Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0819/11
Data do Acordão:10/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
RECURSO HIERÁRQUICO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Só após o início de vigência da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que deu nova redacção ao n.º 3 do artigo 49.º da LGT, a interrupção do prazo de prescrição opera uma única vez.
II - A interrupção da prescrição inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (cfr. o n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil), não começando a correr novo prazo (igual ao primitivo – cfr. o n.º 2 do artigo 326.º do Código Civil) enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr. o n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil), salvo em caso de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte que se tenha completado em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro.
Nº Convencional:JSTA00067186
Nº do Documento:SA2201110120819
Data de Entrada:09/19/2011
Recorrente:A...,S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2011/07/20 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CCIV66 ART10 N1 ART12 N2 ART326 N1 ART327
LGT98 ART11 N4 ART49 N1 N2 N3
CPPTRIB99 ART169
CONST97 ART18 ART103 N2 ART266
CPC67 ART285
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART91
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC160/09 DE 2009/03/04; AC STA PROC217/11 DE 2011/06/29
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA : NOTAS PRÁTICAS 2ED PAG58 PAG69 PAG70
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 –A…, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 20 de Julho de 2011, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa–3, datado de 22/11/2000, que indeferiu o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 3085200301044885, respeitante a IRC do ano de 1997, apresentando as seguintes conclusões:
1 – O presente recurso tem por objecto a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 20 de Julho de 2011, que veio julgar improcedente a reclamação do órgão de execução fiscal apresentada pela ora Recorrente.
2 – A sentença recorrida enferma, salvo o devido respeito e, que é muito, de uma errónea interpretação do direito devendo, como tal, ser revogada com todas as consequências legais.
3 – A questão que justifica a intervenção do STA prende-se com a solução de direito adoptada pelo Tribunal recorrido, para não dar por verificada a prescrição da obrigação tributária.
4 – A solução de direito adoptada pelo Juiz “a quo” fundamentou-se nas regras gerais da prescrição previstas no Código Civil – arts. 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1, em detrimento das regras específicas previstas no art. 49.º da LGT.
5 – Em função da aplicação dessas regras, a sentença recorrida desconsiderou todo o prazo decorrido, entre a data da verificação do facto tributário e a data de interposição da reclamação graciosa e recurso hierárquico.
6 – Ao aplicar a lei civil por analogia a sentença recorrida violou o art. 10º, nº1 do Código Civil, na medida em que o recurso à analogia só é possível no caso de existência de lacuna. O que não é o caso.
7 – E, consequentemente o art. 11º, nº4 da Lei Geral Tributária, dado que este proíbe o recurso à analogia das normas fiscais substantivas.
8 – E mesmo quando residualmente aplicou o art. 49.º da LGT fê-lo em clara violação da lei, na medida em atribuiu à recorrente responsabilidade pela paragem do processo por mais de um ano, pelo facto de esta ter deduzido recurso hierárquico.
9 – A sentença recorrida viola também a lei quando vem interpretar o art. 169.º do CPPT em que o Tribunal “a quo” se baseia para propalar a sentença recorrida, não é possível à luz das regras interpretativas próprias do Estado de Direito.
10 – As causas de suspensão e interrupção da prescrição estão enunciadas em lugar próprio, o art. 49.º da LGT.
11 – O art. 169.º do CPPT trata apenas e somente das condições em que opera a suspensão da execução.
12 – O citado art. 169.º do CPPT trata apenas da suspensão do processo executivo, inserto no Código, sob a epígrafe – suspensão, interrupção e extinção do processo, vem inequivocamente confirmar que se trata de uma norma de natureza procedimental e relativa apenas à marcha do processo executivo.
13 – Por seu lado o art. 49º da LGT inserto, na Lei, na parte que concerne à “extinção da relação jurídica tributária”, confirma que se trata de uma norma de natureza substantiva relativa à subsistência da relação jurídica tributária.
