dirigido à CGA, foi solicitado o pagamento em prestações mensais de € 250,00, do pagamento indevido de pensões [cf. fls. 57 dos autos].

7) A 11.12.2013 foi instaurado contra a oponente o processo de execução fiscal n.º 1554201301096699, a correr termos no Serviço de Finanças de Oeiras 1, com base em certidão de dívida emitida pela CGA, referente à quantia exequenda de € 25.189,79, juros vencidos até 30.11.2013 de €1.414,30, e acrescido [fls. 1 a 7 do PEF em apenso].

8) A 27.12.2013 foi a oponente citada em sede do PEF identificado no ponto anterior [fls. 27 do PEF em apenso].

9) A 24.01.2014 foi pela oponente apresentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos [cf. fls. 3 dos autos].



3. No acórdão fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto:

1) A pedido da CGA foi instaurada contra a oponente execução fiscal que tomou o nº 3166.99.103787.0, para cobrança coerciva da quantia de 152.132$00, acrescida de juros de mora no montante de 166.176$00, conforme documento de fls. 22, que se dá por reproduzido;

2) A quantia de 152.132$00 corresponde “a parte do produto líquido das pensões indevidamente levantadas da conta de depósito à ordem nº 0183-031054-930, constituída na Agência da Caixa Geral de Depósitos em Caldas da Rainha. Esta importância foi depositada na referida conta de depósito à ordem em nome do pensionista nº 434438-001, B..., após o falecimento deste ocorrido em 1993/06/28. (...)”, conforme documento referido na alínea anterior;

3) A executada oponente era co-titular da referida conta de depósito à ordem;

4) Depois do falecimento do pensionista e por desconhecimento do mesmo falecimento, a CGA depositou, com data de 16/7/93, a favor do mesmo pensionista, a pensão respeitante ao mês de Julho de 1993 e ao 14º mês do mesmo ano, na quantia de 177.853$00, pelo que a referida conta ficou com um saldo de 266.611$00, conforme documentos de fls. 9 a 14, que se dão por reproduzidos e, sobretudo, conforme fls. 11 e 12;

5) Com data do mesmo dia, foi levantada da conta em causa a quantia de 260.000$00, ficando um saldo de 6.611$00, conforme documento de fls. 12;

6) Entretanto, em dia não apurado, foi feito um movimento a crédito da conta no montante de 20.000$00, ficando esta com um saldo de 26.611$20, conforme mesmo documento;

7) Após a CGA ter tomado conhecimento de que o óbito ocorrera em Junho, a mesma CGA promoveu a restituição da quantia depositada indevidamente, mas a conta tinha apenas o dito saldo de 26.611$20, tendo sido restituída a quantia de 26.611$00, conforme mesmos documentos de fls. l 1 e 12;

8) A exequente CGA pediu à oponente, executada, por ofício de 25 de Setembro de 1998, o pagamento da quantia em falta, no montante de 152.132$00, acrescida dos juros no montante de 163.291$00, tendo estes sido liquidados só a partir de 1 de Setembro de 1993, por nesta data ter entrado em vigor o DL 277/93, de 10 de Agosto, conforme documentos de fls. 9 e 11;

9) A oponente foi citada para a execução por simples postal expedido em 21 de Outubro de 1999, conforme cota de fls. 23, que se dá por reproduzida;

10) A oposição foi deduzida no dia 25 de Novembro de 1999, conforme carimbo aposto na p.i., que se dá por reproduzido;

11) A oponente prestou caução, nos termos da guia de fls. 40, que se dá por reproduzida, tendo a instância executiva sido suspensa, conforme informação e despacho de fls. 41, que se dão também por reproduzidos.



4. O presente recurso tem por base a oposição entre o acórdão que o Supremo Tribunal Administrativo proferiu em 6/06/2018, no processo nº 01614/15 (acórdão recorrido) e o acórdão que o mesmo Tribunal proferiu em 17/04/2002, no processo nº 026676 (acórdão fundamento).

Importa, antes de mais, verificar se ocorre a invocada oposição de acórdãos.

