Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0193/14
Data do Acordão:12/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
DÍVIDA À CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A prescrição de dívida proveniente de um contrato de mútuo, objecto de execução fiscal promovida pela A………., interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (artº 323º, nº 1 do Código Civil).
II - Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
III - A interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, a menos que a interrupção resulte de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, caso em que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigos 326.º/1 e 327.º/1 do Código Civil).
Nº Convencional:JSTA00069951
Nº do Documento:SA2201612140193
Data de Entrada:02/14/2014
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CCIV66 ART309 ART310 ART323 N1 ART326 ART327 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC024545 DE 2000/03/01.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 2ED PÁG57.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a A…………, SA, com os demais sinais dos autos, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a reclamação intentada por B………… contra o despacho do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição no âmbito do processo de execução fiscal que corre termos, no Serviço de Finanças de Palmela, por dívidas àquela instituição bancária.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª- O prazo de prescrição começa a contar a partir do momento em que o direito puder ser exercido (art.º 306.º, n.º 1 CC), sendo o prazo prescricional interrompido pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer aquele direito ou, no caso, no quinto dia posterior àquele em que a citação tenha sido requerida (cfr. art.º 323.º, n.º 2 CC), não começando a correr novo prazo enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, cfr, art.º 326º, n.º 1 e art.º 327º, n.º 1 CC;
2.ª- No caso sub judice, o prazo de prescrição foi interrompido desde o quinto dia posterior àquele em que a execução foi instaurada (05.03.1988), na qual se requereu a citação dos Executados, e não havendo ainda decisão final que ponha termo ao processo, não pode o presente processo ser declarado extinto por prescrição, visto não ter decorrido o prazo prescricional legal, devendo os autos prosseguir os seus termos;
3 - Logo, ao declarar “totalmente procedente a presente Reclamação uma vez que já se encontra prescrita a dívida exequenda” e douta sentença recorrida violou as normas referidas nas anteriores conclusões, bem como o art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.»

2 – Foram apresentadas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:
1. O prazo de prescrição, no caso sub judice, é de 20 anos (artigo 309º do C.C.)
2. Nos autos recorridos estamos perante um contrato de direito privado, sendo esta uma divida cujo prazo prescricional começou a correr em 24-04-1985.
3. O prazo prescricional em questão foi interrompido com a citação dos executados, sendo que a reclamante, ora recorrida, foi citada para a execução em 04-11-1988.
4. Tendo assim começado a correr novo prazo prescricional que terminaria em 04-11-2008, uma vez que o prazo prescricional em questão não mais foi interrompido desde a data de citação edital da reclamante, ora recorrida.
5. O processo de execução esteve pois parado de 31-01-1989 até 24-11-1992 e desde essa data até 10-12-2008, altura em que a A……….. veio indicar a existência de um bem em nome dos executados, porém desde 31-01-1989 não existiu mais nenhum acto passível de interromper a prescrição.
6. Sendo que, verificando os prazos entretanto decorridos e acima referidos, o processo em causa nestes autos prescreveu em 05-11-2008.
7. Pelo que, aquando da notificação da entidade patronal da reclamante ora recorrida, para penhora dos seus vencimentos, seja, em 27-05-2009, o prazo prescricional já havia decorrido.
8. Decidindo assim a juiz “a quo” de forma irrepreensível, uma vez que a prescrição se verificou, por inércia da reclamante, que desde 31-01-1989 até 24-11-1992 e desta data até 10-12-2008 nada fez nos autos.»

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 173/174 dos autos, com o seguinte fundamentação que, na parte relevante, se transcreve:

(….) A nosso ver recurso merece provimento, pois parece evidente que a dívida exequenda não se mostra prescrita, como bem refere o MP junto da 1ª instância, na sua pronúncia de fls. 126.
A dívida exequenda em causa reporta-se a dívida à A……….. relativa a empréstimo concedido à, ora, recorrida e C…………, mediante contrato de mútuo celebrado em 24 de Abril de 1985, conforme ponto 1 do probatório.
Os mutuários deixaram de cumprir o clausulado no contrato de mútuo, o que implicou o vencimento do empréstimo em 24 de Abril de 1985.
A credora A………… requereu a instauração da competente execução fiscal, que foi autuada em 29 de Fevereiro de 1988, conforme ponto 2 do probatório.
Estamos, obviamente, perante uma dívida de natureza não tributária.
Assim sendo a prescrição há-de ser analisada nos termos dos normativos constantes dos artigos 300.º e seguintes do Código Civil (Neste sentido, entre outros, acórdão do STA, de 2012.01.25-P01188/11, disponível no sitio da internet www.dgsi.pt).
O prazo de prescrição é de 20 anos, contados de 24 de Abril de 1985 (artigos 306º e 309º do CC).
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (artigo 323º/1 do CC).
Se a citação ou notificação não se fizer no prazo de 5 dias depois de ser requerida, por causa não imputável ao requerente tem-se a prescrição interrompida logo que decorram 5 dias.
Os executados foram citados em 23 de Agosto de 1988 e 4 de Novembro de 1988, conforme pontos 3 e 4 do probatório.
Assim sendo, a prescrição tem-se por interrompida, pelo menos desde 05 de Março de 1988, pois parece evidente que não foi por causa imputável à A……….. que a citação dos executados não foi feita no prazo de 5 dias.
Logo, o novo prazo de prescrição de 20 anos, resultante do referido facto interruptivo, não voltará a correr enquanto não passar em julgado a decisão que venha a pôr termo ao presente processo (artigos 326.º/1 e 327.º/1 do CC).
Portanto temos como certo que a dívida exequenda não se mostra prescrita (….). »

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5. A decisão sob recurso deu como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. Em 24/04/1985, foi celebrado entre C……….. e B………… e a A………….. um contrato de Mútuo com hipoteca, sendo que os primeiros se confessam devedores à segunda da quantia de Esc.: 5.300.000$00 (cfr. doc. junto a fls. 7 a 13 da cópia do processo executivo junto aos autos);
2. Em 29/02/1988, foi instaurado o processo de execução fiscal nº O9CP/88, no Serviço de Finanças de Setúbal por dívidas à A……….. decorrentes do contrato de mútuo identificado no ponto anterior, e juros contados desde 24/04/1985, no montante de Esc.: 9.117.838$00 em que são executados C………….. e B…………… (cfr. doc. junto a fls. 4 da cópia do processo executivo junto aos autos);
3. Em 23/08/1988 foi citado o executado C…………… no âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 17 da cópia do processo executivo identificado no ponto anterior);
4. A executada B…………. foi citada editalmente em 04/11/1988 (cfr, doc. junto a fls. 18 da cópia do processo executivo junto aos autos);
5. Em 31/01/1989 foi extraída Carta Precatória para o Serviço de Finanças da Amora em virtude de lá se situar um imóvel passível de penhora (cfr. doc. junto a fls. 3 da cópia do processo executivo junto aos autos);
6. Em 24/11/1992 o processo executivo identificado em 1 foi remetido ao Serviço de Finanças de Palmela (cfr. doc. junto a fls. 66 da cópia do processo executivo junto aos autos);
7. Em 10/12/2008 a A………….., S.A. vem informar que os executados são proprietários de um veículo automóvel (cfr. doc. junto a fls. 67 da cópia do processo executivo junto aos autos);
8. Por ofício de 27/05/2009 do Serviço de Finanças de Palmela foi notificada a entidade patronal da executada B……….. para penhorar 1/6 do vencimento desta (cfr. doc. junto a fls. 85 da cópia do processo executivo junto aos autos);
9. Por despacho de 12/11/2009, o processo executivo identificado em 1 foi declarado em falhas (cfr. doc. junto a fls. 90 da cópia do processo executivo junto aos autos);
10. Em 21/05/2009 a A…………… informa o Serviço de Finanças que o montante da dívida é de € 28.541,81 (cfr. doc. junto a fls. 73 da cópia do processo executivo junto aos autos).

6. Do objecto do recurso:
Da análise do segmento decisório da sentença e dos fundamentos invocados pelo recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a única questão objecto do recurso consiste em saber se saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao julgar prescrita a dívida exequenda relativa a dívida à A…………. por empréstimo concedido à recorrida.