14 – Comparando a redacção dos dois preceitos legais se constata que em nenhuma parte da redacção do art. 169.º do CPPT se utiliza, directa ou indirectamente a expressão prescrição ou sequer a equivalente extinção da obrigação tributária.
15 – A redacção do art. 49º da LGT também se cinge a questões substantivas relativas e circunscritas à “interrupção e suspensão da prescrição”. Não fazendo quaisquer referências acerca da matéria vertida citado art. 169.º do CPPT.
16 – Recorrendo à interpretação sistemática e literal resulta evidenciado que o legislador tratou a matéria da prescrição da obrigação tributária de forma autónoma e, sem qualquer conexão com a matéria relativa à suspensão da execução.
17 – Se reconstituirmos o espírito do legislador a partir das actas da discussão legislativa da matéria na Assembleia da República constatamos que em nenhum momento é referida essa conexão entre os dois artigos – “suspensão da execução” e “interrupção ou suspensão da obrigação tributária”.
18 – Não existindo qualquer correspondência, mesmo literal ou qualquer outra, entre o art. 169.º do CPPT e o art. 49º da LGT refunda a ilegalidade da solução interpretativa da sentença do Tribunal “a quo”, ora recorrida.
19 – A essa luz, a interpretação que a sentença recorrida faz do art. 169.º do CPPT ao assimilar os efeitos da suspensão da execução, aos efeitos da suspensão da prescrição viola claramente o princípio constitucional da legalidade consagrado no art. 103º, nº2 da Lei Fundamental.
20 – O Tribunal “a quo”, nos presentes autos obnubila a sua função ao atribuir um sentido ao art. 169.º do CPPT que a letra da lei não só não permite, como proíbe, uma interpretação que não tenha qualquer correspondência na letra da lei viola as regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente os princípios da legalidade, da reserva de lei e, ainda das específicas da actividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé – arts. 18º, 103º e 266º da CRP.
21 – Ao omitir e não dar relevo às consequências legais decorrentes da sucessão no tempo dos diversos regimes de prescrição, nomeadamente as decorrentes do art. 91.º da Lei 53/A/2006, de 29 de Dezembro o Tribunal recorrido ao contabilizar como fez o prazo de prescrição, errou na aplicação do direito.
No caso sub judice,
22 – O processo de execução fiscal foi instaurado em 26 de Novembro de 2003, não tendo havido citação.
23 – O imposto – IRC do ano de 1997, que se encontra em execução fiscal, foi objecto de reclamação graciosa deduzida em 15 de Novembro de 2002.
24 – O processo de reclamação graciosa esteve parado por mais de um ano por facto não imputável à ora reclamante.
25 – O processo de recurso hierárquico esteve parado por mais do que um ano por facto não imputável à ora reclamante.
26 – O prazo prescricional é o prazo de oito anos previsto na Lei Geral Tributária, nos termos do n.1 do art. 5.º do decreto-Lei n.º 398/98, que aprovou a Lei Geral Tributária e art. 297.º do Código Civil.
27 – Acrescido do prazo máximo de interrupção de um ano, em virtude da paragem ter ocorrido em 31.12.2006.
28 – Pelo que ao contrário do que conclui a sentença recorrida a obrigação tributária está prescrita.
29 – Consequentemente, os factos e o direito demonstram que, respeitando os factos tributários ao ano de 1997, a prescrição da dívida tributária já ocorreu em 31.12.2006.
30 – Acresce ainda, que estando a correr o prazo prescricional, foi publicada a Lei n.º 53-A/2006 que procedeu a alterações significativas ao regime da prescrição tributária.
31 – Revogando designadamente o nº 2 do art. 49º da LGT que dispunha “…a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação …”.
32 – A antedita revogação do n.º 2 do art. 49º da LGT significa em termos práticos, que a paragem do processo por efeito da interposição de reclamação ou impugnação, como é o caso, não faz cessar o efeito interruptivo da prescrição tributária.
