Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0873/11
Data do Acordão:07/05/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE
INCIDENTE
RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
COMPETENCIA DO ORGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:O conhecimento e apreciação de nulidades ocorridas no processo de execução fiscal (e alegadamente emergentes da violação das regras relativas à nomeação do fiel depositário e ao exercício das respectivas funções, da violação das regras relativas à citação da executada e seus legais representantes, da violação das regras relativas à citação dos credores, e da violação das regras atinentes à publicidade da venda) traduz-se na prática de acto ou actos processuais que ao órgão da execução fiscal cabe realizar, ao abrigo da 1ª parte da al. f) do nº 1 do art. 10º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00067723
Nº do Documento:SAP201207050873
Data de Entrada:10/04/2011
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCA SUL DE 2009/11/10 - AC STA PROC1244/04 DE 2005/06/08
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB
Legislação Nacional:CPC96 ART199 ART202 ART685-C
L 13/2002 DE 2002/02/19 ART2 N1 ART4 N2
L 107-D/2003 DE 2003/12/31
ETAF02 ART17 N2 ART27 B
CPTA02 ART152
CONST76 ART2 ART20 N4
CPPTRIB99 ART10 N1 F ART150 ART151 ART276
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC895/11 DE 2012/05/02; AC STAPLENO PROC212/08 DE 2008/09/18; AC STAPLENO PROC923/08 DE 2010/02/24; AC STA PROC42/11 DE 2011/03/10; AC STAPLENO PROC452/07 DE 2007/09/26; AC STJ DE 1998/04/16 IN BMJ N476 PAG305
Referência a Doutrina:FREITAS DA ROCHA LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 3ED PAG280
MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES D DE PROCESSO CIVIL PAG176
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIII PAG52-53 VIV PAG271-272
GAMA PRAZERES OS INCIDENTES DA INSTÂNCIA NO ACTUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 1963 PAG13
ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 1946 VIII PAG563-564
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……, com os demais sinais dos autos, recorre, por oposição de acórdãos, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10/11/2009, que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no incidente de execução fiscal que ali correu termos sob o nº 941/09.0BELRA e na qual se ordenou a convolação da PI de tal incidente em requerimento a juntar aos próprios autos de execução fiscal nº 1384200701044800 do SF de Leiria-1.

1.2. O recorrente logo inicialmente apresentou alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 611 a 620).
Mas, admitido que foi o recurso (despacho de fls. 625) veio, posteriormente a ser proferido despacho (a fls. 626) a julgá-lo deserto, por falta de tais alegações.
Apresentada, porém, reclamação (para a conferência) deste despacho, veio o mesmo a ser revogado e a ser admitido o recurso (cfr. acórdão de 17/5/2011, a fls. 641 a 643).

1.3. Por despacho do Exmo. Relator no Tribunal Central Administrativo Sul (fls. 656 a 658) considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos e, dado que as partes tinham já apresentado alegações de 2º grau (arts. 284º, nº 5 e 282, nº 3, ambos do CPPT), ordenou-se a subida dos autos ao STA.

