Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0426/10.1BEPRT
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:OPOSIÇÃO
CONVOLAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I - Não é de ponderar a convolação da oposição em impugnação judicial se para além da discussão da legalidade da liquidação é invocada a ilegalidade da reversão da execução, que constitui fundamento de oposição, pois não compete ao tribunal escolher de entre eles qual deve prosseguir.
II - O tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa, já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC).
III - Por força do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º do CPPT, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio, independente da sua pertinência ou viabilidade de procedência, ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Nº Convencional:JSTA000P28729
Nº do Documento:SA2202112160426/10
Data de Entrada:02/24/2021
Recorrente:A..........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
1.1. A………., identificado nos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.º 3387200801093045, do Serviço de Finanças do Porto 4, em que é originária devedora a sociedade “B………….., Lda”, instaurado para cobrança coerciva de IVA de janeiro a dezembro de 2004 e de janeiro a maio de 2005, no montante total de €750.720,83, concluindo da seguinte forma as alegações de recurso:
«1. Foi doutamente decidido pela Senhora Juíza a quo não ser possível a convolação deste processo de oposição, por erro na forma do processo, para a forma de impugnação.
2. Considera-se, contudo, que tal convolação é possível e é exigível, nos termos do nº 4 do artigo 98º do CPPT.
3. O oponente deduziu oposição à execução fiscal, invocando como causa de pedir, desde o artigo 1º ao artigo 27º da petição que as faturam que determinaram as sucessivas liquidações adicionais do IVA, não eram falsas, como as classificava a A.T. mas, eram verdadeiras porque corresponderam a transações comerciais concretas.
4. Se é verdade que é manifesto que a causa de pedir formulada pela oponente não é compatível com uma oposição à execução, tal não impede a respetiva convolação e pelos fundamentos que seguem:
5. O pedido deduzido em sede de oposição tem a seguinte redação:
- Deve a presente oposição ser julgada procedente e provada e, em consequência, julgada extinta a execução.
6. Consoante profere o Ac. STA no processo 0678/12 de 26/09/2012, o fato de o oponente ter concluído a sua petição de oposição requerendo ao tribunal que se digne julgar procedente e provada a presente oposição com todas as legais consequências, designadamente a do levantamento da execução, o que nela se questionava e resulta manifesto da petição apresentada, é a legalidade da liquidação.
7. “Afastado o rigor formalista na interpretação das peças processuais, desadequado aos tempos presentes e expressamente rejeitado pelos modernos direitos processuais que procuram dar tradução ao princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses das partes, há-de concluir-se que a petição apresentada pode interpretar-se como contendo um pedido implícito no sentido de anulação da liquidação - pois que se questiona a legalidade em concreto da liquidação que está na origem da dívida exequenda - sendo de interpretar a referência ao levantamento da execução (ou no caso dos autos, “em consequência, à extinção da execução”) como decorrência expetável daquela anulação (…), como pedido consequencial do pedido implícito de anulação do ato tributário.
8. Como ensina Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.T. Anotado e Comentado, Vol. II, nota 10, alínea e), in fine, artigo 98º do CPPT) - “Na verdade (…) para aproveitamento da petição não interessará que o pedido esteja devidamente formulado, sendo relevante o efeito jurídico que se tem em vista.
“Por isso, se interpretando a oposição, se conclui que o oponente pretende a eliminação jurídica de um ato que identifica, não haverá obstáculo à convolação.
Sentido idêntico tem os Acórdãos deste Supremo Tribunal sido proferidos.
9. Entre eles, o Acórdão nº 0154/13 de 15/05/2013, relatado pela Ilustre Conselheira Isabel Marques da Silva onde, decorrente dos acima citados princípios, declara que “se justifica alguma benevolência na interpretação da petição inicial por forma a considerar que o pedido de extinção da execução formulado a final pelo impugnante será mera consequência da anulação total do ato de liquidação que está na origem da dívida exequenda impugnada, que implicitamente se requer”.