33 – Contudo, as disposições transitórias ínsitas na aludida Lei 53-A/2006 salvaguardaram todos os prazos de prescrição em curso, em que já tivesse decorrido o período superior a um ano de paragem do processo.
34 – Nesta esteira, dispõe o art. 91.º, da Lei 53-A/2006, (Disposições transitórias no âmbito da LGT) “A revogação do nº 2 do art. 49º da Lei Geral Tributária aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso objecto de interrupção em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.” (Sublinhado nosso)
35 – A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2007.
36 – Ora, nessa data há muito tinha decorrido o prazo de um ano de paragem dos autos de reclamação graciosa que se iniciara em 15 de Dezembro de 2002 e, dos de recurso hierárquico que se iniciara em 28 de Abril de 2005.
37 – Por força da disposição transitória consignada no art. 91.º, da Lei n.º 53-A/2006, não se aplicam aos autos as alterações ao regime da prescrição, instituído pela citada Lei.
38 – Assim, o Cômputo do prazo anterior, in casu, releva para o prazo de prescrição da obrigação tributária.
39 – No entanto, a sentença recorrida assim não decidiu, fez tábua rasa desse comando legal, dado que não tirou as devidas consequências do regime transitório instituído pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
40 – Destarte, a 2obrigação tributária” está extinta, por prescrição, em virtude de já ter decorrido o respectivo prazo.
41 – Todos estes elementos da solução de direito são suficientes, para a terem sido considerados, com toda a certeza, a decisão adoptada pelo tribunal recorrido seria diferente.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis e, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, deve a sentença recorrida ser revogada, com o concomitante, reconhecimento da prescrição da dívida de IRC do ano de 1997, constante dos autos de execução fiscal n.º 3085200301044885, com todas as consequências legais.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal no seu parecer junto aos autos a fls. 273/275 pronunciou-se no sentido de que o recurso é de improceder.
Com dispensa dos vistos, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à Conferência.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se está prescrita a dívida exequenda (IRC de 1997).
6 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 26 de Dezembro de 2003 foi instaurado pelo serviço de finanças de Lisboa 3 contra a ora reclamante o processo de execução fiscal n.º 3085200301044885 originado por dívida de IRC do exercício de 1997 no montante de EUR 31.105,06 (cf. autuação e certidão de dívida a fls. 3-4 dos autos).
2. Em 15 de Novembro de 2002, a ora reclamante deduziu reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação de IRC do ano de 1997 (cf. folha de rosto da reclamação, a fls. 171 dos autos).
3. Através de despacho proferido em 3 de Março de 2005, a reclamação graciosa melhor identificada no ponto anterior foi objecto de deferimento parcial (cf. ofício n.º 16625 de 21-03-2005, a fls. 173 e 184 dos autos).
4. A reclamação graciosa esteve parada por período superior a um ano após a respectiva interposição (acordo; cf. informação dos serviços a fls. 71 dos autos).
5. Em 28 de Abril de 2005 a ora reclamante apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa melhor identificada no ponto 2 (acordo; cf. informação dos serviços a fls. 71 dos autos).
6. Em 24 de Julho de 2006 a ora reclamante apresentou a garantia bancária n.º 328146 emitida em 19 de Julho de 2006 pelo Banco Espírito Santo, SA, sociedade aberta, até ao limite de EUR 53.187,01, destinada a “caucionar a suspensão do processo de execução fiscal n.º 3085200301044885, relativo a IRC do exercício de 1997 (cf. requerimento de apresentação e garantia a fls. 30-31 dos autos).
7. Em 8 de Maio de 2009, a ora reclamante foi notificada do despacho de 25 de Fevereiro do mesmo ano, negando provimento ao recurso hierárquico melhor identificado no ponto 5 (cf. ofício nº 34976 de 30-04-2009 e cópia do A/R que o acompanhou a fls. 46-53 dos autos).