4.1. Trata-se de recurso interposto em processo de oposição a execução fiscal instaurada após 1 de Janeiro de 2004, ao qual é aplicável o ETAF aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, razão por que o seu conhecimento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, e não ocorrer a circunstância de aquele se encontrar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – (artigos 27º, nº 1, al. b), do ETAF, 152º, nº 1, al. a), do CPTA e 284º do CPPT).

Por sua vez, quanto à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir oposição, devem observar-se os seguintes critérios: (i) identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe a existência de quadros factuais substancialmente idênticos; (ii) inexistência de alteração substancial na regulamentação jurídica; (iii) oposição decorrente de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

No caso em análise é inquestionável que se encontram preenchidos os citados requisitos legais, porquanto o acórdão recorrido diverge, de forma expressa e frontal, do acórdão fundamento na apreciação e decisão da mesma questão fundamental de direito, pese embora o idêntico quadro factual subjacente e a sua leitura à luz da mesma legislação.

Questão que se reconduz a saber qual o prazo de prescrição aplicável a um crédito da Caixa Geral de Aposentações (CGA) que emerge de uma ordem de reposição nos cofres do Estado de quantias reportadas a pensões indevidamente pagas e depositadas na conta bancária de um beneficiário/pensionista, quando tais quantias daí foram parcialmente retiradas por familiar co-titular dessa conta.

Com efeito, enquanto no acórdão recorrido se julgou que o crédito se encontra sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no art.º 40º, nº 1, do Dec. Lei nº 155/92, de 28 de Julho, no acórdão fundamento julgou-se que ele se encontrava sujeito ao prazo de prescrição de vinte anos previsto no artigo 323º do Código Civil,

Está-se, pois, perante respostas expressas e antagónicas à mesma questão fundamental de direito, razão por que o recurso tem de prosseguir para conhecimento do seu mérito.

4.2. A questão que importa resolver é, como vimos, a de saber qual o prazo de prescrição aplicável a um crédito da CGA que emerge de ordem de reposição de quantias indevidamente pagas a um pensionista e que devem reentrar nos cofres do Estado, quando essas quantias foram depositadas na conta bancária do beneficiário e daí retiradas, após o seu falecimento, por um familiar co-titular dessa conta, sendo este chamado a repor tais quantias.

No acórdão recorrido decidiu-se que o crédito prescreve decorridos cinco anos após o recebimento pelo beneficiário ou colocação à sua disposição na respectiva conta bancária, em conformidade com o disposto no art.º 40º nº 1 do Dec. Lei nº 155/92, de 28 de Julho.

Todavia, na óptica da Fazenda Pública, ora Recorrente, esse regime especial não é aplicável ao caso vertente, na medida em que ele se reporta exclusivamente a ordens de reposição que tenham subjacentes relações jurídicas administrativas anteriormente constituídas – como são as ordens de reposição dirigidas a funcionário público, a agente ou a pensionista – o que não se verifica no caso, por se tratar de um terceiro que teve acesso a quantias pagas a um beneficiário, devendo, por isso, ser aplicado o regime geral de prescrição contido no art.º 309º do C. Civil.

Todavia, pelas razões que se deixaram explicitadas no acórdão recorrido, não lhe assiste razão.

Com efeito, o artigo 40º do Dec. Lei nº 155/92, de 28 de Julho, inserido na Secção VI relativa à “Reposição de dinheiros públicos”, ao estabelecer que «A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento» está claramente a reportar-se, de forma abrangente, a qualquer reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado, e não, como aconteceu no passado, unicamente à reposição por funcionários, agentes ou credores do Estado (DL nº 324/80, de 25 de Agosto, que estabelecia o regime de reposição de importâncias indevidamente ou a mais recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado).

O que significa que este regime se aplica a todos os montantes indevidamente recebidos/arrecadados que devam reentrar nos cofres do Estado – quer tenham resultado de meros actos jurídicos de pagamento, quer de actos administrativos definidores de uma relação jurídica obrigacional com a pessoa a quem o pagamento foi efectuado.