1.4. O recorrente termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes:
1ª - O acórdão recorrido e o acórdão fundamento supra identificados, tratam as mesmas questões de direito - delimitação da competência para apreciação das nulidades arguidas em sede de processo de execução fiscal decorrentes da omissão de actos essenciais praticados pelo chefe do serviço de finanças;
2ª - A questão jurídica em apreço é mesma, uma vez que foram ambos proferidos no domínio da mesma legislação e a matéria contemplada num e noutro, assenta no estudo e análise dos mesmos preceitos e normas legais – arts. 151° e 276° do CPPT;
3ª - Divergem, no entanto, na solução jurídica adoptada em cada um;
4ª - No Acórdão Recorrido entende-se que a tramitação processual adequada para a arguição de nulidades em processo de execução fiscal deve consistir em arguição perante o órgão de execução fiscal e, em caso de indeferimento, reclamação para o tribunal nos termos do art. 276° do CPPT;
5ª - Pelo contrário, tal como decorre do sumário do Acórdão Fundamento, neste sustenta-se que “cabe ao tribunal tributário de 1ª instância da área onde correr a execução, nos termos do art. 151° do CPPT, a apreciação dos incidentes que forem suscitados naquela, que demandem uma decisão jurisdicional, sem que seja necessário que os mesmos sejam previamente suscitados perante o chefe da repartição de finanças”;
6ª - A arguição de nulidades em sede de execução fiscal reveste carácter incidental;
7ª - O requerimento de arguição de nulidades apresentado no Tribunal “a quo” apresenta natureza incidental relativamente ao PEF n° 1384200701044800, que correu termos no 1° Serviço de Finanças de Leiria;
8ª - Com a apresentação do requerimento de arguição de nulidades, o recorrente pretendia que fosse declarado, judicialmente, que o órgão de execução fiscal que tramitou o PEF em causa não actuou em conformidade com a lei;
9ª - No Acórdão Fundamento, decide-se no sentido de que “o entendimento do M° Juiz de que o requerimento deveria ter sido dirigido ao chefe da repartição de finanças por virtude do disposto no art. 276° do CPPT não tem qualquer razão válida que o suporte. O que este artigo contempla é a reclamação para o tribunal de decisões do órgão de execução fiscal mas nada nele se diz que leve a entender que a arguição de nulidades tenha que ser por si apreciada para depois ser reclamada para o juiz, quando é certo que a apreciação das nulidades reveste carácter jurisdicional”;
10ª – “Cabe ao TAF da área onde correr a execução fiscal, nos termos do art. 151° do CPPT, a apreciação dos incidentes que forem suscitados naquela, que demandem uma decisão jurisdicional” (Ac. TCA-Sul, de 5/12/2006, proferido no proc. n° 01408/06, in www.dgsi.pt);
11ª – “É ao juiz do tribunal tributário de 1ª instância da área em que corre a execução fiscal que compete o conhecimento das nulidades do processo invocadas pelos interessados bem como de pedido de anulação de venda, pois se trata de questões de natureza jurisdicional e as competências do chefe de serviço de finanças em sede de execução restringem-se às questões de natureza administrativa” (cfr. Art. 151° do CPPT) (Ac. TCA-Sul de 11/01/2005, proferido no proc. n° 00269/04, in www.dgsi.pt);
12ª - Assim, não se afigura pertinente, adequado ou sequer lícito, que seja o Chefe de Serviço de Finanças a proferir uma decisão de aplicação do direito ao caso concreto, com o fim específico de realização do Direito e da Justiça - conforme se pretende in casu - invocando, além do mais, o recorrente vícios que integram ilegalidade da conduta processual desse mesmo órgão de execução fiscal;
13ª - O art. 150° do CPPT não lhe confere tais atribuições e/ou competências;
14ª - E, caso se entenda que tal normativo contempla na sua previsão a hipótese daquele órgão apreciar questões incidentais que determinem um juízo de legalidade relativamente às suas próprias condutas processuais, sempre tal norma, na referida interpretação, será inconstitucional, por violação dos arts. 2° e 20°, n° 4 da CRP, em virtude da seguinte ordem de razões:
a) A possibilidade de um órgão administrativo proferir juízos de apreciação da legalidade da sua própria actuação processual (como sucederia, no caso, se fosse acometido ao chefe de Finanças o poder de decidir se a prática processual que desenvolveu no PEF se encontra inquinada de nulidades) viola o princípio da separação de poderes consagrado no referido art. 2° da CRP;
b) Tal possibilidade violaria também o direito fundamental do recorrente a um processo justo e equitativo (tendo como fim específico a realização do direito e da justiça, julgado por uma entidade completamente neutra em relação à questão suscitada) - art. 20°, n° 4 da CRP.
15ª - O Acórdão Recorrido violou e interpretou erradamente os arts. 151°, n° 1 e 276° do CPPT e arts. 2° e 20°, n° 4 da CRP;
16ª - Deveria ter interpretado e aplicado tais normas, de modo a decidir em consonância com o Acórdão Fundamento (anterior conclusão 5ª);
17ª - Pelo exposto, deve o Acórdão Recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue declarando conforme se enunciou nas antecedentes conclusões 1ª a 16ª.

1.5 A Recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações, sustentando que, dependendo a admissibilidade dos recurso por oposição de acórdãos da satisfação, entre outros requisitos, do relativo ao facto de a decisão recorrida não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, no caso inexiste tal oposição dado que a decisão impugnada está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada desse Supremo Tribunal, como pode ver-se, por exemplo, dos seguintes acórdãos da 2ª Secção do STA: ac. de 10/3/2011, proc. n° 42/11 e ac. de 12/1/2011, proc. nº 0969/10, sendo que foi recentemente e unanimemente reafirmado no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 24/2/2010 (rec. n° 923/08), não haver que distinguir entre nulidades por falta de citação decorrentes da sua omissão absoluta, de vícios de forma da citação efectuada ou do seu efectivo não conhecimento, pois que para o conhecimento de todas elas é primariamente competente o órgão da execução fiscal, e não o Tribunal, podendo este intervir, contudo, em caso de indeferimento da arguição de nulidade pelo órgão da execução fiscal (cfr., a título de exemplo, o acórdão de 5/5/2010, rec. n° 125/10).
E o sentido da decisão recorrida é igualmente, o sustentado por Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 5ª edição, II, pag. 648.
Assim, o presente recurso deve ser rejeitado por falta dos necessários pressupostos para a respectiva aceitação.
Mas, caso assim não se entenda, é de considerar correcta a interpretação reflectida no acórdão recorrido, sendo que, quanto à alegação de que tal interpretação viola o direito fundamental do recorrente a um processo equitativo e justo, sempre e dirá que as arguidas nulidades não são senão vicissitudes processuais da execução, que nela devem ser suscitadas e resolvidas e o recorrente sempre tinha a possibilidade legal de reclamar - nos termos do art. 276° do CPPT - do despacho que, em sede de execução, «resolvesse» tais questões, pelo que nenhuma ofensa se verifique do referido princípio constitucional.