8. Em 14 de Outubro de 2009 foi dado conhecimento à reclamante que deveria proceder ao pagamento da dívida exequenda no prazo de 15 dias, na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto pela mesma (cf. ofício 9867 de 8-10-2009 e A/R que o acompanhou, a fls. 54-55 dos autos).
9. Em 28 de Outubro de 2009, a ora reclamante requereu ao chefe do serviço de finanças de Lisboa 3, que fosse reconhecida a prescrição da dívida exequenda (cfr. fls. 56-58 e 175-179 dos autos).
10. Em 23 de Novembro de 2009 foi emitida informação pelo serviço de finanças de lisboa 3 com o seguinte teor (cf. fls. 66-69 dos autos):
INFORMAÇÃO
I – DO PEDIDO
A executada vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos art. 175.º e 176.º do CPPT, arguir a prescrição da dívida e requerer a extinção dos autos, o que faz nos termos e com os fundamentos do seu requerimento entregue em 29.10.2010.
II – DA ANÁLISE
1. Nos presentes autos está em causa uma dívida de IRC de 1997, pelo que se impõe determinar qual o regime aplicável ao prazo da prescrição, visto que desde então até hoje sucederam-se 2 regimes legais diversos, que se elencam:
- O do art. 34.º do CPT, cuja vigência se manteve no período compreendido entre 01707/1991 e 01/01/1999, data em que entrou em vigor a LGT, cujo diploma de aprovação, o dec. Lei n.º 398/98, de 17/12, revogou expressamente aquele preceito (art. 29, n.º 1 e 6 do referido DL);
- O dos art. 43.º e 49.º da LGT, desde 1 de Janeiro de 1999 até à presente data;
2. Nos termos do art. 342 do CPT, o prazo de prescrição das dívidas tributárias era de dez anos, contando-se o mesmo desde o início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, salvo a existência de regime especial;
3. Com a entrada em vigor da LGT em 01/01/1999, o referido prazo de prescrição foi encurtado para oito anos;
4. Para determinar qual destes prazos de prescrição é que se aplica, há que recorrer ao art. 297 n.º 1 do Código Civil, de acordo com o qual “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei (01/01/1999), a não ser, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”;
5. Aplicando as considerações precedentes ao caso em apreço, temos que tratando-se de uma dívida de IRC do ano de 1997, aplica-se, salvo melhor opinião, o prazo prescricional previsto na LGT, ou seja, de 8 anos, dado o período de tempo que falta para se completar o prazo prescricional, aplicando-se o novo prazo por ser o mais favorável. Assim, o prazo prescricional daquela dívida inicia-se em 01/01/1998, mas apenas se conta a partir de 01/01/1999, data da entrada em vigor da LGT, e não ocorrendo qualquer dos factos interruptivos e/ou suspensivos previstos no art. 49.º da LGT, temos que o prazo prescricional terminaria em 31/1/006.
6. Havendo sucessão de leis no tempo, a lei nova é competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição que têm os factos que ocorrem na sua vigência, por força do disposto no art. 12.º do CC.