10. No acórdão proferido no processo 032/13 de 8/01/2014, o Ilustre Conselheiro Francisco Rothes profere:
- o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado nos autos não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (…).
Na verdade, na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no artigo 295º do C.C. (…) os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no artigo 236º, nº 1 do C.C., (…) o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado.
Por outro lado, vale também aqui o princípio aplicável aos negócios formais - denominado do mínimo de correspondência verbal (artigo 238º, nº 1 do C.C.).
“Para além de que não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais está hoje vencido pelo princípio do moderno processo civil e bem assim, pelo princípio constitucional de tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º e 268º, nº 4 da CRP) motivo porque o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão.
11. Princípios e fundamentação que repete no Acórdão nº 01508/14 de 16/12/2015, e onde conclui que o pedido de extinção da execução formulada a final pelo oponente enquanto “consequência” da anulação total de liquidação que está na origem da dívida exequenda pode ser interpretado como tendo implícito o pedido de anulação desse ato.
12. Em acórdão posterior de 1/02/2017, no processo nº 0200/16, 2ª Secção, considerou o mesmo Ilustre Conselheiro que “na interpretação do pedido não deve o Juiz ficar-se pela redação que lhe foi dada: há-de ir um pouco mais longe, não olvidado que nesta tarefa hermenêutica não podem ignorar-se as concretas causas de pedir invocadas, na medida em que permitam descortinar a verdadeira pretensão da tutela jurisdicional pretendida”.
13. A forma não deve prevalecer sobre o fundo, e essa preocupação com a tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses das partes, é admitida no artigo 7º da Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe “para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronunciar o mérito das pretensões formuladas”.
Pelo que
14. Instruídos pela doutrina e jurisprudência citada, da interpretação flexível do pedido, o pedido deduzido pelo oponente da extinção da execução, contem um pedido implícito no sentido de anulação dos atos tributários (liquidação do IVA) que deram origem às dívidas exequendas, pois é com base na ilegalidade destes atos, designadamente por erro nos pressupostos de fato, que o oponente sustenta que não deve os IVAS, em curso de execução, tese esta já sustentada pelo oponente em sede de alegações.
15. Termos em que se consideram violados os acima citados preceitos legais e constitucionais, cuja mais douta jurisprudência interpreta no sentido de ser permitido e exigido em convolação.
16. Impõe o artigo 74º, nº 1 da LGT que o ónus da prova dos fatos constitutivos do direito da administração tributária recai sobre quem os invoque.
17. Pelo que, respondendo o oponente como responsável subsidiário, isto é, só após a prévia demanda executiva da devedora originária, pela dívida desta,
18. Incumbe à administração tributária alegar e provar que procedeu à propositura da acção executiva contra a devedora originária e a B………… Lda, e que desta execução a mesma foi citada para se opor ou para impugnar, querendo.
19. Mas, mostram os autos, que a B............ não foi citado por via postal ou pessoalmente, dado o documento junto pela Administradora Tributária, sem carimbo dos CTT e sem devolução assinada pelo recetor.
20. E, ainda, pelo fato de nos autos dessa execução, constar que esta sociedade “cessou a sua atividade em 31/03/2008, cerca de 9 meses antes da autuação do processo executivo em 23/12/2008.
21. A inexistência de prova de citação da executada devedora originária no processo 3387200801093045, determina a inexistência do pressuposto de que depende o acionamento do subsidiário responsável, nos termos do artigo 23º e 24º da LGT.
22. A inexistência da citação requerida importa a nulidade da reversão por falta do pressuposto de que depende a subsidiariedade.
23. Termos em que, também por tal motivo e ao abrigo dos citados preceitos legais, a reversão não pode subsistir.»