1.6. O MP não emitiu Parecer (cfr. fls. 661 verso).

1.7. Corridos os Vistos dos Exmos. Adjuntos, cabe deliberar.

FUNDAMENTOS
2. No acórdão recorrido julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - No Serviço de Finanças de Leiria-1 foi instaurado e corre os seus termos, o processo de execução fiscal n° 1384200701044800 e associados contra a sociedade "B……, S.A., para pagamento de dívidas de Coimas Fiscais, IR e IMI (cfr. fls. 24);
2 - Em 29/10/2007 foi penhorada a fracção inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 1495, fracção AN, da freguesia de …., Concelho de Caldas da Rainha (fls. 24);
3 - A fracção penhorada e identificada no número anterior foi vendida a C…… (fls. 24);
4 - Em 11/08/2008, A…… foi notificado para restituir a posse da supra identificada fracção e entregar a chave e comando de acesso às garagens (fls. 25 e 26);
5 - Em 02/09/2009, o requerente apresentou no Serviço de Finanças de Leiria, incidente de anulação de venda da referida fracção, que corre termos neste Tribunal sob o n° 1185/08.3BELRA;
6 - Em 25/09/2009 apresentou, via fax, requerimento dirigido ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, onde arguiu diversas nulidades alegadamente cometidas no processo de execução fiscal identificado no número 1, o qual deu origem ao presente processo.

3.1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido no TCAS, em 10/11/2009 (fls. 546/560), invocando o recorrente que o mesmo está em oposição com o acórdão proferido no STA, em 8/6/2005, no processo nº 01244/04.
Nos autos foi proferido despacho (cfr. fls. (fls. 656 a 658) no qual o Exmo. relator julgou verificada a oposição.
Mas porque tal decisão não faz, nesse âmbito, caso julgado, nem impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar - cfr. art. 685º-C, nº 5 do CPC – podendo, se for caso disso, ser julgado findo o respectivo recurso; (Cfr. o ac. deste STA, de 7/5/2003, proc. nº 1149/02: «o eventual reconhecimento judicial da alegada oposição de julgados pelo tribunal recorrido, ao abrigo, nos termos e para os efeitos do disposto no referido art. 284° nº 5 do CPPT não só não faz, sobre o ponto, caso julgado, pois apenas releva em sede de tramitação/instrução do respectivo recurso, como, por isso, não obsta a que o Tribunal Superior, ao proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão daquele recurso jurisdicional, considere antes que aquela oposição se não verifica e, em consequência, julgue findo o recurso».) - cfr. também neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284º), importa, então, averiguar se a alegada oposição de acórdãos se verifica.

3.2. Sendo ao caso aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos arts. 2º, nº 1, e 4º, nº 2, da Lei nº 13/2002, de 19/2, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31/12, (já que o presente meio processual deu entrada em 26/8/2008 – cfr. carimbo aposto na respectiva petição inicial, a fls. 2), a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27º, al. b) do ETAF e 152º do CPTA, depende, como se deixou expresso no ac. de 26/9/2007, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, no processo nº 0452/07, da satisfação dos seguintes requisitos:
«– existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (() Acórdão de 29-3-2006, recurso nº 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
– a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (() Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da SCA:
– de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05;
– de 17-1-2007, recurso n.º 48/06;
– de 6-3-2007, recurso n.º 762/05;
– de 29-3-2007, recurso n.º 1233/06.
No mesmo sentido, pode ver-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, páginas 765-766.)».
Por um lado, portanto, a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

3.3. Neste contexto, importa, então, apreciar se se verifica, ou não, a suscitada oposição que, segundo o recorrente, consiste em ter o acórdão recorrido entendido que a tramitação processual adequada para a arguição de nulidades em processo de execução fiscal deve consistir em arguição perante o órgão de execução fiscal e, em caso de indeferimento, reclamação para o tribunal nos termos do art. 276° do CPPT,
ao passo que no acórdão fundamento se sustenta que cabe ao tribunal tributário de 1ª instância da área onde correr a execução, nos termos do art. 151° do CPPT, a apreciação dos incidentes que forem suscitados naquela, que demandem uma decisão jurisdicional, sem que seja necessário que os mesmos sejam previamente suscitados perante o chefe da repartição de finanças.
Com efeito, no entendimento do recorrente, a interpretação decorrente do acórdão recorrido é ilegal dado que o art. 150° do CPPT não confere ao OEF as atribuições e/ou competências aqui questionadas, nem se afigura lícito que seja o OEF a proferir uma decisão de aplicação do direito ao caso concreto, quando se invocam, além do mais, vícios que integram ilegalidade da conduta processual desse mesmo órgão.
E caso se entenda que tal normativo contempla na sua previsão a hipótese daquele órgão apreciar questões incidentais que determinem um juízo de legalidade relativamente às suas próprias condutas processuais, sempre tal norma, na referida interpretação, será inconstitucional, por violação dos arts. 2° e 20°, n° 4 da CRP, porque:
a) A possibilidade de um órgão administrativo proferir juízos de apreciação da legalidade da sua própria actuação processual (como sucederia, no caso, se fosse acometido ao chefe de Finanças o poder de decidir se a prática processual que desenvolveu no PEF se encontra inquinada de nulidades) viola o princípio da separação de poderes consagrado no referido art. 2° da CRP;
b) Tal possibilidade violaria também o direito fundamental do recorrente a um processo justo e equitativo (tendo como fim específico a realização do direito e da justiça, julgado por uma entidade completamente neutra em relação à questão suscitada) - art. 20°, n° 4 da CRP.
Por isso, o acórdão recorrido devia ter interpretado e aplicado os arts. 151°, n° 1 e 276° do CPPT e 2° e 20°, n° 4 da CRP, em conformidade com o sentido da decisão constante do acórdão fundamento.
Vejamos, pois.