7. Antes da alteração introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, que entrou em vigor em 01/01/2007, dispunha o art. 49.º da LGT, no seu n.º 1, que a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompiam a prescrição. A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz, porém, cessar, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 49.º da LGT o efeito previsto no seu número 1, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
8. In casu, temos os seguintes factos:
a. Em 26.12.2003, foi instaurado o PEF 3085200301044885, para cobrança coerciva da dívida em causa;
b. Não houve citação pessoal da executada;
c. Em 29.11.2002, foi apresentada reclamação graciosa;
d. Em 28.03.2005 foi o contribuinte notificado do deferimento parcial tendo apresentado recurso hierárquico em 28.04.2005;
e. Em 18.05.2006, foi extraído mandado de penhora e efectuadas penhoras de saldo bancário dos Bancos Millennium, BES, Banif e Santander Totta em 7.06.2006;
f. Em 23.06.2006, foi requerida a suspensão da referida execução fiscal e solicitado a substituição das penhoras por garantia bancária;
g. Em 14.07.2006, foi o contribuinte notificado para prestar garantia no prazo de 15 dias;
h. Em 24.07.2006 veio o contribuinte apresentar a garantia bancária n.º 328 146 no valor de € 53 187,01, a qual foi aceite por despacho de 25.07.2006 e ordenado o levantamento dos saldos bancários;
i. Em 30.04.2009 foi o contribuinte notificado do despacho de 25.02.2009 negando provimento ao recurso;
j. No seguimento desta notificação e ultrapassado o prazo para a apresentação da impugnação judicial, foi a instituição bancária constituinte da garantia, notificada para executar a garantia bancária que se destinava a caucionar o processo executivo.
9. Afastada que está a instauração como causa interrupção do prazo prescricional, ainda assim no âmbito da LGT, podem surgir situações em que mais de uma causa de interrupção ocorra em relação a um mesmo prazo de prescrição;
10. A actual redacção do n.º 3 do art. 49.º da LGT não deixa margens para dúvidas ao afirmar que a interrupção tem lugar uma única vez, no entanto, esta norma só tem aplicação apenas aos factos interruptivos verificados após o início de vigência do diploma que introduziu a alteração da norma, isto é, a partir de 01.01.2007;
11. Assim sendo, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram anteriormente a 01.01.2007, como é o caso em análise, produzem os efeitos atribuídos pela lei vigente no momento em que elas ocorrem, ou seja, recorrendo ao pensamento explanado pelo Ilustre Juiz Conselheiro do STA, Jorge Sousa, na obra Sobre a obrigação Tributária, notas práticas, tal significa que as causas interruptivas que ocorreram anteriormente àquela data têm o seu efeito interruptivo próprio, eliminando para a prescrição o tempo decorrido anteriormente e obstante ao decurso do prazo de prescrição até ao termo do processo ou até à paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (vide Acórdão n.º 160/09, proferido pelo STA);
12. In casu, foi apresentada reclamação graciosa em 29.11.2002 e o seu deferimento parcial notificado em 25.03.2005. O recurso hierárquico foi apresentado em 28.04.2005 e a notificação da negação de provimento efectuada em 08.05.2009;
13. Assim sendo, temos de nos fixar na causa interruptiva relativa à reclamação graciosa, e não só, pois também não podemos, como fez a executada, alhearmo-nos, de que foi a própria a criar no processo em análise, uma causa de suspensão do prazo de prescrição devido à paragem do processo de execução motivada pela apresentação da reclamação e pedido de suspensão da execução fiscal entregue em 23.06.2006, tendo constituído garantia bancária a favor da AF em 24.07.2006 (vide, os acórdãos proferidos pelo STA no âmbito do proc. n.º 160/09 de 04.03.2009 e n.º 3284/09, de 28.10.2009);