Em suma, esse prazo reporta-se a todos os créditos de que o Estado seja titular por força do pagamento de quantias indevidas e que, como tal, devam reentrar nos seus cofres, independentemente da qualidade do sujeito passivo da obrigação de restituição, o qual poderá, ao fim de cinco anos, opor perante o credor a extinção, por prescrição, desse crédito – tendo em conta que a prescrição envolve uma reacção contra a inércia e o desinteresse do titular do direito (no caso a CGA) que deixa passar um apreciável intervalo de tempo sem exigir o cumprimento da dívida.

Por conseguinte, o prazo previsto no art.º 40º é aplicável à reposição de quantias por pensões indevidamente pagas pela CGA através de depósito em conta bancária do pensionista, ainda que daí tenham sido retiradas e arrecadadas por um co-titular dessa conta, como é o caso.

Termos em que se acolhe e reitera a posição sufragada no acórdão recorrido, tendo em conta a sua motivação jurídica e que se passa a transcrever.

«A questão sub judice prende-se com a interpretação dos arts. 36º e 40º do Decreto-lei 155/92, que dispõem sobre a reposição de dinheiros públicos.
O Decreto-lei 155/92, de acordo com o seu preâmbulo, «finaliza a arquitectura legislativa da reforma orçamental e de contabilidade pública», estabelece um novo regime de administração financeira do Estado e desenvolve os princípios aí estabelecidos na Lei de Bases da Contabilidade Pública (Lei 8/90, de 20 de Fevereiro), substituindo 31 diplomas fundamentais da contabilidade pública que vão desde a 3.ª Carta de Lei, de 1908, até à sua publicação.
De entre esses diplomas revogados conta-se o Decreto-lei 324/80, de 25 de Agosto (revogado em conjunto com outras disposições legais pelo Decreto-lei 155/92), que regulava «a reposição de importâncias indevidamente ou a mais recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado», procedendo, como expressamente se fez constar do respectivo preâmbulo, a uma «revisão as disposições legais que regulamentam a reposição de importâncias indevidamente ou a mais recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado».
Ora o Decreto-lei 155/92, enquanto diploma regulador do novo regime de administração financeira do Estado, tem um âmbito de aplicação mais vasto, e integra na sua Secção IV um capítulo relativo à «reposição de dinheiros públicos», nele se referindo «à reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado», e não, expressa e unicamente à reposição de quantias «recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado».
Assim dispõe o art.º 36º daquele diploma legal que «1 - A reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode efectivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de guia. 2 - As quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono seguinte de idêntica natureza. 3 - Quando não for praticável a reposição sob as formas de compensação ou dedução, será o quantitativo das reposições entregue nos cofres do Estado por meio de guia»
No que se refere à obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado (art.º 36º nº 1), o art.º 40º nº 1 do referido diploma estabelece um prazo de prescrição de cinco anos (nº 1), prazo que não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, aditado com “natureza interpretativa”, pelo artigo 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro (nº 3).
Com efeito, o art.º 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, na sua redacção original, dispunha:

Prescrição

1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.

2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.»