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações pela Administração Tributária e Aduaneira (AT).

1.3. A excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante da decisão recorrida.

3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1. O recurso interposto da sentença que julgou improcedente a oposição à execução fiscal, deduzida pelo ora Recorrente, enquanto executado por reversão, tem dois fundamentos: a) o erro de julgamento no que respeita à não convolação da oposição à execução fiscal em impugnação judicial; b) o erro de julgamento no que respeita à nulidade da reversão por falta de citação da originária devedora para o processo de execução. Cumpre apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento apontados.

3.2. No que tange ao primeiro dos fundamentos do recurso, é manifesta a falta de razão do Recorrente.
Na verdade, como foi entendido na sentença recorrida, na petição inicial foi arguida matéria que respeita à legalidade da liquidação que constitui a quantia exequenda e que não podem ser discutidas em sede de oposição à execução fiscal, face aos fundamentos taxativos previstos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. Assim, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda só é fundamento de oposição à execução fiscal se a lei não assegurar meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação. No caso o executado podia ter deduzido impugnação judicial, prevista nos artigos 99.º e seguintes do CPPT, para discutir a legalidade da liquidação, faculdade que a lei prevê não só para o devedor principal como para o responsável subsidiário no n.º 5 do artigo 22.º da LGT.

Defende o Recorrente que perante essa constatação, ou seja, que aquela matéria apenas poderia ser discutida no processo de impugnação judicial, o Tribunal recorrido deveria ter convolado a oposição à execução fiscal em impugnação judicial, e que o pedido formulado na petição inicial – de extinção da execução - não constituía a tanto obstáculo, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido. Mas carece de razão. Saliente-se desde já que toda a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que cita, e que em síntese doutrina que na apreciação do erro na forma do processo o juiz deve apreciar o pedido formulado na oposição de uma forma flexível de maneira a possibilitar a convolação em impugnação judicial, nos termos dos artigos 97.º, n.º 3, da LGT e artigo 98.º, n.º 4, do CPPT, assim fazendo prevalecer a justiça material sobre a formal, respeita a casos em que no articulado inicial o oponente apenas invocou matéria respeitante à legalidade da liquidação. A situação sub judice é diferente, pois para além da ilegalidade da liquidação o Oponente, ora Recorrente, invocou também a ilegalidade do despacho de reversão. E é o processo de oposição à execução fiscal, e não o de impugnação judicial, o meio processual adequado para o executado discutir em juízo a legalidade do ato de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário – cf., entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-06-2016, proferido no processo 01392/15.
Ora, quando são invocados diversos fundamentos que correspondem a diversas formas processuais, não é de ponderar a convolação, pois não compete ao tribunal escolher de entre eles qual deve prosseguir – cf. entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-06-2018, proferido no processo 0212/18 – devendo o tribunal conhecer daqueles que se ajustam ao meio processual eleito pela parte.
Em face da invocação de uma causa de pedir que constitui fundamento legal de oposição à execução fiscal, o Tribunal recorrido, ao contrário do defendido pelo Recorrente, não podia proceder à convolação do processo em impugnação judicial, pelo que nesta parte o recurso terá de improceder.

3.3. No que respeita ao segundo dos fundamentos do recurso deparamo-nos com o facto de ele não ter sido tratado na sentença recorrida. Invoca o Recorrente a ilegalidade da reversão por a sociedade originária devedora não ter sido citada para a execução.
O Oponente, ora Recorrente, havia alegado na petição inicial que a sociedade originária devedora tinha sido declarada falida e que «Assim sendo, nos termos do disposto no art.º 81.º, 85.º e 0.º do CIRA, qualquer apreensão de bens ou execução contra a B………… teria de ser dirigida contra esta, e com citação na pessoa do respetivo administrador da insolvência, o que não ocorreu.». Mas o Tribunal recorrido nada disse a respeito. Perante estas circunstâncias, não se pode falar em erro de julgamento, mas antes em omissão de pronúncia, a qual implica a nulidade da sentença.
Por força do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º do CPPT, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio, independente da sua pertinência ou viabilidade de procedência, ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
É certo que o Recorrente não invoca a nulidade da sentença recorrida. Contudo, como já este Tribunal afirmou no acórdão de 27-01-2016, proferido no processo 043/16, o tribunal de recurso não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade de sentença e vice-versa, já que na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3 do CPC).
Assim sendo, não resta senão declarar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que o Supremo Tribunal Administrativo não pode suprir essa nulidade, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 684.º do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT.

4. DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
1- confirmar a sentença na parte em que recusou a convolação do meio processual, de oposição à execução fiscal, em impugnação judicial;
2- julgar verificada a nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão da ilegalidade da reversão, anular a sentença nessa parte e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí, após fixação da matéria de facto pertinente, ser conhecido esse fundamento da oposição;
3- condenar em custas a Recorrente e a Recorrida, esta com dispensa do pagamento de taxa de justiça nesta instância de recurso por não ter contra-alegado, na proporção de 50% para cada uma.


Lisboa, 16 de dezembro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.