14. E por outro lado, igualmente não podemos deixar de referir que a paragem da execução fiscal por motivo de suspensão foi despoletada pela própria executada – logo, essa paragem do processo é-lhe imputável, pois a sua actuação impediu o órgão de execução fiscal prosseguir os trâmites normais de cobrança coerciva, ao ter nomeado bens à penhora para efeitos de garantia, e assim sendo, de acordo com o n.º 3 do art. 49.º da LGT, na versão anterior à redacção que lhe foi dada pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, também o prazo de prescrição se encontrava suspenso;
15. Tendo em conta que o prazo prescricional de 8 anos previsto na LGT, iniciou-se em 01.01.1999 e contou-se até á data da instauração da reclamação graciosa, ou seja, até 29.11.2002, temos que só decorreram 3 anos 11 meses e 28 dias, faltando para se completar o referido prazo, 4 anos e 2 dias, o qual deveria ser contado a partir de 29.11.2003, data em que cessou o efeito interruptivo. O recurso hierárquico veio interromper o prazo de prescrição, iniciando a contagem na data em que cessa o efeito interruptivo até à sua apresentação (28.04.2005) temos que decorreram 1 ano, 4 meses e 28 dias cessando o efeito interruptivo em 28.04.2006, faltando assim para completar o prazo de prescrição 2 anos, 7 meses e 4 dias. Com a apresentação da garantia bancária em 24.07.2006 voltou a execução fiscal a ficar suspensa por culpa imputável ao contribuinte tendo decorrido 2 meses e 27 dias. Tendo sido proferido despacho no recurso hierárquico que ocorreu em 30.04.2009 até à presente data decorreram 1 ano, 5 meses e 17 dias, faltando para o prazo prescricional de 8 anos, 1 ano, 5 meses e 17 dias;
16. Assim, a dívida em causa não poderá considerar-se prescrita, até porque foi a executada que ao pedir a suspensão da execução fiscal nos termos legais, acabou por impedir que o prazo de prescrição corresse a seu favor. Uma solução contrária a esta significaria premiar duplamente a actuação da executada, que num primeiro momento já tinha, através do recurso à prestação de garantia, conseguido deter a acção do órgão de execução fiscal com vista à obtenção do seu crédito, e que agora, ver-se-ia novamente nas mesmas condições, se se desconsiderasse o período de paragem de suspenso do processo, para efeitos da prescrição.
(…)
11. Em 23 de Novembro de 2009 foi exarado despacho no PEF pela chefe de finanças em substituição, com o seguinte teor (cf. fls. 69 dos autos):
Face ao informado não reconheço a prescrição da dívida exigível no presente processo executivo.
Notifique-se.
12. Em 3 de Dezembro de 2009 foi dado conhecimento aos serviços do Banco Espírito Santo, SA que deveriam proceder à emissão de cheque à ordem do IGPC na importância de EUR 37.774,77 relativamente à garantia n.º 328146 melhor identificada no ponto 6 (cf. ofício 12824 de 30-11-2009 e A/R que o acompanhou, a fls. 63-64 dos autos).
13. Em 21 de Março de 2011 a ora reclamante teve conhecimento do despacho proferido pela chefe do serviço de finanças através do qual foi indeferido o pedido de reconhecimento da prescrição da dívida (cf. fls. dos autos).
14. A PI da presente reclamação deu entrada no serviço de finanças de Lisboa 3 em 29 de Março de 2011 (cf. fls. 152 dos autos).
7 – Apreciando.
7.1 Da prescrição da dívida exequenda (IRC de 1997)
A sentença recorrida, a fls. 224 a 233 dos autos, julgou improcedente a reclamação, por considerar não estar prescrita a dívida exequenda (IRC do ano de 1997).