4.1. Em requerimento de 26/8/2008, dirigido ao sr. Juiz do TAF de Leiria e referenciando o processo de execução nº 1384200701044800 e apensos, do Serviço de Finanças de Leiria 1, o recorrente arguiu as nulidades ali explicitadas (as emergentes da violação das regras relativas à nomeação do fiel depositário e ao exercício das respectivas funções; da violação das regras relativas à citação da executada e seus legais representantes; da violação das regras relativas à citação dos credores; e da violação das regras atinentes à publicidade da venda).
Tal requerimento foi autuado na espécie «Outros incidentes da execução fiscal» e por decisão proferida em 2/7/2009 (fls. 491 a 497) o TAF de Leiria veio a julgar:
- que as nulidades arguidas deviam ser invocadas no processo de execução fiscal e junto do respectivo OEF e só na eventualidade de indeferimento da arguição assim efectuada seria, então, possível o recurso à via judicial.
- que, assim sendo e atento o pedido, ocorria, no caso, erro na forma de processo;
- que se impunha a convolação do dito requerimento inicial em requerimento a juntar à execução fiscal, por ser esta a sede própria para apreciação das invocadas nulidades.
Interposto pela requerente recurso, para o TCAS, desta decisão, veio a ser proferido o acórdão recorrido. O qual, enunciando como questão a decidir a de saber se as nulidades da execução fiscal têm carácter incidental, não revestindo qualquer forma processual autónoma, ou pelo contrário devem revestir uma forma processual concreta, veio a confirmar a decisão recorrida, fazendo apelo à jurisprudência constante do acórdão deste STA, de 25/3/2009, rec. nº 0923/08) e considerando, em síntese e no que ora interessa, o seguinte:
- pretendendo o requerente que sejam reconhecidas várias nulidades (as emergentes da violação das regras relativas à nomeação do fiel depositário e ao exercício das respectivas funções; da violação das regras relativas à citação da executada e seus legais representantes; da violação das regras relativas à citação dos credores; e da violação das regras atinentes à publicidade da venda) e, consequentemente, que sejam anulados todos os actos posteriores à ocorrência dessas nulidades, então o pedido formulado pelo requerente - alegadamente proprietário e possuidor da fracção penhorada e vendida na execução fiscal - não é compatível com o meio processual utilizado, porquanto, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal e o carácter incidental das nulidades que ali ocorram, impõe-se que as nulidades de que o mesmo enferme sejam nele invocadas e apreciadas.
- nesta conformidade, cumpria ao requerente submeter o requerimento de arguição de nulidades em análise ao OEF em causa e só na eventualidade de indeferimento deste seria, então, possível o recurso à via judicial para apreciação da legalidade desse preciso acto de indeferimento.
- tendo ocorrido, no caso, erro na forma de processo (nulidade que é de conhecimento oficioso - arts. 199° e 202° do CPC) pois, em face da causa de pedir e do pedido formulado, se verifica que o requerente pretende reagir contra as alegadas nulidades cometidas na execução fiscal, impunha-se, como fez a decisão recorrida, convolar o requerimento inicial em requerimento a juntar à execução fiscal, por ser esta a sede própria para apreciação das invocadas nulidades.