6.1 Da invocada prescrição.
No caso em apreço, como resulta do ponto 1 do probatório, está em causa dívida à A………….. relativa a empréstimo concedido à ora recorrida e a C…………., mediante contrato de mútuo celebrado em 24 de Abril de 1985,

A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou procedente reclamação deduzida contra acto do órgão de execução fiscal que indeferiu pedido de reconhecimento de prescrição de dívida relativo a mútuo da A…….., no entendimento de que o prazo de prescrição se interrompeu em 1988.11.04 com a citação da recorrida, começando a correr novo prazo de 20 anos e que, uma vez que não ocorreu nenhum outro facto interruptivo a prescrição ter-se-ia consumado em, pelo menos, 2008.11.05.

Não conformada com o assim decidido alega a Recorrente que no caso sub judice, o prazo de prescrição foi interrompido desde o quinto dia posterior àquele em que a execução foi instaurada (05.03.1988), na qual se requereu a citação dos Executados, e não havendo ainda decisão final que ponha termo ao processo, não pode o presente processo ser declarado extinto por prescrição, visto não ter decorrido o prazo prescricional legal.
No mesmo sentido se pronuncia o Ministério Público neste Tribunal e na primeira instância.

Vejamos.

Sendo inquestionável que a dívida em causa não tem natureza tributária, mas civil, pese embora possa ser cobrada coercivamente através do processo de execução fiscal, esse facto não implica que fique sujeita ao prazo ou ao regime de prescrição da dívida tributária.
Com efeito, como se exarou no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário, de 1/3/2000, proc. nº 024545, «
Com a possibilidade de cobrança dos créditos através do processo de execução fiscal, pretendeu-se dar à A………… um meio mais expedito de cobrança dos seus créditos, em atenção às suas funções de interesse público, e não alterar a natureza dos seus créditos nem o regime substantivo que os regula.
Por outro lado, a atribuição deste regime especial de cobrança, presumivelmente mais célere, visou privilegiar a A………… em relação às outras entidades com intervenção no comércio bancário, atento o interesse público subjacente a essa cobrança.
Sendo essa a finalidade dessa atribuição, seria incongruente que, concomitante e contraditoriamente, se fosse atribuir-lhe um estatuto diminuído a nível do direito substantivo (…) Para além disso, tal diminuição de estatuto, não baseada em qualquer circunstância que justifique uma discriminação negativa da A………… em relação às outras, entidades bancárias, teria de considera-se ofensiva do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13º da CRP.»
Assim sendo há que atentar no regime substantivo de prescrição que regula a dívida em causa que é disposto nos arts. 309º/310º e 323º e segs. do Código Civil
Ora, de harmonia com o n.º 1 do artigo 323.º CC, a prescrição, cujo prazo é de vinte anos (artigo 309.º CC), interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
O acto interruptivo aqui previsto é a citação e o seu efeito é a interrupção da prescrição, a qual inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir da sua verificação (artigo 326.º CC).
Isto, porém, sem prejuízo do disposto no número 1 do artigo 327.º CC, o qual estabelece que se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
No caso em apreço, a execução deu entrada em 29/2/1988 e os executados só foram citados em 23/08/1988 (C………….) e em 04.11.1988 (B………….., editalmente).
Como a citação não se fez dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável à exequente, a prescrição interrompeu-se logo que decorridos esses cinco dias (artigo 323.º, n.ºs 1 e 3 CC).
Interrompido o prazo de prescrição, inutiliza-se o tempo decorrido anteriormente e inicia-se nova contagem do prazo prescricional a partir do acto interruptivo (artigo 326.º CC), sem prejuízo, porém, de, tendo a interrupção resultado de citação, o novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (n.º 1 do artigo 327.º CC).
Resultam, assim, destes artigos 326.º e 327.º dois conceitos de interrupção da prescrição ou interrupções de dois tipos: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição) (Neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Edit., 2ª edição, pag. 57. ).
Assim sendo, no caso subjudice o prazo de prescrição, de 20 anos, foi interrompido desde o quinto dia posterior àquele em que a execução foi instaurada, ou seja, pelo menos desde 05 de Março de 1988, e não voltará a correr enquanto não passar em julgado a decisão que venha a pôr termo ao presente processo (artigos 326.º/1 e 327.º/1 do CC).
Não se mostra, pois, verificada a prescrição da dívida exequenda.
A sentença recorrida, que assim não entendeu, não pode ser confirmada.

7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, mantendo-se na ordem jurídica o despacho reclamado.
Custas pela recorrida que contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2016. - Pedro Delgado (relator) - Isabel Marques da Silva - Dulce Neto.