Esta última disposição, como lei “interpretativa”, integra-se na lei interpretada nos termos do art.º 13º nº 1 do Cód. Civil, retroagindo por isso os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei interpretada, ou seja, à data da entrada em vigor do DL nº 155/92.
A este propósito, sublinhou a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que o sentido normativo deste nº 3, introduzido pela Lei n.º 55-B/2004, era o de que a previsão legal do nº 1 – de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento – não é prejudicada ou de alguma forma condicionada pelo regime de revogação dos actos administrativos inválidos fixado no art.º 141º do CPA (neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Pleno da SCA do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.06.2008, recurso 1212/06 e da 2ª Subsecção de 30.10.2007 – Rec. 86/07).
Tendo-se uniformizado jurisprudência no sentido de que «[o] despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho, não viola o artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo artigo 77º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro» - cf. o supracitado Acórdão 1212/06 e bem assim os Acórdãos que se lhe seguiram, de 17.03.2010 [Proc. n.º 0413/09], de 22.11.2011 [Proc. n.º 0547/11], e de 29.10.2015 [Proc. n.º 0183/15]
Assim, a prescrição prevista no artigo 40º do DL 155/92 supõe a exigibilidade ou possibilidade de cobrança de crédito preexistente, mas nada terá a ver com a definição dessa exigibilidade.
Em suma resulta daquele regime legal de prescrição, que estando em condições de ser exercido o direito à reposição de verbas, o mesmo se aplica a qualquer montante de dinheiro público indevidamente recebido que deva reentrar nos cofres do Estado, quer resulte de meros actos jurídicos de pagamento, quer resulte de actos administrativos, definidores de qualquer relação jurídica obrigacional com as pessoas a quem o pagamento indevido foi dirigido, nomeadamente beneficiários de pensões, funcionários ou agentes do Estado.
Importa também referir que tal como a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, o art.º 35º do mesmo diploma legal prevê, sobre a epígrafe «restituições», que o direito à restituição de quaisquer receitas que tenham dado entrada nos cofres do Estado sem direito a essa arrecadação prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que deram entrada nos cofres do Estado as quantias a restituir, salvo se for legalmente aplicável outro prazo mais curto.
Parece pois claro que no regime de administração financeira do Estado regulado pelo Decreto-lei 155/92 se prevê um prazo de prescrição de cinco anos quer para obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos, quer para o direito de restituição de receitas, o que bem se compreende e a que não será, seguramente, alheia a ponderação de valores como a segurança e a certeza jurídicas.
Daí que se entenda que o prazo prescricional de 5 anos previsto no art.º 40º nº 1 do DL nº155/92, de 28.07, que constitui norma especial e derroga a norma geral do art.º 309º do Código Civil, será aplicável à reposição em questão nos autos - de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado – pese embora estejamos em presença de actos de processamento de pensões de reforma cujo montante foi percebido por outrem que não era o respectivo destinatário (e se é certo que para estes pagamentos indevidos muito contribuiu a reprovável conduta da recorrente que se aproveitou do erro dos serviços (o que, só por si não é bastante para preencher o tipo legal de burla tributária – artº 87º do RGIT), também a CGA não estará isenta de responsabilidades por ter negligenciado durante longo período de tempo o controle dos factos extintivos da aposentação).

O acórdão recorrido não merece, pois, qualquer censura.

5. Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em Pleno, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 3 de Julho de 2019. - Dulce Manuel da Conceição Neto (Relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Ana Paula da Fonseca Lobo, com declaração anexa - Joaquim Casimiro Gonçalves - Pedro Manuel Dias Delgado - António José Pimpão vencido pois manteria a solução do acórdão fundamento.
Com efeito as quantias depositadas na conta que continuou em nome do pai falecido e da filha desde 1.7.2002 até 30.11.2012 não foram recebidas pelo pensionista mas depositadas numa conta bancária que, a partir da morte deste, foi apenas movimentada pela filha. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia, vencido nos termos da declaração de voto do Sr. Conselheiro António Pimpão.

VOTO de VENCIDA

Não acompanho a decisão que logrou vencimento no processo 1541/14.8 BESNT pelas razões que passo a indicar:

Acompanho a decisão que logrou vencimento no sentido de que o prazo de prescrição da dívida exequenda é de 5 anos, nos termos do disposto no art.°40.° do DL 155/92 de 28 de Julho pelos fundamentos ali aduzidos.

Porém, estando em causa a prescrição da dívida exequenda cujo conhecimento é oficioso no processo tributário, ao abrigo do disposto no art.° 175.° do Código de Processo e Procedimento Tributário, não pode o Pleno da secção do contencioso tributário ficar pela mera negação de provimento ao recurso sem tomar conhecimento, em matéria de prescrição, de conhecimento oficioso, se a decisão proferida pelo Tribunal recorrido fez de tal questão apreciação adequada e suficiente, nomeadamente quanto ao início do prazo de prescrição, causas suspensivas e interruptivas de tal prazo, com base nos factos que as instâncias consideraram provados.

O recurso por oposição de acórdãos não é um mero exercício teórico entre teses antagónicas mas foi criado pelo legislador como instrumento, de resto como todo o direito adjectivo, de realização do direito através da heterocomposicão dos litígios que lhe são presentes, em conformidade com o direito, encontrando a solução justa e legal do caso concreto que o acórdão recorrido, em meu entender não conseguiu atingir.

Lisboa, 2019.07.03

(Ana Paula Lobo)