4.2. Por sua vez, no acórdão fundamento (do STA, de 8/6/2005, rec. nº 01244/04) estava em causa um requerimento, apresentado no TAF de Lisboa, de arguição de nulidades em quatro processos de execução fiscal por falta de citação e, a título subsidiário, um pedido de anulação de venda, requerimento esse que o sr. Juiz liminarmente indeferira por entender que as nulidades teriam de ser previamente arguidas no próprio processo de execução fiscal em requerimento dirigido ao chefe da repartição de finanças e por haver erro na forma de processo no pedido de anulação da venda.
E tendo o ali requerente interposto recurso, para o STA, de tal despacho de indeferimento liminar, este Supremo Tribunal veio a julgá-lo procedente, com a fundamentação que, em síntese, é a seguinte:
- Nos termos do art. 151º do CPPT compete ao TT de 1ª instância da área onde correr a execução decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal.
- As matérias cujo conhecimento é atribuído no nº 1 deste artigo aos tribunais tributários são as que exigem uma decisão de carácter jurisdicional. Assim, devem ser conhecidos pelo tribunal os incidentes que exijam uma decisão de carácter jurisdicional, considerando-se incidente, no dizer do Prof. José Alberto dos Reis, “uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo”.
Ora o conhecimento de nulidades cabe neste conceito de incidentes pois perturba o normal andamento do processo, devendo a decisão sobre as mesmas assumir o carácter de jurisdicional.
- O entendimento do Mº Juiz de que o requerimento deveria ter sido dirigido ao chefe da repartição de finanças por virtude do disposto no art. 276º do CPPT não tem qualquer razão válida que o suporte, pois o que este artigo contempla é a reclamação para o tribunal de decisões do órgão da execução fiscal mas nada nele se diz que leve a entender que a arguição de nulidades tenha que ser por si apreciada para depois ser reclamada para o juiz, quando é certo que a apreciação das nulidades reveste carácter jurisdicional.
- A título subsidiário, para o caso de não proceder a arguição de nulidade, o recorrente invoca também a nulidade da venda. E também quanto a esta estamos perante uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide que consubstancia um incidente, aplicando-se, por isso, e de igual modo, o mesmo regime (o seu conhecimento reveste carácter jurisdicional e deve ser apreciado pelo juiz do tribunal tributário, nada se vendo na lei que determinasse a prévia apreciação efectuada pelo chefe da repartição de finanças).

4.3. Retornando, então, à questão da admissibilidade do presente recurso por oposição de acórdãos, julgamos que, atento o acima exposto, se verifica entre os acórdãos em confronto, efectiva divergência de soluções quanto à mesma questão fundamental de direito (ao menos na parte relativa à arguição da nulidade da citação – mas, a nosso ver, também quanto às demais nulidades invocadas, dado que os pressupostos são os mesmos) pois que, sendo idêntica a questão de direito sobre a qual recaíram tais acórdãos, sendo substancialmente idêntica a questão de facto e não tendo alteração substancial na regulamentação jurídica, os arestos perfilham solução oposta e antagónica, como decorre das respectivas decisões.

4.4.1. É certo que, a Fazenda Pública alega que a oposição de acórdãos não se verifica, uma vez que o acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo (requisito de que, como se disse, também depende a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos).
Ora, sobre o alcance desta expressão «jurisprudência mais recentemente consolidada» escreveu-se no acórdão do Pleno desta Secção, de 2/5/2012, rec. nº 0895/2011, o seguinte:
«Sobre a expressão “jurisprudência recentemente consolidada”, escreveram Mário Aroso e Carlos Cadilha - Comentário ao CPTA, 3ª edição, pág. 1010: “Se o acórdão impugnado seguir o entendimento expresso pelo Pleno no âmbito de um julgamento ampliado de revista ou em anterior acórdão uniformizador, não tem, na verdade, justificação submeter a questão de novo à apreciação do Pleno. Face à lateralidade do preceito, a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas subsecções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente”.
Ora, conforme se escreveu no acórdão do STA (Pleno) de 18 de Setembro de 2008 (Processo n° 212/08): “… a diferença entre haver uma jurisprudência «tout court» e uma «jurisprudência consolidada» há-de necessariamente advir de um «plus» desta última, que cause ou revele uma estabilidade de julgamento; e esse acréscimo detectar-se-á por um critério quantitativo, significador de uma constância decisória - seja esse critério o do número dos Juízes subscritores da solução, seja o do número das decisões do STA que a acolheram. Assim, a consolidação jurisprudencial transparecerá, ou do facto de a pronúncia respectiva constar de um acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17º, nº 2, do actual ETAF), ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido e obtidas por unanimidade ou por maiorias inquebráveis, exigindo-se um maior número delas se os acórdãos provierem das Subsecções e um seu menor número se forem do Pleno (na formação de nove Juízes, referida no art. 25º, nº 1, do anterior ETAF)».

4.4.2. Ora, pronunciando-se sobre a questão objecto do presente recurso foram proferidos os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 5/5/2010, no proc. nº 0125/10, de 12/1/2011, no proc. nº 0969/10 e de 10/3/2011, no proc. n° 42/11, referidos pela recorrida Fazenda Pública e, anteriormente, o acórdão do Pleno desta mesma Secção, de 24/2/2010, no proc. nº 923/08, que, aliás, veio confirmar o anterior acórdão da Secção, de 25/3/2009, no mesmo proc. nº 923/08, citado no acórdão recorrido (e em que estava em causa a arguição da nulidade por falta da citação).
Todavia, embora todos estes arestos veiculem, no essencial, o entendimento expresso no acórdão recorrido (o que poderia inculcar a ideia de constância decisória evidenciada por uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido) verifica-se que no acórdão proferido em 5/5/2010 (proc. nº 0125/10) intervieram juízes conselheiros que actualmente já não fazem parte da Secção, no acórdão proferido em 12/1/2011 (proc. nº 0969/10) interveio como 1º adjunto um juiz conselheiro que que actualmente já não faz parte da Secção e como 2º adjunto o actual Presidente do STA, no acórdão proferido em 10/3/2011 (proc. n° 42/11) interveio, como relator, o actual Presidente do STA e no acórdão do Pleno de 24/2/2010 (proc. nº 923/08) apenas 4 dos juízes conselheiros actualmente em funções tiveram intervenção.
Ou seja, dos nove juízes conselheiros que actualmente compõem a Secção de Contencioso Tributário do STA, cinco não tiveram, ainda, intervenção em processos em que a questão ora objecto de oposição haja sido apreciada.
E, assim sendo, não se nos afigura que seja de concluir que o acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA.
Pelo que, pelo exposto e na consideração de que se encontram preenchidos os respectivos pressupostos de admissão, se admite o presente recurso de oposição de acórdãos.