Fundamentou-se o decidido na aplicabilidade ao caso dos autos do prazo de prescrição de oito anos previsto na Lei Geral Tributária (LGT), com termo inicial em 1/1/1999 (data de entrada em vigor do referido diploma legal), ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil, e computando no prazo a ocorrência de dois factos interruptivos da prescrição – a dedução de reclamação graciosa (que parou por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte) e a subsequente interposição de recurso hierárquico do indeferimento parcial daquela -, que, nos termos do disposto no art. 326.º, n.º 1 do Código Civil, teria como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, pois que a paragem do processo executivo fiscal na pendência desta se deveu à prestação de garantia, razão pela qual, em conformidade designadamente com os Acórdãos do STA proferidos em 4-3-2009 (proc. 0160/09) e de 29-06-2011 (proc. 0217/11), deve considerar-se imputável ao sujeito passivo (cfr. sentença recorrida, a fls. 230 a 232 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, não quanto à aplicabilidade do prazo de 8 anos previsto na LGT com que concorda (cfr. conclusão 26 das suas alegações de recurso), mas porquanto, alegadamente: (1) a solução de direito adoptada pelo Juiz “a quo” se teria fundamentado nas regras gerais de prescrição previstas no Código Civil – arts. 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 em detrimento das regras específicas previstas no art. 49º da LGT, aplicáveis por analogia em violação dos artigos 10.º, n.º 1 do Código Civil e 11.º, n.º 4 da LGT (cfr. conclusão 4 a 7 das alegações de recurso); (2) teria violado o artigo 49.º da LGT na medida em que atribuiu à recorrente a paragem do processo por mais de um ano, pelo facto de esta ter deduzido recurso hierárquico (cfr. conclusão 8 das suas alegações de recurso) e ao convocar o artigo 169.º do CPPT atribuindo-lhe relevo do domínio das causas de interrupção e suspensão da prescrição, em violação do princípio da legalidade (artigo 103.º n.º 2 da Constituição) bem como as regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente os princípios da legalidade, da reserva de lei e, ainda das específicas da actividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé – arts. 18º, 103º e 266º da CRP (cfr. conclusões 9 a 20 das suas alegações de recurso); (3) e ao omitir e não dar relevo às consequências legais decorrentes da sucessão no tempo dos diversos regimes de prescrição, nomeadamente as decorrentes do art. 91.º da Lei 53/A/2006, de 29 de Dezembro, nos termos das quais a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT ocorrida com aquela lei seria inaplicável in casu (conclusões 21 a 39 das suas alegações de recurso). Alega, em síntese, estar prescrita a dívida reclamada.
Vejamos.
O artigo 49.º da LGT elenca no seu n.º 1 as causas de interrupção da prescrição tributária, sem, contudo, definir os seus efeitos salvo no caso especial de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (cfr. o n.º 2 do artigo 49.º, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro).
Daí que, porque a lei tributária não contém qualquer definição do que seja a prescrição tributária e nem dos efeitos desta no cômputo do prazo (salvo no caso especial previsto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT), haverá que recorrer nesta matéria, onde não há especialidades, ao regime de direito comum, consubstanciado no que aos efeitos da interrupção respeita nas citadas normas dos artigos 326.º e 327.º do Código Civil, de aplicação geral em matéria de prescrição salvo se postergadas pela existência de norma tributária especial que expressamente as afaste (como sucede com o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, sem paralelo no direito comum desde a reforma do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de Maio de 1967, que eliminou o n.º 2 do artigo 285.º do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei n.º 44.129, de 28 de Dezembro de 1961 – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª ed., Lisboa, Áreas Global, 2010, p. 58).
O recurso ao regime de direito comum para determinar os efeitos da interrupção da prescrição fora dos casos expressamente disciplinados por normas tributárias não se traduz numa aplicação analógica da lei civil, antes na determinação do regime de interrupção da prescrição aplicável tendo em conta a unidade do sistema jurídico em que se insere, uma vez reconhecido que a lei tributária não disciplinou especialmente os efeitos da interrupção da prescrição a não ser no caso especial previsto no n.º2 do artigo 49.º da LGT e bem assim a necessidade de determinar quais os efeitos da interrupção da prescrição nos demais casos não especialmente previstos.
No caso dos autos, tendo presente que os factos interruptivos (e suspensivos) da prescrição a atender no cômputo em concreto do respectivo prazo hão-de de ser os previstos na lei em vigor à data da ocorrência destes, ex vi do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, importa ter presente que a dedução de reclamação graciosa tendo por objecto o acto sindicado, ocorrida em 15 de Novembro de 2002 (cfr. o n.º 2 do probatório fixado), interrompeu o prazo de prescrição em curso desde 1 de Janeiro de 1999 (ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 49.º da LGT), mas porque esta esteve parada por período superior a um ano após a respectiva interposição (cfr. o n.º 4 do probatório fixado) e não sendo tal paragem imputável ao contribuinte, a interrupção da prescrição “desgraduou-se” em mera suspensão do respectivo prazo (ex vi do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, então vigente), voltando este a correr uma vez completado um ano após a paragem e somando-se ao prazo posteriormente decorrido o que tiver decorrido entre o termo inicial do prazo (1-1-1999, data da entrada em vigor da LGT, pois que é o prazo desta lei o julgado aplicável) e a autuação da reclamação graciosa.
Significa isto que, no caso dos autos, a partir de 15 de Novembro de 2003 (um ano após a dedução da reclamação graciosa, que ao que parece esteve parou logo após a sua instauração), o prazo de prescrição recomeçou a correr, computando-se nele como já decorrido o período compreendido entre 1.1.1999 e 15 de Novembro de 2003 (isto é, 3 anos, 11 meses e 14 dias).
Sucede, contudo, que em 28 de Abril de 2005 a ora recorrente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa (cfr. o n.º 5 do probatório) e também o recurso hierárquico constitui, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, facto interruptivo da prescrição, inutilizando para a prescrição todo o tempo decorrido, salvo no caso em que esta de “degrade” em mera suspensão do respectivo prazo (ex vi do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, ao tempo ainda vigente, e aplicável aos prazos em curso salvo se o ano de paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte se tiver completado antes de 1 de Janeiro de 2007, data da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que revogou o n.º 2 do artigo 49.º da LGT – cfr. o artigo 91.º da Lei n.º 53-A/2006 e JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., pp. 69/70).
Ora, como só após o início de vigência da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que deu nova redacção ao n.º 3 do artigo 49.º da LGT, a interrupção do prazo de prescrição opera uma única vez, ambas as causas de interrupção da prescrição terão de ser atendidas, pois que ambas ocorreram em momento anterior ao da entrada em vigor daquela lei.
No caso dos autos, o contribuinte veio prestar garantia para suspender a execução na pendência do recurso hierárquico – cfr. o n.º 6 do probatório fixado -, mas apenas o fez em 24 de Julho de 2006, ou seja mais de um ano e dois meses após ter deduzido recurso hierárquico, não lhe podendo ser imputável a paragem do processo executivo antes dessa data e sendo que a esta data já se completara também o prazo de um ano de paragem do processo.
Significa isto, pois, que ao contrário do julgado, também esta segunda interrupção da prescrição se “desgraduou” em mera suspensão do respectivo prazo, não eliminando, afinal, o prazo decorrido antes da instauração do recurso, que haverá que somar ao que decorrer após um ano de paragem.
Computando em concreto o tempo decorrido temos que em 28 de Abril de 2006 haviam decorrido 5 anos, 4 meses e 27 dias do prazo de prescrição, faltando 2 anos, 7 meses e 4 dias para se completar o prazo de 8 anos.
E não obstante o prazo de prescrição não ter corrido entre 24 de Julho de 2006 (data da prestação de garantia – cfr. o n.º 6 do probatório fixado) e 25 de Fevereiro de 2009 (data da decisão do recurso hierárquico – cfr. o n.º 6 do probatório fixado) - pois que o recurso hierárquico acompanhado da suspensão da execução fiscal em virtude da prestação de garantia constitui facto suspensivo da prescrição previsto, ao tempo e hoje, no n.º 3 do 49.º da LGT -, voltou a correr a partir desta última data (25 de Fevereiro de 2009) e, de acordo com o probatório fixado, não mais se interrompeu ou suspendeu desde então, tendo-se, pois, entretanto completado os 2 anos e menos de 5 meses que faltavam para a prescrição se perfazer.
Está, pois, prescrita a dívida exequenda, havendo que dar provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida que assim o não julgou.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar prescrita a dívida reclamada (IRC do exercício de 1997).
Custas pela Fazenda Pública, apenas em 1.ª instância, pois que não contra-alegou neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 12 de Outubro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Francisco Rothes – António Calhau.