5. Vejamos então se a decisão recorrida deve ser alterada ou se deve manter-se.

5.1. Como vimos, o acórdão recorrido afirmou que a tramitação processual adequada para a arguição de nulidades em processo de execução fiscal deve operar mediante arguição perante o órgão de execução fiscal e, em caso de indeferimento, reclamação para o tribunal nos termos do art. 276° do CPPT, ao passo que no acórdão fundamento se sustenta que cabe ao TT de 1ª instância da área onde correr a execução, nos termos do art. 151° do CPPT, a apreciação dos incidentes que forem suscitados naquela, que demandem uma decisão jurisdicional, sem que seja necessário que os mesmos sejam previamente suscitados perante o OEF.
E é este último entendimento que o recorrente alega ser o que decorre da correcta interpretação dos arts. 150º, 151°, nº 1 e 276° do CPPT, pois que, se assim não se entender, a possibilidade de um órgão administrativo proferir juízos de apreciação da legalidade da sua própria actuação processual (como sucederia, no caso, se fosse acometido ao chefe de Finanças o poder de decidir se a prática processual que desenvolveu no PEF se encontra inquinada de nulidades) viola, quer o princípio da separação de poderes consagrado no art. 2° da CRP, quer o direito fundamental do recorrente a um processo justo e equitativo (tendo como fim específico a realização do direito e da justiça, julgado por uma entidade completamente neutra em relação à questão suscitada) decorrente do nº 4 do art. 20° da mesma CRP.

5.2. Dispõe-se nos arts. 150º e 151º do CPPT:
Artigo 150° - Competência territorial
«É competente para a execução fiscal o órgão da execução fiscal do domicílio ou sede do devedor, da situação dos bens ou da liquidação, salvo tratando-se de coima fiscal e respectivas custas, caso em que será competente o órgão da execução fiscal da área onde tiver corrido o processo da sua aplicação.»
Artigo 151° - Competência dos tribunais tributários
«1 - Compete ao tribunal tributário de 1ª instância da área onde correr a execução, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do presente Código, decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal.
2 - O disposto no presente artigo não se aplica quando a execução fiscal deva correr nos tribunais comuns, caso em que cabe a estes tribunais o integral conhecimento das questões referidas no número anterior.»
Por sua vez, na al. f) do nº 1 do art. 10º do mesmo CPPT dispõe-se que «Aos serviços da administração tributária cabe: (…)
f) Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no nº 1 do art. 151º do presente código».

5.3. Face a estes normativos, é legítimo concluir, como se exarou no supra citado acórdão do Pleno desta Secção de Contencioso Tributário, de 24/2/2010, no proc. nº 923/08 (que subscrevemos como adjunto e cujo texto passaremos a seguir), que o órgão da execução fiscal (Serviço de Finanças) “é o competente para «realizar os actos» respeitantes aos processos de execução fiscal. Enquanto que o Tribunal Tributário, no âmbito da execução fiscal, apenas tem competência para «decidir» os embargos; a oposição; a graduação e verificação de créditos; as reclamações; e os incidentes. (Note-se que o acórdão em citação foi proferido antes das alterações introduzidas no CPPT pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OGE de 2011); daí a referência, aqui, como noutros passos do acórdão, à «graduação e verificação de créditos».)
Quer dizer: especialmente em face dos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 10º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – de que pertence à Administração Tributária a competência para «Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no nº 1 do artigo 151º do presente Código» –, o que, na execução fiscal, não for «decidir» embargos, oposição, graduação e verificação de créditos, reclamações, e incidentes é da competência da Administração Tributária (à qual cabe «realizar os actos» respeitantes à execução fiscal).
2.2 Aqui chegados, havemos de dizer o óbvio: a nulidade processual de falta de citação em processo de execução fiscal não se quadra na previsão legal de embargos; de oposição; nem de graduação e verificação de créditos; nem ainda de reclamação de acto praticado pelo órgão da execução fiscal (pois do que se fala na nulidade em causa é de falta e não de prática de acto).
Havemos de dizer também do nosso entendimento de que a nulidade processual de falta de citação em processo de execução fiscal não se alista em qualquer tipo de “incidente” (ainda que inominado).
Afora evidentemente a possível ocorrência de outros incidentes inominados na lei, como, por exemplo, o incidente de anulação da venda executiva, o nº 1 do artigo 166º do Código de Procedimento e de Processo Tributário prevê, como incidentes para o processo de execução fiscal, os embargos de terceiros; a habilitação de herdeiros; e o apoio judiciário.
O “incidente” – consoante doutrina e jurisprudência repetidamente firmada – é uma ocorrência estranha ao desenrolar normal de um processo, a qual dá lugar a processado próprio e tem fins específicos a alcançar.
Os incidentes mais não são do que enxertos ou conjuntos de actos destacáveis de um processo, resolvidos autonomamente. São tramitações acessórias ou laterais da regular tramitação do processo para a resolução de questões incidentais. Estas questões incidentais, na medida em que são resolvidas autonomamente, convocam o nascimento de uma tramitação própria que se designa por “incidente”. Deste modo, as características marcantes de um incidente são i) a acessoriedade em relação à questão principal e ii) a autonomia da respectiva tramitação – cf. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 280.
Diferentemente da tramitação dos incidentes, as nulidades processuais – cf., por todos, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 176 – apenas determinam uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais como sanção ao desvio do formalismo processual seguido em relação ao formalismo processual prescrito na lei.
E – diversamente do que acontece em qualquer “incidente” –, o meio ou o modo de conhecimento das nulidades processuais, sobremaneira a nulidade de falta de citação em processo de execução fiscal, não reclama uma tramitação autónoma (bem ao invés), nem assume um carácter acessório, dependente e extrínseco relativamente à questão principal (a cobrança da quantia exequenda e acrescido).
Assim, as nulidades processuais ocorrem no próprio processo e decidem-se, ou são sanadas, no próprio processo (e não em outro meio processual incidental, autónomo e acessório).
Aliás, a citação em processo de execução fiscal é um simples acto de comunicação às partes (ao executado) –, por isso que constitui um acto respeitante à execução fiscal que compete à Administração Tributária realizar.»

5.4. Aceitamos esta fundamentação.
Na verdade, o incidente processual substancia-se, como salienta Salvador da Costa, na «ocorrência extraordinária, acidental, estranha, surgida no desenvolvimento normal da relação jurídica processual, que origine um processado próprio, isto é, com um mínimo de autonomia, ou noutra perspectiva, uma intercorrência processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da acção principal ou do recurso.
O incidente verdadeiro e próprio pressupõe, pois, em regra, a existência de uma questão a resolver que se configure como acessória e secundária face ao objecto da acção ou do recurso e como ocorrência anormal e com autonomia processual em relação ao processo principal.» (Os Incidentes da Instância, 3ª edição, Actualizada e Ampliada, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, pp. 9 a 12, citando Gama Prazeres, in Os Incidentes da Instância no Actual Código de Processo Civil, Braga, 1963, pág. 13; o Ac. do STJ, de 16/4/98, BMJ, 476, p. 305; e José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra, 1946, pp. 563/564.)
É certo que o Cons. Lopes de Sousa, sustenta que cabem no conceito de incidentes a dedução de excepções e a arguição de nulidades e todas as questões colocadas que tenham de ser decididas autonomamente em relação ao objecto do processo, através de uma decisão de carácter jurisdicional e que, «no específico campo do processo de execução fiscal, em que há parte da tramitação que corre termos sob a direcção das autoridades administrativas, que normalmente acumulam essas funções de direcção com as de parte (exequente), o sentido desta norma do art. 151º é o de atribuir ao tribunal o conhecimento de todas as questões de carácter jurisdicional, deixando às autoridades administrativas apenas as tarefas conexionadas com os fins da execução fiscal que não envolvam a resolução de questões jurídicas controvertidas», pelo que, «na ausência de norma especial que disponha em contrário, qualquer incidente do processo de execução fiscal que careça de uma decisão, inclusivamente a arguição de qualquer nulidade processual derivada de um acto que foi indevidamente praticado, deve ser suscitado em requerimento dirigido ao tribunal tributário e não ao órgão da execução fiscal podendo ser apreciado pelo tribunal sem que, previamente, haja qualquer apreciação feita por aquele órgão», sendo que, se, no entanto, «se tratar de nulidade por omissão da prática de um acto que deveria ser praticado, deverá entender-se que não se está ainda perante uma questão controvertida, pelo que a sua prática deverá ser requerida ao órgão da execução fiscal, só havendo possibilidade de solicitar a intervenção do tribunal, através de uma reclamação nos termos do art. 276º, se for indeferido o respectivo requerimento.» (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotação 4 ao art. 151º, pp. 52/53; entendimento que é reiterado também no Vol. IV da mesma obra, na anotação 4c) ao art. 276º, pp. 271 e 272.)
No entanto, o mesmo autor, referenciando, aliás, o acima identificado acórdão do Pleno de 24/2/2010, no proc. nº 923/08, também não deixa de salientar que já é mais duvidoso «saber se podem ser arguidas directamente perante o juiz nulidades de actos processuais praticados pela administração tributária com deficiências (por exemplo, prática de actos sem observância das formalidades legais) ou se é necessário arguir essas nulidades perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de subsequente reclamação para o juiz da decisão que sobre essa arguição recair» e que também «não é claro se, a entender-se que pode pedir-se directamente a intervenção do juiz, o meio processual adequado é a reclamação prevista no art. 276º (tendo por objecto o acto deficiente) ou um incidente processual inominado, cuja apreciação cabe ao juiz, no âmbito da competência para decidir «incidentes» que lhe é atribuída pelo art. 151º do CPPT e pelos arts. 49º, nº 1, alínea d), e 49º-A, nºs. 1, alínea c), 2, alínea c), e 3, alínea c), do ETAF de 2002». (Ibidem (Vol. IV), p. 272.)

5.5. No caso vertente, como flui do Probatório, o recorrente apresentou em 2/9/2009, no Serviço de Finanças de Leiria, incidente de anulação de venda da fracção questionada (que corre termos no TAF de Leiria sob o n° 1185/08.3BELRA e em 25/9/2009 apresentou um requerimento dirigido ao juiz do TAF de Leiria, onde arguiu diversas nulidades alegadamente cometidas no processo de execução fiscal (nulidades emergentes da violação das regras relativas à nomeação do fiel depositário e ao exercício das respectivas funções; da violação das regras relativas à citação da executada e seus legais representantes; da violação das regras relativas à citação dos credores; e da violação das regras atinentes à publicidade da venda).
Estamos, portanto, a nosso ver, perante a alegação de nulidades de actos processuais praticados pela AT com deficiências, o que legitimará, pelo menos, a dúvida que o autor acima citado aponta.
Mas que, de todo o modo, se nos afigura não relevar, pois, como se disse, aceitamos a fundamentação do acórdão do Pleno que vimos seguindo, bem como a jurisprudência que se lhe seguiu (acs. da Secção, de 5/5/2010, proc. nº 0125/10; de 12/1/2011, proc. nº 0969/10; de 10/3/2011, proc. n° 42/11), no sentido de que, relativamente à citação, não há que distinguir entre nulidades por falta de citação decorrentes da sua omissão absoluta, de vícios de forma da citação efectuada ou do seu efectivo não conhecimento, pois que para o conhecimento de todas elas é primariamente competente o órgão da execução fiscal, e não o Tribunal, podendo este intervir, contudo, em caso de indeferimento da arguição de nulidade pelo órgão da execução fiscal, o mesmo se aplicando, segundo julgamos, às restantes nulidades ora invocadas pelo recorrente.

5.6. E não se vê que esta interpretação dos citados normativos viole o princípio da separação de poderes ou o direito do recorrente a um processo equitativo e justo.
Com efeito, cometendo a lei (citada al. f) do nº 1 do art. 10º do CPPT) ao OEF a instauração dos processos de execução fiscal e a realização dos actos a estes respeitantes, salvo os previstos no nº 1 do art. 151º do mesmo CPPT, e considerando que as arguidas nulidades não são senão vicissitudes processuais da execução, que nela devem ser suscitadas e resolvidas, não há violação do princípio da separação de poderes.
Aliás, porque as nulidades processuais derivam de actos ou omissões praticados no processo e se substanciam em desvios ao formalismo processual prescrito na lei (quer por se praticar acto por ela proibido, quer por se omitir um acto por ela prescrito, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido) é que também em termos de processo civil, as mesmas devem ser suscitadas e conhecidas no processo onde ocorreram e pelo Tribunal que as praticou, ficando sujeita a recurso a decisão que as haja apreciado (daí o brocardo «das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se»).
Por outro lado, como reclama a Fazenda Pública, o recorrente sempre tem a possibilidade legal de reclamar - nos termos do art. 276° do CPPT - do despacho que, em sede de execução, aprecie tais nulidades, pelo que nenhuma ofensa se verifica do referido princípio constitucional a um processo equitativo e justo, decorrente do nº 4 do art. 20° da CRP.

6. Em suma, o acórdão recorrido - ao decidir que a suscitação das alegadas nulidades processuais (emergentes da violação das regras relativas à nomeação do fiel depositário e ao exercício das respectivas funções; da violação das regras relativas à citação da executada e seus legais representantes; da violação das regras relativas à citação dos credores; e da violação das regras atinentes à publicidade da venda) directamente perante o Tribunal Tributário de 1ª instância não é compatível com o meio processual utilizado, porquanto, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal e o carácter incidental das nulidades que ali ocorram, se impõe que as nulidades de que o mesmo enferme sejam nele invocadas e apreciadas, cumprindo ao requerente submeter o requerimento de arguição de nulidades em análise ao OEF em causa e só na eventualidade de indeferimento deste sendo, então, possível o recurso à via judicial para apreciação da legalidade desse preciso acto de indeferimento - julgou de acordo com a lei aplicável e deve ser confirmado.
Ou seja, é de concluir que o conhecimento e apreciação de tais nulidades, por estas se substanciarem em actos que ocorrem no processo de execução fiscal, se traduz na prática de acto ou actos processuais que ao órgão da execução fiscal cabe realizar, ao abrigo da 1ª parte da al. f) do nº 1 do art. 10º do CPPT.

DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 5 de Julho de 2012. – Joaquim Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Pedro Manuel Dias Delgado – João António Valente Torrão – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira.